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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.17 n.3 Brasília set. 2008

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742008000300008 

ARTIGO DE OPINIÃO

 

Dengue: desafios atuais

 

 

Giovanini Evelim Coelho

Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasil

Endereço para correspondência

 

 

A Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS – elaborou o documento "Prevenção e Controle da Dengue nas Américas: enfoque integrado e lições aprendidas",1 que serviu de subsídio à discussão dos temas prioritários da agenda da 27a Conferência Sanitária Pan-americana, realizada no período de 1o a 5 de outubro de 2007.

Entre os diversos aspectos relacionados ao problema dengue, o documento chama a atenção para a necessidade de organização e estruturação dos programas de controle da dengue dos países, com um enfoque de gestão integrada, em seus diversos componentes de interesse.

Como justificativas para a adoção da gestão integrada, destacam-se o agravamento da situação epidemiológica no continente, com a ocorrência de epidemias em diversos países, perdas de vidas humanas e um alto custo político e social. São do conhecimento de todos os reflexos que as epidemias de dengue determinam na economia dos países, devido ao absenteísmo no trabalho e nas escolas, assim como as repercussões negativas no setor turístico e o conseqüente colapso dos serviços de saúde, em decorrência da alta demanda por atendimento de pacientes nos serviços.

Outro aspecto a ser evidenciado diz respeito à complexidade do controle da dengue no mundo moderno, tendo em vista os diversos fatores externos ao setor Saúde, importantes determinantes na manutenção e dispersão desse agravo. São relevantes o surgimento de grandes aglomerados urbanos, muitas das vezes com inadequadas condições de habitação e abastecimento de água, o crescente trânsito de pessoas e cargas entre países, determinado pelo desenvolvimento dos meios de transporte e das relações econômicas no mundo globalizado, e as mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global, que influem no regime e duração das chuvas.

O Brasil, assim como muito dos países do continente americano, apresenta esses macrofatores determinantes para a proliferação do Aedes aegypti e a transmissão da dengue. De acordo com a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE –, a população brasileira dobrou entre os anos de 1970 e 2000: somente no período de 2000 a 2004, houve um incremento populacional de cerca de 10 milhões de habitantes. Outro aspecto importante é o fato de, atualmente, 81% dos brasileiros viverem em áreas urbanas.

Dados da Pesquisa Nacional de Saneamento (2000) evidenciam os problemas relativos ao abastecimento regular de água, com cerca de 18 milhões de pessoas vivendo em áreas urbanas sem acesso a água encanada, com intermitência do abastecimento sendo observada em 20% dos distritos pesquisados. A mesma pesquisa revela os graves problemas, ainda existentes, em relação ao destino inadequado do lixo: cerca de 63% de nossos Municípios usam os chamados 'lixões' para essa destinação. Outro aspecto de relação direta com a dengue está na concentração do lixo produzido no país: 32% dessa produção correspondem a 13 cidades com mais de um milhão de habitantes.

E por último, sem esgotar os demais macrofatores citados, a questão relacionada ao trânsito de pessoas também é importante para o Brasil por ser esse o meio de introdução de novos sorotipos virais, com a conseqüente ocorrência de epidemias. De acordo com estimativas da Organização Mundial do Turismo – OMT –, no período de 1990 a 2004, cerca de 21,1 milhões de turistas internacionais visitaram o Brasil; e a meta do governo federal, segundo o Plano Plurianual para o Turismo, era atingir o quantitativo de nove milhões de turistas estrangeiros tendo visitado o Brasil em 2007.2

Outros aspectos importantes, igualmente dificultadores para o efetivo controle desse agravo, são: a inexistência de uma vacina eficaz; a limitação dos atuais métodos de avaliação entomológica para a predição de ocorrência da transmissão de dengue; e a possibilidade da ocorrência de resistência do vetor aos inseticidas em uso.

