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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2337-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.16 n.3 Brasília jul./set. 2007

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742007000300003 

ARTIGO ORIGINAL

 

Investigação da sífilis congênita na microrregião de Sumaré, Estado de São Paulo, Brasil – desvelando a fragilidade do cuidado à mulher gestante e ao recém-nascido*

 

Investigation of Congenital Syphilis in Sumaré Micro-region, State of São Paulo, Brazil – Unveiling the Fragile Points in Pregnant Women and Newborn Care

 

 

Maria Rita DonalísioI; June Barreiros FreireII; Elisa Teixeira MendesIII

IDepartamento de Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP,Brasil
IINúcleo de Saúde Pública, Hospital Estadual Sumaré, Sumaré-SP, Brasil, Departamento de Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP, Brasil
IIIFaculdade de Medicina, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas-SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

O objetivo deste estudo foi investigar os casos de sífilis congênita notificados na microrregião de Sumaré, Estado de São Paulo, Brasil, e identificar pontos vulneráveis da assistência obstétrica e neonatal. Foi realizado estudo descritivo retrospectivo dos 45 casos de sífilis congênita no período de 2003 a 2005, mediante revisão das fichas de notificação epidemiológica e dos prontuários médicos. Identificou-se atraso no diagnóstico sorológico não treponêmico [teste: Veneral Disease Research Laboratory (VDRL)] durante o pré-natal, falhas no tratamento das gestantes infectadas e seus parceiros. A investigação dos recém-nascidos no âmbito hospitalar foi ágil (primeiros cinco dias). Faz referência à falta de informações sobre o seguimento da mulher e da criança infectadas. O acesso aos serviços parece não ser limitante, ao contrário da qualidade da atenção. Esses dados refletem dificuldades e inadequação dos serviços de obstetrícia na microrregião de Sumaré. Ressalta-se o papel do hospital como unidade sentinela regional no diagnóstico de sífilis não detectada ou, até mesmo, negligenciada no pré-natal.

Palavras-chave: sífilis congênita; vigilância epidemiológica; doenças sexualmente transmissíveis; cuidado pré-natal.


Summary

The objective of this study was to analyze notified cases of congenital syphilis, and to identify the vulnerable points in the obstetric and postnatal attending related to disease incidence in Sumaré micro-region, State of São Paulo, Brazil. A retrospective descriptive study was made of 45 syphilis cases in newborns and abortions, from 2003 to 2005, including medical and epidemiological records review. It were identified problems with delaying in diagnosing to make the serological testing [Veneral Disease Research Laboratory (VDRL)] to detect syphilis during pregnancy; and a delay in exam and result flow, as well as inadequate or non-existent treatment for pregnant women and their partners. Newborn hospital investigation was fast (less than five days). There was no evidence of infected women and children follow up after birth. Data reflect difficulties, and inadequate obstetric services in Sumaré micro-region. The reference hospital has a role as regional sentinel unit for identifying syphilis cases not detected or even neglected in prenatal care.

Key words: congenital syphilis; epidemiological surveillance; sexually transmitted diseases; prenatal care.


 

 

Introdução

A sífilis congênita é causa freqüente de morbimortalidade perinatal. Trata-se de uma doença passível de prevenção, de agente etiológico e modo de transmissão conhecidos, cuja eliminação é possível desde que a mulher infectada pelo Treponema pallidum seja identificada e tratada antes e durante a gestação; porém o controle da infecção permanece como um grande desafio para os serviços assistenciais e de vigilância epidemiológica. Embora seja uma doença de notificação compulsória, informações sobre sua incidência ainda são precárias e pouco confiáveis, em razão da subnotificação de casos por ocasião do parto, ademais da perda de seguimento do recém-nascido.1-3

