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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.17 n.3 Brasília sep. 2008

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742008000300006 

ARTIGO ORIGINAL

 

Morbidade hospitalar por causas externas no Município de São José dos Campos, Estado de São Paulo, Brasil*

 

Hospital admission morbidity due to external causes in the Municipality of São José dos Campos, State of São Paulo, Brazil

 

 

Luís Paulo Rodrigues MelioneI; Maria Helena P. de Mello JorgeII

ISecretaria Municipal de Saúde, Prefeitura Municipal de São José dos Campos, São José dos Campos-SP, Brasil
IIDepartamento de Epidemiologia, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo-SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo do estudo foi conhecer o perfil da morbidade das internações hospitalares por causas externas no Município de São José dos Campos, Estado de São Paulo, Brasil. Foram estudadas as internações pelo Sistema Único de Saúde (SUS) por lesões decorrentes de causas externas no primeiro semestre de 2003, no Hospital Municipal. Este hospital é a principal referência para o atendimento ao trauma e foi responsável por 92,3% das internações pelo SUS por causas externas no período estudado. Entre os 873 pacientes internados, as lesões decorrentes de acidentes de transporte foram responsáveis por 31,8% dos casos, as quedas por 26,7% e as causas indeterminadas por 19,5%. A razão de masculinidade foi de 3,1:1 e a faixa etária predominante de 20-29 anos, com 23,3% das internações. As lesões mais freqüentes foram as fraturas (49,8%) e o traumatismo intracraniano (13,5%). Entre as fraturas, predominaram as do fêmur e as da perna, que representaram, respectivamente, 10,8% e 10,1%. A maior taxa de internação por local de residência ocorreu na região Norte do Município, com 470,0 internações por 100.000 habitantes. O perfil da morbidade hospitalar encontrado confirmou os acidentes de transporte como importante causa de internação hospitalar no Município e contrariou a tendência geral das quedas como principal causa externa de internação hospitalar. A distribuição por sexo, idade e natureza da lesão foi semelhante aos dados encontrados na literatura. A taxa de internação por causas externas por região de residência contribuiu para o mapeamento da violência em São José dos Campos-SP.

Palavras-chave: acidentes; causas externas; hospitalização; lesões; morbidade; violência.


SUMMARY

The objective of the study was to identify the external-cause hospital morbidity in the Municipality of São José dos Campos, State of São Paulo, Brazil. Admissions to the Municipal Hospital via Brazilian Health System (SUS) resulting from external-cause injuries were analyzed during the first semester of 2003. The Municipal Hospital is a reference for trauma care, accounting 92.3% of all admissions from SUS due to external causes in the period studied. Among the 873 first-time admissions, land transportation accidents were responsible for 31.8%, falls for 26.7% and undetermined causes for 19.5%. The male ratio was of 3.1:1, and the predominant age was 20-29 years, with 23.3%. The most frequent injuries were fractures (49.8%) and intracranial traumas (13.5%). Among the predominant fractures, femur and leg fractures acted, respectively, for 10.8% and 10.1%. The highest admission rate regarding place of dwelling occurred in the north-side of the city, with 470.0 admissions per 100.000 inhabitants. The profile of hospital morbidity found in this study confirmed land transportation accidents as an important cause for admissions in the city, contradicting the general tendency of fall as primary external cause for hospital admissions. Distribution by sex, age, and nature of injury was similar to the data found in the literature. External-cause admissions by region of residency contributed to the violence mapping of São José dos Campos-SP.

Key words: accidents; external causes; hospitalization; injuries; morbidity; violence.


