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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2337-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.16 n.3 Brasília jul./set. 2007

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742007000300005 

ARTIGO ORIGINAL

 

Fatores de risco para mortalidade neonatal em coorte hospitalar de nascidos vivos*

 

Risk factors for neonatal mortality in hospital coort of live births

 

 

Patrícia Ismael de CarvalhoI; Pricila Melissa Honorato PereiraII; Paulo Germano de FriasII; Suely Arruda VidalIII; José Natal FigueiroaIII

ISecretaria de Saúde, Governo do Estado de Pernambuco, Recife-PE, Brasil
II
Instituto Materno-infantil Professor Fernando Figueira, Recife-PE, Brasil. Secretaria de Saúde, Prefeitura do Recife, Recife-PE, Brasil
IIIInstituto Materno-infantil Professor Fernando Figueira, Recife-PE, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo analisou os fatores de risco associados à mortalidade neonatal hospitalar na maternidade-escola do Instituto Materno-infantil Professor Fernando Figueira, entre 2001 e 2003. Os dados foram coletados das declarações de nascimento e óbito; para a identificação dos fatores associados à mortalidade, foi realizada análise bivariada e multivariada. A taxa de mortalidade neonatal hospitalar foi de 49,4 óbitos por mil nascidos vivos. A análise multivariada mostrou que os efeitos das variáveis – índice de Apgar no quinto minuto abaixo de três ou entre quatro e sete; baixa escolaridade da mãe; idade gestacional até 36 semanas; número de consultas de pré-natal abaixo de três; baixo peso ao nascer; e raça preta/parda – foram significativos para a mortalidade. A assistência pré-natal e pós-natal deve se organizar para prevenir alguns desses fatores e reduzir as iniqüidades originadas nas diferenças sociais.

Palavras-chave: mortalidade neonatal; fatores de risco; atenção hospitalar.


SUMMARY

This paper analyzed the risk factors associated to hospital neonatal mortality at the maternity school hospital of the Instituto Materno-infantil Professor Fernando Figueira from 2001 to 2003. Data from birth and death certificate were used. The identification of factors associated to neonatal mortality has been done through bi-varied and multi-varied analysis. The hospital neonatal mortality rate was 49.4 per 1,000 live births. The effects of multi-varied analysis – Apgar score at the fifth minute lower than three or between four and seven, mothers with low literacy, gestational age until 36 weeks, number of antenatal care visits under three, low weight at birth, and dark skin color – resulted significantly associated with neonatal mortality. Antenatal and perinatal care should be organized to prevent some of those factors and reduce inequalities due to social differences.

Key Words: neonatal mortality; risk factors; hospital health care.


 

 

Introdução

O período neonatal corresponde ao intervalo de tempo entre o nascimento e o 27o dia de vida. Os óbitos ocorridos nesse período apresentam estreita relação com a atenção à saúde de crianças e mães, associados, principalmente, à falhas na assistência de pré-natal, durante o parto e ao recém-nascido.1-3

A participação dos óbitos neonatais na taxa de mortalidade infantil no Brasil vem crescendo nas últimas décadas, comparativamente ao componente pós-neonatal (óbitos ocorridos do 28o dia até menos de um ano de idade). Hoje, os óbitos neonatais representam a maior parcela dos óbitos em menores de um ano,4-6 evidenciando-se, em algumas regiões do Brasil, um decréscimo bastante pequeno ou até mesmo estabilidade em sua proporção relativa de ocorrência.7

Na Região Nordeste, a participação do componente neonatal passou de 37,9% dos óbitos, em 1990, para 61,2%, em 2002,6 o que justifica a importância de estudos relacionados a esse grupo etário. O conhecimento e análise dos fatores de risco para o óbito é um componente poderoso e determinante, a ser considerado na elaboração e implementação de estratégias efetivas para a redução da mortalidade neonatal e infantil, indicadores ainda expressivos no país.1,2,4,5

A consolidação do hospital como locus de atenção ao parto e ao recém-nascido,6 principalmente nas Regiões Metropolitanas, expressa a importância de estudos de base hospitalar. Embora já se tenham escrito muitos trabalhos com o objetivo de identificar fatores associados à mortalidade neonatal,8-11 poucos, até então, enfocaram a instituição hospitalar.

Em um hospital, a identificação dos recém-nascidos de risco pode auxiliar na atenção clínica, viabilizando a adoção de medidas em tempo adequado para a redução da mortalidade. O objetivo do presente estudo foi identificar os principais fatores de risco associados à mortalidade neonatal em um grupo de crianças nascidas vivas na maternidade-escola do Instituto Materno-infantil Professor Fernando Figueira, entre 2001 e 2003.

