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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2337-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.16 n.3 Brasília jul./set. 2007

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742007000300002 

ARTIGO ORIGINAL

 

Diagnóstico precoce e progressão da tuberculose em contatos

 

Early diagnosis and progression of tuberculosis in contacts*

 

 

Denison Noronha FreireI; Ana Maria BonamettiI; Tiemi MatsuoII

IDepartamento de Clínica Médica, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Estadual de Londrina – Hospital Universitário –, Londrina-PR, Brasil
IIDepartamento de Estatística e Matemática Aplicada, Universidade Estadual de Londrina, Londrina-PR, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

O objetivo deste trabalho é o de estimar o rendimento do exame radiológico pulmonar, como recurso de diagnóstico precoce de tuberculose nos contatos, e o risco de casos secundários entre contatos de casos-indices. Realizou-se uma análise retrospectiva de uma coorte de 3.091 contatos de 879 prontuários de casos de tuberculose atendidos no Ambulatório de Pneumologia Sanitária de Londrina, Município do Estado do Paraná, Brasil. A associação entre alteração radiológica inicial e a ocorrência posterior de tuberculose nos contatos foi avaliada pela estimativa de risco relativo, confirmada em 13,7%. O resultado do exame radiológico pulmonar, realizado em contatos quando da inscrição dos casos-índice, foi avaliado como diagnóstico precoce da doença; 4,3% dos contatos (73/1.698) foram classificados como suspeitos. O adoecimento nos contatos foi estimado pela curva de Kaplan-Meyer; e seu risco de adoecimento, pela incidência acumulada e densidade de incidência. O risco de adoecimento nos contatos com exame radiológico suspeito foi 6,13 vezes maior, comparativamente ao dos contatos com exame normal. A probabilidade de ocorrência da doença nos contatos, em cinco anos, foi de aproximadamente 2%. Conclui-se que o exame radiológico é importante na triagem dos contatos; porém, seu rendimento foi insuficiente no diagnóstico precoce, persistindo o risco da doença durante o período de cinco anos.

Palavras-chave: tuberculose; contatos e progressão para doença; exame radiológico pulmonar.


Summary

The objective of this work is to evaluate the profitability of chest X-rays as a resource of premature diagnosis of tuberculosis and the risk of secondary cases among contacts of index-cases. A retrospective study was performed at 3,091 contacts of 879 tuberculosis index-cases admitted for treatment in the Sanitary Pulmonary Ambulatory in the Municipality of Londrina, State of Paraná, Brazil. The association between the initial X-ray abnormality and the subsequent occurrence of the disease in contacts was evaluated by the relative risk, and confirmed in 13.7% (10/73). The chest X-ray results, realized in contacts in the admission of the index-cases, were classified as a premature diagnosis for tuberculosis, and 4.3% of contacts (73/1,698) were classified as suspect cases. The progress of the disease in contacts was estimated by Kaplan-Meyer's curve, and its frequency by cumulative incidence and incidence density. The risk of getting ill in the contacts with suspected X-ray results was 6.13 times bigger than the risk in contacts with normal X-ray results. The probability of acquiring the disease in contacts, in five years, was approximately 2%. In conclusion, the chest X-ray exam is important when screening contacts. However, its profitability was considered low in the early diagnosis, and the risk of the disease, during a period of five years, still persists.

Key words: tuberculosis; contacts and progression to disease; chest X-ray.


 

 

Introdução

Acompanhando a humanidade há milênios, a tuberculose permanece como grave problema de Saúde Pública, que atinge cidadãos socialmente mais vulneráveis, em sua faixa etária mais produtiva. Países em desenvolvimento são os que apresentam maior incidência da doença. O Brasil, com prevalência estimada em mais de 100.000 pacientes bacilíferos,1 ocupa a 13a ou 14a posição, a depender da situação média atual.2

Para tentar solucioná-la, é necessário tratar os casos diagnosticados de forma adequada, investigar os pacientes sintomáticos respiratórios, prevenir a doença nas pessoas sadias e proteger as já infectadas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que cerca de 100 milhões de pessoas são infectadas anualmente, em todo o mundo, dos quais oito a dez milhões desenvolverão a doença durante a vida; a metade dos infectados apresentará a forma contagiante e três milhões deles irão a óbito, a cada ano.2

O risco de adoecimento entre contatos de casos de tuberculose depende do estado bacteriológico do caso-índice e da intimidade.3-5 Consideram-se contatos de alto risco aqueles que compartilham ou compartilharam o mesmo ambiente no passado recente.6

