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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.17 n.1 Brasília mar. 2008

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742008000100007 

NOTA TÉCNICA

 

Registro de Aedes albopictus em áreas epizoóticas de febre amarela das Regiões Sudeste e Sul do Brasil (Diptera: Culicidae)*

 

Aedes albopictus appearance in epizootic areas of jungle yellow fever in South-Eastern and Southern Regions of Brazil (Diptera: Culicidae)

 

 

Almério de Castro GomesI; Maria Amélia Nascimento TorresII; Márcia Fonseca de Castro GutierrezI; Francisco Leopoldo LemosIII; Mauro Lúcio Nascimento LimaIII; Jaqueline Frasson MartinsIV; Zouraide Guerra Antunes CostaV

IDepartamento de Epidemiologia, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo-SP, Brasil
IICentro Estadual de Vigilância em Saúde, Secretaria de Estado da Saúde, Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil
IIIGerência de Vigilância Ambiental, da Superintendência de Epidemiologia da Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais, Brasil
IVSecretaria Municipal de Saúde, Prefeitura Municipal de Jaguari-RS, Brasil
VCoordenação de Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Durante estudo biológico e ecológico sobre mosquitos levado a cabo em área com registro de epidemia de febre amarela silvestre e epizootia em macacos, foram encontrados adultos de Aedes albopictus. A tendência da espécie para invadir ambiente extradomiciliar potencializa a chance de infecção natural, ao tempo em que evolui para formar um elo entre focos naturais do vírus e o ambiente urbano. Esta Nota Técnica representa um alerta aos gestores dos três poderes públicos sobre perspectivas de mudanças no perfil epidemiológico atual da febre amarela no Brasil.

Palavras-chave: febre amarela silvestre; Aedes albopictus; vigilância vetorial.


SUMMARY

During biological and ecological study on mosquitoes carried out on area with registers of epidemic of jungle yellow fever and monkey epizootic were found some adults of Aedes albopictus. The tendency of this species to invade the extra-domicile environment brings out the possibility of natural infection, and at the same time evolving to form a link between natural focus of the virus and the urban environment. This Technical Note represents an alert to the three government levels about the perspectives of changes in the actual epidemiological profile of yellow fever in Brazil.

Key words: jungle yellow fever; Aedes albopictus;vectorial surveillance.


 

 

No Brasil, a febre amarela silvestre vem sendo registrada desde a década de 1930 do século passado. O padrão manifesto de atividade do vírus, de forma explosiva, alcança áreas silenciosas e abre novos focos emergentes. Para a Região Sul do país, os processos epizoóticos têm sido mais freqüentes e a infecção humana esporádica. No Estado de Minas Gerais, Região Sudeste, os eventos epidêmicos são acompanhados de epizootias. Comumente difusos na localização geográfica, esses eventos repetem-se em mais de uma localidade do Brasil ou de paises sul-americanos.1

A distribuição da febre amarela silvestre na geografia do país mostra-a dividida em áreas como a Amazônia Legal e extramazônica.1 A expansão de novos focos de atividade do vírus fora da Amazônia tem sido referida pelo nome de 'Área de transição' (Figura 1). Apesar do sucesso da vacina em área de risco de transmissão do vírus, há preocupações quanto a possíveis mudanças no padrão cíclico de ocorrência da doença e epizootia, face à expansão da área de transição manifestada sob a forma de múltiplos focos.1 Prever com antecedência o risco para envolvimento humano permite desencadear medidas de intervenção que garantam coberturas vacinais adequadas para evitar uma epidemia urbana, principalmente nas localidades com presença de Aedes aegypti. A condição de exposição humana atual em ambiente extradomiciliar e o estado de imunização contra a doença refletem uma incidência relativamente baixa, não obstante uma letalidade não desejada.

 

 

O estudo que origina esta Nota Técnica foi desenvolvido em Garruchos e Santo Antonio das Missões, no Estado do Rio Grande do Sul, e Leandro Ferreira, no Estado de Minas Gerais, Municípios onde transcorreram processos epizoótico-epidêmicos da febre amarela nos anos recentes.2 Foram capturados 19 exemplares de Ae. albopictus no Município de Garruchos-RS e 15 em Leandro Ferreira-MG, o que parece suficiente para mostrar que Ae. albopictus busca adaptação em novas áreas brasileiras. Os métodos de captura foram por aspiração e manual (usando-se rede/puçá). Todos os locais explorados constituíam matas situadas a vários quilômetros de distâncias da área urbana - à exceção do Município de Jaguari, Estado do Rio Grande do Sul, cuja mata está cercada por residências. Outrossim, a infestação de Ae. albopictus já adentrou o interior dos ambientes silvestres, como já fora registrado em matas do Município de Bataguassu, Estado de Mato Grosso do Sul.3

O raio de dispersão de Haemagogus janthinomys e Haemagogus leucocelaenus e os números absolutos sinalizam pouca mudança no quadro de risco já conhecido. Se nas áreas de estudo, as duas espécies parecem não ultrapassar o ecótono, a ponte vetorial entre a área silvestre e o ambiente urbanizado parece estar distante de acontecer.