 

Metodologia

Trata-se de um estudo de coorte, realizado no Instituto Materno-infantil Professor Fernando Figueira (IMIP), que reuniu os dados de 13.878 nascidos vivos na maternidade-escola do hospital, entre os anos de 2001 e 2003. Foi pesquisado o evento 'óbito neonatal hospitalar', definido como a ocorrência do óbito em bebês até 27 dias de vida, durante a internação hospitalar, e seus fatores associados.

O IMIP é um complexo hospitalar filantrópico situado na cidade do Recife, capital do Estado de Pernambuco, voltado à assistência materno-infantil. Conveniado com o Sistema Único de Saúde (SUS), sua maternidade integra a rede de alta complexidade do sistema e seus leitos estão disponíveis na central de leitos do Estado, como centro de referência para gestações e partos de alto risco. Possui unidade de terapia intensiva obstétrica e neonatal, berçário para cuidados intermediários e alojamento conjunto tardio – Enfermaria Mãe-canguru. Realiza, em média, 5.000 partos ao ano, que representam 3% do total de partos realizados no Estado e, aproximadamente, 20% dos partos de residentes no Recife.

As informações que serviram de base a este estudo foram coletadas do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), ambos alimentados, respectivamente, pelas declarações de nascidos vivos (DN) e declarações de óbito (DO) preenchidas no hospital, revisadas e processadas no Núcleo de Epidemiologia do IMIP.

Linkage entre bancos de dados

Para identificação dos óbitos ocorridos no período neonatal, utilizou-se a técnica de linkage entre os bancos de dados do Sinasc e do SIM. A variável de escolha para a junção dos dados foi o número da DN, por ser único e exclusivo para cada nascido vivo, além de existir campo específico na DO para seu preenchimento.

Para facilitar o processo de integração das informações dos diferentes bancos de dados, primeiramente, foram selecionados os óbitos neonatais ocorridos no hospital entre 1o de janeiro de 2001 e 31 de dezembro de 2003. A esses, acrescentaram-se os óbitos ocorridos em 2004, de crianças nascidas em 2003, que, portanto, faziam parte da coorte. Foram excluídos quatro óbitos ocorridos em 2001, por serem de crianças nascidas no ano 2000 (Figura 1).

 

 

As etapas seguintes, de junção dos dados para compatibilização das informações de nascimentos e óbitos, também estão descritas na Figura 1. Um primeiro linkage gerou 610 ligações DO – DN. Com o objetivo de confirmar a adequação dos conjuntos DN – DO, as informações de nascimento e óbito foram organizadas pelas variáveis ‘nome da mãe', 'data de nascimento' e 'peso ao nascer', o que permitiu a identificação de 27 ligações incorretas.

Em uma segunda etapa, esses 27 casos foram agregados a outras 75 DO, que não possuíam a variável-chave (número da DN). Esses 102 óbitos (14% do total) foram identificados, um a um, no banco de nascidos vivos, com auxílio das variáreis 'nome da mãe', 'data de nascimento' e 'peso ao nascer'. Feitas as devidas correções, foram identificados 685 óbitos no período neonatal, a partir do conjunto de 13.878 nascidos vivos da coorte. No processo de agregação dos dados, utilizou-se o programa SPSS versão 13.0. As informações resultantes foram submetidas a análise, para identificar os principais fatores de risco associados à mortalidade neonatal hospitalar.

Análise dos dados

Neste estudo, a variável dependente foi o óbito ocorrido no período neonatal. As variáveis de exposição foram assim classificadas:

a) sociodemográficas – idade da mãe (<19, 20-34 e 35 anos ou mais); grau de instrução da mãe (menos de quatro anos, quatro a sete anos, oito anos ou mais de estudo); e estado civil da mãe (solteira e não solteira);

b) relacionadas à gestação e ao parto – número de consultas de pré-natal (até três consultas, quatro a seis consultas, sete ou mais consultas realizadas); idade gestacional (até 36 semanas; 37 a 41 semanas); tipo de gestação (única ou múltipla); e tipo de parto (vaginal ou cesário);

c) relacionadas ao recém-nascido – peso ao nascer (<1.500 gramas, 1.500 a 2.499 gramas, 2.500 gramas ou mais); índice de Apgar no 5° minuto, ou Apgar 5 (0-3, 4-7, 8-10); e raça/cor (branca, parda/preta).

