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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.16 n.2 Brasília jun. 2007

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742007000200015 

Prêmio de incentivo ao desenvolvimento e à aplicação da epidemiologia no sus
menção honrosa especialização

 

Prevalência da doença cárie em crianças de cinco anos de idade na cidade de Curitiba – análise crítica

 

Andréia Priscila Monteiro Barbosa; Léo Kriger (Orientador); Simone Tetü Moysés (Co-orientadora); Samuel Jorge Moysés (Co-orientador)

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba-PR

 

 


 

 

Introdução

A cárie dentária é uma doença que tem acompanhado a humanidade ao longo da história. Nas últimas décadas, tem-se observado uma tendência de queda nos índices de cárie dentária no Brasil e em outros países. Múltiplos fatores são apontados como possíveis causas para o declínio da doença: a adição de flúor à água de abastecimento público, o emprego de dentifrícios fluorados em larga escala e modificações no padrão e quantidade de consumo de açúcar, associados à melhoria nas condições de vida; e maior acesso à atenção em saúde bucal coletiva e ampliação das ações de promoção e educação em saúde bucal. A cárie dentária, entretanto, permanece como um grande problema de Saúde Pública, no Brasil e na maior parte do mundo.

Como outras doenças, a cárie dentária é socialmente determinada e o impacto da assistência odontológica na redução de sua prevalência é bastante limitado. O ponto em comum entre todos os países que experimentaram redução em seus índices de cárie é a melhoria nas condições globais de saúde e qualidade de vida. A condição social tem sido enfatizada como importante determinante da situação de saúde bucal e estudos têm demonstrado que o declínio da cárie dentária tem sido acompanhado pela polarização da doença nos grupos menos privilegiados.

Diversos estudos epidemiológicos têm permitido o monitoramento da experiência de cárie em crianças no Brasil. A maioria desses estudos, contudo, descreve a prevalência e severidade da cárie em escolares. As condições de saúde bucal do pré-escolar não têm sido documentadas na mesma extensão que a saúde bucal do escolar. Isso ocorre, provavelmente, porque a dentição decídua não tem sua importância tão considerada quanto a permanente. Em muitos países, o ingresso na escola dá-se após os seis anos de idade. Os levantamentos epidemiológicos, mais freqüentemente, dedicam-se a crianças em idade escolar, por sua mais fácil localização e identificação.

A priorização da atenção a grupos etários resultou em uma melhoria da dentição permanente de escolares de seis a 14 anos – especialmente restrita a esta faixa etária –, sendo a manutenção da higidez da dentição decídua muitas vezes menosprezada. É reconhecido, porém, que a história de cárie na dentição decídua pode estar associada à experiência futura em dentição permanente.

A identificação de fatores coletivos de risco à cárie dentária em idade pré-escolar surge como instrumento forte para possibilitar à prática odontológica a adequação dos cuidados de saúde bucal e a reorientação dos gastos em atenção em saúde. Não há dúvidas quanto à importância de uma prática odontológica que contemple a saúde bucal coletiva, universalizando o acesso e garantindo a eqüidade no atendimento das necessidades da população.

 

Objetivos

A proposta desta pesquisa foi avaliar a prevalência de cárie em crianças de cinco anos de idade, tendo por base o banco de dados do levantamento epidemiológico nacional SB Brasil na Cidade de Curitiba, capital do Estado do Paraná.

Os objetivos específicos incluíram:

I. Analisar a prevalência de cárie por componente (ceo-d) e grupo dental.

II. Explorar a associação entre experiência de cárie e sexo.

III.Explorar a associação entre experiência de cárie e tipo de escola (pública ou privada).

IV. Explorar a associação entre experiência de cárie e Distritos Sanitários de moradia.

 

Metodologia

A pesquisa desenvolveu-se a partir da utilização do banco de dados do levantamento epidemiológico nacional “SB Brasil: Condições de Saúde Bucal na População Brasileira”, um amplo projeto que avaliou os principais agravos em diferentes grupos etários, tanto na população urbana como rural, no ano de 2003.

