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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2337-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.16 n.3 Brasília jul./set. 2007

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742007000300006 

ARTIGO ORIGINAL

 

A mortalidade por aids no Brasil: um estudo exploratório de sua evolução temporal

 

Mortality for aids in Brazil: An exploratory study of its temporal evolution

 

 

Ana Cristina Reis; Elizabeth Moreira dos Santos; Marly Marques da Cruz

Laboratório de Avaliação de Situações Endêmicas Regionais, Departamento de Endemias Samuel Pessoa, Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro-RJ, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Trata-se de estudo descritivo e exploratório baseado na análise das taxas de mortalidade padronizadas por aids no Brasil entre 1982 a 2002. A análise do perfil de mortalidade por aids contemplou as seguintes variáveis do Sistema de Informações sobre Mortalidade: sexo; faixa etária; estado civil; escolaridade; e ocupação habitual. Os resultados evidenciaram queda da mortalidade a partir de 1996, ano de introdução do tratamento com anti-retrovirais pelo serviço público de saúde, embora haja importante desaceleração dessa queda nos três últimos anos. A redução da taxa de mortalidade é mais expressiva no sexo masculino que no feminino; e os adultos jovens e os de menor nível socioeconômico são, ainda, os mais afetados. Concluiu-se que a desaceleração da queda da mortalidade por aids no país sugere a necessidade de aumento do acesso ao diagnóstico precoce e à assistência, melhoria da qualidade da atenção de quem vive com HIV/aids e aprimoramento dos sistemas de vigilância epidemiológica e monitoramento dos óbitos por aids, para um controle mais efetivo da epidemia.

Palavras-chave: mortalidade; vigilância; aids; monitoramento.


SUMMARY

This descriptive and exploratory study was based on the analysis of AIDS standardized mortality rates in Brazil along the period of 1982 to 2002. The analysis of the AIDS mortality profile considered the following variables of the Mortality Information System: sex; age; marital status; educational level; and occupation. The results evidenced the decrease of mortality rate after 1996 when public health services introduced antiretroviral treatment, although there was an important deceleration of this decrease in the last three years. The reduction of the mortality rate is greater in the male sex than in the female one; and young adults and lower-class people are still the most affected ones. It can be inferred that the deceleration of the decrease of AIDS mortality rate in the country suggests the need of increasing the early diagnosis access and assistance, the improvement in the quality of the care for those who live with HIV/AIDS, and the adjustment of the epidemiological surveillance and monitoring of AIDS deaths to more effectively control of the epidemic.

Key words: mortality; surveillance; AIDS; monitoring.


 

 

Introdução

A mortalidade por aids no Brasil é um relevante problema de Saúde Pública que atinge, de forma heterogênea, diferentes segmentos da população. Desde o surgimento da doença na década de 1980, são evidentes os esforços para o enfrentamento da epidemia, cuja participação é crescente entre as principais causas de morte, particularmente de adultos jovens e pessoas em situação de pobreza. Observa-se, entretanto, uma desaceleração desse decréscimo nos últimos anos, apontando a necessidade de uma nova aproximação para melhor compreender esse fenômeno.

De acordo com dados da Joint United Nations Programmes on HIV/AIDS (UNAIDS),1 estima-se que, até 2005, 3,1 milhões de pessoas morreram de aids: 2,6 milhões de adultos e 570 mil menores de 15 anos de idade. A situação da mortalidade por aids no mundo é mais crítica na África Subsaariana, onde ela continua elevada até os dias atuais. Nos países da região, barreiras econômicas, geográficas e socioculturais dificultam o acesso à terapia anti-retroviral e a prevenção das doenças oportunistas entre os que vivem com o HIV/aids.

Os resultados dos estudos sobre a associação entre terapia anti-retroviral e mortalidade por aids demonstraram que a prescrição da chamada Terapia Anti-Retroviral de Alta Potência (HAART), a partir de 1996, estava fortemente associada ao aumento da sobrevida e, conseqüentemente, à redução da mortalidade por essa causa.2,3

Nos moldes de outros países, desde 1996, o Brasil vem apresentando uma redução da mortalidade por aids, principalmente no sexo masculino. A disponibilidade universal e gratuita de terapias anti-retrovirais na rede pública de serviços de saúde causou um impacto notável na morbimortalidade, observada no aumento da sobrevida dos portadores de HIV/aids, na redução da incidência de doenças oportunistas e na queda das internações hospitalares.4-6

Estudo realizado na Itália mostrou o impacto diferencial das terapias anti-retrovirais combinadas na sobrevida de pacientes com diferentes doenças relacionadas à aids.4 O estudo verificou que, dos 35.318 pacientes adultos com diagnóstico de aids após 1995, a proporção de sobreviventes – 24 meses – mais que dobrou (66%), comparativamente com aqueles pacientes diagnosticados antes daquele ano (31%). Os autores consideram que, embora existam evidências de um aumento da sobrevida dos pacientes com doenças específicas relacionadas à aids, ele não é uniforme e seus determinantes necessitam ser investigados.