Nos EUA, descreveu-se um caso em que apenas uma fonte bacilífera foi suficiente para infectar 41 de 97 indivíduos freqüentadores de um bar, causando doença ativa em 14 e tuberculose-infecção em 27.7 A freqüência da doença também pode ocorrer de forma significativa, quando o caso-índice apresenta baciloscopia negativa.8 Tais fatos justificam a recomendação de que nenhum grupo de contatos deve ser excluído da investigação de tuberculose.6

A triagem e o acompanhamento sistemático dos contatos de tuberculose são algumas das principais medidas preventivas contra novas infecções e surtos de doença na comunidade, por oferecerem maior oportunidade para diagnóstico de doença ativa e de infecção latente.9,10

O objetivo do presente estudo é estimar (I) o rendimento do exame radiológico como recurso de diagnóstico precoce de tuberculose e (II) o risco de casos secundários entre os contatos de casos-índice admitidos para tratamento em ambulatório municipal de pneumologia sanitária, durante o tempo de seguimento de cinco anos.

 

Metodologia

Estudo desenvolvido no ambulatório de pneumologia sanitária (APS) do Centro de Referência Dr. Bruno Piancastelli Filho, no Município de Londrina, Estado do Paraná, sede da 17a Regional de Saúde (RS) do Estado. O Município de Londrina possui uma área territorial de 1.651 km2 e população, estimada em 2005, de 488.287 habitantes.11 Ocupa o segundo lugar de classificação entre os 13 Municípios do Estado priorizados pelo Plano Emergencial de Controle da Tuberculose.

Uma coorte de 3.091 contatos de 879 pacientes admitidos para tratamento de tuberculose (casos-índice) no APS de Londrina, no período de 1o de janeiro de 1991 a 31 de dezembro de 1995, foi analisada retrospectivamente, para detectar a ocorrência da doença nos contatos. O seguimento dessa população estendeu-se até 31 de dezembro de 2000.

Foram excluídos quatro casos-índice e seus respectivos contatos, decorrentes de mudança de diagnóstico após admissão para tratamento. Outros 67 contatos de tuberculose também foram excluídos do estudo por serem contatos de mais de um caso-índice: o registro de contatos em dois ou mais prontuários impossibilita a comprovação da origem da pressuposta fonte bacilífera infectante e, conseqüentemente, a determinação do tempo decorrido para o adoecimento dos contatos. Apenas um prontuário foi extraviado.

Define-se como caso de tuberculose todo indivíduo com diagnóstico confirmado por baciloscopia ou cultura e aquele em que o médico, com base nos dados clínico-epidemiológicos e nos resultados de exames complementares, firma o diagnóstico de tuberculose. Como contato de tuberculose, considera-se a pessoa que se relaciona com o indivíduo-foco transmissor da tuberculose.12

A fonte de informação utilizada foi o prontuário médico de 879 pacientes admitidos para tratamento (casos-índice) no APS de Londrina. O livro que registra a admissão de novos casos foi o instrumento utilizado para comprovar o adoecimento nos contatos. Os casos incluídos correspondem a todas as formas de tuberculose: casos novos, de retratamento e de associação entre tuberculose e a síndrome da imunodeficiência adquirida, a aids. O diagnóstico foi estabelecido de acordo com a definição do Plano Nacional de Controle da Tuberculose,12 do Ministério da Saúde.

As variáveis clínicas e epidemiológicas de interesse no estudo foram analisadas, tanto no grupo de casos-índice como no de contatos. No grupo de casos-índice, verificou-se: a) condição prévia à sua inscrição (virgem de tratamento, falência, recidiva); b) ano da inscrição para tratamento de tuberculose; c) formas clínicas da doença (pulmonar, extrapulmonar e mista); e d) resultado da baciloscopia do escarro. Nos contatos, foram observados: a) comparecimento; b) resultado do exame radiológico pulmonar inicial; e c) progressão e tempo decorrido da confirmação do diagnóstico de tuberculose.

Um banco de dados foi elaborado, utilizando-se o programa Epi Info versão 6.04d,13 para a entrada dos dados clínicos, radiológicos e laboratoriais dos 879 casos-índice. Esses dados foram coletados dos prontuários médicos, diretamente. O mesmo programa foi utilizado para a realização das análises estatísticas. A coleta dos dados e sua digitação foram executadas pelo autor principal do trabalho, unicamente.