 

 

Introdução

As causas externas vêm se configurando como uma importante causa de mortalidade e morbidade, tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento. Estimou-se que, no ano 2000, em todo o mundo, mais de 1,6 milhões de pessoas morreram como resultado de violência e menos de 10% dessas mortes ocorreu em países de renda alta.1 No Brasil, essas causas têm correspondido à segunda ou terceira causa de óbito mas foram a primeira causa nas faixas etárias de um a 44 anos em 2003, atingindo principalmente os homens jovens. Os homicídios foram responsáveis por 51 mil mortes e os acidentes de trânsito por 33 mil mortes no mesmo ano.2 A esperança de vida ao nascer é afetada por essa distribuição da mortalidade entre os jovens no Brasil, onde a mortalidade por acidentes e violências representou 2,6 milhões de anos potenciais de vida perdidos (APVP) em 1981 e 3,4 milhões em 1991.3

Com relação à morbidade, sabe-se que a proporção de atendimentos ambulatoriais por causas externas é bem maior que as internações hospitalares delas decorrentes. Estima-se que, nos países desenvolvidos, para cada óbito por lesões, 30 vítimas são hospitalizadas e 300 são tratadas em serviços de emergência e depois liberadas.4

Em São José dos Campos, ocorreram três internações pelo SUS para cada óbito por acidente de transporte no período de 1998 a 2002.5 Em Londrina, Estado do Paraná, foram estudadas, no primeiro semestre de 1996, as vítimas de acidentes de transporte registradas pela Polícia Militar, os óbitos, os atendimentos em pronto-socorro e as internações pelo SUS, tendo sido encontrada uma proporção de internação de 10,8% em relação ao total de vítimas identificadas em todas as fontes citadas, excluídas as duplicidades.6

O Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) permite uma análise de dados sobre acidentes e violências. Embora esse sistema seja criticado como fonte de informação epidemiológica, por seu caráter de controle de pagamento, ele cobre todo o território nacional e seus dados encontram-se disponíveis para o público geral, em meio eletrônico, com defasagem de cerca de dois meses.

A Organização Mundial da Saúde – OMS – classifica os acidentes e a violência, para fins de comparabilidade estatística entre os países, como 'causas externas'. Na Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), compõem o Capítulo XX, denominado 'Causas externas de morbidade e de mortalidade'.7 Com este caráter, a Décima Revisão da CID vem sendo utilizada para morbidade hospitalar no SUS desde 1998.8 Na mesma época, foi instituído no SIH/SUS, por intermédio da Portaria no 142, de 13 de novembro de 1997, o uso da CID-10 com o registro, no campo 'diagnóstico principal', do código referente à natureza da lesão; e no campo 'diagnóstico secundário', do código referente à causa externa que motivou a internação.9

O perfil epidemiológico da morbidade por causas externas é diferente do da mortalidade. Nos Estados Unidos da América – EUA –, em 2003, as principais causas de morte por lesão foram os acidentes de trânsito com veículo a motor, os envenenamentos acidentais, as quedas não intencionais, os suicídios por arma de fogo e os homicídios por arma de fogo, nesta ordem. No mesmo ano, também nos EUA, as principais causas de lesão não fatal foram as quedas acidentais, os impactos acidentais causados por ou contra objeto, os esforços excessivos e os acidentes com ocupantes de veículos a motor.10

No Brasil, em 2000, as causas externas representaram 12,5% dos óbitos e 5,2% das internações pelo SUS. As principais causas de mortalidade nesse grupo foram os homicídios (38,3%), seguidos dos acidentes de transporte (25,0%). Na morbidade hospitalar, a primeira causa de internação foram as quedas (42,8%), em segundo lugar as demais causas acidentais (28,4%) e em terceiro os acidentes de transporte.11

A taxa de mortalidade por homicídios apresentou tendência de aumento ao longo da década de 1990; a partir de 2000, vem ocorrendo um decréscimo dessa taxa. Esse fenômeno, em São José dos Campos-SP, seguiu a tendência de queda do Estado de São Paulo.12 Em relação aos acidentes de transporte, a mortalidade em São José dos Campos-SP avançava em tendência crescente até 1997; a partir de 1998, começou a decrescer. 12 Esta redução parece ter sido resultado das medidas de segurança no trânsito implantadas com a entrada em vigor da Lei no 9.503, que instituiu o novo Código de Trânsito Brasileiro – CTB – em 22 de janeiro de 1998. Foi identificada, entretanto, uma reversão da tendência de queda das internações pelo SUS por acidentes de transporte em São José dos Campos-SP, a partir de 2001,5 a despeito da tendência de queda da mortalidade no mesmo período.