No Brasil, detectou-se um aumento da sobrevida por aids no período de 1995 a 1996, em relação ao período de 1982 a 1989.6 No ano de 1995, os pacientes, que até então sobreviviam cerca de seis meses após o diagnóstico, passaram a viver 16 meses, e os diagnosticados em 1996 tiveram um acréscimo em sua sobrevida, alcançando 58 meses. Pacientes de aids que vivem em condições socioeconômicas desfavoráveis dispõem de tratamento com anti-retrovirais compatível com o recebido por pessoas para as quais essas condições são mais favoráveis.

Em relação ao efeito das mortes por aids na esperança de vida no País em 2000, verificou-se que, em 1996, a maior mortalidade por aids ocorria no Município de São Paulo, com impacto na vida média de 1,04 e 0,44 anos, respectivamente, para os sexos masculino e feminino. Em 2000, essas perdas foram de 0,58 e 0,29 anos, provavelmente em função da menor mortalidade.7 Estes autores chamam a atenção para o decréscimo da mortalidade, principalmente em São Paulo-SP, relacionando-o à implantação da política governamental de distribuição universal e gratuita da terapia anti-retroviral.

O objetivo deste trabalho foi apresentar a evolução temporal da mortalidade por aids no país, uma das principais causas de morte entre os adultos jovens brasileiros. Ao analisar a desaceleração da queda desse evento, pretende-se compreender o perfil desse tipo de morte nas diferentes macrorregiões do Brasil. Entende-se que esses indicadores são de fundamental importância para o monitoramento e avaliação do impacto das medidas de controle do HIV/aids.

 

Metodologia

Este é um estudo descritivo e exploratório baseado em dados de mortalidade por aids para o conjunto do país, macrorregiões e Unidades da Federação (UF). A evolução temporal das taxas de mortalidade padronizadas por aids foi restrita ao período de 1982 a 2002.

Procedeu-se à padronização das taxas de mortalidade pelo método direto, em que a população do Brasil foi considerada padrão, tanto para as macrorregiões como para as UF. Considerou-se a padronização necessária, para dispor de taxas de mortalidade que fossem comparáveis entre si e ao longo do período estudado.

No ajuste das curvas de tendência da mortalidade, foram estimados modelos de regressão linear simples. Considerou-se tendência significativa aquela cujo modelo estimado obtivesse p<0,05.

Segundo as características sociodemográficas, a análise da mortalidade proporcional por aids contemplou as seguintes variáveis: sexo, faixa etária, estado civil, escolaridade e ocupação habitual, todas elas disponíveis no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), co-administrado pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) e pelo Departamento de Informática do SUS (Datasus), ambos do Ministério da Saúde.

A seleção das causas específicas de óbito foi feita a partir da lista de mortalidade brasileira, elaborada pelo Ministério da Saúde. Para seleção dos óbitos por aids ocorridos até 1995, considerou-se a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – Nona Revisão (CID-9) –, código 279;1 e para os óbitos ocorridos a partir de 1996, a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – Décima Revisão (CID-10) –, códigos B20 a B24. No caso específico da mortalidade por aids no país, ainda não há relatos sobre os eventuais efeitos da mudança do uso da CID-9 para a CID-10. É possível afirmar, contudo, que a implantação da atual CID melhorou a qualidade dos dados sobre as causas de morte relacionada à aids, que passaram a contar com códigos específicos dentro de um agrupamento, não mais limitadas a um único código, como acontecia na CID anterior. Agora, as doenças oportunistas que participam do complexo da síndrome podem ser codificadas com mais consistência e propriedade.8

O número de óbitos foi extraído do banco de dados do SIM; e os dados populacionais, disponíveis na página eletrônica do Datasus na internet (www.datasus.gov.br), foram originalmente divulgados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os dados de mortalidade para as Regiões Centro- Oeste e Sul são tidos como de melhor qualidade que os das Regiões Norte e Nordeste – nestas, a proporção de óbitos por causas mal-definidas é elevada e o sub-registro de óbitos é maior.9 Nas localidades onde o uso das informações em saúde é prejudicado pela baixa qualidade de seus dados, o monitoramento das condições de saúde e a tomada de decisão também ficam prejudicadas.