Para a análise dos dados, foram excluídos todos os indivíduos com qualquer das variáveis citadas notificada como 'ignorada'. Em razão de problemas ocorridos na geração de um modelo que melhor identificasse a ocorrência do óbito neonatal hospitalar com a totalidade dos casos estudados (685 óbitos de 13.878 nascidos vivos), selecionou-se uma amostra de 1/3 desse total, mantendo-se a proporção de óbitos apresentados para o total de observações (aproximadamente 5%). Dessa forma, a amostra constituiu-se de 4.629 nascidos vivos e 213 óbitos – poder de 80% –, selecionados aleatoriamente. Então, foi dado prosseguimento a toda a análise posterior.

A seleção das variáveis para compor o modelo contou com quatro etapas, de acordo com as recomendações de Hosmer e Lemeshow.12

Na primeira etapa, realizou-se uma análise bivariada, para verificar a existência de associação entre cada variável de exposição e a variável-resposta. Para a análise bivariada dos fatores associados ao óbito neonatal, calculou-se a odds ratio (OR não ajustada) e os intervalos de confiança (IC95%) para todas as variáveis estudadas.

Na segunda etapa, ajustou-se um modelo de regressão múltipla envolvendo as variáveis que, na análise bivariada, apresentaram um valor de p menor que 0,25 para os testes de associação com a variável-resposta. O efeito conjunto sobre o óbito exercido pelas variáveis sociodemográficas maternas, relacionadas à gestação, ao parto e ao recém-nascido, foi avaliado com a aplicação do modelo de regressão logística múltipla.

Na terceira etapa, de verificação da importância de cada variável incluída no modelo inicial, foram realizados testes de razão de verossimilhança.

Na quarta etapa, investigou-se a necessidade de incluir interações entre as variáveis finalmente selecionadas, para compor o modelo. Toda a análise dos dados foi processada utilizando-se o software SPSS versão 13.0.

Considerações éticas

O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Materno infantil Professor Fernando Figueira, sob registro de número 532/05.

 

Resultados

Do total de nascimentos ocorridos na coorte, foram identificados 685 óbitos no período neonatal. A taxa de mortalidade neonatal hospitalar foi de 49,4 óbitos por mil nascidos vivos. Do total de óbitos, 583 (85,1%) ocorreram no período neonatal precoce (até sete dias de vida); destes, 329 (48,0%) antes das primeiras 24 horas de vida.

Na análise bivariada, realizada com a amostra de 4.629 nascidos vivos e 213 óbitos, apresentaram associação estatisticamente significante com o óbito neonatal os seguintes grupos: nascidos vivos de gestação múltipla; nascidos vivos com idade gestacional até 36 semanas; nascidos de gestações com número de consultas de pré-natal abaixo de três ou entre quatro e seis; nascidos vivos com Apgar 5 de valor abaixo de 3 e de 4 a 7; e com peso ao nascer abaixo de 1.500g e entre 1.500g e 2.499g (Tabela 1).

 

 

Ao se analisar o efeito conjunto sobre o óbito exercido pelas variáveis sociodemográficas, relacionadas à gestação, ao parto e ao recém-nascido, permaneceram significativos os seguintes efeitos: Apgar 5 de valor abaixo de 3 e entre 4 e 7; idade gestacional até 36 semanas; menos de três consultas de pré-natal; peso ao nascer abaixo de 1.500g e entre 1.500 e 2.499g; e raça parda/preta. Além desses achados, a Tabela 2 apresenta, entre as variáveis estudadas, as interações que se mostraram significantes estatisticamente: Apgar 5 versus peso ao nascer; e escolaridade versus raça/cor. A variável 'escolaridade da mãe' permaneceu no modelo final, mesmo não apresentando valor de p menor que 0,25 na análise bivariada. Isso ocorreu devido a sua interação com a variável 'raça' (p-valor=0,018), o que a manteve no modelo final ajustado. Este modelo teve um ajuste considerado satisfatório (teste de Hosmer-Lemeshow: p-valor=0,456).12

 

 

A variável 'tipo de parto' foi considerada na geração dos modelos multivariados. Entretanto, perdeu significância na presença das outras, durante o processo de melhoria para definição de um modelo final ajustado, do qual foi excluída, portanto.

 

Discussão

A comparação entre estudos de base hospitalar é uma questão complexa. Além das diferenças metodológicas existentes, o perfil da população atendida,13 assim como o perfil das instituições e sua capacidade de resposta,14 produz contextos bastante particulares na atenção hospitalar. A comparação com analises de base populacional também é bastante restrita. Alguns estudos, entretanto, sejam eles de base hospitalar ou populacional, já trouxeram contribuições para essa discussão, razão porque esses aspectos sempre merecerão consideração.

