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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.16 n.2 Brasília jun. 2007

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742007000200013 

Prêmio de incentivo ao desenvolvimento e à aplicação da epidemiologia no sus
menção honrosa
mestrado

 

Vigilância de eventos adversos pós-vacina DPT e preditores de gravidade. Estado de São Paulo, 1984-2001

 

 

Fabiana Ramos Martin de Freitas; Eliseu Alves Waldman (Orientador)

Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, São Paulo-SP

 

 


 

 

Introdução

A vacinação constitui a intervenção em Saúde Pública com melhor desempenho em termos de custo-efetividade. Porém, como todas as tecnologias médicas, as vacinas não são inteiramente livres de riscos e podem causar reações indesejáveis. A maioria dos eventos adversos pós-vacinação (EAPV) não apresenta gravidade. Algumas vacinas amplamente utilizadas pela população, entretanto, têm sido associadas a raros, porém graves eventos adversos, que, por serem pouco freqüentes, são identificados somente após seu registro.

O fato de as vacinas serem aplicadas, geralmente, em indivíduos sadios induz tanto a população como os profissionais de saúde a diminuírem seu limiar de tolerância à ocorrência de eventos adversos. Na década de 60, por exemplo, vários países suspenderam a vacinação contra a varíola, antes mesmo da certificação de sua erradicação; mais recentemente, temos assistido à discussão de mudanças da estratégia de imunização contra poliomielite em virtude da ocorrência de casos da doença associados ao vírus vacinal atenuado. Acrescente-se o fato de que, à medida que as doenças imunopreveníveis são controladas, existe a tendência de se contraporem os riscos, a elas atribuíveis, aos da própria vacinação.

O rigoroso monitoramento da segurança das vacinas é o principal instrumento para a manutenção da confiança e adesão aos programas de imunização, evitando o ressurgimento de doenças já controladas, como ocorreu no passado, em vários países, com a coqueluche e, mais recentemente, com a difteria. Justifica-se, assim, a necessidade de sistemas de vigilância de eventos adversos pós-vacina com o objetivo de identificar, prontamente, lotes reatogênicos, eventos adversos não conhecidos, assim como oferecer subsídios para a distinção de preditores e grupos de risco. A análise das informações obtidas por esses sistemas também contribui para o aperfeiçoamento das estratégias de vacinação e do próprio sistema de vigilância.

Preocupada com a segurança das atividades de vacinação e com a manutenção da confiabilidade do programa de imunização, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo estabeleceu em 1984, de forma pioneira no Brasil, o sistema de vigilância passivo de eventos adversos pós-vacinação (SVEAPV), cuja finalidade é conhecer a magnitude do problema e fundamentar, tecnicamente, medidas a serem tomadas diante de lotes de vacina mais reatogênicos.

Considerou-se relevante o desenvolvimento de um estudo a respeito de eventos adversos associados à vacina combinada contra difteria, coqueluche e tétano (DPT) no Estado de São Paulo, assim como a análise do desempenho do sistema de vigilância desses eventos, por duas razões principais: porque o Estado possui o mais antigo sistema de vigilância de eventos adversos pós-vacinação do País; e, porque a vacina DPT, que faz parte do calendário básico de imunização, está associada a grande parte das notificações recebidas durante mais de 20 anos de existência desse sistema de vigilância.

 

Objetivos

I. Descrever as principais características dos eventos adversos associados à vacina tríplice bacteriana (DPT), notificados no Estado de São Paulo entre 1984 e 2001.

II. Desenvolver estudo exploratório de preditores de formas graves desses eventos.

III. Descrever e avaliar o sistema de vigilância para eventos adversos pós-vacina DPT desenvolvido pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo durante o período de 1984 a 2001, ou seja, desde a implantação do sistema até a substituição da vacina DPT pela vacina tetravalente.