Para este estudo de natureza transversal, utilizaram-se os dados referentes à cidade de Curitiba. A amostra foi composta de 1.157 crianças de cinco anos de idade, de ambos os sexos.

A análise dos dados foi realizada pelo software Epi Info versão 3.2.2. A variável dependente foi o índice ceo-d e as variáveis independentes incluíram sexo, tipo de escola (pública ou privada) e Distritos Sanitários de moradia.

Os critérios de inclusão para dentes hígidos foram os dentes que apresentaram os códigos A e T, respectivamente, dente hígido e com trauma (fratura).

Uma análise descritiva das variáveis foi realizada e apresentada na forma de gráficos e tabelas. O teste estatístico do qui-quadrado foi utilizado para avaliar a associação entre a experiência de cárie e tipo de escola, sexo e Distritos Sanitários de moradia.

Um estudo documental qualitativo do perfil de cada Distrito Sanitário quanto a renda média da população moradora, densidade demográfica, porcentagem da população em ocupações irregulares e quantidade total de unidades de saúde por Distrito também foi realizado, para analisar as diferenças de prevalência de cárie no contexto de moradia da população estudada.

Considerações éticas

Este estudo foi submetido e recebeu a aprovação de viabilidade do Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba.

 

Resultados

O perfil das 1.157 crianças curitibanas de cinco anos de idade examinadas evidenciou que 51,8% eram do sexo masculino e 48,2% do sexo feminino. Do total, 78,4% estavam vinculadas a escolas públicas e 20,1% a escolas particulares. A distribuição da amostra por Distritos Sanitários foi homogênea.

A experiência de cárie na dentição decídua aos cinco anos em Curitiba apresentou uma distribuição não normal. A prevalência de crianças livres de cárie foi de 51,3%. Em média, crianças de cinco anos já possuíam, pelo menos, dois dentes com experiência de cárie dentária (ceo-d=2,07). O ceo-d máximo encontrado foi de 16. Maior freqüência do índice ceo-d foi encontrada no componente cariado (63,2%), seguido do componente restaurado (35,2%) e com extração indicada por cárie (0,9%).

O índice ceo-d para as crianças com experiência de cárie foi de 4,25. Este valor, bastante elevado, denota um considerável acúmulo da doença nesse subgrupo. Isso reforça a importância de realizar estratégias adequadas para cada grupo da população, visando diminuir a ocorrência e a severidade da doença cárie nos grupos mais acometidos.

De um modo geral, os dentes mais atacados pela cárie foram os segundos molares inferiores decíduos e os menos atingidos foram os incisivos laterais inferiores decíduos.

O teste do qui-quadrado evidenciou que não houve associação, estatisticamente significante, entre experiência de cárie (ceo-d= 0 ou ceo-d≠ 0) e sexo (p= 0,68).

O tipo de escola freqüentada é um indicador confiável de condição socioeconômica em ambientes urbanos. No presente estudo, encontrou-se associação entre experiência de cárie nas crianças de cinco anos e o tipo de escola freqüentada (p= 0,00). Observou-se uma maior prevalência de cárie nas crianças de escolas públicas (52,9%).

Em relação à variável Distrito Sanitário, foi encontrada uma associação entre a experiência de cárie e os Distritos Sanitários de moradia das crianças (p=0,01). Os Distritos Sanitários com melhor e pior índice ceo-d de Curitiba são, respectivamente, Matriz (1,51) e Pinheirinho (2,78). Os Distritos do Boqueirão, Bairro Novo, Portão e Pinheirinho apresentaram média de ceo-d mais elevada que a média de Curitiba (ceo-d=2,07). No Distrito Sanitário Santa Felicidade, encontrou-se o terceiro melhor índice ceo-d (1,79), sendo o único Distrito que apresentou maior quantidade de dentes restaurados em relação aos cariados.

