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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.17 n.2 Brasília jun. 2008

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742008000200008 

RESUMO

 

PRÊMIO DE INCENTIVO AO DESENVOLVIMENTO E À APLICAÇÃO DA EPIDEMIOLOGIA NO SUS MENÇÃO HONROSA DOUTORADO

 

Comparação da adequação das indicações de cinecoronariografias diagnósticas eletivas entre os sistemas de saúde público e privado no Estado de Minas Gerais

 

 

Roberto Veloso Gontijo; Nilton Alves de Rezende (Orientador)

Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil

 

 


Introdução

A doença isquêmica do coração é uma das principais causas de morte no mundo. A Organização Mundial da Saúde – OMS – estima que o número global de mortes por doença arterial coronariana (DAC) aumentará de 7,1 milhões em 2002 para 11,1 milhões em 2020. Como conseqüência desse aumento e do desenvolvimento tecnológico, houve um crescimento sem precedentes no número de exames cardiológicos diagnósticos e terapêuticos nas últimas duas décadas. Entre eles, destacam-se a cinecoronariografia e a angioplastia coronariana. Entidades de classe como a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), American Heart Association (AHA) e American College of Cardiology (ACC) desenvolveram diretrizes para orientar a indicação da cinecoronariografia. Esta deve ser realizada quando for necessário estabelecer a presença ou gravidade de lesões coronarianas que não podem ser avaliadas por técnicas não invasivas; servirá para nortear a conduta terapêutica e o prognóstico em pacientes com suspeita de DAC. Em que pese o reconhecimento da importância dessas diretrizes para a indicação da cinecoronariograrfia, não se sabe exatamente se elas estão sendo seguidas ou usadas corretamente, em nosso meio, e não se tem conhecimento da adequação da indicação desse exame nos sistemas de saúde público e privado no Estado de Minas Gerais. Esses aspectos motivaram a realização do presente estudo.

 

Objetivos

I. Comparar a adequação das indicações de cinecoronariografias diagnósticas eletivas, entre os sistemas de saúde público e privado no Estado de Minas Gerais, em pacientes portadores de angina estável e dor torácica inespecífica, e em pacientes assintomáticos.

II. Verificar as características demográficas dos pacientes, os fatores de risco para doença arterial coronariana, os exames cardiológicos não invasivos realizados, a indicação clínica da coronariografia, o resultado e o grau da obstrução coronariana.

III. Correlacionar a classificação da adequação da indicação da coronariografia com o grau de obstrução coronariana.

IV. Verificar o tempo de espera entre a solicitação e a efetiva realização da coronariografia no Sistema Único de Saúde.

 

Metodologia

Trata-se de um estudo epidemiológico observacional do tipo transversal. A amostra populacional foi constituída de pacientes procedentes do Sistema Único de Saúde (SUS) e de entidade privada de assistência à saúde do Estado de Minas Gerais, maiores de 18 anos, de ambos os sexos, sem distinção de cor, raça ou nível socioeconômico, que preencheram os critérios de inclusão e que realizaram cinecoronariografia em razão da suspeita de serem portadores de doença arterial coronariana obstrutiva. Os dados foram obtidos mediante entrevista individual dos pacientes e preenchimento de questionário elaborado para o estudo, no dia da realização da coronariografia, em oito hospitais conveniados com ambos os sistemas de saúde. Elaborou-se um manual de instrução, com orientações para o preenchimento-padrão do questionário. Avaliaram-se os dados demográficos, antropométricos, fatores de risco para DAC, quadro clínico, história pregressa, medicações em uso, indicação clínica da coronariografia, análise e interpretação dos resultados dos exames cardiológicos não invasivos (teste ergométrico, ecocardiograma convencional e/ou sob estresse e cintilografia miocárdica); e os vasos coronarianos acometidos, com os respectivos percentuais de obstrução. Adotaram-se as diretrizes da SBC e da AHA-ACC para classificar a adequação das indicações das cinecoronariografias. As cinecoronariografias alocadas nas classes I e IIa foram consideradas indicações adequadas, na classe IIb, duvidosas, e na classe III, indicações inadequadas. A alocação dos pacientes nessas classes foi realizada por cálculo de algoritmo, em computador criado especialmente para este estudo; e por dois cardiologistas independentes, familiarizados com as diretrizes, porém não cientes do resultado da coronariografia. A concordância entre os cardiogistas e o algorítimo computadorizado foi adequada, de acordo com o resultado da estatística Kappa (ponderado). Considerou-se DAC obstrutiva uma redução ≥50% de pelo menos uma artéria epicárdica maior ou tronco de coronária esquerda. Na análise estatística, compararam-se proporções, pelo cálculo do qui-quadrado ou teste de Fisher, quando necessário, e estatística Kappa. Para os cálculos das análises, foi usado o software Epi Info versão 6.04.

Considerações éticas

Tanto o projeto da pesquisa como o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, bem como por todos os oito hospitais participantes.