A partir de 1993, o Ministério da Saúde propôs a eliminação da sífilis congênita até o ano 2000. Para tanto, passou a indicar o rastreamento da doença na gravidez mediante o diagnóstico sorológico não treponêmico [teste: Veneral Disease Research Laboratory (VDRL)], como estratégia a ser privilegiada.1,4 As metas não foram atingidas. Estima-se que a prevalência média da infecção em gestantes no País esteja próxima dos 3 a 4%, variando segundo regiões.2,5 Rodrigues e colaboradores (2004) registraram 1,7% de prevalência da doença em puérperas de maternidades de referência, em 1999 e 2000.5

Estima-se em 1,5 a 2,0 casos de sífilis congênita por 1.000 nascidos vivos no Brasil, entre 2000 e 2003.2 Estatísticas oficiais de mortalidade, entretanto, sugerem subnotificação de casos.5,6 Saraceni e colaboradores (2005) identificaram taxa de mortalidade perinatal específica para sífilis congênita estável, de 0,76 por 1.000 nascimentos, no Rio de Janeiro, entre 1999 e 2002.3 No período de 1997 até 2000, no Estado de São Paulo, o Sistema de Informações sobre Mortalidade, co-administrado no nível federal pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS) e pelo Departamento de Informática do SUS (Datasus/MS), do Ministério da Saúde (MS), notificou 21 óbitos por sífilis congênita em menores de um ano, média de 5,3 óbitos/ano. São Paulo, apesar de ser um dos Estados com maior registro de casos de mortes por sífilis congênita, onde a investigação e notificação também são mais freqüentes, 7 ainda apresenta sub-registro de morte por sífilis congênita em menores de um ano.

O sistema de vigilância epidemiológica da Região de Campinas (dois milhões habitantes, distribuídos em 42 Municípios) registrou, em média, 30 casos de sífilis congênita/ano, no período de 1998 a 2003, constituindo 3,2% do total de casos notificados no Estado de São Paulo. A despeito da grande subnotificação de doenças sexualmente transmissíveis (DST) na região e da precariedade das informações sobre sífilis congênita, registrou-se aumento do número de casos em recém-nascidos na microrregião de Sumaré, a partir do segundo semestre de 2003.

A sífilis congênita é possível de ser considerada como um "evento sentinela": sua ocorrência pode revelar falhas na atenção à saúde da gestante relacionadas ao diagnóstico, tratamento, investigação e/ou notificação, além de ser um marcador da transmissão entre adultos na comunidade.8,9

O objetivo deste estudo foi analisar os casos de sífilis congênita notificados em cinco Municípios da microrregião de Sumaré, Estado de São Paulo, de 2003 a 2005, identificando pontos vulneráveis do programa de atendimento pré-natal, da assistência ao parto e ao puerpério e da atenção à criança.

 

Metodologia

Foi realizado estudo retrospectivo descritivo do perfil epidemiológico da sífilis congênita em cinco Municípios (Hortolândia, Monte-Mor, Nova Odessa, Santa Bárbara D'Oeste e Sumaré) que perfazem um total de 630.000 habitantes, para a microrregião de Sumaré-SP, aproximadamente. As informações foram obtidas a partir das fichas de notificação epidemiológica de sífilis congênita disponíveis no Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan) dos Municípios, bem como da Direção Regional de Saúde de Campinas DIRXII. 10 Também foram realizadas visitas aos hospitais desses Municípios e busca ativa dos prontuários de parturientes e recém-nascidos referentes às notificações do sistema de vigilância epidemiológica local e regional. Foram avaliadas informações de três hospitais gerais de pequeno porte (menos de 70 leitos), entre os quatro existentes nos Municípios. Para inclusão no estudo, considerou-se caso de sífilis congênita aquele notificado segundo os novos critérios do Ministério da Saúde, estabelecidos em 2004. Ademais, os casos descartados de 2003 e 2004 foram revistos e incluídos quando satisfizessem o novo critério: "Este critério considera caso de sífilis congênita: toda criança, aborto ou natimorto de mãe com evidência clínica de sífilis e/ou sorologia não treponêmica reagente para sífilis, com qualquer titulação, na ausência de teste confirmatório treponêmico realizado durante o pré-natal ou no momento do parto ou curetagem, que não tenha sido tratado ou recebido tratamento adequado."11 A principal modificação proposta pelo novo critério foi a de que dever-se-ia notificar todo caso de sífilis congênita; dessa forma, fora extinta a classificação de caso presumível ou confirmado, ampliando- se a sensibilidade dos critérios de definição de caso11 e dispensando-se a notificação de caso descartado. São considerados casos de sífilis congênita, para fins de vigilância epidemiológica, "...todas as crianças nascidas de mãe com sífilis (evidência clínica e/ou laboratorial) diagnosticadas durante a gestação, parto ou puerpério, e todo indivíduo menor de 13 anos com suspeita clínica ou epidemiológica de sífilis."11