Na tentativa de explorar o possível impacto de condições ambientais relacionado com a qualidade de vida nos Distritos Sanitários dessas crianças, foram explorados aspectos relacionados com renda média da população, densidade demográfica, ocupações irregulares e quantidade total de unidades de saúde por Distrito. A análise dos fatores atuantes sobre o perfil do contexto de vida das crianças evidencia diferenças significativas entre os Distritos Sanitários de moradia. A Regional Matriz apresentava a maior renda média dos Distritos e a menor quantidade de ocupações irregulares. Apesar de contar com alta densidade demográfica e ter apenas uma unidade municipal de saúde, apresentou um ceo-d baixo. Por outro lado, o Portão também apresentava uma alta densidade demográfica, concentrava a segunda melhor renda média do Município e tinha a maior quantidade de unidades municipais de saúde; embora contasse com um grande número de pessoas em ocupações irregulares, apresentou um elevado índice ceo-d. Isso pode retratar maior desigualdade social, comparativamente a outras regionais.

 

Conclusões, recomendações e impacto potencial dos resultados em Saúde Pública

A prevalência de cárie na população de cinco anos de idade em Curitiba foi de 48,7% – índice ceo-d= 2,07.

Os dentes mais e menos atingidos pela cárie foram os segundos molares inferiores e os incisivos laterais inferiores, respectivamente.

O maior peso do índice ceo-d foi no componente cariado (63,29%).

O presente estudo demonstrou que não houve associação, estatisticamente significante, entre experiência de cárie e sexo.

Os resultados sugerem que o tipo de escola freqüentada e o Distrito Sanitário onde a criança residia influenciaram a experiência da doença cárie. Crianças em escolas públicas tiveram maior prevalência de cárie (52,9%), comparadas com as de escolas privadas. Crianças moradoras dos Distritos Sanitários Matriz e Pinheirinho apresentaram menor e maior prevalência de cárie, respectivamente.

A meta da Organização Mundial da Saúde para o ano 2000, com relação à cárie dentária para a idade de cinco anos, já foi alcançada em Curitiba (50% livres de cárie). Para atingir a meta proposta para o ano 2010, de 90% dessas crianças livres de cárie, ainda há um longo caminho a percorrer.

Na população estudada, observou-se o fenômeno da polarização da cárie, com a observação de subgrupos com grande experiência de cárie. A identificação precoce de subgrupos de maior risco, associada a estratégias populacionais para controle da doença cárie nessa população, devem ser incrementadas.

Os levantamentos epidemiológicos realizados em Curitiba com crianças de cinco anos, nos períodos de 1994, 1996, 1999 e 2003, têm mostrado um declínio da ocorrência da doença cárie – ceo-d: 3,56; 3,54; 3,18 e 2,07, respectivamente –, principalmente entre os anos de 1999 e 2003. Para tanto, ressalta-se a importância dos programas de atenção em saúde bucal existentes no Município. Evidencia-se, entretanto, a necessidade de ações ampliadas de promoção em saúde bucal, mais efetivas para essa faixa etária, que, possivelmente em razão de fatores biológicos, psicológicos, sociais, culturais, físicos e econômicos, não têm apresentado um controle da doença cárie de forma tão significativa quanto o observado em crianças de 12 anos na cidade. É necessário implementar ações que sejam destinadas, principalmente, aos grupos de maior vulnerabilidade e/ou mais expostos aos fatores de risco.

As políticas em saúde bucal devem ser orientadas a partir de informações epidemiológicas. Os dados obtidos são instrumentos importantes para o planejamento e reorientação das atividades existentes. Assim, adquirir um conhecimento detalhado da distribuição da cárie e seus determinantes biopsicossociais é de suma relevância. A realização de outros levantamentos epidemiológicos deveria incluir indicadores de caráter socioeconômico, variáveis como a percepção dos responsáveis e dos cirurgiões-dentistas, ou seja, outros índices e indicadores que não apenas o ceo-d.