O conhecimento detalhado das características epidemiológicas das vítimas de acidentes e violência é de grande valia, tanto para a organização do sistema de saúde – que arca com os elevados custos da assistência médica a esse tipo de paciente – como para gestão do planejamento urbano e para as medidas de prevenção e controle da violência na sociedade. Os objetivos deste estudo foram descrever a morbidade hospitalar por causas externas segundo o tipo de causa, natureza da lesão, sexo e idade, além da taxa de internação por causas externas segundo a região de residência no Município.

 

Metodologia

O Município de São José dos Campos-SP está situado na região leste do Estado de São Paulo, no médio Vale do Paraíba (Bacia do Rio Paraíba do Sul). Segundo censo populacional de 2000, então o Município contava com uma população de 539.313 habitantes e taxa de urbanização de 98,8%.13 É altamente industrializado em sua zona urbana, com intenso tráfego urbano regional, e é cortado por movimentadas rodovias como a Presidente Dutra, que liga as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo-SP, e a Rodovia dos Tamoios, rota para o litoral norte paulista.

Foram estudadas as internações por causas externas pagas pelo Sistema Único de Saúde no Hospital Municipal Dr. José de Carvalho Florence, entre 1o de janeiro e 30 de junho de 2003. Este ano foi escolhido para que fosse possível o cálculo de taxas de internação por região geográfica de residência, pois a base populacional pode ser obtida a partir da "Pesquisa de instrumentação do planejamento urbano e avaliação do déficit habitacional em São José dos Campos – 2003", coordenada pelo Núcleo de Estudos de População da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Nessa pesquisa, feita por amostragem em 24 setores socioeconômicos da área urbana do Município, fez-se uma estimativa da população urbana das seis regiões geográficas oficiais para o ano de 2003.14

No mesmo período, segundo um levantamento preliminar, 92,3% das internações registradas pelo SUS no Município, por lesões decorrentes de causas externas, ocorreu no Hospital Municipal – a principal referência local para os serviços de resgate às vítimas. A maioria das internações particulares e por seguro-saúde, por sua vez, ocorre após o primeiro atendimento e estabilização da vítima nesse hospital. Por apresentar o maior grau de resolubilidade para o atendimento ao trauma na região, o Hospital Municipal conta com grande cobertura de atendimento. Sabe-se que no ano de 2002, na Região de Saúde de São José dos Campos-SP, 81,0% das internações hospitalares por causas naturais e externas foi financiada pelo SUS.15

O desenho de estudo foi descritivo, sobre as internações hospitalares por lesões decorrentes de causas externas codificadas como tais no Sistema de Informações Hospitalares do SUS. O SIH/SUS é um sistema de informações desenvolvido pelo Ministério da Saúde para coleta, crítica e pagamento de todas as internações hospitalares realizadas pelo SUS. A unidade de registro e pagamento é a Autorização de Internação Hospitalar (AIH). A partir das AIH aprovadas pelo Município, as internações são apresentadas ao Ministério da Saúde.

O critério de seleção de casos considerou todas as internações que referiram a lesão ou a causa externa, indistintamente, como diagnóstico principal ou secundário. Assim, seria possível recuperar registros que, eventualmente, tivessem sido codificados em desacordo com as regras de morbidade da CID-107 e do próprio SIH/SUS:9 toda AIH com diagnóstico principal no Capítulo XIX deve ter o diagnóstico secundário obrigatoriamente codificado no Capítulo XX da CID-10. Foram selecionadas AIH pagas no período, desconsiderando-se as de prorrogação da internação (longa permanência).

