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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.17 n.4 Brasília dic. 2008

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742008000400002 

ARTIGO ORIGINAL

 

Fatores associados ao uso e à satisfação com os serviços de saúde entre usuários do Sistema Único de Saúde na Região Metropolitana de Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, Brasil*

 

Associated factors to the use and the satisfaction with heath services among National Health System users in the Metropolitan Region of Belo Horizonte, state of Minas Gerais, Brazil

 

 

Maria Fernanda Lima-Costa; Antônio Ignácio de Loyola Filho

Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento, Centro de Pesquisa René Rachou, Fundação Oswaldo Cruz, Belo Horizonte-MG, Brasil. Universidade Federal de Minas Gerais – Centro Colaborador da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde em Epidemiologia do Envelhecimento e Saúde do Idoso –, Belo Horizonte-MG, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi determinar os fatores associados ao uso e à satisfação com os serviços de saúde entre usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), Estado de Minas Gerais, Brasil. Participaram 8.604 adultos, selecionados por amostra probabilística. Entre eles, 74% haviam tido uma ou mais consultas médicas no ano anterior e 68% recomendariam para outra pessoa a maioria dos profissionais ou serviços de saúde utilizados. Idade mais alta, sexo feminino e maior escolaridade apresentaram associações positivas e independentes com o uso e a satisfação com os serviços utilizados; outras características associadas a esses eventos foram hábitos de vida e condições de saúde. Algumas das associações observadas indicam um padrão inverso na lei de cuidados. Os resultados mostram que diferenças no uso e na satisfação com os serviços de saúde, observadas em populações aparentemente mais heterogêneas, reproduzem-se entre usuários do SUS na RMBH.

Palavras-chave: uso de serviços de saúde; satisfação com serviços de saúde; inquérito de saúde; Sistema Único de Saúde.


SUMMARY

The objective of this study was to examine factors associated with use and satisfaction with health services among National Health System (SUS) users in the Metropolitan Region of Belo Horizonte (RMBH), State of Minas Gerais, Brazil. A random sample of 8.604 adults participated. From them, 74% had one or more doctor visits in previous year and 68% would recommend the majority of the health professionals and services used. Older ages, female gender and higher formal education were positively and independently associated with use and satisfaction with the health services used; other characteristics associated with these outcomes were lifestyle and health status. Some of the above associations point out for the existence of the inverse care law. The results indicate that differences on use and satisfaction with health services, previously reported for more heterogeneous populations, are also observed among SUS users in the RMBH.

Key words: health services use; satisfaction with health services; health survey; National Health System of Brazil.


 

 

Introdução

Estudos têm mostrado que existem diferenças importantes nas condições de saúde e no uso de serviços de saúde entre usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), em comparação aos beneficiários da medicina suplementar.1,2 Na linha de base da coorte de idosos de Bambuí, Município do Estado de Minas Gerais (MG), por exemplo, observou-se que os primeiros, em comparação aos últimos, tinham uma pior auto-avaliação da saúde, apresentavam mais incapacidades, usavam menos medicamentos e consultavam médicos em menor freqüência.1 Outro estudo, conduzido na Região Metropolitana de Belo Horizonte-MG, capital do Estado, observou que os usuários do SUS possuíam hábitos menos saudáveis (fumavam mais, consumiam mais bebida alcoólica, praticavam menos exercícios e consumiam menos verduras, legumes ou frutas) e haviam sido submetidos a menos exames de rastreamento (medidas de pressão arterial, colesterol, mamografia, exame de Papanicolau e pesquisa de sangue oculto nas fezes), em comparação aos beneficiários da medicina suplementar. Além disso, os primeiros haviam recebido, com menor freqüência, aconselhamento médico sobre o consumo de álcool e cigarro, comparativamente aos últimos.2

Dados do suplemento de saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), realizada pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apresentaram, para o ano de 2003, uma prevalência de usuários exclusivos do SUS superior a 90% entre aqueles com renda domiciliar per capita mais baixa; entre os de renda mais alta, essa prevalência mostrou-se inferior a 30%.3 Os indivíduos situados no quintil inferior da distribuição da renda, segundo a mesma PNAD/IBGE, apresentavam piores condições de saúde, pior capacidade funcional e menor uso de serviços de saúde.3

Os estudos aqui mencionados foram realizados em populações heterogêneas, comparando-se usuários do SUS com os beneficiários da medicina suplementar, ou entre indivíduos com diferenças expressivas na renda domiciliar. Estudos de base populacional, investigando desigualdades em saúde, entre usuários do SUS são raros.

