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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.16 n.2 Brasília jun. 2007

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742007000200012 

Prêmio de incentivo ao desenvolvimento e à aplicação da epidemiologia no sus
menção honrosa
mestrado

Fatores de risco para a mortalidade perinatal no Recife – 2003

 

 

Terezinha de Almeida AquinoI; Sílvia Wanick Sarinho (Orientadora)II; Maria José Bezerra Guimarães (Co-orientadora)III

ISecretaria de Saúde, Prefeitura da Cidade do Recife
IIDepartamento Materno-Infantil, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade de Pernambuco, Recife-PE
IIIDiretoria Executiva de Epidemiologia, Secretaria de Saúde, Prefeitura da Cidade do Recife

 

 


 

 

Introdução

A mortalidade perinatal, que compreende os óbitos fetais (com mais de 500 gramas ou 22 semanas de gestação) e os neonatais precoces (ocorridos com até seis dias completos de vida), é reconhecida como um indicador sensível de avaliação da qualidade da assistência materna e neonatal. Constitui um grave problema de saúde materno-infantil, relacionado a uma complexa interação de fatores determinantes.

Anualmente, estimam-se mais de 7,6 milhões de mortes perinatais no mundo, das quais 57% são óbitos fetais e 98% ocorrem nos países em desenvolvimento. Dos 140 milhões de nascimentos a cada ano, 4,3 milhões de fetos vêm a óbito após a 22a semana de gestação e 3,3 milhões de recém-nascidos morrem antes de completar sete dias de vida.

As mortes fetais compartilham as mesmas circunstâncias e etiologia das neonatais precoces. As políticas de saúde, entretanto, costumam atribuir menor importância às mortes que ocorrem antes do nascimento, não destinando investimentos específicos para sua redução.

A mortalidade perinatal resulta de uma complexa cadeia causal, em que determinantes proximais, como prematuridade e crescimento intra-uterino retardado, são desencadeados por determinantes intermediários e distais.

Os determinantes proximais da mortalidade perinatal estão relacionados com as variáveis biológicas da mãe e do recém-nascido e constituem as causas diretas dos óbitos perinatais. O baixo peso ao nascer, considerado como aquele inferior a 2.500 gramas no momento do nascimento, representa o fator biológico que mais influencia a mortalidade perinatal.

Os determinantes intermediários são capazes de interferir nos fatores de risco biológicos. São representados pela assistência pré e perinatal, tipo de parto, tipo de hospital de ocorrência do parto, história reprodutiva, hábitos de vida e doenças maternas.

Entre os determinantes distais da mortalidade perinatal, os fatores socioeconômicos são os mais importantes, por sua capacidade de influenciar alguns efeitos dos fatores biológicos e dificultar o acesso a uma assistência adequada à gestante durante o pré-natal e no nascimento da criança.

Uma das limitações do estudo da mortalidade perinatal refere-se à má qualidade dos registros dos óbitos, tanto a subnotificação como nas diferenças entre os critérios utilizados para a classificação de nascido vivo e nascido morto. Erros nessa classificação – um clássico problema nas estimativas de mortalidade infantil – podem subestimar ou superestimar a mortalidade fetal ou neonatal.

O presente estudo, ao enfocar os fatores de risco para a mortalidade perinatal, considerou a importância das mortes perinatais para a saúde materno-infantil no País e, mais especificamente, no Município do Recife, capital do Estado de Pernambuco, cujos fatores de risco são potencialmente redutíveis, especialmente aqueles relacionados à atenção à saúde. No Brasil, são poucos os estudos que enfocam esses fatores e nenhum deles, particularmente, refere-se a essa situação no Estado ou nos Municípios de Pernambuco. Desse modo, este trabalho contribui para uma melhor compreensão dos fatores determinantes da mortalidade perinatal no Recife, bem como ao embasamento de políticas públicas de atenção à saúde materno-infantil. Ele deve servir, ademais, à adoção de medidas mais apropriadas de atenção às gestantes, no pré-natal e na ocasião do parto, e aos recém-nascidos, de modo a reduzir a mortalidade fetal, neonatal e perinatal no Município.

 

Objetivos

Objetivo geral

Analisar os fatores de risco associados à mortalidade perinatal na cidade do Recife, no ano de 2003, de acordo com um modelo hierarquizado de determinantes proximais, intermediários e distais.