Após a avaliação do prontuário do paciente, foram consideradas internações por causas externas os casos de pessoas com lesões classificadas no Capítulo XIX da CID-10 (diagnóstico principal) e causa externa classificada no Capítulo XX (diagnóstico secundário). As fontes de dados utilizadas foram:

- Banco de dados de AIH pagas pelo Ministério da Saúde, obtido dos arquivos públicos disponibilizados em meio eletrônico pelo Departamento de Informática do SUS (Datasus).16 As bases de dados do ano de competência de 2003 foram consultadas para a seleção das internações com data de ingresso entre 1o de janeiro e 30 de junho de 2003.

- Banco de dados de AIH identificadas e apresentadas pelo Município. Os dados foram obtidos do programa SISAIH01 – Sistema de AIH em disquete – desenvolvido pelo Datasus e disponível no Município. Os critérios para consultas às bases de dados foram os mesmos já citados para as AIH pagas.

- Prontuários médicos dos pacientes internados por causas externas. Os números dos prontuários foram obtidos do banco de dados de AIH identificadas como do Município, arquivados no Hospital Municipal. Por esse método, foram encontrados 990 dos 993 prontuários de pacientes internados por causas externas.

As bases de dados de AIH pagas e de AIH identificadas foram relacionadas e transformadas em um único banco de dados, para facilitar a identificação do número do prontuário. A chave primária de relacionamento dos bancos de dados de internação hospitalar foi o número da AIH e o mês e ano de competência.

As variáveis necessárias ao estudo pertenceram a três grupos: as variáveis relativas à vítima; as relativas à internação; e as relativas ao agravo.

- Variáveis relativas à vítima: sexo; idade em anos; bairro de residência; Município de residência.

- Variáveis relativas à internação: tipo de entrada hospitalar, categorizado em 'primeira internação na unidade'; e 'reinternação na unidade por lesão decorrente da mesma causa'.

- Variáveis relativas ao agravo:

Diagnóstico principal: é definido como a afecção primariamente responsável pela necessidade de tratamento ou investigação do paciente. Foram selecionados os diagnósticos principais de internação com os códigos de categorias da CID-10 S00 a T98, que representam as 'Lesões, envenenamentos e algumas outras conseqüências de causas externas' (Capítulo XIX). Esses diagnósticos foram subdivididos pelos agrupamentos da CID-10 de natureza da lesão: S02 (fratura do crânio e ossos da face); S12 (fratura do pescoço); S22 (fratura do tórax: costelas, esterno e coluna torácica); S32 (fratura de coluna lombar e da pelve); S42 (fratura do ombro e do braço); S52 (fratura do antebraço); S62 (fratura do punho e da mão); S72 (fratura do fêmur); S82 (fratura da perna, incluindo tornozelo) e S92 (fratura do pé); S03, S13, S23, S33, S43, S53, S63, S73, S83, S93 e T03 (luxações, entorses e distensões); S06 (traumatismo intracraniano); S27 (traumatismo de outros órgãos intratorácicos); S36 (traumatismo de órgãos intra-abdominais); T01 a T07 (traumatismos múltiplos); T20 a T32 (queimaduras e corrosões); T36 a T65 (intoxicações); T79 a T88 (complicações de cuidados médicos); T90 a T98 (seqüelas de causas externas); e todas as demais categorias do Capítulo XIX da CID-10 (demais lesões).

Diagnóstico secundário: obrigatoriamente, deve ser uma causa externa, desde que o diagnóstico principal tenha sido uma lesão, segundo a regra internacional de codificação da CID-107 e a regra do SIH/SUS.9 Foram selecionados os diagnósticos secundários de internação, com os códigos de categorias V01 a Y98, que representam as chamadas 'Causas externas de morbidade e de mortalidade' da CID-10 (Capítulo XX). Foram constituídos agrupamentos segundo as categorias da CID-10: V01 a V99 (acidentes de transporte); W01 a W19 (quedas); X85 a Y09 e Y35 a Y36 (agressões); X60 a X84 (lesões autoprovocadas intencionalmente); Y40 a Y84 (complicações da assistência médica); Y10 a Y34 (eventos cuja intenção é indeterminada); Y85 a Y89 (seqüelas de causas externas); e todas as demais categorias do Capítulo XX da CID-10 (demais causas acidentais).