O objetivo do presente trabalho é examinar os fatores associados ao uso e à satisfação com os serviços de saúde entre adultos usuários exclusivos do SUS, residentes na Região Metropolitana de Belo Horizonte-MG (RMBH).

 

Metodologia

A RMBH é constituída por cerca de 20 Municípios, onde vivem 4,4 milhões de pessoas. O presente trabalho foi realizado em uma amostra representativa de adultos residentes na RMBH, com base em um inquérito conduzido entre os dias 1o de maio e 30 de julho de 2003. A coleta de dados para a pesquisa foi realizada mediante questionário suplementar à Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), periodicamente conduzida na RMBH. A PED/RMBH é realizada em uma grande amostra, circunscrita a 7.500 domicílios, abrangendo 24.000 moradores. A amostra foi delineada para produzir estimativas da população não institucionalizada, com dez ou mais anos de idade, residente nos Municípios da Região Metropolitana. Trata- se de uma amostra probabilística de conglomerados, estratificada em dois estágios. Os setores censitários do IBGE representam a unidade primária de seleção; a unidade amostral constitui-se no domicílio. As perdas estimadas para o cálculo amostral foram iguais a 20%. Dos 7.500 domicílios selecionados para a pesquisa, 5.922 (79,0%) participaram. A distribuição por sexo e idade dos participantes do inquérito ora apresentado foi semelhante à observada para a população da RMBH no censo demográfico de 2000, conduzido pelo IBGE. Maiores detalhes podem ser vistos em publicação anterior.4 Para este trabalho, foram selecionados todos os participantes da PED/RMBH com 20 ou mais anos de idade e que não possuíam cobertura pela medicina suplementar.

As variáveis dependentes deste estudo foram: (1) número de consultas médicas realizadas nos últimos 12 meses (considerado como indicador do uso de serviços de saúde); e (2) recomendação para outra pessoa da atenção à saúde recebida (considerada como indicador de satisfação com os serviços utilizados). A informação sobre o número de consultas médicas foi obtida mediante a pergunta: "Nos últimos 12 meses, quantas vezes você consultou um médico?". A resposta foi estratificada em três níveis: nenhuma; uma a duas; e três ou mais consultas. A recomendação para outra pessoa da atenção à saúde recebida, por sua vez, foi determinada pela seguinte pergunta: "Você recomendaria para outra pessoa os médicos, profissionais ou serviços de saúde utilizados nos últimos 12 meses?". A resposta foi codificada em três níveis: não recomendaria; recomendaria alguns ou pelo menos a metade; e recomendaria todos ou a maioria deles.

As variáveis independentes do estudo incluíram: (1) características sócio-demográficas; (2) indicadores das condições de saúde; e (3) estilos de vida relacionados à saúde. Entre as características sócio-demográficas, considerou-se a idade, o sexo, o Município de residência na RMBH, o estado conjugal e a escolaridade. Entre os indicadores das condições de saúde, foram considerados a auto-avaliação da saúde e o número de condições crônicas – este, baseado na história de diagnóstico médico anterior para artrite/ reumatismo, hipertensão, asma/bronquite, diabete, angina, infarto, outra doença do coração, derrame, doença renal crônica, doença da coluna/costas e depressão. Entre os estilos de vida, foram incluídos: consumo atual de cigarros (considerou-se tabagista atual aquele que já havia fumado pelo menos 100 cigarros durante a vida e continuava a fumar); consumo episódico excessivo de álcool (ingestão de cinco ou mais drinques de bebidas alcoólicas em uma única ocasião, nos últimos 30 dias); atividades físicas nos períodos de lazer (freqüência semanal de exercícios por 20-30 minutos nos períodos de lazer, nos últimos 90 dias); e consumo de verduras, legumes ou frutas (cinco ou mais porções diárias, nos últimos 30 dias). Além das variáveis aqui relacionadas, foi considerada a satisfação com o peso atual.

A análise univariada baseou-se no teste do qui-quadrado de Pearson; e a análise multivariada, por sua vez, em odds ratios estimadas pelo método de regressão logística multinomial.5 Todas as variáveis consideradas neste trabalho foram incluídas, uma a uma, nos modelos logísticos iniciais; aquelas que permaneceram associadas com a variável dependente em nível inferior a 0,05 foram mantidas no modelo final. As análises foram realizadas utilizando-se os procedimentos do programa Stata versão 9.1 (Stata Corporation, College Station, Texas) para inquéritos populacionais.