O laudo dos exames radiológicos dos contatos e dos pacientes inscritos para tratamento foi realizado por um dos dois pneumologistas do APS, ambos concursados e com título de especialista em tisiopneumologia. Os critérios adotados para o diagnóstico da tuberculose foram os preconizados pelo Ministério da Saúde.12 Os resultados dos exames radiológicos seguiram a recomendação do I Consenso Brasileiro de Tuberculose, classificados nas categorias 'Suspeito', 'Normal', 'Não classificado' e 'Seqüelas'.14

Os exames bacteriológicos do escarro foram realizados no Laboratório Central da Prefeitura de Londrina (Centrolab). Os exames histopatológicos (biópsias de pleura, biópsias e punções de gânglios periféricos e biópsias de outros materiais) foram realizados, na maioria das vezes, em hospitais, principalmente no Hospital Universitário da Universidade Estadual de Londrina. Os exames bacteriológicos foram realizados na admissão dos casos-índice e nos contatos que vieram a adoecer.

Pela inexistência de informações nos prontuários, não foi determinado o tipo de relacionamento entre o contato e o caso-índice – se membro da família, companheiro de trabalho, colega de escola, amigo(a), namorado(a). Também não foi considerada a intensidade desse relacionamento – se íntimo ou eventual. Neste estudo, foram considerados contatos todos os indivíduos relatados pelos pacientes como próximos, listados em seus prontuários.

O risco de tuberculose em contatos foi estimado sob as formas de incidência acumulada e densidade de incidência. Uma estimativa do risco relativo, com intervalo de confiança de 95%, foi utilizada para verificar a existência de associação entre duas variáveis referentes aos casos-índice (positividade da baciloscopia e condição terapêutica inicial) e o adoecimento dos contatos. A probabilidade de progressão para tuberculose nos contatos foi estimada mediante a utilização da curva de Kaplan-Meyer. Para verificação da associação entre alteração radiológica inicial dos contatos e seu adoecimento posterior, também foi calculado o risco relativo, com intervalo de confiança de 95%.

 

Considerações éticas

O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina.

 

Resultados

Dos 3.091 contatos elegíveis, 71 (2,3%) evoluíram para tuberculose no período mínimo definido de cinco anos (IC95%=1,8%-2,9%). O numero de contatos por caso-índice variou de zero a 18, com média de 3,5.

Dos 3.091 contatos eleitos, apenas 1.717 (55,5%) tinham registro de idade; destes, 1.006 (58,6%) eram menores de 21 anos. A diferença entre os contatos dessa faixa etária que adoeceram ou mantiveram-se sadios não foi significativa (p=0,2914), estatisticamente.

O risco de tuberculose nos contatos, nos cinco anos de seguimento, foi de 2.300 casos por 100.000 contatos (IC95%=1.800-2.900), o que equivale a uma incidência estimada de 4,6/1.000 contatos/ano.

Em 732 dos 879 (83,3%) casos-índice, o diagnóstico de tuberculose foi confirmado laboratorialmente: 450 (51,2%) bacilíferos, considerando apenas o exame de escarro. No período de cinco anos, adoeceram 55 (3,1%) dos 1.769 contatos de casos-índice bacilíferos e oito (1,3%) dos 611 contatos de casos-índice não bacilíferos. O risco de adoecimento nos contatos de casos- índice bacilíferos mostrou ser, aproximadamente, duas vezes maior que o dos contatos de casos-índice com baciloscopia negativa (Tabela 1); na análise, não foi considerado o resultado da cultura de escarro por falta de registros nos arquivos médicos.

 

 

Apesar de todos os 3.091 contatos terem sido convocados para exame radiológico pulmonar, apenas 1.698 (54,9%) foram radiografados. Do grupo de contatos radiografados, 73 (4,3%) (IC95%=3,4%-5,4%) foram classificados como suspeitos e dez (13,7%) evoluíram para doença (IC95%=7,1%-24,2%). No grupo dos 1.567 contatos com radiografia normal, apenas 35 (2,2%) adoeceram no período de estudo. O risco de adoecimento dos contatos com exame radiológico pulmonar inicial suspeito foi cerca de seis vezes maior, comparativamente ao dos contatos com exame normal na avaliação inicial. A Tabela 2 apresenta o resultado dos exames radiológicos nos contatos por ocasião da inscrição dos casos-indice; e o adoecimento dessa população.

 

 

As formas pulmonar e mista (pulmonar e extrapulmonar) foram descritas em 614 (70%) dos casos-índice e foram confirmadas como responsáveis por 62 (87,3%) dos contatos que vieram a adoecer.

