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Epidemiologia e Serviços de Saúde
versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.17 n.2 Brasília jun. 2008
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742008000200010
RESUMO
PRÊMIO DE INCENTIVO AO DESENVOLVIMENTO E À APLICAÇÃO DA EPIDEMIOLOGIA NO SUS 1º LUGAR MESTRADO
Atuação profissional de motoboys e fatores associados à ocorrência de acidentes de trânsito em Londrina-PR
Daniela Wosiack da Silva; Darli Antonio Soares; Selma Maffei de Andrade
Universidade Estadual de Londrina, Londrina-PR, Brasil
Introdução
Nos últimos anos, no Brasil, tem sido observado o uso crescente dos serviços de entrega de mercadorias por motoboys, caracterizada pela rapidez e agilidade na entrega de produtos. A presença e a tendência de crescimento do número desses trabalhadores parecem irreversíveis, a curto e médio prazos. Outrossim, estudos revelam diferenças importantes em relação ao número de vítimas e à gravidade dos acidentes de trânsito para diferentes grupos de usuários da via pública. Em vários trabalhos, destaca-se que pedestres, motociclistas e ciclistas são as principais vítimas desses acidentes, e as que sofrem trauma de maior gravidade. Pesquisas realizadas no Município de Londrina, Estado do Paraná (PR), têm apontado o motociclista como a principal vítima de acidentes de trânsito. Em estudo realizado no ano de 1996, os motociclistas corresponderam a 44,4% das vítimas. Outra investigação, no mesmo Município de Londrina-PR, ao analisar o período compreendido entre 1997 e 2000, traz os motociclistas como as principais vítimas do trânsito atendidas por serviço de atenção pré-hospitalar, em todos os anos do período selecionado, sempre com valores superiores a 40%. Alguns autores apontam, como possível causa para o aumento do número de vítimas entre os motociclistas, a crescente utilização da motocicleta no mercado formal ou informal de trabalho, especialmente em serviços de tele-entrega de mercadorias (motoboys) ou transporte de passageiros (mototáxis). Destacam, também, a maior exposição desses profissionais nas vias públicas, com realização de manobras arriscadas no trânsito e desempenho de altas velocidades no exercício profissional. Apesar da crescente participação de motoboys em serviços de entrega de mercadorias, todavia é bastante precário o conhecimento disponível sobre a profissão e seus riscos, com raras publicações sobre o tema. Considerando-se, portanto, que os motoboys representam uma população de grande risco de envolvimento em acidentes de trânsito, dadas as constantes exigências inerentes a seu exercício profissional, como o cumprimento de metas em horários estabelecidos e, geralmente, com ganho por produtividade, independentemente de condições climáticas, de trânsito ou de trabalho apresentadas, pretendeu-se, com este estudo, conhecer as características dos motoboys atuantes no Município, suas condições de trabalho e a ocorrência de acidentes.
Objetivos
I. Analisar o perfil de motoboys, sua atuação profissional e fatores associados à ocorrência de acidentes de trânsito no Município de Londrina-PR.
II. Caracterizar os motoboys quanto a sua atuação profissional e comportamento no trânsito.
III. Caracterizar os acidentes de trânsito ocorridos com motoboys durante seu trabalho, nos últimos doze meses.
IV. Verificar associações de alguns comportamentos no trânsito, bem como de características do exercício profissional de motoboys, com a ocorrência de acidentes de trânsito envolvendo esses profissionais durante seu trabalho, nos últimos 12 meses.