 

Metodologia

A área de abordagem deste estudo descritivo de corte transversal compreende o Estado de São Paulo e focaliza a população de crianças até 83 meses de idade que receberam pelo menos uma dose de vacina DPT no Estado, entre 1984 e 2001.

Os dados analisados foram os disponíveis na Divisão de Imunização do Centro de Vigilância Epidemiológica Professor Alexandre Vranjac (CVE), da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.

Consideraram-se duas definições de caso: a vigente de 1984 a 1996; e outra, de 1997 a 2001. A primeira inclui os EAPV-DPT apresentados nas 72 horas iniciais após a vacinação, independentemente da gravidade, em que quadros de encefalopatia foram considerados até sete dias após a vacinação. A segunda definição exclui os EAPV-DPT mais leves, como reações locais.

Os dados referentes ao período de 1984 a 1998 encontravam-se armazenados em suporte eletrônico, pelo software Epi Info, subdivididos em cinco bancos de dados distintos. Os dados de 1992 foram excluídos por estarem incompletos. De 1999 a 2001, os dados foram armazenados por software desenvolvido pelo Ministério da Saúde. Todos os bancos originais foram convertidos para o software estatístico SPSS versão 8. Todas as variáveis foram padronizadas; em seguida, todos os dados foram integrados em um único banco.

Efetuou-se uma análise descritiva dos EAPV-DPT e foram calculadas as taxas de notificação dos EAPV-DPT. Os eventos foram classificados como graves e não-graves. Para a análise exploratória de preditores de eventos adversos graves, analisaram-se os dados relativos ao período de vigência da primeira definição de caso, por incluir os casos leves. Para a análise bivariada e multivariada, tomou-se como variável dependente aquela que expressa a gravidade do evento, e como variáveis independentes: sexo; idade; intervalo de tempo entre a aplicação da vacina e o início da reação adversa; dose aplicada; número de casos de EAPV-DPT notificados por lote; e antecedentes neurológicos pessoais e familiares. A existência de associação entre formas graves de EAPV-DPT e as exposições de interesse foi investigada pelas estimativas, não ajustadas e ajustadas, da odds ratio (OR), com os respectivos intervalos de confiança de 95%, mediante regressão logística não condicional.

A descrição e a avaliação do sistema foram efetuadas segundo metodologia proposta pelos Centers for Disease Control and Prevention, dos Estados Unidos da América (CDC/EUA), que prevê, inicialmente, a avaliação da magnitude do agravo como problema de Saúde Pública e a descrição dos componentes do sistema. Em seguida, analisaram-se indicadores qualitativos e quantitativos de desempenho.

Considerações éticas

Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

 

Resultados

De 1984 a 2001, aplicaram-se 54.204.325 doses de vacina DPT no Estado de São Paulo, com a notificação de 10.051 EAPV-DPT, correspondentes a 6.266 casos – em média, 1,6 EAPV-DPT por caso notificado.

Em todo o período de interesse, analisando-se os casos para os quais havia a respectiva informação, 29,5% (1.661/5.632) deles foram internados, houve contra-indicação das doses subseqüentes de vacina DPT em 68,2% (1.154/1.691) e, em 97,4% (3.166/3.250), observou-se evolução para a cura sem seqüelas. Não se confirmaram óbitos associados à vacina DPT.

Na vigência da primeira definição de caso (1984-1996), 32,0% (1.246/3.887), 21,6% (767/3.547), 67,9% (1.136/1.673) e 97,4% (3.143/3.236) dos casos notificados foram classificados, respectivamente, como graves, submetidos a tratamento hospitalar, contra-indicados para as doses subseqüentes de vacina DPT e evoluídos para a cura sem seqüelas. Na vigência da segunda definição (1997-2001), essas proporções atingiram 88,0% (2.094/2.379) de formas graves e 42,9% (894/2.085) de hospitalizados. Para o segundo período, não se encontram disponíveis informações referentes à conduta e à evolução.