Considerações éticas

O inquérito de saúde da Região Metropolitana de Belo Horizonte-MG foi aprovado pelo Comitê de Ética do Instituto de Pesquisas René Rachou da Fundação Oswaldo Cruz, Belo Horizonte-MG.

 

Resultados

Entre os 13.701 participantes do inquérito de saúde da RMBH com 20 ou mais anos de idade, 8.604 (62,8%) não possuíam cobertura pela medicina suplementar e foram considerados usuários exclusivos do SUS. Destes, 8.505 (98,9%) participaram da análise dos fatores associados ao uso dos serviços de saúde e 5.659 (89,7% dos que haviam consultado um médico nos 12 meses precedentes) participaram da análise dos fatores associados à satisfação com esses serviços. Entre os participantes, a média da idade foi de 39,2 anos, com predomínio do sexo feminino (53,0%) e baixa escolaridade (67,4% possuíam até o Primeiro Grau completo), como se pode ver na Tabela 1.

 

 

A distribuição do número de consultas médicas nos últimos 12 meses foi a seguinte: 25,8% relataram não ter consultado um médico; 44,1% relataram ter tido uma ou duas consultas; e 29,7%, três ou mais consultas médicas no período considerado. Entre os que afirmaram ter utilizado serviços de saúde nos últimos 12 meses, 11,0% não recomendariam os médicos, profissionais ou serviços de saúde utilizados, 20.6% recomendariam alguns ou pelo menos a metade e 68,4% recomendariam todos ou a maioria deles.

Na Tabela 2, são apresentados os resultados da análise univariada da associação entre características sócio-demográficas, número de consultas médicas nos últimos 12 meses e recomendação para outra pessoa da atenção à saúde recebida. Idade, sexo, Município de residência, estado conjugal e escolaridade apresentaram associações estatisticamente significantes com o número de consultas médicas. Idade, sexo, Município de residência e escolaridade apresentaram associação com a recomendação para outra pessoa dos profissionais ou serviços de saúde utilizados.

 

 

Os resultados da análise univariada da associação entre indicadores das condições de saúde, estilos de vida, número de consultas médicas nos últimos 12 meses e recomendação para outra pessoa da atenção à saúde recebida estão apresentados na Tabela 3. Associações significantes com o número de consultas médicas foram observadas para auto-avaliação da saúde, número de doenças crônicas, tabagismo atual, consumo episódico excessivo de álcool nos últimos 30 dias, percepção de estar acima do peso e freqüência de exercícios físicos durante os momentos de lazer nos últimos 90 dias. Associações significantes com a recomendação para outra pessoa da atenção à saúde recebida foram encontradas para auto-avaliação da saúde, tabagismo atual, consumo episódico excessivo de álcool, consumo diário de cinco ou mais porções de verduras, legumes ou frutas e freqüência de exercícios físicos durante os períodos de lazer.

 

 

Os resultados finais da análise multivariada dos fatores associados ao número de consultas médicas nos últimos 12 meses estão apresentados na Tabela 4. As seguintes associações positivas e independentes com 1-2 e 3 ou mais consultas, em comparação a não ter tido consultas médicas, foram observadas: sexo feminino; ser casado; pior auto-avaliação da saúde (razoável; ruim ou muito ruim); e número de doenças crônicas (1-2 e 3 ou mais). Quando comparadas à faixa etária de 20-29 anos, todas as demais apresentaram associações positivas e independentes com 1-2 consultas; somente a faixa etária de 60 ou mais anos apresentou associação significante com 3 ou mais consultas médicas. A residência no Município de Belo Horizonte-MG apresentou associação positiva com 1-2 consultas; porém, não com 3 ou mais. A maior escolaridade (Segundo Grau e escolaridade superior completos) apresentou associação positiva e independente com 1-2 e 3 ou mais consultas; somente a escolaridade superior apresentou associação com 3 ou mais consultas. A percepção de se encontrar acima do peso esteve associada a 3 ou mais consultas, mas não a 1-2. Associação negativa e independente com 1-2 e 3 ou mais consultas foi observada para tabagismo atual; e associação negativa com 3 ou mais consultas, para consumo episódico excessivo de álcool.