De todos os 879 casos-índice incluídos, 772 (87,8%) eram virgens de tratamento – destes, 91,9% receberam alta médica por tratamento regular. A reincidência de abandono nos casos-índice inscritos para retratamento foi registrada em 15 (39,5%) dos 38 pacientes. O adoecimento dos contatos do grupo reincidente ocorreu em 18 (25,4%) dos 71 contatos que evoluíram para tuberculose. Pode-se concluir, com base nas informações apresentadas na Tabela 3, que o risco de adoecimento dos contatos de casos-índice crônicos é, aproximadamente, duas vezes maior que o dos contatos de casos-índice virgens de tratamento.

 

 

O presente estudo estimou em 98% a probabilidade de um contato estar livre de tuberculose no quinto ano de seguimento após sua convocação inicial, realizada tão logo a informação de potencial contágio fora relatada pelo caso-índice. Em outras palavras, a probabilidade de ocorrência da doença nos contatos foi de 2% nos cinco primeiros anos de seguimento, conforme mostra a curva de Kaplan-Meyer, na Figura 1.

 

 

Discussão

No Município de Londrina-PR, para o período de 1991 a 1995, o coeficiente de incidência anual médio para tuberculose – ao se considerar todos os casos, incluindo casos novos e recidivas – foi estimado em 47,8 por 100.000 habitantes. Para o mesmo período, a média do Estado do Paraná foi calculada em 28,7 por 100.000 habitantes.15

Todo caso de tuberculose diagnosticado em Londrina é notificado à Seção de Epidemiologia da 17a Regional de Saúde do Estado. Apesar de o Ambulatório de Pneumologia de Londrina centralizar todos os casos de tuberculose durante o período desse estudo, é possível que um pequeno número de pacientes, originários de outros Municípios e com diagnósticos firmados em hospitais ou clínicas privadas, não tenha sido incluído nos registros do APS.

Tal como em outras cidades, também em Londrina, a maioria dos diagnósticos de tuberculose é realizada em hospitais (67,4%),16 a exemplo de Ribeirão Preto( 67,2%).17 A inexistência da informatização – esta instrumentação aconteceu a partir de 1996 – também poderia ser responsável por possíveis divergências entre a casuística notificada na Regional de Saúde e a inscrita para tratamento no APS. Apesar desse potencial viés, estes autores consideraram que os resultados obtidos pelo estudo ora apresentado proporcionam uma razoável estimativa da real freqüência da doença no Município.

Não foi possível confirmar a relação direta entre contágio-infecção ou se caso-índice e contato possuíam a mesma cepa. Tal afirmação seria possível, tão-somente, com a utilização dos recursos da genotipagem da micobactéria pela técnica do RFLP (restriction-fragment-length polymorphism), não disponível no local onde foi desenvolvido este trabalho.18,19

A média de 3,5 contatos por caso-índice foi menor que a encontrada em Edimburgo (4,7) ou na Espanha (4,5), porém maior do que a média revelada por um estudo sobre Hong Kong, de 3,0 contatos por caso-índice. 3,8,20

Nos Estados Unidos da América, pesquisadores não confirmaram a média de quatro contatos declarados na admissão dos casos-índice; dois novos contatos, especialmente crianças, foram identificados em visita domiciliar.21 Supõe-se que fato semelhante ocorra na relação dos contatos relatados nos prontuários do APS de Londrina, o que ressalta a importância de uma vigilância epidemiológica mais efetiva, que inclua visitas domiciliares rotineiras.

O resultado do exame radiológico pulmonar realizado em contatos, quando da inscrição dos casos-índice, foi avaliado como diagnóstico precoce da doença. A elevada freqüência de exame radiológico de tórax normal na avaliação inicial dos contatos e o baixo número de diagnósticos realizados no APS, associados ao fato de a maioria dos casos diagnosticados nos hospitais ser contato de paciente inscrito para tratamento no ambulatório, sugerem que o rastreamento dos contatos de tuberculose pelo exame radiológico de tórax, realizado durante a inscrição dos casos-índice, não alcançou o resultado ideal, não evitou a progressão dos contatos para doença ativa. Melhores resultados poderiam ter sido obtidos se os contatos tivessem retornado para controle periódico, após a triagem inicial.

A irregularidade no fornecimento do teste tuberculínico durante parte do período estudado direcionou o controle dos contatos de casos-índice, sintomáticos ou não, para o exame radiológico – abreugrafia até 1998; RX de tórax, desde então. Acredita-se que o exame radiológico pulmonar tenha maior rendimento se indicado apenas para os contatos infectados (reatores ao teste tuberculínico) e os sintomáticos respiratórios, atual rotina adotada para o Ambulatório de Pneumologia Sanitária de Londrina.