Este trabalho utilizou os dados dos nascidos vivos e óbitos ocorridos antes da alta hospitalar. Uma revisão de literatura sobre a mortalidade hospitalar como indicador de qualidade afirma não haver diferença significativa entre as taxas de mortalidade calculadas a partir dos óbitos ocorridos durante o período de internação ou a partir do total de óbitos em um período determinado pós-admissão (ou mesmo pós-alta hospitalar).14 Particularmente, isso foi válido para faixas etárias mais jovens.14 No caso do óbito neonatal, a perda da informação pós-alta pode ser ainda menor, por se tratar de um curto espaço de tempo. Ademais, os bebês que tiveram alta apresentavam um melhor estado geral de saúde.

Na análise dos fatores de risco para a mortalidade infantil, Mosley e Chen classificaram os determinantes da mortalidade em: fatores proximais, diretamente relacionados ao óbito; fatores intermediários, relacionados ao cuidado médico, como a atenção pré-natal; e fatores socioeconômicos,15 também chamados de fatores distais.16,17 A escolaridade materna e a idade da mãe, ambas as características analisadas no presente estudo, são consideradas fatores distais, sendo que apenas a baixa escolaridade materna permaneceu como fator de risco no modelo final ajustado. A escolaridade reflete as condições socioeconômicas da mãe e está associada a um maior risco de morte neonatal.9,17 A associação com outros fatores, como baixo peso ao nascer e prematuridade, é verificada na literatura.18 Não obstante, também se observa maior risco de morte entre crianças de mães com baixa escolaridade, mesmo quando apresentam peso adequado ao nascer.19

A gestação precoce ou tardia não se configurou como fator de risco no modelo final, o que contradiz achados de outros autores.10,20,21 Estudo de base populacional realizado no Recife encontrou uma associação significativa entre mãe adolescente e mortalidade infantil.21 Entretanto, o corte adotado por aquele estudo para classificação das adolescentes – idade inferior a 14 anos – não foi possível para este trabalho, haja vista a pequena quantidade presente de mães nessa faixa etária.

A insuficiência de consultas esteve fortemente relacionada ao óbito neonatal, acorde com outros estudos disponíveis.10,17,22 Embora não tenha sido abordada por estes autores, a qualidade da atenção pré-natal tem se mostrado fortemente associada ao óbito, mesmo após o ajuste para um conjunto expressivo de variáveis, o que reforça a necessidade de melhorias na atenção à gestante.17 Intervenções simples, como detecção e tratamento de bacteriúria assintomática durante o pré-natal, podem reduzir a incidência de prematuridade e baixo peso do recém-nascido entre 30 e 55%.23

O tipo de parto não apresentou associação com a mortalidade. De fato, não é consensual a relação entre cesarianas e maior mortalidade neonatal. Alguns autores afirmam não existir tal associação;24 outros, que o parto cesariano é fator de proteção apenas entre recém-nascidos de muito baixo peso.9 Também é descrita a associação entre parto cesariano e óbito em recém-nascido prematuro.10 Apesar dessa falta de consenso, há evidências de que a interrupção precoce da gravidez por cesarianas eletivas pode contribuir para a ocorrência de iatrogenias e óbitos redutíveis, mediante aumento da taxa de prematuridade, de baixo peso ao nascer e das doenças do recém-nascido associadas a cesárea indicada antes do termo.10

Os demais fatores de risco identificados pelo modelo logístico, quais sejam, baixo peso ao nascer, prematuridade, baixos valores do Apgar no 5o minuto e gestação múltipla, corroboram a literatura pesquisada. 9,11,16,17,20,22,24 O fator 'prematuridade' apresentou uma redução considerável dos valores para a OR após o ajuste no modelo de regressão logística. A OR passou de 22,3 (OR bruta) para 2,6 (OR ajustada).