As reinternações foram identificadas pela consulta ao prontuário. Ambos os diagnósticos – principal e secundário – foram codificados pelo pesquisador a posteriori, sem o conhecimento da codificação no SIH/SUS.

Para análise dos dados e tabulações de número e proporção dos dados originais coletados de prontuários, foi utilizado o programa de domínio público Epi Info 6.04.17 Foram elaborados indicadores de morbidade hospitalar (tipo de causa, natureza da lesão, sexo e faixa etária) e taxa de internação por região de residência.

Para o cálculo da taxa de internação, foi assumido pelo pesquisador que as internações por causas externas ocorridas no Hospital Municipal foram representativas da morbidade da população de São José dos Campos-SP. A base populacional utilizada foi obtida na referida "Pesquisa de instrumentação do planejamento urbano e avaliação do déficit habitacional em São José dos Campos – 2003".14 Por esse método, a soma da população urbana estimada das seis regiões foi de 541.048 habitantes; não foi estimada a população da zona rural. Assim, as sete internações de residentes na zona rural (Norte) foram excluídas do numerador da taxa de internação do Município.

As taxas de internação por causas externas foram constituídas em seu denominador pelas referidas estimativas populacionais para o ano de 2003. Para o numerador, considerou-se o número de internações multiplicado por dois, a partir do pressuposto da não-existência de sazonalidade entre essas internações. Para auxiliar a opção por essa metodologia, considerou-se a distribuição, ao longo do ano de 2003, das proporções de internação por causas externas no SIH/SUS do Município, em que se observou uma distribuição semelhante dos eventos segundo o tipo de causa externa nos primeiro e no segundo semestres de 2003.16

 

Resultados

A população de estudo para as internações de ocorrência no Hospital Municipal foi de 873 casos, excluídas excluídas 100 reinternações. Já para o estudo de taxa de internação por região de residência, foram analisadas as 775 primeiras internações de residentes na região urbana do Município (sendo que 75 eram de outros Municípios, 16 apresentavam endereço não localizado e sete eram de residentes na zona rural).

Os acidentes de transporte representavam 31,8% das internações por causas externas; em segundo lugar vinham as quedas, com 26,7%. As causas indeterminadas tiveram uma proporção de internações pelo SUS considerada alta (19,2%), indicando que a qualidade da informação constante nos prontuários médico-hospitalares precisa ser melhorada. A proporção de internações por agressões ficou em 5,6%, resultado igual ao das internações por complicações da assistência médica (Tabela 1).

 

 

A razão de masculinidade por causas externas foi de 3,1:1. Nos acidentes de transporte, essa razão foi de 4,2:1, e nas agressões, de 3,5:1. Nas lesões autoprovocadas intencionalmente, apesar do pequeno número de casos, a razão de masculinidade foi de 0,5:1; e nas internações por causas externas indeterminadas, essa mesma razão foi de 5,5:1. Chamou atenção o fato de, no sexo masculino, 51 das 142 internações por causas indeterminadas terem sido por 'disparo de arma de fogo' e 'contato com objeto cortante'. Em ambos os casos, as internações apresentavam uma razão de masculinidade muito alta (Tabela 1). É plausível pensar que parte desses eventos tenha sido, de fato, por agressão, um dos tipos de causa externa com maior razão de masculinidade. Na literatura, são escassos os estudos que investigam esse problema.

Ainda na Tabela 1, pode-se observar a importância dos motociclistas, pedestres e ciclistas como tipo de vítima entre os homens; e dos ocupantes de automóvel e pedestres, entre as mulheres. A razão de masculinidade entre motociclistas foi de 11,3:1, a maior entre os diferentes tipos de vítima de acidentes de transporte.

