SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.16 número4Causas externas: investigação sobre a causa básica de óbito no Distrito Federal, BrasilAdesão à terapia anti-retroviral (HIV/aids): fatores associados e medidas da adesão índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

  • No hay articulos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.16 n.4 Brasília dic. 2007

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742007000400004 

ARTIGO ORIGIAL

 

Estudo da prevalência e fatores associados à fasciolose no Município de Canutama, Estado do Amazonas, Brasil

 

Prevalence survey and factors associated with fascioliasis in the Municipality of Canutama, State of Amazon, Brazil

 

 

Adriana Aguiar OliveiraI; Adelaide da Silva NascimentoII; Tânia Andreza Monteiro dos SantosIII; Greice Madeleine Ikeda do CarmoI; Cristiane Penaforte do Nascimento DimechI; Rejane Maria de Souza AlvesI; Fabiana Godoy MalaspinaI; Márcio Henrique de Oliveira GarciaI; Deise Aparecida dos SantosI; Giralcina Pessoa Reis AguiarII; Bernardino Cláudio de AlbuquerqueII; Eduardo Hage CarmoI

ISecretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil
IIFundação de Vigilância em Saúde, Secretaria de Estado da Saúde, Governo do Estado do Amazonas, Manaus-AM, Brasil
IIISecretaria Municipal de Saúde, Prefeitura Municipal de Canutama-AM, Brasil Hospital Dr. Leonardo Parente, Canutama-AM, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Foi realizado um inquérito parasitológico de fezes em Canutama, Estado do Amazonas, Brasil, com o objetivo de identificar a prevalência de fasciolose e fatores de exposição relacionados à doença no Município. A prevalência de Fasciola hepatica encontrada foi de 2,0% (IC95%; 1,0-3,6) e a prevalência enteroparasitoses em geral foi de 66,8% (IC95%; 62,7-70,7). Apenas a faixa etária ≤5 anos foi estatisticamente associada à doença (p=0,008; OR=6,63). As demais variáveis demográficas, sanitárias e de consumo de alimentos pesquisadas não apresentaram associação estatisticamente significativa. Este estudo foi conduzido como parte da investigação do surto de fasciolose e constitui um dos primeiros relatos dessa parasitose na Região Norte do país.

Palavras-chave: Fasciola hepatica; fasciolose; prevalência.


SUMMARY

This study of fecal parasites, conducted in Canutama, State of Amazon, Brazil, aimed at identifying the prevalence of fascioliasis and related exposure factors to this illness in the Municipality. The prevalence of Fasciola hepatica was 2.0% (CI95%; 1.0-3.6), and the general prevalence of enteroparasites found was 66.8% (CI95%; 62.7-70.7). The only statistically significant association with the illness was being a child ≤5 years old (p-value=0.008; OR=6.63). Other variables related to demographics, sanitary conditions and food consumption were not significantly associated to illness. This survey was conducted as part of fascioliasis outbreak inquiry and constitutes one of the first reports of this parasitose in the Brazilian Northern Region.

Key words: Fasciola hepatica; fasciolosis; prevalence.


 

 

Introdução

No Brasil, as parasitoses intestinais representam um importante problema de Saúde Pública, com expressivas diferenças inter e intra-regionais, reflexo das diferenças sanitárias locais e características dos grupos amostrados.1

Alguns trabalhos, realizados nas Regiões Sudeste e Sul do país, encontraram prevalências de enteroparasitas na população geral, com uma ampla variação, de 23,0 a 68,9%.2-6 Outros trabalhos relatam prevalências maiores que 50% em alguns Municípios situados nas Regiões Nordeste e Norte.7-10

É reconhecido que intervenções em saneamento, como o abastecimento de água tratada e o esgotamento sanitário de dejetos, se traduzem em declínios substanciais das enteroparasitoses, sobretudo das helmintoses.4,11

Entre as doenças causadas por enteroparasitas, a fasciolose é uma zoonose causada por duas espécies de trematódeos, Fasciola hepatica e Fasciola gigantica. Na Europa, Américas e Oceania, apenas a Fasciola hepatica está presente.12