O baixo valor do Apgar 5 e o baixo peso ao nascer foram os mais expressivos fatores de risco para a mortalidade neonatal. Existe, decerto, uma preocupação geral com a intensificação de investimentos na prevenção do baixo peso ao nascer, provocada pelas evidências de sua alta incidência no país.2 O Apgar 5 também está fortemente associado à qualidade do cuidado; mais especificamente, da assistência ao parto, apesar da influência das condições prévias do bebê soe a vitalidade no momento do nascimento.25

Conforme referido, muitas das variáveis finais – resultantes da regressão múltipla – associadas ao óbito neonatal já foram apontadas por outros autores. Este estudo, porém, identificou um fator de risco pouco investigado no Brasil, até então: a raça. Ela pode apresentar um elevado percentual de respostas ignoradas e, assim, prejudicar ou mesmo inviabilizar a análise.24 Sua dificuldade de mensuração também deve ser considerada, principalmente em sociedades multirraciais como a Brasileira.26 Neste trabalho, o estudo das crianças negras (crianças pardas ou pretas) também encontrou maior proporção de baixa escolaridade entre suas mães, estando esses fatores fortemente associados entre si.

A associação entre raça e mortalidade infantil é bastante estudada em países como os Estados Unidos da América,27 cujas taxas elevadas de mortalidade neonatal entre os recém-nascidos negros resultam de excesso de nascimentos prematuros e restrição de crescimento fetal.28,29 Em Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, estudo realizado com puérperas constatou que as desvantagens observadas para as mulheres pretas e pardas extrapolam os indicadores socioeconômicos, estendendo-se para a assistência a sua saúde e do recém-nascido. As desigualdades entre mães brancas e negras expressam-se tanto no acesso à atenção pré-natal adequada quanto no momento do parto,30 sendo a situação desigual enfrentada pela mãe negra, provavelmente, relacionada a uma maior freqüência de desfechos negativos entre seus bebês.

Apesar da forte associação entre a mortalidade e as características do bebê ao nascimento, como peso ao nascer e valor de Apgar, o acesso aos serviços de saúde, assim como a qualidade da assistência no pré-natal, as condições da sala de parto e os cuidados imediatos após o nascimento, são componentes assistenciais que interferem na produção de outros fatores de risco.3,17 Estudo realizado em maternidades de Belo Horizonte aponta a melhoria da assistência como um desafio, destacando a dificuldade de acesso ao serviço em tempo oportuno, além de um elevado percentual de avaliação materna e fetal inadequada durante o trabalho de parto.31

Nesse contexto, destaca-se a melhoria da assistência pré-natal e pós-natal imediata e uma maior atenção a gestantes e nascidos vivos em situação de maior vulnerabilidade, medidas que teriam, como principal objetivo, reduzir os óbitos evitáveis redirecionando ou alterando práticas clínicas; especialmente nas primeiras semanas ou dias de vida, período de estreita relação com a assistência prestada.2,32

A redução da mortalidade peri-neonatal, necessariamente, está ligada a uma melhor compreensão de sua ocorrência pelos serviços de saúde.2 As características do recém-nascido e da gestação, importantes indicadores da gravidade dos bebês, podem ser utilizadas como condições de alerta – e um auxílio a mais – na orientação para a atenção clínica.

O presente estudo utilizou as bases de dados de sistemas de informações soe nascidos vivos e óbitos, fontes de dados de fácil acesso e alto potencial de informação para o conhecimento da situação de saúde de populações.33 Essas bases de dados podem permitir o adequado monitoramento dos fatores mais fortemente relacionados à mortalidade infantil e seus componentes. Porém, a ausência de algumas informações pertinentes, relacionadas aos hábitos da mãe – como fumar –,21,34,35 ou ainda, de variáveis assistenciais,22 também participantes da complexa causalidade do óbito infantil, não permitiram a verificação desses fatores de risco; tampouco seu controle, como possíveis fatores de confusão no modelo elaborado. Essa foi uma limitação do estudo.

Os resultados demonstraram que esses sistemas também são importantes fontes de informações para o estudo de serviços de saúde. O uso da técnica de linkage entre os bancos do SIM e do Sinasc mostrou-se bastante útil, igualmente, possibilitando a junção das informações, processo facilitado graças ao bom preenchimento e processamento dos dados das declarações pela instituição, principalmente no que se refere à variável-chave deste estudo, o número da DN.

 

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Endereço para correspondência:
Instituto Materno-infantil Professor Fernando Figueira,
Núcleo de Epidemiologia,
Rua dos Coelhos, 300, 6o Andar,
Boa Vista, Recife-PE, Brasil.
CEP: 50070-550
E-mail:pripera@cpqam.fiocruz.

Recebido em 02/09/2005
Aprovado em 12/01/2007

 

 

*Pesquisa financiada com recursos da Fundação Nacional de Saúde, por intermédio do então Centro Nacional de Epidemiologia, atual Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde – convênio no 007/2003, celebrado com o Instituto Materno-infantil Professor Fernando Figueira.