Em 2002, diante da tendência de incremento da incidência e do elevado risco de aumento dos casos de febre hemorrágica da dengue, o Brasil lançou o Programa Nacional de Controle da Dengue – PNCD.3 O PNCD, que incorpora os princípios da gestão integrada, fundamenta-se em alguns aspectos essenciais, com destaque para:

1. a elaboração de programas permanentes, uma vez que não existe qualquer evidência técnica de erradicação do mosquito Aedes aegypti a curto prazo;

2. o desenvolvimento de campanhas de informação e mobilização das pessoas, de forma a estimular a maior responsabilização de cada família na manutenção de seu ambiente doméstico livre de potenciais criadouros do vetor;

3. o fortalecimento da vigilância epidemiológica e entomológica, para ampliar a capacidade de predição e detecção precoce de surtos da doença;

4. a melhoria da cobertura, qualidade e regularidade do trabalho de campo no combate ao vetor; 5. a integração das ações de controle da dengue na atenção básica;

6. a utilização de instrumentos legais que facilitem o trabalho do poder público na eliminação de criadouros em imóveis comerciais, casas abandonadas, etc.;

7. a atuação multissetorial, por meio do fomento à destinação adequada de resíduos sólidos e utilização de recipientes seguros para armazenagem de água; e

8. o desenvolvimento de instrumentos mais eficazes de acompanhamento e supervisão das ações desenvolvidas pelo Ministério da Saúde, Estados e Municípios.

Nestes cinco anos desde a implantação do PNCD, do esforço articulado do Ministério da Saúde com os Estados e Municípios, alguns progressos foram obtidos, particularmente no que diz respeito à consolidação e aperfeiçoamento das diretrizes programáticas e das estruturas locais dos programas de controle. Obviamente, a complexidade dos fatores que interferem na dinâmica de transmissão da dengue impõe novos desafios e procedimentos a serem implementados, para seu enfrentamento. Considerando-se a diversidade de componentes do PNCD, alguns avanços podem ser considerados relevantes:

- Financiamento sustentável das atividades de controle, com o repasse regular dos recursos financeiros para os fundos estaduais e municipais de saúde. Atualmente, com exceção da cidade de Manaus-AM, todos os Municípios com população acima de 100.000 habitantes encontram-se certificados para executar as atividades de controle.

- Desenvolvimento do Levantamento Rápido de Índice Entomológico do Aedes aegypti (LIRAa), um levantamento larvário amostral, feito em um período de tempo menor que o do método tradicional, capaz de identificar a densidade larvária e os criadouros preferenciais nos espaços intra-urbanos dos Municípios. Recentemente, foi demonstrado o papel do LIRAa como importante sinal de alerta e orientação aos responsáveis locais pelos programas de controle da dengue na adoção das medidas preventivas anteriores ao período de maior transmissão da doença.4

- Elaboração de estratégias integradas de controle da dengue envolvendo grandes Regiões Metropolitanas e capitais de Estados; foram elaborados – e aprovados nas respectivas Comissões Intergestores Bipartite – planos para as Regiões Metropolitanas de Belo Horizonte-MG, São Paulo-SP e Belém-PA.

- Atualização e disseminação de informações aos profissionais de saúde, para o adequado diagnóstico e conduta do paciente com dengue, por intermédio de protocolos clínicos padronizados e processos de capacitação.

- Iniciativa de alguns Municípios pela inserção da estratégia do Programa Saúde da Família – PSF – nas atividades de controle da dengue.5

- Ordenamento jurídico e amparo legal para orientar o trabalho dos agentes de saúde em imóveis fechados ou abandonados ou naqueles em que o proprietário recuse a visita.

- Campanhas de comunicação e mobilização da população com elaboração de pesquisa de opinião pública e mídia regionalizada.

Muito se questiona sobre a efetividade e satisfação com os resultados dessas ações empreendidas. Apesar dos esforços, ainda ocorrem epidemias e óbitos por dengue. Uma análise de impacto necessitaria de avaliações e estudos mais aprofundados. Uma avaliação pragmática, entretanto, que compare os cinco anos anteriores (1998- 2002) com os cinco anos posteriores (2002-2007) à implantação do PNCD apresenta-se a seguir:

- No período pós-PNCD, houve uma redução de 25% no total de casos notificados no país; note-se que, mesmo com essa redução, 2007 foi o segundo ano com maior número de notificações de dengue na história do país.