Os ovinos e bovinos são seus principais reservatórios e os casos humanos, muitas vezes, acompanham a distribuição da doença nos animais.13 No Brasil, principalmente nas Regiões Sul e Sudeste, verifica-se a presença dessa parasitose nos rebanhos bovino e ovino, com prevalências variando de 6,3 a 27,2%.14-16

A importância dessa doença para a Saúde Pública começou a aumentar nas últimas décadas, com o crescente número de casos humanos identificados em diversos países.12,17 O homem é um hospedeiro acidental e a principal forma de transmissão da fasciolose para os seres humanos é a ingestão de água ou verduras com desenvolvimento aquático ou semi-aquático, como o agrião, contaminadas com metacercárias do parasita.13

De acordo com a prevalência total na população, obtida mediante diagnóstico coprológico, pode-se classificar três áreas de endemicidade distintas: hipoendêmica (<1%); mesoendêmica (1-10%); e hiperendêmica (>10%).17,18

Na América do Sul, os países andinos apresentam os maiores problemas de saúde associados à infecção por fasciolose.17 No Brasil, alguns trabalhos relatam a ocorrência de casos humanos da doença, principalmente nos Estados do Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de janeiro, Santa Catarina e São Paulo.19-21 Na revisão de literatura realizada por este grupo, não se verificou relatos de casos humanos nas Regiões Nordeste e Norte do Brasil.

Outros estudos demonstram a presença de moluscos Lymnaea columella e Lymnaea viatrix, hospedeiros intermediários da fasciolose, nas Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste e em áreas dos Estados do Amazonas, Bahia e Paraíba.22-24 Também há relatos de ovos de Fasciola hepatica identificados em verduras nos Estados de São Paulo e Paraná.25,26

Os sinais e sintomas são variáveis, diferindo conforme a fase e duração da infecção e o número de parasitas. Na fase aguda, em conseqüência da migração do parasita imaturo (larva) no organismo do hospedeiro, pode ocorrer dor abdominal, febre, vômito, diarréia, urticária, má digestão e absorção, icterícia, hepatomegalia e alterações de enzimas hepáticas, leucocitose e eosinofilia. Na fase crônica (presença do parasita adulto nos canais e ductos biliares), os sinais e sintomas mais evidentes são os relacionados a obstrução biliar intermitente e inflamação.13,27

O diagnóstico, na maioria dos casos, é laboratorial, mediante pesquisa de ovos nas fezes ou na bile (tubagem), ou por exames sorológicos.13 O exame parasitológico de fezes apresenta a limitação da pequena excreção de ovos no ser humano, o que dificulta a distinção dos casos verdadeiramente negativos.13

A vigilância epidemiológica do Município de Canutama, no Estado do Amazonas, notificou a ocorrência de um surto de fasciolose humana. Uma equipe de investigação, constituída por técnicos da Fundação de Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado da Saúde do Amazonas, da Superintendência Federal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento no Estado do Amazonas, da Coordenadoria Executiva de Defesa Animal e Vegetal do Estado do Amazonas (Codesav/ AM), da Secretaria Municipal de Saúde de Canutama e da Secretária de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, deslocou-se até o Município para realizar a investigação epidemiológica do surto.

 

Metodologia

Como parte da investigação do surto, realizou-se um inquérito parasitológico de fezes, no período de 21 a 30 de maio de 2005, com delineamento transversal, na área urbana do Município. O cálculo da amostra considerou uma prevalência esperada do evento de 1%, nível de confiança de 95%, poder de 80% e pior estimativa aceitável para a taxa de 0,2%, resultando em uma amostra mínima de 536 pessoas.

O método de constituição da amostra baseou-se na seleção sistemática de 15% (186/1.131 domicílios) dos domicílios ocupados da área urbana. A partir da escolha, aleatória, do primeiro domicílio de cada quarteirão, selecionou-se um domicílio a cada seis (1:6), em que foi realizada entrevista para coleta de informações sociodemográficas e de fatores de exposição associados à fasciolose dos moradores presentes no momento da visita, que, ademais, concordassem em prestar essas informações e coletar fezes para envio ao laboratório do Município.