No Rio Grande do Sul, os últimos casos humanos datam de 1966,2 embora epizootias tenham se sucedido e a expansão do vírus alcançado o território argentino.1 Em 2001 e 2003, novas epizootias ocorreram na região Noroeste e Central do Estado, exatamente onde Ae. albopcitus tem sido encontrado. No Município de Santo Antônio das Missões-RS, Haemagogus leucocelaenus foi encontrado naturalmente infectado,4 evidenciando a atividade do vírus. Em Minas Gerais, repetem-se agora os mesmos eventos epizoótico-epidêmicos (Figura 2) onde foi encontrado Ae. albopictus. Esses registros, possivelmente, já ocorrem em outros Estados brasileiros, assumindo proporção preocupante à medida que são confirmadas invasões - sucessivas - de Ae. albopictus aos habitat silvestres ocupados por mosquito do gênero Haemagogus.5 Esses autores mostraram que Ae. albopictus encontra-se nas matas não muito distantes das áreas urbanas, sobretudo consideradas epizoóticas ou endêmicas do vírus da febre amarela silvestre. Em São Paulo, a partir de dois casos humanos da doença, realizaram-se investigações entomológicas em uma grande extensão territorial do Oeste paulista.6 Mais uma vez, Ae. albopictus esteve presente. O mesmo fato repetiu-se no vizinho Estado do Mato Grosso do Sul,3 reconhecidamente endêmico e epizoótico para febre amarela.

 

 

Essa hipótese está alicerçada, além de nas áreas com foco viral, em testes de laboratório que mostraram competência de Ae. albopictus para infectar-se e transmitir o vírus amarílico.5,7 Todos esses registros corroboram a possibilidade de a espécie envolver-se com o vírus amarílico, posteriormente vindo a desempenhar papel epidemiológico no continente americano. Se não bastassem essas suspeitas, a competência de Ae. albopictus para com os arbovírus está confirmada por registros, nos Estados Unidos da América (EUA), de sua infecção natural com o vírus La Crosse-8 da encefalite eqüina venezuelana do leste -,9 do gênero Bunyavirus.10 São antecedentes que alicerçam o potencial de Ae. albopictus desenvolver papel vetorial não desprezível para arboviroses silvestres das Américas. Como as pesquisas desenvolvidas nos EUA fortaleceram esse pensamento, foi criada a vigilância para Ae. albopictus.11 Espera-se que as observações dos autores desta Nota Técnica sirva de alerta ao Brasil e estímulo a um planejamento estratégico capaz de evitar que o vírus da febre amarela seja introduzido nas áreas urbanas, além do que já está preconizado no programa de controle da doença.

O questionamento sobre uma evolução tardia das espécies nativas, assegurando o padrão típico de transmissão do vírus, pode estar sendo superado pela expansão da distribuição de Aedes albopictus no Brasil. A Figura 3 corrobora essa posição: observa-se, no mapa, que a infestação da espécie cresce na direção dos focos silvestres do vírus. Tal fato significaria que a união entre ambientes rurais e urbanos não depende tanto da adaptação tardia dos vetores nativos como de Ae. albopictus, o qual já estaria antecipando a instalação desse elo. Pela observação da Figura 2, é perfeitamente suspeitável que esse processo se encontre em evolução, a começar por Minas Gerais ou Goiás (este, na Região Centro-Oeste), ambos os Estados reunindo vários Municípios com distribuição de Ae. albopictus sobrepondo focos ativos do vírus amarílico. Relevar esse aspecto não implica reduzir a importância dos Estados do Sudeste e do Sul nessa análise, tampouco das regiões mostradas na Figura 1, apenas destaca a situação de emergência em que se encontram aqueles dois Estados. Portanto, urge estruturar a vigilância viral em culicídeos para descortinar o futuro da febre amarela silvestre no Brasil, sobretudo naqueles Estados que registraram focos da doença no período de 1999 a 2003.1

 

 

Outros argumentos somam-se às justificativas para novas ações de prevenção e controle da febre amarela silvestre. Observado no Sudeste Asiático, o caráter oportunista da espécie vetora na escolha do animal para satisfazer sua refeição sanguínea e nos ambientes preferenciais incrimina Ae. albopictus como elo de transferência de arbovírus enzoóticos silvestres para área urbana. Salvo as diferenças ecológicas entre essa região e outras da América do Sul, há razões e condições atuais suficientes para o estabelecimento de vigilância estruturada para o vírus amarílico ou outros arbovírus nativos em nossas florestas. Ressalva-se que, embora as pesquisas tenham encontrado variações na competência vetorial da população de Ae. albopictus, relato de que o vírus amarílico foi transmitido na Nigéria por linhagem de Ae. aegypti - considerado incompetente para o vírus amarílico -12 reforça ainda mais a necessidade de atenção sobre o papel futuro de Ae. albopcitus no Brasil.