- Os casos de febre hemorrágica da dengue tiveram uma redução de 3% no período pós-PNCD.

- Os óbitos aumentaram 1,6 vezes no período após a implantação do Programa Nacional.

Cabe aqui uma reflexão: se esse grandioso esforço não tivesse sido realizado, poderíamos estar em situação pior? É bem provável.

Uma crítica óbvia a essa análise global é a de que a dengue em um país continental como o Brasil, com profundas diferenças sociais, culturais e de infra-estrutura e acesso a serviços, não reflete a gravidade das situações regionais e locais. Porém, esse tipo de análise tampouco valoriza os bons resultados obtidos.

Cabe destacar os bons exemplos daqueles Municípios que demonstraram capacidade para enfrentar essa questão. Belo Horizonte-MG, capital do Estado de Minas Gerais, mesmo sendo um centro populoso, com problemas típicos das grandes metrópoles como a violência e o abastecimento de água em sua periferia, a despeito de apresentar condições climáticas e ambientais propícias, não tem passado por epidemias de dengue nos últimos cinco anos. É mister lembrar que, nos últimos anos, observou-se uma intensa circulação viral nos Estados vizinhos e em Municípios do mesmo Estado de Minas Gerais.

Também é exemplar a capacidade de determinados Estados e Municípios em manter baixas taxas de letalidade, mesmo sob situação de aumento de transmissão e na ocorrência de casos graves. Certamente, um exemplo lapidar é o de Campo Grande, capital do Estado de Mato Grosso do Sul: passando por uma epidemia de grandes proporções em 2007, com uma taxa de incidência de 5.906 casos por 100.000 habitantes, o Município obteve uma baixíssima taxa de letalidade.

Com as condições socioambientais e climáticas do Brasil, estamos fadados a conviver com a ameaça da permanente exposição ao vírus da dengue. Isso não significa dizer que, necessariamente, teremos de conviver com epidemias e mortes pela doença. Alguns dos exemplos citados demonstraram a capacidade dos Municípios de responder adequadamente ao problema.

É bom recordar que não existe uma solução única, fácil, nem de baixo custo, para esse problema complexo. Alguns caminhos estão apontados. É recomendável que os bons exemplos sejam seguidos.

 

Referências bibliográficas

1. Prevención y control del dengue en las Américas: enfoque integrado y lecciones aprendidas [monografia en la Internet]. 27a. Conferencia Sanitaria Panamericana; 2007 oct. 1-5; Washington- DC: OPS; 2007. Disponible en: http://www.paho.org/spanish/gov/csp/csp27-15-s.pdf

2. World Tourism Organization. Tourism Market Trends, 2005 – International arrivals by country of destination – Annex 5 [data on the Internet]. Available from: http://unwto.org/facts/eng/pdf/indicators/ITA_ Americas.pdf

3. Fundação Nacional de Saúde. Programa Nacional de Controle da Dengue – PNCD. Brasília: Funasa; 2002.

4. Coelho GE. Relação entre o Índice de Infestação Predial (IIP), obtido pelo Levantamento Rápido (LIRAa), e intensidade de circulação do vírus dengue [dissertação de Mestrado]. Salvador: Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia; 2008.

5. Chiaravalloti Neto F, et al. Controle do dengue em uma área urbana do Brasil: avaliação do impacto do Programa Saúde da Família com relação ao programa tradicional de controle. Cadernos de Saúde Pública 2006;22(5): 987-997.

 

 

Endereço para correspondência:
Ministério da Saúde,
Secretaria de Vigilância em Saúde,
Programa Nacional de Controle da Dengue,
Esplanada dos Ministérios,
Bloco G, Edifício-Sede, Sobreloja, Sala 141,
Brasília-DF, Brasil.
CEP: 70058-900
E-mail:giovanini.coelho@saude.gov.br