Metodologia
Trata-se de um estudo transversal, individuado e observacional da população-alvo de motoboys que atuam em Londrina-PR. A delimitação da amostra deu-se após a realização de um estudo exploratório, por consultas telefônicas, buscando-se definir o número de motoboys atuantes nos sete principais tipos de empresas que os empregam (restaurantes, farmácias, papelarias/copiadoras e empresas de tintas, gás e água especializadas em entregas). A partir desse levantamento, visando garantir a proporcionalidade, as empresas foram ordenadas por tipo e número de motoboys, sendo realizada amostragem sistemática de aproximadamente 50%. A coleta de dados ocorreu de setembro a novembro de 2005, mediante questionário auto-aplicável. Os motoboys foram abordados em seus locais de trabalho, por sete pesquisadores de campo devidamente treinados. Para reduzir perdas, foram realizadas até cinco visitas à mesma empresa, nos três períodos do dia. Previamente à entrevista, os objetivos da pesquisa foram explicados aos motoboys. Eles aceitaram participar assinando Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foi realizada dupla digitação dos dados e comparação pelo programa Epi Info 6.04d (Validate), sendo feitas correções quando observadas discrepâncias após consulta aos questionários respondidos. A variável dependente considerada no estudo foi a ocorrência de acidentes de trânsito durante o trabalho nos últimos 12 meses. As variáveis independentes foram: idade; tempo de experiência como condutor de motocicleta; tempo de atuação como motoboy; número de tipos de empresa de atuação; tipo de ganho; trabalho excessivo; alternância de turnos de trabalho; sensação de cansaço durante o exercício profissional; uso de celular ou rádio comunicador quando na direção da motocicleta; e emprego de altas velocidades em estradas, vias expressas, avenidas e ruas. As análises dos dados foram descritivas e bivariadas. Logo, realizou-se análise de regressão logística pelo programa Statistical Analysis System (SAS), para verificar fatores independentemente associados à ocorrência de acidentes de trânsito durante o trabalho, tendo sido adotado, como critério de inclusão de variáveis no modelo, o valor de p<0,20. Adotou-se a regressão logística pelo método stepwise, tendo-se aplicado o teste de Hosmer and Lemeshow Goodness-of-Fit. As taxas de acidentes ocorridos durante o trabalho nos últimos 12 meses foram calculadas para as variáveis analisadas. Considerando-se que a exposição a acidentes de trabalho nos últimos 12 meses poderia variar de acordo com o tempo de atuação dos motoboys (de dias ao ano completo), tomou-se por base, nesse cálculo, o tempo de exposição (tempo de trabalho) de cada motoboy nos últimos 12 meses, com transformação do denominador em pessoas/meses. Dessa forma, foram calculadas as taxas de acidentes entre expostos ao fator de risco hipotetizado e entre não expostos, sendo então calculada a razão de prevalência (RP), ou seja, a razão entre essas duas taxas. O programa Epitable Calculator, do Epi Info 6.04d, foi usado para os cálculos das razões de prevalência, dos intervalos de confiança de 95% e do valor de p (teste exato bicaudal).
Considerações éticas
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina, conforme parecer CEP 287/04.
Resultados
Foram entrevistados 377 motoboys (95,9% dos 393 selecionados). A média de idade dos motoboys foi de 28 anos (mediana=26). A maior parte (43%) tinha entre 18 e 24 anos e cerca de dois terços deles apresentavam idade inferior a 29 anos. Houve maior proporção de motoboys com tempo de experiência como condutor de motocicleta entre cinco e nove anos, e, aproximadamente, 80% deles apresentavam mais de quatro anos de experiência; a média de tempo encontrada foi de dez anos (mediana=8). Cerca de 75% dos motoboys apresentavam tempo de atuação profissional superior a dois anos; a média do tempo de atuação foi de cinco anos (mediana=4). A maioria (68%) atuava em apenas um tipo de empresa, com predomínio de restaurantes (48%), seguidos por farmácias e drogarias (26,8%) e por empresas que terceirizam entregas (23,9%). Em cerca de 65% dos casos, a remuneração estava relacionada à quantidade de entregas feitas. A maioria dos motoboys (62%) recebia entre R$400,00 e R$800,00 ao mês (1,33 a 2,67 salários mínimos). Constatou-se que 36% dos motoboys alternavam turnos de trabalho e que 42% referiram ter trabalhado mais do que dez horas por dia, na semana anterior à realização