 

Resultados

Evolução temporal

Esta análise da evolução temporal da mortalidade por aids no Brasil compreendeu o período de 1982 a 2002, para o qual foram totalizadas 148.206 mortes em adultos – indivíduos com mais de 13 anos de idade.

O estudo dessa evolução revelou para estes autores a existência de três fases ou momentos distintos. O primeiro, entre 1982 e 1995, foi de crescimento acelerado da taxa de mortalidade, todavia mais acentuado entre 1987 e 1995. Neste ano, o risco de morte pela doença atingiu seu maior valor: 9,7 óbitos por 100.000 habitantes. No segundo momento da epidemia, entre 1996 e 1999, observa-se, claramente, a redução das taxas de mortalidade. O risco de morrer por aids passou de 9,6/100.000, em 1996, para 6,4/100.000, em 1999, significando uma redução de 33%; porém, não alcançou nível de significância (p=0,091). Finalmente, na terceira fase, correspondente aos últimos três anos da série estudada, as taxas permanecem estáveis (Figura 1).

 

 

Na análise das taxas de mortalidade padronizadas por macrorregiões, apenas a Região Centro-Oeste apresentou comportamento semelhante ao do país como um todo. Foi observada uma redução de 26% (p=0,009) entre os anos de 1996 e 2002. Neste último ano, a taxa de mortalidade padronizada por aids encontrava-se em torno de 5,5/100.000.

A Região Sudeste, que desde o início da epidemia apresentou a maior concentração de casos,10 destacou-se também pela maior mortalidade no decorrer do período analisado. Em 1995, a taxa de mortalidade padronizada por aids foi de 20,1/100.000, valor duas vezes maior que o do conjunto do país. A partir do ano seguinte, observou-se uma tendência de queda, de 18,7/100.000, em 1996, para 9,9/100.000, em 2002 – redução percentual de 47% (p=0,01).

Nas Regiões Norte, Nordeste e Sul, a queda da mortalidade só ocorreu no ano de 1997, para, nos anos seguintes, retomar seu crescimento. Na Região Sul, verificou-se crescimento de 3,2% entre 1996 e 2002. Vale mencionar que, em 2002, a taxa de mortalidade padronizada por aids na Região Sul equiparou-se à da Região Sudeste. A Região Norte, apesar de ser responsável por uma das menores taxas do país, apresentou crescimento de 25% (p=0,06), ao passar de 3,4/100.000, em 1996, para 4,3/100.000, em 2002. A taxa de mortalidade padronizada por aids na Região Nordeste permaneceu estável nesse período, em torno de 3,0/100.000. A partir de 2001, o Nordeste passou a responder pelas menores taxas de mortalidade padronizadas por aids do país, superadas, inclusive, pelas da Região Norte.

Considerando-se a evolução da mortalidade por aids segundo o sexo, verificou-se comportamento diferenciado entre as taxas. Enquanto a mortalidade masculina tem diminuído ano a ano, passando de 14,4/100.000, em 1996, para 8,8/100.000, em 2002 – decréscimo de 39% (p=0,057) –, a mortalidade feminina apresentou queda em 1997, tão-somente; nos anos seguintes, suas taxas praticamente não se modificaram, mantendo-se em torno de 3,7/100.000.

O comportamento das taxas de mortalidade padronizadas por aids nas UF foi dividido em quatro períodos, conforme a Figura 2: Rio de Janeiro e São Paulo destacaram-se desde o primeiro período (1982 a 1986), com as taxas mais elevadas entre os Estados. No período de 1987 a 1991, observa-se a expansão da mortalidade nas demais UF da Região Sudeste e naquelas que compõem as Regiões Centro-Oeste e Sul. Entre os Estados do Norte e do Nordeste, destacam-se o Amapá (1,0/100.000) e Pernambuco (1,5/100.000).