 

 

Na Tabela 5, encontram-se os resultados finais da análise multivariada dos fatores associados com a recomendação para outra pessoa dos profissionais e serviços de saúde utilizados. Em comparação aos que não recomendariam os profissionais e serviços de saúde utilizados nos últimos 12 meses, associações positivas e independentes com a recomendação de alguns profissionais ou serviços de saúde foram observadas para faixa etária (todas as faixas etárias, comparativamente à faixa etária mais jovem), sexo feminino, residência no Município de Belo Horizonte-MG, escolaridade superior e consumo diário de cinco ou mais porções de verduras, legumes ou frutas; associações negativas, por sua vez, foram observadas para auto-avaliação da saúde como ruim ou muito ruim e para tabagismo atual. Com relação à recomendação da maioria ou de todos os profissionais ou serviços de saúde utilizados, associações positivas e independentes foram observadas para faixa etária, sexo feminino, residência no Município de Belo Horizonte-MG, escolaridade superior e consumo diário de verduras, legumes ou frutas; associações negativas foram encontradas para percepção da saúde como razoável e ruim ou muito ruim e para tabagismo atual.

 

 

 

Discussão

Os resultados deste trabalho mostraram que 74% dos adultos usuários exclusivos do SUS residentes na RMBH tiveram pelo menos uma consulta médica nos 12 meses precedentes e que, entre eles, 68% recomendariam a maioria ou todos os serviços e profissionais de saúde envolvidos em seu atendimento. Os fatores associados ao uso de serviços de saúde e sua satisfação com eles compreenderam características sócio-demográficas, estilos de vida relacionados à saúde e indicadores das condições de saúde.

Estudos conduzidos no Brasil e em outros países mostraram que a idade e o sexo são as características demográficas mais consistentemente associadas ao uso de serviços de saúde. O uso desses serviços aumenta com a idade, em razão do aumento da incidência e da prevalência de doenças crônicas e de incapacidades; também é maior no sexo feminino, independentemente da idade, situação socioeconômica e condição de saúde.6-11 Com referência às diferenças de gênero, uma das hipóteses para explicar o maior uso de serviços de saúde pelas mulheres é que ele seria mais influenciado por fatores externos à condição de saúde, comparativamente ao uso pelos homens. Estudo australiano recente, entretanto, não confirmou essa hipótese.12 No presente trabalho, a idade e o sexo apresentaram associações independentes com o número de consultas médicas, embora algumas diferenças nessa associação fossem observadas. A associação com o sexo foi mais forte para maior número de consultas médicas (3 ou mais consultas) do que para menor número de consultas (1-2 consultas). A faixa etária idosa apresentou associação positiva e independente, tanto para menor quanto para maior número de consultas médicas, ao passo que as demais faixas etárias apresentaram associações com menor número de consultas médicas. Esse resultado é coerente com a maior necessidade de uso de serviços de saúde entre idosos, resultando em maior número de consultas médicas. A título de exemplo, a média anual do número de consultas médicas na RMBH entre idosos (60 ou mais anos de idade) usuários do SUS foi igual a 4,66, ao passo que entre os mais jovens (20-59 anos), a média correspondente foi de 2,49 (dados não apresentados).

No presente trabalho, observou-se uma associação independente entre residir no Município de Belo Horizonte-MG e maior freqüência de uma ou duas consultas médicas, mas essa associação não foi observada para número maior de consultas. Isso reflete, possivelmente, maior oferta dos serviços públicos de saúde no Município, comparativamente à dos demais – que compõem a RMBH –, onde existe maior heterogeneidade. A ausência de associação com maior número de consultas e Município de residência sugere que essa heterogeneidade não se reflete naqueles que necessitam de maior uso de serviços de saúde.

A associação entre estado conjugal e uso dos serviços é controversa. Estudo desenvolvido na Holanda mostrou uma associação entre maior uso de serviços de saúde e ser viúvo ou divorciado, independentemente de diversos fatores de confusão.13 Outro estudo, realizado na Noruega e na Finlândia, já não encontrou associação entre uso de serviços de saúde e estado conjugal.14 Esta associação foi observada tanto para menor quanto para maior número de consultas, e persistiu após ajustamentos por características sócio-demográficas, condições de saúde e estilos de vida. São necessários, portanto, estudos mais profundos sobre diferentes locais e culturas, para um melhor entendimento da associação entre estado conjugal e uso de serviços de saúde.

A situação socioeconômica e/ou a escolaridade são importantes determinantes do uso de serviços de saúde3,15,16 e estão fortemente associadas à cobertura por medicina suplementar no Brasil.1,3,17 Dessa forma, espera-se que, entre os usuários do SUS, predomine a baixa escolaridade e/ou a baixa renda. No presente trabalho, conduzido entre usuários exclusivos do SUS, houve uma nítida predominância de indivíduos que possuiam somente até o Primeiro Grau completo (67%). Entretanto, observou-se que, mesmo nessa população aparentemente homogênea, a escolaridade influenciou o uso de serviços de saúde.