Nesse laboratório, as fezes foram processadas in natura para a realização do exame parasitológico de fezes pela técnica de sedimentação espontânea em água (HPJ) e coloração com lugol, para visualização em microscópio óptico – aumento de 100X – com o propósito de pesquisar cistos, ovos e larvas de parasitos do trato intestinal.

Os resultados dos exames de fezes e dos dados coletados no questionário foram compilados e analisados com o auxílio do programa Epi Info, versão 6.04d.28 A medida de associação adotada foi a odds ratio e os testes estatísticos foram o cálculo do χ2 ou o teste exato de Fisher (quando o valor esperado era <5); foi considerado um erro α=0,05. Foram construídos intervalos de confiança a 95%.

Este artigo baseou-se em um inquérito, realizado como parte da investigação do surto conduzida pelos órgãos e instituições públicas e serviços de saúde do Município de Canutama, Estado do Amazonas, e pelo Ministério da Saúde, por intermédio de sua Secretaria de Vigilância em Saúde.

Considerações éticas

Avaliada a situação de emergência epidemiológica, prescindiu-se da obrigação de submissão do estudo a um comitê de ética. Todos os indivíduos positivos para o exame parasitológico de fezes receberam o tratamento adequado, fornecido pelo serviço de saúde.

 

Resultados

O Município de Canutama possui uma população de 10.737 habitantes. Destes, 50% (5.439) residem na área urbana29 e 732 foram entrevistados: 558 (76,2% dos entrevistados) coletaram fezes e encaminharam-nas ao laboratório do hospital municipal para a realização do exame parasitológico de fezes.

Características gerais da população amostrada

Das 558 pessoas que coletaram amostras fecais, 57,2% (319) são do sexo feminino. A idade mediana observada foi de 17 anos (1-84 anos).

As principais ocupações relatadas foram: 'estudante' (39,1%, ou 207 pessoas); 'doméstica' (14,7%, ou 78 pessoas); 'funcionário publico' (10,2%, ou 54 pessoas); e 'agricultor' (7,9%, ou 42 pessoas). Crianças em idade pré-escolar (≤5 anos) representaram 17% da amostra.

A renda familiar mediana foi de R$350,00 (zero- R$3.000,00) e número mediano de moradores por residência foi de cinco pessoas (duas-13 pessoas). Entre a população da amostra, 61,8% (343/555) moravam em área de terra firme e 38,2% (212/555) em área de várzea, caracterizada por apresentar-se periodicamente alagada, conforme a estação de cheia do rio que banha o Município.

Exame parasitológico de fezes

O resultado parasitológico das amostras de fezes (Tabela 1) indica uma prevalência geral de parasitos de 66,8% (373/558). A prevalência geral de helmintos foi de 52,2% (291/558); e a de protozoários, de 37,1% (207/558). Os principais parasitos identificados foram Ascaris lumbricoides (37,6%, ou 210/558); Entamoeba histolytica/E. dispar (16,1%, ou 90/558); Endolimax nana (15,8%, ou 88/558); e ancilostomídeos (14,7%, ou 82/558). A prevalência encontrada para Fasciola hepatica foi de 2,0% (11/558).

 

 

Identificou-se, em 32,6% (182) das amostras fecais analisadas, apenas um parasito; em 34,2% (191) delas, encontrou-se associação de dois ou mais parasitos.

Características e fatores de exposição para a ocorrência dos casos positivos para Fasciola hepatica

A Tabela 2 mostra a distribuição dos casos positivos de Fasciola hepatica identificados no inquérito parasitológico segundo 'sexo', 'idade', 'renda familiar' e 'localização da moradia'.

 

 

Entre esses casos, 72,7% (oito) são do sexo feminino; não se verificou diferença estatisticamente significativa (p=0,231) na distribuição dos casos entre os sexos.

A idade mediana é de cinco anos (três-18 anos), sendo que crianças com idade menor ou igual a cinco anos (pré-escolares) apresentaram 6,63 vezes mais chance de ter um resultado positivo para fasciolose, relativamente a indivíduos maiores de seis anos.