 

 

No terceiro período selecionado (1992 a 1996), observou-se a manutenção do crescimento da mortalidade nos Estados das Regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, quando São Paulo (23,5/100.000), o Rio de Janeiro (18,3/100.000) e o Distrito Federal (12,5/100.000) apresentaram taxas elevadíssimas. Enquanto isso, a expansão da mortalidade por aids avança em outros Estados da Região Norte, com destaque para o Amazonas (2,8/100.000), Roraima (3,8/100.000) e o Pará (2,9/100.000). Na Região Nordeste, destacam-se o Ceará (3,0/100.000), o Rio Grande do Norte (3,6/100.000) e Pernambuco (5,7/100.000).

Nos anos seguintes (1997 a 2002), a taxa de mortalidade padronizada por aids mantém seu crescimento em todos os Estados da Região Norte, principalmente em Roraima, onde alcança o valor de 6,2/100.000. O mesmo comportamento verifica-se no Piauí, em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul, em Mato Grosso e em Mato Grosso do Sul. Os decréscimos mais importantes foram observados apenas em São Paulo, no Rio de Janeiro e no Distrito Federal, onde a taxa caiu praticamente pela metade.

Perfil da mortalidade por aids

Ao considerar a distribuição proporcional da mortalidade por aids segundo algumas características sociodemográficas no Brasil das décadas de 1980 e 1990, tem-se que a mortalidade por aids é predominantemente masculina. Contudo, é possível observar, na Tabela 1, mudança nesse comportamento partir dos anos de 1990, com o aumento da proporção de óbitos femininos (de 11,8 para 23%). processo de "feminização" da epidemia também fica caracterizado na análise da razão de sexo dos óbitos, que passou de 7,5:1, nos anos de 1980, para 3,4:1, na década seguinte.

 

 

O padrão de mortalidade por aids segundo a faixa etária mostrou, nas duas décadas finais do século XX, uma concentração das mortes – em torno de 85% – no grupo etário de 20 a 49 anos, correspondente às idades produtivas e reprodutivas da população. Ao se comparar essa distribuição por sexo, notou-se que, entre as mulheres, houve um aumento importante de óbitos na faixa etária de 30 a 39 anos, cuja proporção saltou de 28,5 para 35,9%. Na população masculina, o padrão etário permaneceu praticamente o mesmo para o período estudado.

Em relação ao estado civil, houve maior predominância dos óbitos por aids entre os solteiros, ainda que apresentassem redução em sua participação proporcional (de 74,1 para 66,2%). Houve, sim, um aumento considerável da proporção de óbitos de viúvos (de 1,6 para 3,7%).

Na estratificação do estado civil e sexo, notou-se comportamento distinto entre homens e mulheres. A proporção de óbitos entre os homens solteiros diminuiu de uma década para outra (de 78,1 para 66,5%), enquanto entre os casados (de 18,4 para 21,5%) e os viúvos (de 0,8 para 1,6%), cresceu. Já a proporção de óbitos entre as mulheres solteiras não se alterou, praticamente, entre as casadas se reduziu (de 26,6% para 19,4%) e para as viúvas aumentou (de 7,6% para 10,7%).

Quanto à escolaridade, deve-se destacar o aumento de óbitos com grau de escolarização ignorado, que passou de 23,5 para 38,5%. Vale mencionar que a elevada proporção de dados ignorados limita a análise das informações. Ainda assim, é possível apontar a redução proporcional de óbitos entre indivíduos com Segundo Grau (de 16,5 para 9,6%) e Nível Superior (de 14,0 para 6,3%), além de seu incremento entre indivíduos com nenhuma escolaridade (de 4,2 para 6,6%). Supõe-se que a parcela dos óbitos com escolaridade ignorada seja formada, em sua maioria, por indivíduos que possuíam Primeiro Grau ou nenhuma escolaridade.

Outra variável analisada foi a ocupação habitual, que, a exemplo da escolaridade, também apresentou crescimento expressivo da proporção de dado 'ignorado' (de 9,1 para 25,6%). Na década de 1980, o padrão de mortalidade por aids caracterizava-se pela maior proporção de óbitos nas categorias com maior qualificação profissional (cientistas/técnicos/ artistas; trabalhadores do serviço público/diretores; e Outra variável analisada foi a ocupação habitual, que, a exemplo da escolaridade, também apresentou crescimento expressivo da proporção de dado 'ignorado' (de 9,1 para 25,6%). Na década de 1980, o padrão de mortalidade por aids caracterizava-se pela maior proporção de óbitos nas categorias com maior qualificação profissional (cientistas/técnicos/ artistas; trabalhadores do serviço público/diretores; e trabalhadores administrativos), que, juntos, somavam 35,2% do total de óbitos por aids; então, categorias menos qualificadas, como trabalhadores da indústria e do setor agropecuário e da pesca, representavam 20,1% desse total.