Quanto à natureza da lesão, para todos os tipos de causas externas, as fraturas representaram 49,8% dos casos. A maior proporção de fraturas ocorreu nas quedas (72,5%) e nos acidentes de transporte (51,8%). Nestes, a proporção de fratura de fêmur e perna foi de 12,2% para cada, o traumatismo intracraniano representou 17,3% e os traumatismos múltiplos, 13,3% (Tabela 2). Já nas internações decorrentes de quedas, as lesões predominantes foram fratura de fêmur (23,2%) e traumatismo intracraniano (18,9%). Nas agressões, as maiores proporções dividiram-se entre traumatismo intracraniano (30,6%) e fratura do crânio e dos ossos da face (26,5%).

 

 

Foi realizada a distribuição proporcional das internações segundo tipo de causa externa e faixa etária (Tabela 3). As faixas de idade mais atingidas, para todas as causas externas, foram de 20 a 29, dez a 19 anos e 30 a 39 anos. Nos acidentes de transportes, a faixa etária predominante foi de 20 a 29 anos (31,3%). Nas quedas, a distribuição foi mais homogênea, sendo maior quando agrupadas as faixas etárias de 70 anos e mais (18,0%), seguindo-se a de zero a nove anos (14,6%). Nas agressões, houve uma nítida predominância de vítimas de 20 a 29 anos (36,7%) e uma proporção expressiva daqueles entre os dez e os 19 e entre os 30 e os 39 anos, com 20,4% para cada.

 

 

O estudo, como já foi dito na Introdução deste relato, também teve por objetivo conhecer a distribuição das internações por causas externas segundo região de residência das vítimas, a fim de subsidiar políticas públicas voltadas para os acidentes e a violência. Infelizmente, não foi possível identificar o local de ocorrência dos agravos por falta de registro suficiente dessa informação no prontuário do paciente.

As internações foram distribuídas pelas regiões geográficas oficiais do Município. Proporcionalmente, o maior número delas ocorreu em residentes das regiões Sul e Leste, mais populosas. Calculando-se as taxas de internação por 100.000 habitantes, essa distribuição sofreu importante modificação. A maior taxa de internação por causas externas foi na região Norte do Município: 470,0 internações por 100.000 habitantes. Em segundo lugar ficou a região Sudeste (301,4) e em terceiro a região Leste (298,6) (Tabela 4).

 

 

As maiores taxas de internação por acidentes de transporte também ocorreram na região Norte (105,2), seguidas pelas da região Sul (99,1). As quedas tiveram maior coeficiente também na região Norte, com 161,4, seguidas das da região Sudeste, com 107,3.

Quanto às agressões, a distribuição foi mais homogênea, com taxa maior na região Leste (23,3) e logo na região Sudeste (20,4). No caso específico das agressões, as taxas de internação podem estar subestimadas pela falta de registro adequado da intencionalidade do ato nos prontuários, sendo classificadas pelo pesquisador no grupo das causas indeterminadas, como 'contato com arma de fogo' e 'contato com objeto cortante ou penetrante'.

A identificação do predomínio das taxas de internação nas regiões Norte e Sudeste trouxe um fato novo para a análise dos problemas relacionados aos acidentes e violência no Município: na maioria das vezes, as autoridades públicas utilizam os números absolutos de agravos para dimensionar o problema e promover investimentos em segurança pública.

As causas indeterminadas tiveram uma taxa de internação muito maior na região Norte, embora, em números absolutos, predominassem as regiões Sul e Leste (Tabela 4). A taxa geral de internação pelo SUS por causas externas na zona urbana foi de 286,5 por 100.000 habitantes.

 

Discussão

Algumas limitações do estudo devem ser consideradas na análise dos resultados, uma vez que as internações hospitalares não retratam toda a morbidade por causas externas. Uma parcela importante das vítimas não chega a ser atendida nos serviços de urgência/emergência e outra parcela, também significativa, tão-logo atendida, é liberada. Provavelmente, as internações refletem a morbidade mais grave.