A sífilis congênita foi analisada como um "evento sentinela", ou seja, que serve à identificação de pontos frágeis no atendimento e encaminhamento dos pacientes.3,5,12 Trata-se de uma prática de avaliação de serviços de saúde capaz de orientar novas intervenções de impacto na qualidade da assistência.12,13

Considerou-se como investigação clínica e tratamento adequado aqueles preconizados pelo Ministério da Saúde.6 Para a gestante, recomenda-se a realização de VDRL no primeiro, no terceiro trimestre e no parto. Quanto ao tratamento, indica-se: uso de penicilina G benzatina 2.400.000 UI IM em sífilis primária; na sífilis secundária e latente, repetição da dose após uma semana; e na sífilis terciária e ignorada, repetição da mesma dose após uma e duas semanas. Para o período neonatal, considerou-se como investigação adequada, além da sorologia não treponêmica de sangue periférico, a realização de radiografia de ossos longos e a punção lombar de liquor. Para o tratamento da criança com alterações clínicas e/ou sorológicas e/ou radiológicas, considerou-se adequado o uso de penicilina cristalina 100.000 UI/Kg/dia EV por dez dias; em casos com alterações liquóricas, 150.000 UI/Kg/dia por 14 dias; e em crianças sem alterações radiológicas ou liquóricas e com sorologia negativa, 50.000 UI/Kg dose única IM.

As variáveis estudadas foram idade materna, escolaridade e data da notificação; quanto ao pré-natal, verificou-se o número de consultas, o trimestre de início, a associação com infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), a ocasião da solicitação e os resultados das sorologias, a investigação e o tratamento da gestante e dos parceiros; e sobre o recém-nascido, peso ao nascer, sintomas, investigação e seguimento clínico-sorológico pela rede básica de saúde dos Municípios.

A infecção transplacentária pelo Treponema pallidum foi identificada pelo teste VDRL, confirmada pelo teste treponêmico Fluorescent Treponemal Antibody-absorption IgM (FTA-abs) ou pelo ensaio imunoenzimático (Elisa-IgG) ou, ainda, pelo teste de hemoaglutinação indireta [Treponema pallidum Haemagglutination Test (TPHA)] na gestante, por ocasião do parto. A realização de diferentes tipos de exames condicionou-se a sua disponibilidade no laboratório de referência. Os recém-nascidos foram testados com o VDRL de sangue periférico e de liquor, segundo recomendações do Ministério da Saúde, além de investigação de ossos longos.6,11

A partir da descrição do perfil dos casos, foi possível levantar algumas hipóteses de análise e iniciar um conjunto de ações de intervenção frente a essa situação.

 

Considerações éticas

Esta pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas – processo No 192/2005.

 

Resultados

Foram registrados 45 casos de sífilis congênita na microrregião de Sumaré-SP, de janeiro de 2003 a dezembro de 2005 – entre eles, um caso de aborto relacionado à infecção pelo Treponema pallidum.

A Figura 1 apresenta um aumento progressivo do diagnóstico de sífilis congênita a partir de 2003, na microrregião. Vale destacar que, em razão do pequeno número absoluto de casos, há dificuldade na avaliação da tendência desse indicador.