Na década de 1990, ocorre a inversão desse padrão ocupacional no perfil dos óbitos por aids, com redução importante de participação dos profissionais mais qualificados (12,1%) e crescimento dos menos qualificados (22,2%). Pelos dados expostos na Tabela 1, percebe-se uma redução na proporção de óbitos entre profissionais do setor de serviços e comércio, que podem ser classificados como categorias mistas.

Para categorias sem classificação, optou-se por analisar a distribuição dos óbitos segundo suas subcategorias: donas de casa; aposentados; estudantes; e desempregados. Chama a atenção o fato da proporção de óbitos por aids entre donas de casas ter dobrado de uma década para outra (de 6,1 para 12,5%) e o ligeiro aumento dos percentuais de aposentados (de 4,1 para 6,2%) e de desempregados (de 0,4 para 1,2%), como também a pequena redução na participação proporcional dos estudantes (de 3,6 para 2,1%).

As taxas médias de mortalidade por aids em adultos jovens (20 a 49 anos de idade), segundo as UF, apresentaram variação entre 2,9 e 20,6/100.000. Os Estados com as maiores taxas (acima da média nacional, de 12,1/100.000), para ambos os sexos, foram: Rio Grande do Sul; Rio de Janeiro; São Paulo; Santa Catarina; e Roraima. A taxa mais elevada de mortalidade masculina encontra-se no Rio Grande do Sul: quase 30 óbitos por 100 mil homens. Para a população feminina, o Rio de Janeiro apresenta a maior taxa média, de 12,9 óbitos por 100 mil mulheres (Figura 3). A análise da razão de sexos dos óbitos entre os adultos jovens, segundo UF, mostrou uma variação de 1:1 em Rondônia e de 5:1 em Sergipe.

 

 

A aids figura, conforme dados apresentados na Tabela 2, como a quarta principal causa de morte entre os homens e a segunda entre as mulheres, mantendo-se o predomínio da faixa etária de 20 a 49 anos. A distribuição proporcional dos óbitos por faixas etárias específicas mostra que, na população masculina, a aids ocupa a terceira posição entre os homens de 30 a 34 anos (8,0%) e 35 a 39 anos (7,5%), superada apenas pelos homicídios e acidentes de transportes.

 

 

Na população feminina, entre as principais causas de morte na faixa etária de 25 a 29 anos, a aids divide a primeira posição com os homicídios (10,1%). Também é ela a principal causa mortis entre mulheres de 30 a 34 anos de idade (10,2%) e a segunda no grupo de 35 a 39 anos de idade (6,9%). Convém ressaltar que a razão de sexo para os óbitos por aids na faixa etária de 20 a 24 anos é de 1:1, praticamente.

 

Discussão

Entre os principais resultados deste estudo, o fato que merece maior destaque é a queda da mortalidade por aids no Brasil a partir de 1996 e a desaceleração de sua tendência de crescimento nos últimos três anos. A queda substancial do número de óbitos e o aumento da sobrevida dos portadores de HIV e aids é atribuída às ações governamentais e não governamentais mais importantes nesse sentido: oferta gratuita e universal da terapia anti-retroviral; prevenção e tratamento precoce das doenças oportunista; aumento da rede de serviços para diagnóstico do HIV; e intensificação das estratégias de adesão à prevenção e tratamento da doença.6

No início da epidemia, o acesso ao diagnóstico do HIV era bastante restrito, assim como as formas de prevenção e tratamento. Avaliações recentes apontam como fatores favoráveis ao enfrentamento daquela situação a execução de programas efetivos de ampla escala no tratamento dos portadores do HIV/aids; e entre os aspectos desfavoráveis, o acesso ao tratamento de doenças oportunistas. A própria distribuição universal e gratuita de anti-retrovirais no País engendra novas questões para a política de prevenção e controle da epidemia, no sentido de um monitoramento mais minucioso dos processos e resultados relacionados à assistência dos indivíduos afetados pela ação do vírus da aids.11

Os distintos padrões de mortalidade observados entre as macrorregiões e UF revelam, todavia, outros desafios. Um deles é a necessidade de garantir que a tendência de redução da mortalidade observada, principalmente na Região Sudeste, também seja alcançada nas demais Regiões e entre os distintos segmentos da população. Os modelos de intervenção a serem adotados nas políticas de HIV/aids devem considerar os diferentes contextos sociais e institucionais capazes de influenciar os efeitos da mortalidade pela doença.