Outra limitação encontrada por estes autores foi o fato de as internações financiadas por particulares e seguros de saúde não estarem incluídas, embora a grande maioria delas seja paga pelo SUS. Também foram excluídas as internações codificadas no SIH/SUS como 'causas naturais'. As AIH codificadas dessa forma mas que, em verdade, tratavam de causas externas, não puderam ser recuperadas e incluídas na análise. Outro problema importante, todavia, foi a realização da pesquisa em apenas um hospital do Município, ainda que nesse hospital tivessem ocorrido, após análise dos prontuários, 88,7% das internações por causas externas no período de estudo.

Houve uma predominância da proporção de internações por acidentes de transporte (31,8%), seguida das quedas (26,7%). Esses resultados são diferentes dos encontrados por outros autores, em que a principal causa de internação por causas externas é representada pelas quedas. Gawryszewski e colaboradores11 estudaram as internações por causas externas pelo SUS em 2000 e identificaram 42,8% de internações devidas a quedas e 18,2% decorrentes de acidentes de transporte. No Brasil, em 2003, nas cinco macrorregiões nacionais e em 23 dos 26 Estados da Federação (exceto Amapá, Maranhão e Roraima), as quedas foram a principal causa de internação pelo sistema. No mesmo ano de 2003, entre os dez Municípios paulistas com mais de 400.000 habitantes, somente São José dos Campos-SP teve os acidentes de transporte como principal tipo de internação por causas externas.16

Uma explicação para essa diferença poderia estar na qualidade da codificação, pela CID-10, do diagnóstico secundário de internação, principalmente no que se refere às quedas. Tomimatsu,18 em Londrina, Estado do Paraná, no ano de 2004, realizou correção dos dados do SIH/SUS mediante consulta ao prontuário dos pacientes e outros documentos. Houve uma alteração da proporção de internações por quedas – de 56,7 para 20,3% – e de acidentes de transporte – de 16,4 para 24,6%.

A importância das internações por acidentes de transporte em São José dos Campos-SP foi relatada por Melione,5 que detectou um aumento na taxa dessas internações a partir de 2001: desde então, ela é mais intensa em ciclistas e motociclistas, ademais de concomitante com a redução da mortalidade pela mesma causa. Ou seja, o Município, não obstante acompanhar a tendência dos últimos anos de redução da mortalidade por acidentes de transporte no Estado de São Paulo,12 não obteve redução nas respectivas internações decorrentes. É plausível supor que tal mudança no perfil epidemiológico das vítimas de acidentes de transporte seja devida à melhoria da assistência médica prestada: tanto nos países mais desenvolvidos como nos menos desenvolvidos, a implantação e manutenção de serviços de atendimento pré-hospitalar e hospitalar de emergência ao trauma tem reduzido a mortalidade em vítimas com traumas graves.19

A predominância das internações de motociclistas e ciclistas do sexo masculino poder-se-ia explicar pelo uso crescente desses meios de transporte, não só por representar locomoção mais econômica como, especialmente no caso da motocicleta, por ser ela própria um instrumento de trabalho (motoboys). As motos são um meio de transporte ágil, porém mais perigoso. Muitas vezes, a pressão das empresas por entregas rápidas de mercadorias em motocicletas induz seus condutores a comportamentos de risco, como exceder a velocidade máxima permitida, não respeitar a sinalização de trânsito e negligenciar o uso dos equipamentos de segurança recomendados.

Razões de masculinidade elevadas também foram encontradas no estudo de Gawryszewski e colaboradores11 sobre internações por causas externas pelo SUS em 2000. Segundo esses autores, a proporção de internações em decorrência de fraturas provocadas por causas externas foi de 42,6%: por quedas, de 58,5%; e por acidentes de transporte, de 43,7%. Comparativamente aos dados nacionais, portanto, a morbidade hospitalar proporcional de natureza da lesão por tipo de causa externa revelada por esta pesquisa, de um modo geral, foi semelhante aos dados nacionais apresentados no referido estudo.