Objetivos específicos

I. Verificar a associação entre a mortalidade perinatal e variáveis relacionadas a seus determinantes proximais, intermediários e distais.

II. Analisar o conjunto dos fatores de risco proximais, intermediários e distais para a mortalidade perinatal, identificando aqueles que mais contribuem para a ocorrência do óbito.

 

Metodologia

Os dados do estudo referem-se no Município do Recife, cuja área é de 219 km2, totalmente urbana, apresenta características ambientais diversificadas e acentuadas desigualdades sociais.

O desenho de estudo foi o de caso-controle: como casos, consideraram-se todos os óbitos perinatais ocorridos em 2003, com peso ao nascer maior ou igual a 500g, de gravidez única e não portadores de anencefalia; e como controles, os nascidos vivos (NV) entre 26 de dezembro de 2002 e 31 de dezembro de 2003, que não evoluíram a óbito até seis dias completos de vida, com as mesmas características dos casos.

O tamanho mínimo da população a ser estudada (283 óbitos e 1.132 sobreviventes), baseou-se na identificação de estudos brasileiros, a partir da década de 1990, sendo considerada a relação de um caso para quatro controles, nível de significância de 95%, poder de 80% e odds ratio (OR) igual a 1,5. O estudo, cuja preocupação foi garantir a maior margem de segurança possível, incluiu, entre suas variáveis, o indicador de condição de vida (ICV) – indicador sintético construído por Guimarães (2003), não testado nesse tipo de análise, até então, aplicado a todos os 403 óbitos perinatais. Para a seleção dos controles, optou-se por uma amostra aleatória simples, tendo por população-alvo os 24.233 NV que se adequavam aos critérios de seleção; assim, obteve-se 1.612 controles.

A seleção das variáveis considerou os referenciais teóricos sobre os determinantes da mortalidade perinatal, sua disponibilidade no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e seu grau de preenchimento. O número de consultas de pré-natal não foi estudado por não ser conhecido para os óbitos fetais; tampouco o Apgar no 1o e 5o minuto de vida, por não se aplicar aos óbitos fetais.

A variável dependente correspondeu ao óbito perinatal. As variáveis independentes contemplaram os três níveis hierárquicos de determinação: proximal (peso ao nascer; idade gestacional; sexo e idade da mãe); intermediário (local de ocorrência do nascimento; tipo de hospital; e tipo de parto); e distal (escolaridade da mãe; e condição de vida do bairro de residência). A condição de vida, mensurada pelo ICV, foi obtida mediante análise fatorial, a partir de indicadores de saneamento, educação e renda.

Para estruturação do banco final de dados, de forma a permitir sua análise, realizou-se um linkage entre os bancos do SIM 2003 e do Sinasc 2003, excluindo-se os casos que não cumpriram os critérios de seleção. Finalmente, gerou-se um novo banco, denominado “Banco Final Caso-Controle”, com n=2.015.

Na análise multivariada, utilizou-se a técnica de regressão logística múltipla, para determinar o efeito independente de cada variável sobre a mortalidade perinatal. Inicialmente, foi realizada para cada nível hierarquizado de determinação da mortalidade perinatal; e a seguir, para o conjunto de variáveis dos três níveis de determinação que apresentaram OR com significância estatística.

A regressão logística foi realizada por meio do programa SPSS, utilizando-se o procedimento Forward Stepwise (LR) não condicional, com níveis de significância de 5 e 10% para inclusão e exclusão de variáveis, respectivamente. Foram obtidos os OR ajustados com seus respectivos intervalos de confiança, considerado-se o valor de p significante = 5%.

Considerações éticas

O presente estudo, embora não apresentasse implicações éticas/morais na utilização de dados secundários e de domínio público, foi submetido à apreciação e recebeu a aprovação do Comitê de Ética do Instituto Materno-Infantil Professor Fernando Figueira, de Recife-PE.

 

Resultados

Entre os óbitos perinatais incluídos no estudo, houve predominância dos fetais, que representaram 57,8% das mortes. Considerando-se os nascimentos ocorridos em 2003 e com as mesmas características observadas para os óbitos, encontrou-se um coeficiente de mortalidade perinatal de 16,6 por mil nascimentos, com risco de morte fetal (9,6 óbitos por mil nascimentos) superior ao encontrado no período neonatal precoce (7,1 óbitos por mil nascidos vivos).