A renda familiar mediana para esse grupo foi de R$330,00 (zero-R$900,00) e a mediana de moradores por residência foi de sete (três-13 pessoas). Tampouco foi observada diferença estatisticamente significativa entre as faixas de renda (em salários mínimos) e a detecção de Fasciola hepatica na população amostrada.

Entre os casos, 54,5% (seis) localizam-se em área de terra firme, não se verificando diferença estatisticamente significativa em relação à localização na várzea (p=0,617).

Entre os positivos para Fasciola hepatica, 54,5% (seis) não relataram sintomas; os demais casos apresentaram, principalmente, dor abdominal (45,5%, ou cinco casos) e falta de apetite (27,3%, ou três casos). Apenas um caso apresentou diarréia, vômito, emagrecimento, febre, indisposição física e tontura.

Do total de pacientes entrevistados no inquérito (558), 12,5% (70) relataram ter morado em outro Município do Estado do Amazonas e 0,9% (cinco) moraram em outro Estado. Apenas um paciente positivo para Fasciola hepatica relatou ter morado em outro Município (p=0,589). Da mesma forma, 24,2% (135) dos pacientes do inquérito relataram ter visitado outro Município e 1,4% (08) relataram ter visitado outro Estado; apenas um paciente positivo para Fasciola hepatica visitou outro Município (p=0,211).

A principal forma de abastecimento de água na população do estudo é a do sistema público de abastecimento do Município (98,9%, ou 552 residentes). As fontes de abastecimento desse sistema compreendem cinco poços artesianos, cuja água é armazenada e/ou distribuída diretamente à população, sem tratamento prévio de desinfecção. Também foi relatado o abastecimento com água proveniente de poço artesiano (0,72%, ou quatro residentes) e igarapé (0,18%, ou um residente).

Entre os casos positivos para F. hepatica que responderam ao questionamento sobre fontes de abastecimento de água (dez), todos relataram que utilizam a água do sistema público para bebida, embora não se tenha verificado associação estatística (p=0,929) entre essa fonte e a detecção da doença (Tabela 3).

 

 

Observou-se que 80,4% (447) dos residentes possuem água encanada no interior do domicílio. Entre os pacientes positivos para F. hepatica, apenas um não possui água encanada no domicílio. Não foi verificada associação (p=0,331) entre a doença e esse fator (Tabela 3).

As principais formas de armazenamento de água no domicílio foram 'garrafa plástica' (37,3%, ou 208 residentes) e 'balde/bacia/direto da torneira' (47,1%, ou 263 casos). Não foi observada associação estatisticamente significativa entre as diversas formas de armazenamento de água no domicílio e a identificação de casos de fasciolose (Tabela 3).

Na amostra, 56,9% (316) dos residentes relataram realizar algum tipo de tratamento da água de consumo no domicílio; entretanto, não se verificou associação entre o tratamento da água e a doença (p=0,081) (Tabela 3).

Observou-se que apenas 40,1% (222) dos residentes amostrados possuem banheiro/sanitário no interior do domicílio; não se verificou associação entre banheiro no interior do domicílio e prevalência de fasciolose (p=0,246) (Tabela 3). As principais formas de destino dos dejetos foram: 'direto no solo/fossa negra' (50,3%, ou 281 residentes); 'fossa séptica' (39,8%, ou 222 residentes); 'direto no rio/igarapé/lagoa' (8,4%, ou 47 residentes); e 'coleta pública de esgotos' (4,1%, ou 23 pacientes). O destino 'direto no solo/fossa negra' apresentou significância estatística para a associação com a fasciolose (p=0,044); não obstante, o intervalo de confiança da odds ratio [OR=0,23; (IC95%=0,03- 1,20)] pode conter o valor 1,0 (Tabela 3).

O consumo de verduras cruas não é costume entre a população do Município de Canutama. Na amostra analisada, apenas 25,2% (140) dos residentes tinham o hábito de consumir verduras cruas, principalmente cheiro-verde (19,5%, ou 109 residentes), tomate (19,3%, ou 108 residentes) e pepino (14,3%, ou 80 residentes). Alimentos folhosos, como couve e alface/repolho (9,3% e 8,8%, respectivamente) foram relatados em menor proporção. Não se verificou associação estatisticamente significativa (p=0,447) entre o consumo de verduras cruas e a ocorrência de casos de fasciolose.