Quanto à distribuição das internações por causas externas segundo faixa etária, tanto para os acidentes de transporte como para as quedas e as agressões, as proporções segundo faixa etária encontradas por este estudo de São José dos Campos foram semelhantes às reveladas sobre o Estado de São Paulo-SP, em trabalho de 2003.20 Essa distribuição seguiu o padrão mundial, de maior proporção de adultos jovens e adolescentes vítimas de acidentes de transporte e agressões e de crianças e idosos vítimas de quedas.

O estudo de Mattos21 sobre morbidade por causas externas em crianças, realizado em um hospital público do Rio de Janeiro, no ano de 1995, detectou as quedas como principal causa de internação em todas as faixas de idade compreendidas entre um e 12 anos. Koizumi e colaboradores,22 ao estudarem as internações de crianças pelo SUS em 1998, também identificaram as quedas como principal causas de internação. No presente estudo, as quedas foram a principal causa de internação observada na faixa etária de zero a nove anos.

Existem diferenças socioeconômicas entre as regiões geográficas de São José dos Campos-SP que poderiam, em parte, explicar alguns dos resultados encontrados. A região Norte apresenta, juntamente com a região Centro, a maior proporção de idosos e de vias de circulação e edificações mais antigas. As regiões Leste, Sudeste e Sul reúnem proporção maior de jovens com menor escolaridade e maior taxa de desemprego. Já as regiões Oeste e Centro possuem as maiores proporções de pessoas com maior escolaridade e poder aquisitivo.

Os acidentes de transporte foram a principal causa de internação por causas externas em São José dos Campos-SP, concluíram estes autores. O resultado difere do protagonismo das 'quedas' como primeira causa de internação hospitalar por causas externas no Brasil e na maioria dos Municípios do Estado de São Paulo. Assim demonstram vários estudos realizados com base nos dados do SIH/SUS – possivelmente, dada a baixa qualidade dos dados de internação por causas externas no sistema de informações hospitalares.

As causas indeterminadas apresentaram freqüência acima do esperado, revelando a necessidade de aprimoramento da qualidade da informação. O que exigirá, decerto, maior empenho dos profissionais de saúde na identificação e no registro das causas das lesões nos laudos de emissão de AIH e nos prontuários dos pacientes.

Os resultados encontrados por esta pesquisa também mostraram a utilidade da inclusão, na base de dados do SIH/SUS, de um campo que identifique o código da unidade territorial – bairro, por exemplo. A análise da ocorrência de agravos por região de moradia pode ser útil ao planejamento urbano.

Para a melhoria das informações sobre os diferentes tipos de causas externas, principalmente agressões, estes autores sugerem a implantação de uma rotina de disponibilização rápida de cópias das fichas de atendimento do Sistema de Atendimento Pré-hospitalar, das fichas de notificação compulsória de violência e da primeira via da Declaração de Óbito – DO –, gerada no Instituto Médico Legal – IML –, juntamente com o prontuário dos pacientes internados em todas as unidades hospitalares.

Alguns resultados deste estudo sobre a morbidade hospitalar por causas externas em São José dos Campos-SP são instigantes, abrem espaço a hipóteses explicativas e, portanto, devem provocar uma reflexão mais profunda sobre seus fatores determinantes que se disponha a um olhar multidisciplinar, intersetorial e interinstitucional. A condição dos acidentes de transporte como principal causa de internação hospitalar no Município paulista e as maiores taxas de internação por causas externas em sua região Norte devem ser discutidas com o poder público e a sociedade local, no sentido de encontrar explicações plausíveis para o problema, bem como propostas efetivas para seu controle.

 

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Endereço para correspondência:
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5o Andar, Sala 1,
São José dos Campos-SP, Brasil.
CEP: 12209-530
E-mail:lmelione@uol.com.br

Recebido em 12/06/2007
Aprovado em 02/05/2008

 

 

*Baseado na Dissertação de Mestrado do autor principal, "Morbidade hospitalar por causas externas no Sistema Único de Saúde em São José dos Campos, SP", apresentada à Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo em 2006.