Parece claro que há uma ameaça potencial à expansão territorial do vírus da febre amarela silvestre, com conseqüências imprevisíveis para a Saúde Pública. É mister que os gestores da Saúde revejam seus planos nacionais, regionais e municipais sobre o controle da febre amarela, para inclusão da vigilância entomológica, ação que forneceria indicadores de predição de risco para as populações expostas ao contato com Ae. albopictus. A continuidade da pesquisa sobre Ae. albopictus, estendida aos vetores silvestres, ademais, configura-se como indicador para a prática da vacinação preventiva contra a febre amarela em indivíduos suscetíveis residentes nessas áreas. Subsequentemente, essa barreira preventiva minimizaria a importância do contato homem-Ae. albopictus/Ae. aegypti, mantendo-se o vírus em seus focos naturais.

 

Agradecimentos

"À equipe de campo da 17ª Regional de Saúde do Centro Estadual de Vigilância em Saúde, da Secretaria de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul; e

Ao Núcleo de Entomologia da Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais, pelo apoio e colaboração de seus funcionários".

 

Referências bibliográficas

1. Costa ZGA. Estudo das características epidemiológicas da febre amarela no Brasil, nas áreas fora da Amazônia Legal, período de 1999-2003 [Dissertação]. Brasília-DF: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2005.

2. Gomes AC, Torres MAN, Ferri L, Costa FR, Silva AM. Encontro de Haemagogus (Conopostegus) leucocelaenus (Díptera: Culicidae), no Município de Porto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul. Revista Sociedade de Medicina Tropical 2007; 40:487-488.

3. Gomes AC, Bitencourt MD, Natal D, Pinto PLS, Mucci LP, Paula, MB, Urbinatti PR, Barata JMS. Aedes albopictus em área rural do Brasil e implicações na transmissão de febre amarela silvestre. Revista de Saúde Pública 1999;33:95-97.

4. Vasconcelos PFC, Sperb AF, Monteiro HAO, Torres MAN, Sousa MRS, Vasconcelos HB, Mardini BLF, Rodrigues SG. Isolation of yellow fever vírus from Haemagogus leucocelaenus in Rio Grande do Sul State, Brasil. Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine Hygiene 2003; 97:60-62.

5. Lourenço-de-Oliveira R, Vazeille M, Filippis AMB, Failloux AB. Large genetic differentiation and low variation in vector competence for dengue and yellow fever viruses of Aedes albopictus from Brazil, the United States, and the Cayman Islands. American Journal of the Tropical Medicine and Hygiene 2003;69:105-114.

6. Camargo-Neves VLF, Poletto DW, Rodas LA, et al. Entomological investigation of a sylvatic yellow fever area in São Paulo State, Brazil. Caderno de Saúde Pública 2005;21:1278-1286.

7. Johnson BW, Chambers TV, Crabtree MB, Filippis AMB, Vilarinhos PTR, Resende MC, Macoris MLG, Miller BR. Vectors competence of Brazilian Aedes aegypti and Aedes albopictus for Brazilian yellow fever virus isolate. Transactions of The Royal Society of Tropical Medicine Hygiene 2003;96:611-613.

8. Gerhardt RR, Gottfried KL, Apperson CS, Davis BS, Erwin PC, Smith AB, Panella NA, Powell EE, Nasci RS. First isolation of La Crosse Virus from naturally infected Aedes albopictus. Emerging Infectious Diseases 2001;7:807-811.

9. Mitchell C, Niebylski M, Smith G, Karabatsos N, Martin D, Mutebi JP, Craig GB, Mahler M. Isolation of Eastern Equine Encephalitis from Aedes albopictus in Florida. Science 1992;257:526-527.

10. Heard PB, Niebylski ML, Francy DB Craig Jr, GB. Transmission of a newly recognized virus (Bunyaviridae, Bunyavirus) isolated from Aedes albopictus (Diptera Culicidae) in Potosi, Missouri. Journal of Medical Entomology 1991;28:601-605.

11. Burkett DA, Kelly R, Porter CH, Wirtz RA. Commercial mosquito trap gravid trap oviposition media evaluation, Atlanta, Georgia. Journal American Mosquito Control Association 2004;20:233-238.

12. Miller BR, Monath TP, Tabachnick WJ, Ezike VI. Tropical Medicine Parasitology 1989;40:396-399.

 

 

Endereço para correspondência
Universidade de São Paulo,
Faculdade de Saúde Pública
Departamento de Epidemiologia
Av. Dr. Arnaldo, 715,
São Paulo-SP, Brasil
CEP: 01246-904
E-mail:agcastro@usp.br

Recebido em 27/09/2007
Aprovado em 10/10/2007

 

 

*Estudo financiado com recursos do Ministério da Saúde, por meio de sua Secretaria de Vigilância em Saúde, em cooperação técnica com a Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS/OMS.