Na amostra, portanto, é evidente a baixa freqüência de consumo de verduras cruas: 7,2% (40) residentes relatam consumir verduras diariamente; 6,1% (34), três vezes por semana; 4,5% (25), duas vezes por semana; e 7,5% (42) consomem verduras cruas uma vez por semana, tão-somente.

Os principais pontos de origem das verduras consumidas por essa população são os canteiros domésticos (20,8%, ou 116 residentes) e os mercados (11,6%, ou 65 residentes). Os canteiros irrigados estão presentes em 67,6% (377) dos residentes e não se observou associação significativa (p=0,216) entre essa variável e a ocorrência de casos de F. hepatica.

Também foi observado que 11,8% (65) dos residentes entrevistados possuem animais de produção, com destaque para a criação de ovinos (6,6%, ou 37), suínos (3,9%, ou 22) e bovinos (1,1%, ou seis). Animais de estimação foram relatados por 28,6% (157) dos residentes, que preferem cães (13,4%, ou 75) e gatos (14,9%, ou 83).

Foi investigada a visualização de caramujos do gênero Lymnaea, mediante apresentação de fotos. Entre os residentes participantes do inquérito parasitológico de fezes, 37,9% (202) visualizaram caramujos semelhantes aos apresentados; contudo, não houve associação entre essa variável e os casos de fasciolose.

 

Discussão

As principais limitações encontradas para a realização do inquérito foram: a) qualidade de preenchimento dos campos no questionário – os campos em branco não foram considerados para análise –; b) perda de resultados parasitológicos de aproximadamente 25% da população estudada – sem prejuízo do poder do estudo, pois o número mínimo para amostra foi alcançado –; c) viés de memória dos entrevistados – trata-se de uma doença de desenvolvimento crônico –; e d) baixa especificidade do exame parasitológico de fezes.

Observou-se alta prevalência de parasitoses intestinais na amostra da população urbana do Município de Canutama, condizente com as prevalências encontradas em outros Municípios da Região Norte e da Região Nordeste do Brasil.7-10

A prevalência encontrada de Fasciola hepática é considerada característica de área mesoendêmica.17,18 Os poucos relatos de casos humanos de fasciolose no Brasil concentram-se, principalmente, nas Regiões Sul e Sudeste.19-21 A prevalência mesoendêmica no Município de Canutama chama a atenção por ocorrer em uma área sobre a qual, até o momento, não haviam sido registrados relatos de casos dessa parasitose.

As crianças são o principal segmento da população afetado pelas enteroparasitoses. A população menor de cinco anos, especialmente, pode refletir o grau de contaminação de uma região: além de serem mais sensíveis às infecções intestinais, as crianças dessa faixa etária apresentam pouca capacidade de deslocamento e, por essa razão, espelham as condições socioambientais das comunidades onde habitam.1,3 A variável 'idade' foi associada à ocorrência de casos de fasciolose na área urbana de Canutama: crianças com idade menor ou igual a cinco anos reúnem maior chance de manifestar a doença, relativamente àquelas de seis anos ou mais.

Não foram observadas associações entre a prevalência de fasciolose e as variáveis 'sexo', 'renda familiar', 'localização da moradia' e 'deslocamentos para outros Municípios no Estado do Amazonas ou para outros Estados do país'.