da pesquisa. Trezentos e dezoito motoboys (84,4%) relataram ter trabalhado mesmo estando bastante cansados. O uso de celular ou rádio comunicador quando em trânsito foi relatado por 90 motoboys (24%). Quanto à adoção de altas velocidades em perímetro urbano (acima de 80km/h), mais da metade dos motoboys (55%) relatou uso de altas velocidades em avenidas e cerca de 30% em ruas. Em estradas e vias expressas, essa prática foi relatada por 80% dos motoboys. Cento e quarenta e sete motoboys (intervalo de confiança de 95% – IC95% 39% (34,1-44,1%)] relataram ter sofrido acidentes de trânsito nos 12 meses anteriores à realização da pesquisa; e 121 [IC95% 32,1% (27,5-37,1%)], durante o exercício profissional. Foram relatados, no total, 257 episódios de acidentes de trânsito, o que equivale a uma taxa de 68,17 acidentes por 100 motoboys. Dos 147 motoboys que referiram acidentes de trânsito, 35 (23,8%) consideraram os acidentes ocorridos com eles como 'graves', resultando na internação hospitalar de 29 motoboys (19,7%). O tempo de internação relatado variou de um a 120 dias, com média de 17 (mediana=4). Houve maior proporção de motoboys com até seis dias de internação (58,6%). Com relação ao tipo de acidente ocorrido durante o trabalho, foi observada maior proporção de acidentes por colisão com outro veículo (65%), seguidos das quedas sem colisão (22%). A maior parte dos acidentes ocorreu com o tempo seco (75%), em dias úteis (77%) e nos períodos da tarde (40%) e da noite (36%). Na análise multivariada, os fatores independentemente associados – de forma direta – ao relato de ocorrência de acidentes de trânsito durante o trabalho foram: a idade dos motoboys, sendo maior a taxa de acidentes na faixa etária de 18 a 24 anos [razão de chances (OR)=1,74]; a adoção de velocidades acima de 80km/h nas avenidas do Município (OR=1,64); e a alternância de turnos de trabalho (OR=1,77).
Conclusões, recomendações e impacto potencial dos resultados em Saúde Pública
Os resultados do presente estudo indicam uma alta incidência de acidentes de trânsito no período analisado. A maior parte deles ocorreu durante o exercício profissional. A constatação da maior ocorrência de acidentes de trânsito durante o exercício profissional reforça a susceptibilidade dos motoboys a esses eventos por aspectos inerentes à profissão e aponta a necessidade de estratégias e políticas específicas para a redução de acidentes envolvendo esses profissionais, bem como a necessidade de regulamentação da profissão e de fiscalização das empresas que oferecem seus serviços. A falta de regulamentação profissional é, possivelmente, um dos principais fatores contributivos para a alta incidência de acidentes e as más condições de trabalho relatadas neste estudo, como, por exemplo, a adoção de longas jornadas diárias de trabalho. A forma de remuneração por produtividade, referida por grande parte dos motoboys, pode, também, ter contribuído para que eles adotassem comportamentos nem sempre seguros no trânsito, na tentativa de incrementar o rendimento mensal. Observa-se que, apesar de serem fundamentais para nossa sociedade atual, centrada no consumo, pouco tem sido feito no sentido de melhorar suas condições de trabalho e evitar seu envolvimento em acidentes de trânsito. É imprescindível, portanto, que o Estado e a sociedade repensem o papel desempenhado pela categoria; e que os motoboys sejam valorizados enquanto capital humano. O conhecimento sobre as características dos motoboys e dos acidentes de trânsito que ocorrem em seu exercício profissional pode contribuir para que se adotem medidas de proteção desses trabalhadores, fornecendo subsídios para a formulação de estratégias e políticas específicas para a redução de acidentes envolvendo-os. Os resultados deste estudo foram apresentados à Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização de Londrina (CMTU) e em eventos ocorridos durante a Semana Nacional de Trânsito, em 2006, sob o tema "Você e a moto: uma união feliz", nos Municípios paranaenses de Londrina e de Maringá. Essas conclusões também foram divulgadas pela imprensa escrita (nos dois jornais diários de maior impacto de Londrina-PR e região), em rádios locais e em programa de telejornalismo de abrangência estadual. Ademais, artigos científicos serão submetidos a periódicos e pretende-se, outrossim, convidar as empresas e os motoboys participantes para reuniões de divulgação e discussão dos resultados obtidos por este estudo.