 

 

A maioria das notificações, 41 (91,1%), ocorreu nos primeiros cinco dias após o nascimento – mediana de dois dias –, o que mostra um sistema alerta e ágil na investigação dos casos em âmbito hospitalar. Após o início de busca ativa, retrospectiva, de exames de VDRL alterados, nos laboratórios de patologia clínica dos hospitais, realizou-se a notificação retroativa de quatro casos: um após 90 dias; dois após 60; e um aborto nos últimos 30 dias.

A idade média de todas as gestantes foi de 27,7 anos – mediana de 25; desvio-padrão de 8,2 anos. Informações sobre escolaridade materna coletadas de prontuários e fichas de notificação indicam seis mães (13,4%) com até três anos e 19 (42,2%) com quatro a sete anos de escolaridade.

Entre as 45 mães estudadas, de 44 crianças nascidas vivas e um aborto sucedido, identificou-se que 39 (86,7%) delas referiram seguimento de pré-natal; destas, 23 (59,0%) gestantes tiveram menos de cinco consultas de pré-natal registradas. Os dados do pré-natal das gestantes infectadas pelo Treponema pallidum mostraram-se precários, tanto nas fichas de notificação como nos prontuários médicos dos hospitais: faltam informações sobre o início e número de consultas no pré-natal (mais de 50% sem informação), não há anotação clara sobre o tratamento materno após sorologia positiva ou sobre tratamento do parceiro.

A ocasião de pedido de exame VDRL às gestantes é apresentada na Tabela 1. Há registro de 27 (60%) mulheres cujo exame de VDRL foi solicitado no primeiro trimestre de gestação. Apenas nove gestantes (20%) realizaram teste não treponêmico no primeiro e no terceiro trimestres de gestação e no parto, conforme recomenda o Ministério da Saúde.6 Em 37 gestantes (82,2%), realizou-se pelo menos um teste treponêmico (FTA-abs ou Elisa-IgG ou TPHA) para confirmação sorológica.

 

 

Sobre o tratamento das gestantes, nota-se imprecisão das anotações das fichas epidemiológicas. Elas não esclarecem se a notificação é referente a tratamento prévio, durante a gestação ou durante a internação. Não foi notificado qualquer caso de sífilis associado a infecção pelo HIV. A Tabela 2 mostra que, em menos de 50% dos casos, o tratamento da mãe, antes e após o parto, foi registrado como adequado. Há notificação de "tratamento do parceiro", supostamente adequado, em apenas duas fichas epidemiológicas (4,4%).

 

 

As informações sobre a investigação, sinais e sintomas clínicos, tratamento e seguimento dos recém-nascidos encontram-se na Tabela 3.

 

 

Entre as 44 fichas epidemiológicas e prontuários analisados de nascidos vivos, constatou-se que 34 (77,3%) recém-nascidos não apresentaram sintomas sugestivos de infecção treponêmica ao nascer, tampouco qualquer alteração liquórica. Os principais sintomas encontrados são apresentados na Tabela 4. A maioria das crianças (88,6%) recebeu o tratamento indicado pelo Ministério da Saúde. Não há fluxo estabelecido para garantia e avaliação de seguimento das gestantes após o parto, ou das crianças com sorologia positiva para sífilis após o nascimento.

 

 

O peso médio ao nascer foi de 3.016g; seis nascidos vivos apresentaram menos de 2.500g (13,6%) e quatro eram prematuros – nascidos antes de 37 semanas de gestação. Analisando-se apenas os 29 casos atendidos pelo Serviço de Neonatologia do hospital de referência de Sumaré (Hospital Estadual Sumaré, único com disponibilidade de dados) em 2004, identificou-se, entre os casos de sífilis congênita, 12,5% de sobre-risco para baixo peso, percentual superior ao percentual médio de baixo peso registrado naquele serviço hospitalar, de 10,6%, para o mesmo ano.

Realizou-se sorologia não treponêmica em 41 (93,2%) das crianças nascidas vivas de mães com VDRL positivo. Nos outros quatro casos, esse dado não estava disponível. Em 18 (40,9%) recém-nascidos, o resultado do VDRL apresentava titulação maior ou igual a 1/4; em cinco casos (11,4%), esse resultado era negativo.