Na análise multivariada para identificação dos fatores de risco proximais, peso ao nascer menor que 2.500g apresentou risco de morte 4,90 vezes maior, comparativamente ao peso igual ou superior a 2.500g. A prematuridade (idade gestacional menor que 37 semanas) mostrou risco elevado de morte perinatal em relação ao dos nascidos a termo (OR=19,90) e a idade materna igual ou superior a 35 anos apresentou risco 1,84 vezes maior que para os filhos de mulheres com menos de 35 anos. O sexo masculino não mostrou associação com a mortalidade perinatal.

Na identificação dos fatores de risco intermediários, para os nascidos em estabelecimentos de saúde participantes do Sistema Único de Saúde (SUS), o risco de morte perinatal foi 1,65 vezes maior, em comparação ao dos que nasceram em hospitais que não integram o SUS. O parto cesariano apresentou-se como fator de proteção para o óbito perinatal (OR=0,52).

Quanto aos determinantes distais, a escolaridade da mãe com menos de quatro anos de estudo apresentou-se como fator de risco para a mortalidade perinatal, 2,09 vezes maior que o dos nascidos de mulheres com quatro ou mais anos de estudo. Sob a condição de vida do bairro de residência, para os filhos de mães residentes no estrato social de baixa e intermediária condição de vida, o risco de morte perinatal foi 1,45 vezes maior que para os filhos de mulheres pertencentes ao estrato de alta condição de vida.

Todos esses fatores de risco foram submetidos, conjuntamente, à técnica da regressão logística múltipla. Como resultados, permaneceram, com significância estatística, a prematuridade (OR=18,23) – fator mais fortemente associado à mortalidade perinatal – e, em ordem decrescente de risco: baixo peso ao nascer (OR=4,90); idade da mãe igual ou maior que 35 anos (OR=1,97); hospital participante do SUS (OR=1,93); e mãe com menos de quatro anos de estudo (OR=1,78).

 

Conclusões, recomendações e impacto potencial dos resultados em Saúde Pública

Entre os óbitos perinatais ocorridos na cidade do Recife, em 2003, predominaram os fetais. A maior parte ocorreu em maternidades públicas participantes do SUS. Em sua maioria, igualmente, foram óbitos de prematuros, com menos de 2.500g, do sexo masculino, nascidos de parto normal. As mães, majoritariamente, encontravam-se na faixa etária de 20 a 34 anos, com menos de oito anos de estudo. Mais da metade delas residia em bairros com baixa condição de vida.

Em relação aos fatores de risco, a prematuridade e o baixo peso ao nascer revelaram maior força de associação com a morte perinatal, surgindo, em ordem decrescente de risco: idade da mãe igual ou maior do que 35 anos; nascimento em hospitais participantes do SUS; e escolaridade da mãe inferior a quatro anos de estudo. A identificação de fatores de risco para a mortalidade perinatal no Município, de acordo com um modelo hierarquizado de determinação e utilizando variáveis provenientes de sistemas oficiais de informação epidemiológica, contribui para o conhecimento do problema na cidade e fornece elementos para seu enfrentamento pelo poder público.

O estudo, seja em sua operacionalização como nos resultados alcançados, indica algumas recomendações a serem tomadas, de caráter geral, e outras mais específicas: a) avaliação da qualidade da atenção oferecida pelos serviços de saúde durante o pré-natal e o parto; b) disponibilidade de assistência obstétrica e neonatal de qualidade, que propicie condições para uma gestação e nascimento seguros; c) garantia de que os nascimentos de recém-nascidos de risco ocorram em maternidades com maior complexidade assistencial; d) utilização dos dados gerados pelos sistemas de informações de base epidemiológica no planejamento das ações de saúde; e) capacitação periódica das equipes que prestam assistência ao parto e a recém-nascidos; f) ampliação da vigilância do óbito infantil para todo o Município; g) implantação da vigilância dos óbitos fetais com peso maior ou igual a 1.500 gramas; h) análise mais profunda dos óbitos fetais; i) orientação dos profissionais de saúde quanto à importância de utilizar a definição de nascido vivo, ao emitir o documento Declaração de Nascido Vivo (DN); j) sensibilização dos profissionais de saúde para o preenchimento de todas as variáveis do documento Declaração de Óbito (DO) e l) respaldo político ao projeto desenvolvido pela Secretaria de Saúde do Recife, de acompanhamento das crianças com maior risco de morte no primeiro ano de vida, identificadas pelo Sinasc.