Cerca de 75,0% dos casos notificados tiveram início nas primeiras seis horas após a aplicação da vacina. Os EAPV-DPT mais notificados no período do estudo foram: febre abaixo de 39,5oC; episódio hipotônico-hiporresponsivo (EHH) reação local; e convulsão.

O modelo final da análise, por meio da regressão logística multivariada, mostrou como exposições associadas à gravidade do evento, independentemente: intervalo de tempo inferior a uma hora entre a aplicação da vacina e o evento (OR= 2,1; IC95%:1,6-2,9; p<0,0001) primeira dose aplicada (OR= 5,8; IC95%:1,6-20,8; p<0,0001) antecedentes neurológicos pessoais (OR= 2,2; IC95%: 1,1-4,8; p<0,0001) e antecedentes neurológicos familiares (OR= 5,3; IC95%: 2, 9-9,7; p<0,0001).

 

Conclusões, recomendações e impacto potencial dos resultados em Saúde Pública

Durante o período de interesse, identificaram-se 6.266 casos de EAPV-DPT, dos quais 29,5% (1.662/5.643) foram internados, houve contra-indicação das doses subseqüentes de vacina DPT para 68,2% (1.159/1.699) e 97,4% (3.175/3.261) evoluíram para a cura sem seqüelas. Não se confirmaram óbitos associados à vacina DPT.

Na vigência da primeira definição de caso (1984-1996), 32,0% (1.247) 3.898 dos EAPV-DPT foram classificados como graves, enquanto na vigência da segunda (1997-2001), 88,0% deles (2.094/2.380) obtiveram essa classificação.

Na vigência da primeira definição de caso (1984-1996), as taxas de casos notificados de reação local, EHH e convulsão foram de, respectivamente, 2,8, 1,6 e 1,3 por 100.000 doses aplicadas. Por sua vez, na vigência da segunda definição de caso (1997-2001), as taxas de casos notificados de EHH e convulsão foram de 7,9 e 4,0 por 100.000 doses aplicadas, respectivamente.

Mostraram-se associadas à gravidade do evento, independentemente das demais variáveis: intervalo de tempo inferior a uma hora entre a aplicação da vacina e o evento (OR= 2,1) primeira dose aplicada (OR= 5,8) e antecedentes neurológicos pessoais (OR= 2,2) e familiares (OR= 5,3).

O SVEAPV-DPT é um sistema passivo que tem, como principais objetivos, identificar e confirmar eventos adversos pós-vacinação (EAPV), conhecidos ou não, elaborar recomendações de condutas e reconhecer lotes mais reatogênicos.

O SVEAPV é simples e flexível. Sua sensibilidade é baixa, porém útil para a descrição de diferentes tipos de EAPV e sua evolução, oferecendo dados indicativos de sua magnitude, assim como subsídios para a decisão a ser tomada diante de lotes mais reatogênicos; e para investigações complementares, relativas à causalidade e preditores.

O SVEAPV-DPT é capaz de detectar e investigar excessos de notificação de EAPV-DPT em relação ao esperado e subsidiar a atualização periódica de normas referentes à segurança do uso de vacinas no Brasil.

A integralidade das informações das fichas de notificação é elevada e a oportunidade das notificações é boa: 74% delas, aproximadamente, acontecem até o décimo dia pós-vacinação.

É recomendável a inclusão, na pauta de discussões das revisões periódicas do calendário básico de imunizações, da adoção da vacina DPT de célula inteira pela acelular.

Os sistemas passivos de VEAPV, a despeito de suas limitações, constituem o principal instrumento para estudar a segurança de vacinas no período pós-licença, sendo, entretanto, recomendável a incorporação de novas metodologias, entre elas a de Municípios e unidades sentinelas.

O contínuo aperfeiçoamento do SVEAPV, sua avaliação periódica, incorporação de novas metodologias e interface melhor definida com a área regulatória e com os grandes produtores nacionais de vacinas garantirão a manutenção de grau apreciável de segurança ao Programa Nacional de Imunização (PNI).