 

Discussão

A eliminação da sífilis congênita ainda não foi alcançada na região de estudo, apesar da meta nacional assumida em 1993, de ausência de registro de casos novos a partir de 2000.1,6

Não obstante a ampliação dos critérios de definição de caso de sífilis congênita para fins de vigilância epidemiológica a partir de 2004, identificou-se aumento de casos nos últimos anos, na microrregião de Sumaré-SP, sugerindo tratar-se de doença não controlada, com possibilidade de transmissão congênita.

Vale lembrar que a melhora do sistema de busca e de notificação de casos implica um "aumento" da prevalência/incidência, com base na subnotificação anterior. A maior sensibilidade do critério atual também pode ter provocado o aumento das notificações, embora a retrospectiva dos casos deste estudo tenha incorporado o critério atual para todo o período analisado.

Entre os principais pontos frágeis da assistência e prevenção da sífilis que foram identificados, cabe destacar: atraso das sorologias solicitadas às gestantes no pré-natal; investigação inadequada dos casos de sífilis na gravidez; tratamento inadequado – ou inexistente – das gestantes e seus parceiros; e falta de informações sobre o seguimento de puérperas e crianças infectadas após o parto. Também se observaram dados incompletos sobre pré-natal e parto nos prontuários médicos e fichas epidemiológicas.

Em muitos prontuários dos hospitais (exceção do Hospital Estadual Sumaré), embora não tenham sido encontrados exames subsidiários (liquor, RX, sorologias), tampouco menção de tratamento explícita nos prontuários, há que se considerar a possibilidade de que esses procedimentos foram realizados mas não foram registrados. A utilização de dados secundários em investigação epidemiológica, particularmente de prontuários médicos, traz limitações às conclusões do estudo.

Muitos problemas dessa fonte de dados já foram suficientemente demonstrados: falta de registro de informações clínicas e de exames subsidiários; subnotificação de casos; falta de preenchimento de variáveis; e discordâncias nas informações de fichas de notificação de doenças.13,15 É importante ressaltar, entretanto, a necessidade de investimentos no aprimoramento da qualidade dos registros rotineiros dos serviços de saúde, conferindo maior credibilidade – e poder de utilização – aos sistemas de informações.

Sobre a vigilância epidemiológica, após a busca retrospectiva dos casos, tornou-se evidente a subnotificação por parte dos serviços hospitalares e pela rede básica. Notaram-se, também, incongruências entre os dados captados nos hospitais e os notificados pelo sistema de vigilância epidemiológica. A propósito, o problema da subnotificação tem sido apontado por pesquisadores, sobre várias regiões do Brasil.1,2,13,15

A despeito da gravidade da transmissão congênita, observa-se uma precariedade de informações sobre o pré-natal na ficha de notificação e no prontuário obstétrico, especialmente sobre detalhes que podem revelar o diagnóstico tardio da sífilis e o tratamento inexistente ou inadequado oferecido à gestante.

Entre as ações desencadeadas por esta investigação, encontra-se a revisão dos casos de sífilis em adultos e de sífilis congênita nos hospitais, em conjunto com a equipe de vigilância municipal, ação que pode reduzir a subnotificação de casos de aborto e sífilis congênita no âmbito regional.

Entre as pacientes estudadas, o diagnóstico foi feito tardiamente. Mesmo em seguimento pré-natal, a maioria das gestantes não teve o VDRL realizado conforme preconizado, ou seja, no primeiro trimestre e início do terceiro trimestre.6,14 Das mulheres que tiveram pelo menos um exame solicitado, a maioria não foi tratada adequadamente. Esses dados indicam a freqüente perda de oportunidade de diagnóstico e tratamento dessa doença, de grave repercussão, durante o atendimento pré-natal.