O destino 'direto no solo/fossa negra' mostrou significância estatística para a associação com a fasciolose (p=0,044), apesar de o intervalo de confiança da odds ratio [OR=0,23; (IC95%=0,03-1,20)] poder conter o valor 1,0 e o sentido de proteção da associação não obedecer aos critérios de causalidade, uma vez que o destino inadequado dos dejetos é reconhecido como um fator de risco para a infecção por parasitas intestinais.1,4,11

A literatura relata que a principal forma de transmissão de fasciolose para o ser humano é a ingestão de água e alimentos contaminados.13,25,26 Sendo assim, embora não se tenha observado associação entre a doença e as variáveis sanitárias ('abastecimento de água', 'água encanada', 'armazenamento de água', 'tratamento da água', 'banheiro') e de consumo de alimentos ('consumo de verduras cruas', 'freqüência de consumo', 'origem das verduras', 'canteiro irrigado'), deve-se investigar melhor esses determinantes. Ademais, a doença tem apresentação crônica, o que incrementa o viés de memória, tanto dos fatores de exposição como dos sinais e sintomas.13,27

A presença de hospedeiros intermediários (caramujos Lymnaea) e dos reservatórios mamíferos também deve ser melhor investigada, pois ainda não há informação precisa sobre as espécies de caramujos presentes na localidade, tampouco a confirmação de infecção animal.

 

Agradecimentos

À Secretaria Municipal de Saúde de Canutama-AM, à Fundação de Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado da Saúde do Amazonas e à Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.

 

Referências bibliográficas

1. Oliveira AA. Enteroparasitas em populações usuárias de diferentes sistemas de abastecimento de água em Viçosa-MG [dissertação de Mestrado]. Viçosa (MG): Universidade Federal de Viçosa; 2004

2. Almeida LP, Costa-Cruz JM. Incidência de enteroparasitas em habitantes do município de Araguari, Minas Gerais. Revista do Centro de Ciências Biomédicas da Universidade Federal de Uberlândia 1988;4(1):9-17.

3. Costa-Macedo LM, Machado-Silva JR, Rodríguez- Silva R, et al. Enteroparasitoses em pré-escolares de comunidades favelizadas da cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Cadernos de Saúde Pública 1998;14(4):851- 855.

4. Ludwig KM, Frei F, Alvares Filho F, et al. Correlação entre condições de saneamento básico e parasitoses intestinais na população de Assis, Estado de São Paulo. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 1999;32(5):547-555.

5. Oliveira AA, Bevilacqua PD, Bastos RKX. Enteroparasitas e perfil demográfico-sanitário: estudo de demanda laboratorial de exames parasitológicos de fezes no município de Viçosa – Minas Gerais [relatório de Iniciação Científica]. Viçosa (MG): Universidade Federal de Viçosa; 2001.

6. Oliveira MC, Silva CV, Costa-Cruz JM. Intestinal parasites and commensals among individuals from a landless camping in the rural area of Uberlândia, Minas Gerais, Brazil. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo 2003;45(3):173-176.

7. Santos JF, Correia JE, Gomes SSBS, et al. Estudo das parasitoses intestinais na comunidade carente dos bairros periféricos do município de Feira de Santana (BA), 1993-1997. Sitientibus 1999;20:55-67.

8. Mello JR, Pinto RB, Salvajolli SR, et al. Distribuição geográfica das geohelmintoses em Rondônia. Programas e Resumos do XXXVII Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Salvador, p.36, 2001 apud Carvalho OS, Guerra HL, Campos YR, et al. Prevalência de helmintos intestinais em três mesorregiões do Estado de Minas Gerais. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 2002;35(6):597-600.

9. Carvalho OS, Guerra HL, Campos YR, et al. Prevalência de helmintos intestinais em três mesorregiões do Estado de Minas Gerais. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 2002;35(6):597-600.

10. Alves JR, Macedo HW, Ramos JR, et al. Parasitoses intestinais em região semi-árida do Nordeste do Brasil: resultados preliminares distintos das prevalências esperadas. Cadernos de Saúde Pública 2003;19(2):667-670.

11. Gross R, Schell B, Molina MCB, et al. The impact of improvement of water supply and sanitation facilities on diarrhea and intestinal parasites: a Brazilian experience with children in two lowincome urban communities. Revista de Saúde Pública 1989;23(3):214-220.

12. Esteban JG, Gonzalez C, Curtale F, Munoz-Antoli C, Valero MA, Bargues MD, et al. Hyperendemic fascioliasis associated with schistosomiasis in villages in the Nile Delta of Egypt. American Journal of Tropical Medicine and Hygiene 2003;69(4): 429-437.