A tomografia computadorizada de pulmões e mediastino, se realizada, contribuiria para o diagnóstico de lesões mínimas, eventualmente despercebidas no exame radiológico de tórax. O alto custo desse exame, entretanto, torna inviável sua aplicação na rotina da Saúde Pública.

A associação da contagiosidade dos casos-índice e a progressão para tuberculose nos contatos é conclusiva, para estes autores, quando se compara contatos advindos de casos-índice bacilíferos com contatos cujos casos-índice não eram bacilíferos. Fatos semelhantes também foram constatados em casos-índice crônicos e portadores de formas pulmonares e mistas.

A cultura de escarro constitui procedimento mais sensível que a baciloscopia, fato comprovado em estudo realizado na Índia, onde, para 61% dos casos, o diagnóstico de tuberculose foi confirmado apenas pela cultura do escarro;22 nesse estudo, por falta de registros nos arquivos médicos, não foi possível estimar o número, tampouco resultados das culturas de escarro, tanto nos casos-índice como nos contatos.

A Figura 1 registra que a maioria de adoecimentos ocorreu nos dois primeiros anos após o contágio, situação semelhante à já demonstrada em outros estudos.23,24 Na Escócia, por exemplo, 7,6% (42/555) dos contatos progrediram para tuberculose em diferentes períodos: 71% (30/42) foram diagnosticados na primeira visita; 19% (8/42), após seis meses; e 9,5% (4/42), após 16 a 24 meses do atendimento inicial. O presente estudo contesta Selby e colaboradores quanto à proposta de redução do tempo de seguimento radiológico dos contatos para seis meses, reafirmando a importância do seguimento clínico radiológico dos contatos de pacientes bacilíferos por um período de pelo menos dois anos, principalmente de pacientes com precárias condições socioeconômicas. 25,26 O documento de guidelines (diretrizes) da British Thoracic Society recomenda que os contatos familiares devam ser examinados anualmente, durante dois anos; e os contatos casuais, apenas quando sintomáticos ou se relacionados com casos-índice de alta contagiosidade.27

O Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) implantado no Brasil privilegia a busca de novos casos da doença pela investigação dos sintomáticos respiratórios e pelo tratamento da doença diagnosticada. O seguimento da população de contatos após a triagem inicial, porém, não tem sua recomendação enfatizada pelo PNCT.

A tuberculose latente, com freqüência decorrente de uma exposição remota ao bacilo de Koch (bK), é a responsável pelo aumento do número de novos casos de indivíduos também infectados pelo vírus da imunodeficiência humana, o HIV, agente causador da aids.28

No Ambulatório de Pneumologia Sanitária do Centro de Referência Dr. Bruno Piancastelli Filho, em Londrina-PR, de onde se coletaram os dados que serviram de base a este estudo, é rotina realizar o exame radiológico pulmonar em todos os contatos de tuberculose – somente por ocasião da inscrição para tratamento dos casos-índice –, independentemente de serem ou não sintomáticos respiratórios. Acredita-se, entretanto, que o acompanhamento posterior dos contatos bacilíferos, com o propósito de diagnosticar e tratar a doença precocemente, é uma medida de fundamental importância.

Este estudo demonstra que o exame radiológico de tórax deve ser indicado a todos os contatos íntimos de casos-índice com doença ativa por ocasião de seu diagnóstico na fonte contagiante, mesmo quando esses contatos são assintomáticos. Conclui, ademais, que um seguimento com avaliações periódicas de pelo menos dois anos de duração é uma prática que deve contribuir para o aumento da eficiência do controle da tuberculose no País.

 

Agradecimentos

Aos funcionários do Ambulatório de Pneumologia Sanitária do Centro de Referência Dr. Bruno Piancastelli Filho e à Seção de Epidemiologia da 17a Regional de Saúde do Estado do Paraná, pela colaboração e compreensão da importância deste trabalho.

 

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Endereço para correspondência:
Universidade Estadual de Londrina,
Centro de Ciências da Saúde,
Departamento de Clínica Médica – Hospital Universitário
Av. Robert Koch, 60, Vila Operária,
Londrina-PR, Brasil.
CEP: 86038-350
E-mail:denison@dilk.com.br; bonametti@sercomtel.com.br; tiemi@uel.br

Recebido em 25/04/2006
Aprovado em 26/02/2007

 

 

* Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Medicina e Ciências da Saúde, do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Londrina, Estado do Paraná. O trabalho foi realizado no Ambulatório de Pneumologia Sanitária do Centro de Referência Dr. Bruno Piancastelli Filho, Londrina-PR, sob orientação da Professora Doutora Ana Maria Bonametti.