A falta de tratamento oportuno das gestantes sugere o despreparo das equipes de saúde diante de um resultado positivo; ou deve-se a dificuldades para a pronta informação do resultado do exame, apenas disponível nos meses subseqüentes ao pedido. Este fato foi confirmado em reunião de gestores municipais, cujo tema de pauta foi o atendimento obstétrico na rede de serviços da microrregião de Sumaré.

As informações aqui relatadas sugerem baixa qualidade do atendimento à gestante no pré-natal. Se o acesso ao serviço – assim parece – não é limitado, o mesmo não se pode dizer da garantia de seguimento clínico segundo o protocolo definido pelo Ministério da Saúde.14

A partir de 2005, nos cinco Municípios da microrregião, o Ministério da Saúde investiu no treinamento das equipes obstétricas, pediátricas e de vigilância epidemiológica. A ausência de tratamento para a quase totalidade dos parceiros das gestantes com sorologia positiva revela os riscos de reinfecção dessas mulheres, ainda que seu tratamento, durante o pré-natal, fosse adequado.

Alguns autores têm constatado a ausência dos homens nas unidades básicas de saúde, explicada pelas características de um atendimento pautado no enfoque materno-infantil. Ademais, homens procuram por serviços que respondam com maior rapidez a suas demandas de saúde, como farmácias e prontos-socorros.16 Por isso, recomenda-se a abordagem interdisciplinar das famílias, para garantir o seguimento dos casos, adesão ao tratamento e controle da circulação do Treponema pallidum.

Embora haja referência de tratamento adequado dos bebês nos prontuários hospitalares, não há registro, nem garantia de seguimento clínico e sorológico na rede. Na perspectiva da vigilância epidemiológica, especialmente, não há informação sobre o seguimento da mãe e da criança para monitorização de possível reinfeção, não-resposta à terapêutica ou transmissão vertical em futura gravidez.17,18

Os casos investigados, embora em pequeno número, sugerem dificuldades no atendimento obstétrico semelhantes às encontradas nos serviços ambulatoriais e hospitalares e em maternidades de outras regiões do País.2,3,8

Os hospitais podem ser considerados pelo sistema de vigilância epidemiológica como "unidades de saúde sentinelas", cujo papel é estratégico para o diagnóstico da sífilis não detectada ou mesmo negligenciada no pré-natal. A partir do hospital, pode se identificar e investigar casos suspeitos e detectar, precocemente, falhas no sistema de atendimento a quaisquer doenças que, por sua gravidade, exigiram cuidados hospitalares.19

Mais de 95% dos partos no Brasil ocorrem no ambiente hospitalar. Se a rede de cuidados não for capaz de detectar e tratar a sífilis na mulher gestante, terá mais uma oportunidade de o fazer no momento do parto; e, o que é mais importante nesta etapa, poderá constatar a transmissão vertical da sífilis e tratar os recém-nascidos infectados para evitar a manifestação da doença ou reduzir suas seqüelas.

Eis a situação da sífilis congênita, inicialmente identificada no hospital, que possibilitou desencadear ações conjuntas entre as instituições (rede básica, vigilância epidemiológica, os próprios hospitais) para uma melhor captação e investigação dos casos de sífilis congênita e, principalmente, enfrentamento do grande desafio de melhorar o atendimento obstétrico na microrregião.

A maior interlocução dos hospitais com a rede básica dos Municípios pode auxiliar a atuação da vigilância na identificação de situações de risco epidemiológico, facilitando o seguimento, pela rede ambulatorial, dos pacientes atendidos no hospital. Além disso, pode permitir a avaliação integrada das ações de controle de doenças na comunidade, sob responsabilidade de diferentes instâncias do sistema público de saúde.

 

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Endereço para correspondência:
Hospital Estadual Sumaré,
Núcleo de Saúde Pública,
Av. da Amizade, 2400,
Sumaré-SP, Brasil.
CEP: 13175-490
E-mail:donalisi@fcm.unicamp.br

Recebido em 31/03/2006
Aprovado em 23/02/2007

 

 

*Estudo financiado com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Bolsa de Iniciação Científica –, Processo 05/53811-0