13. Guimarães MP. Fasciola hepatica. In: Neves DP, organizador. Parasitologia humana. 10a ed. São Paulo: Atheneu; 2003. p. 203–206.

14. Serra-Freire NM, Bordin EL, Lessa CSS, Scherer PO, Farias MT, Malacco MA, et al. Reinvestigação sobre a distribuição da Fasciola hepatica no Brasil. A Hora Veterinária 1995;1:19-21.

15. Queiroz VS, Luz E, Leite LC, Círio SM. Fasciola hepatica (Trematoda, Fasciolidae): estudo epidemiológico nos municípios de Bocaiúva do Sul e Tunas do Paraná (Brasil). Acta Biological. Parasitology 2002;31(1):99-111.

16. Marques SMT, Scroferneker ML. Fasciola hepatica infection in cattle and buffaloes in the State of Rio Grande do Sul, Brazil. Parasitologia Latino-Americana 2003;58:169-172.

17. Mas-Coma MS, Esteban JG, Bargues MD. Epidemiology of human fascioliasis: a review and proposed new classification. Bulletin of the World Health Organization 1999;77(4):340-346.

18. Oropeza DL, Escobedo JA, Vásquez MV, Gonzaga RA, Mercado MS. Hematoma hepático subcapsular por Fasciola. Revista de Gastroenterologia 2003;23(2):1- 12.

19. Mezarri A, Antunes HBB, Coelho N, Cauduro PF, Brodt TC. Fasciolíase humana no Brasil diagnosticada por colangiografia endoscópica retrógrada. Jornal Brasileiro de Patologia 2000;36(2):93-95.

20. Pile E, Gazeta G, Santos JAA, Coelho B, Serra-Freire NM. Ocorrência de fasciolíase humana no município de Volta Redonda, RJ, Brasil. Revista de Saúde Pública 2000;34(4):413-414.

21. Igreja RP, Barreto MGM, Soares MS. Fasciolíase: relato de dois casos em área rural do Rio de Janeiro. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 2004;37(5):416-417.

22. Abílio FJP, Watanabe T. Ocorrência de Lymnaea (Gastropoda: Lymnaeidae), hospedeiro intermediário da Fasciola hepatica, para o Estado da Paraíba, Brasil. Revista de Saúde Pública 1998;32(2):448-456.

23. Souza CP, Magalhães KG. Rearing of Lymnaea columella (Say, 1817), Intermediate Host of Fasciola hepatica (Linnaeus, 1758). Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 2000;95(5):739-741.

24. Souza CP, Magalhães KG, Passos LKJ, Santos GCP, Ribeiro F, Katz N. Aspects of the Maintenance of the Life Cycle of Fasciola hepatica in Lymnaea columella in Minas Gerais, Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 2002;97(3):407-410.

25. Oliveira CAF, Germano PML. Estudo da ocorrência de enteroparasitas em hortaliças comercializadas na região metropolitana de São Paulo, SP, Brasil. I – Pesquisa de helmintos. Revista de Saúde Pública 1992;26(4):283-289.

26. Freitas AA, Kwiatkowski A, Nunes SC, Simonelli SM, Sangioni LA. Avaliação parasitológica de alfaces (Lactuca sativa) comercializadas em feiras livres e supermercados do município de Campo Mourão, Estado do Paraná. Acta Scientiarum Biological Sciences 2004;26(4):381-384.

27. Acha PN, Szyfres B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2nd. ed. Washington: OPS; 1986. Organización Panamericana de la Salud Publicación científica no 503.

28. Centers for Disease Control and Prevention. Epi Info 6 for DOS: a word processing, database ans statistics program for epidemiology version 6.04. Atlanta: CDC;c1996.

29. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2000 [dados na Internet]. Rio de Janeiro: IBGE [acessado durante o ano de 2005]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br

 

 

Endereço para correspondência:
Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde
Setor Comercial Sul, Quadra 04, Bloco A
Edifício Principal, 3° Andar,
Brasília- DF
CEP: 70304-000
E-mail:adriana.aguiar@saude.gov.br

Recebido em 01/12/2005
Aprovado em 05/06/2007