Entre as macrorregiões do país, chama a atenção o comportamento de ascendência da mortalidade no Sul, chegando a se equiparar ao Sudeste, Região de maior concentração de casos e óbitos por aids. O crescimento das taxas de mortalidade nos Estados da Região Norte, principalmente em Roraima, no Amazonas e no Pará, sugere a consolidação do processo de interiorização da epidemia no Brasil.

Quanto à variável 'sexo', cabe destacar que a queda da mortalidade por aids aconteceu, principalmente, entre os homens: a taxa de mortalidade masculina caiu 39%, contra a queda de 18% da feminina. É possível que esse resultado reflita a importância do crescimento da epidemia entre as mulheres, principalmente nas Regiões Sudeste e Nordeste. Devem-se considerar, ainda, os seguintes aspectos: a predominância de diferentes categorias de exposição em cada macrorregião; o percentual de mulheres entre os casos; as diferenças de acesso às informações, aos meios de prevenção e aos exames laboratoriais; a qualidade da assistência prestada; a adesão ao tratamento; e outros.12

Deve-se atentar para o fato de que a tendência de crescimento da epidemia de aids em mulheres se manifesta, especialmente, entre aquelas de baixa renda e com pouca escolaridade, que desconhecem a forma como se infectam, além de obterem diagnóstico da infecção pelo HIV mais tardiamente.13

Estudo realizado no Estado do Maranhão indicou, como fatores explicativos para uma menor sobrevida entre as mulheres: a dificuldade de acesso aos serviços de saúde; a baixa valorização dos sinais e sintomas, dificultando e retardando o diagnóstico e as medidas terapêuticas cabíveis; e a baixa adesão ao tratamento com medicamentos anti-retrovirais.14

Conforme já assinalado por alguns estudos,15,16 a escolaridade e a ocupação habitual são considerados indicadores indiretos de nível socioeconômico. No caso da mortalidade por aids, constatou-se a baixa qualidade dessas informações e, por conseguinte, a importância de melhorar o preenchimento desses campos na declaração de óbito.

Ainda que a mortalidade por aids tenha diminuído nos últimos anos, ela representou a quarta principal causa de morte no País. Na população feminina de 25 a 34 anos de idade, a doença já ocupa a primeira posição entre as causas de morte. Este dado é preocupante, visto que a mortalidade por essa causa, além de exercer um grande impacto sobre o indicador de anos de vida perdidos, tem, como conseqüência, o aumento do número de órfãos decorrente da morte materna.17

Para a série histórica aqui estudada, verifica-se que a epidemia passou por mudanças importantes, certamente influentes sobre o padrão de mortalidade observado. Em relação às transformações na política de assistência à aids no período, destaca-se a implantação do acesso universal à terapia anti-retroviral em 1996, que implicou queda na mortalidade e, conseqüentemente, aumento da sobrevida das pessoas vivendo com HIV/aids.

Embora o decréscimo da mortalidade por aids no país, notadamente entre 1996 e 1999, tenha sido expressivo, a partir de 2000, a mortalidade permanece estável e com padrões distintos entre as Regiões. Mais além da história natural da doença, tal comportamento evidencia a necessidade de outras investigações, particularmente nas Regiões onde houve incremento da mortalidade, para verificar as condições de acesso ao diagnóstico precoce do HIV, à rede de apoio diagnóstico de CD4, carga viral e genotipagem, à profilaxia das doenças oportunistas e ao tratamento com medicamentos anti-retrovirais.

É importante, ainda, focalizar investimentos nas estratégias de prevenção e controle do vírus, principalmente entre as mulheres e aqueles que vivem em situação de pobreza, como forma de garantir a redução da mortalidade por aids nesses segmentos populacionais.

Estes autores acreditam que a análise apresentada traz uma série de elementos que deverão constituir a base para a tomada de decisão nos diferentes níveis de atuação dos programas de prevenção e controle da aids, bem como para estudos posteriores. Faz-se necessário um aprofundamento de fatores ou aspectos relacionados à implementação de programas no contexto institucional e social específico de cada localidade, que, afinal, interferirão nos efeitos da mortalidade por aids no país.

 

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Recebido em 27/03/2006
Aprovado em 12/02/2007