 

Resultados

Foram avaliados 466 pacientes: 321 (68,9%) do SUS e 145 (31,1%) do sistema privado. Os pacientes do SUS tinham idade inferior (média: 58±10,7 anos) aos do sistema privado (média: 61,6±10,3 anos). No sistema privado, houve predomínio do sexo feminino (57,9%), enquanto no SUS, a distribuição foi semelhante (49,2% do sexo feminino). Houve diferença com significância estatística e maior prevalência de hipertensão arterial (OR 2,39; IC95% 1,49-3,82; p<0,01) e sedentarismo (OR 18,6; IC95% 11,0-31,4; p<0,01) nos pacientes do SUS; e menor prevalência de diabete melito e tabagismo. Não houve diferença estatística entre os dois grupos com relação a hiperlipidemia, história familiar para doença arterial coronariana e obesidade. Sobre a indicação da coronariografia, observou-se, no SUS, maior proporção de pacientes com angina de peito estável (OR 2,37; IC95% 1,54-3,63; p<0,01) e dor torácica inespecífica (OR 2,07; IC95% 1,24-3,47; p<0,01); e menor proporção de pacientes assintomáticos (OR 0,17; IC95% 0,10-0,28; p<0,001). Ainda no SUS, os percentuais de pacientes alocados nas classes I e IIa foram de 32,1%, 65,4% na Classe IIb (OR 2,26; IC95% 1,49-3,45; p<0,01) e 2,5% na Classe III (OR 0,11; IC95% 0,05-0,07; p<0,01). No sistema privado, os percentuais de pacientes alocados nas classes I e IIa foi de 35,9%, 45,5% na Classe IIb e 18,6% na Classe III. Não se detectou DAC obstrutiva em 60,7% dos pacientes do SUS e em 60,0% dos pacientes do sistema privado. Constatou-se que 48,5% dos pacientes nas classes I e IIa do SUS e 51,9% do sistema privado apresentaram DAC obstrutiva. Verificou-se que o teste ergométrico e o ecocardiograma transtorácico convencional foram realizados, respectivamente, em 74,8 e 33,6% dos pacientes do SUS e em 66,2 e 48,9% dos pacientes do sistema privado. O ecocardiograma sob estresse foi realizado em apenas dez (3,1%) pacientes do SUS e em 13 (8,9%) do sistema privado; e a cintilografia miocárdica, em 24 (7,5%) pacientes do SUS e em 47 (32,4%) do sistema privado. Observou-se, no SUS, diferença de significância estatística na menor proporção de realização de ecocardiograma convencional (p<0,01), ecocardiograma sob estresse (p=0,01) e cintilografia miocárdica (p<0,01); e uma tendência à maior proporção de realização de teste ergométrico (p=0,07). O tempo médio de espera entre a solicitação da cinecoronariografia e sua realização foi de 78 dias, no SUS.

 

Conclusões, recomendações e impacto potencial dos resultados em Saúde Pública

A comparação da adequação das indicações de cinecoronariografias diagnósticas eletivas, entre pacientes dos sistemas de saúde público e privado, mostrou, em ambos, elevado percentual de pacientes com indicação duvidosa (Classe IIb).

Não se detectou DAC obstrutiva em 60,7% dos pacientes do SUS e em 60,0% do sistema privado (o dobro do encontrado na literatura).

Os exames cardiológicos não invasivos, considerados de alta sensibilidade e especificidade para detecção de DAC, foram realizados em baixo percentual de pacientes, principalmente no SUS.

É possível que as diretrizes da SBC e da AHA-ACC para a indicação de coronariografias diagnósticas eletivas não estejam sendo seguidas adequadamente, tanto no sistema público como no sistema privado de atenção à saúde no Estado de Minas Gerais.

O tempo médio de espera para realização de cinecoronariografia eletiva pelo SUS em pacientes com suspeita de DAC foi de 78 dias – tempo considerado satisfatório, de acordo com a literatura consultada.

Recomenda-se:

- A implementação de diretrizes para a indicação de cinecoronariografias eletivas, tanto no sistema público como no sistema privado de atenção à saúde no Brasil.

- A avaliação de resultados após a implementação dessas diretrizes.

- A comparação dos resultados deste estudo com os de trabalhos semelhantes em outros sistemas locais-regionais de atenção à saúde no Brasil.

- A avaliação do percentual de exames autogerados.

- O incentivo à realização de estudos de avaliação das causas do elevado percentual de pacientes submetidos a cinecoronariografia com indicação de Classe IIb e sem DAC obstrutiva.

- A verificação dos motivos do baixo número de pacientes submetidos a exames cardiológicos não invasivos, antes da cinecoronariografia, considerados de alta sensibilidade e especificidade para detecção de DAC.

A constatação do elevado percentual de resultados de cateterismos normais, assim como a contra-indicação ou indicação duvidosa dos casos, em torno de 65% – tanto no sistema público como no privado de atenção à saúde, no Estado de Minas Gerais –, poderá ser útil aos gestores desses sistemas no estabelecimento de normas ou regras para liberação de cateterismos, assim como na avaliação dos recursos envolvidos nesse procedimento, no sentido de evitar desperdícios