A auto-avaliação da saúde é um dos indicadores mais usados para determinar as condições de saúde de uma população. Ela reflete uma percepção integrada do indivíduo, que inclui as dimensões biológica, psicossocial e social, e, ademais, prediz, de forma consistente, a mortalidade e o declínio funcional.18 Estudo brasileiro recente mostrou que a estrutura da auto-avaliação da saúde entre idosos assemelha-se à definição de saúde como "bem estar físico, mental e social", adotada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).19 Diversos estudos têm mostrado que a pior auto-avaliação da saúde está associada com o acesso20 e uso dos serviços em diferentes locais e culturas.19,21,22 Como é de se esperar, o número de doenças ou condições crônicas é um outro fator consistentemente descrito como associado ao uso de serviços de saúde. 23 Neste estudo, tanto a auto-avaliação da saúde como o número de doenças crônicas auto-referidas apresentaram associações independentes com ter tido uma ou duas e três ou mais consultas médicas no ano precedente. A persistência da associação entre pior auto-avaliação da saúde e uso de serviços de saúde, mesmo após ajustamentos por número de doenças e condições crônicas, sugere que outros fatores, além da saúde física, são determinantes do uso de serviços de saúde na população estudada.

Diversos trabalhos têm mostrado que indivíduos obesos – ou que perderam peso recentemente – utilizam mais serviços de saúde.24-27 Com relação ao consumo de cigarros, pesquisa recente, realizada nos Estados Unidos da América mostrou associação do tabagismo com o número de visitas a médicos especialistas e hospitalizações mas não com o número de consultas a médicos generalistas.27 Ainda com relação a estilos de vida, diversos trabalhos têm mostrado que indivíduos abstêmios utilizam mais serviços de saúde.28-30 Essa associação pode ser explicada, parcialmente, por piores condições de saúde entre abstêmios.29 Os resultados do presente trabalho são coerentes com essas observações, uma vez que foram encontradas associações positivas entre maior número de consultas médicas, percepção de estar acima do peso e consumo episódico excessivo de álcool. Adicionalmente, observou- se uma associação negativa entre tabagismo atual e 1-2 e 3 ou mais consultas médicas. Ressalte-se que esta última associação indica um padrão inverso na lei de cuidados,31 ou seja, os tabagistas foram aqueles que tiveram menos consultas médicas no período considerado.

Com relação à satisfação do usuário com a atenção à saúde recebida, estudos epidemiológicos sobre o tema ainda são raros no Brasil. Um trabalho conduzido no Estado do Ceará, mostrou que as características determinantes dessa satisfação incluíam conseguir marcar a consulta, sentir-se melhor após a mesma e condição urbana/rural do distrito de residência.32 Um outro estudo, baseado em uma amostra da população brasileira incluída no Inquérito Mundial de Saúde da OMS, mostrou que ter sofrido algum tipo de discriminação e ser usuário do SUS estavam relacionados a um menor grau de satisfação.33 No presente trabalho, a satisfação com os serviços e profissionais de saúde foi aferida por meio da recomendação para outra pessoa da atenção recebida. Os resultados mostraram maior satisfação em todas as idades, em comparação à faixa etária mais jovem, entre as mulheres, entre os residentes no Município de Belo Horizonte-MG, entre aqueles com escolaridade superior e entre aqueles que consomiam mais quantidade de verduras, legumes ou frutas. Por outro lado, a satisfação foi menor entre os que tinham uma pior percepção da própria saúde e entre os fumantes atuais.

Os resultados deste trabalho mostraram que idade mais alta, sexo feminino e escolaridade superior foram características independentemente associadas ao maior uso e à maior satisfação com os profissionais e serviços de saúde utilizados. Outras características associadas ao uso ou à satisfação com esses serviços foram estilos de vida e condições de saúde. Algumas das associações observadas indicam um padrão inverso na lei de cuidados; ou seja, aqueles com escolaridade mais baixa, estilos de vida prejudiciais à saúde ou pior auto-avaliação da saúde tiveram menos consultas médica e/ou recomendaram menos os profissionais e serviços por eles usados. Os resultados deste trabalho, finalmente, indicam que diferenças no uso e na satisfação com os serviços de saúde observadas em populações aparentemente mais heterogêneas reproduzem-se entre os usuários do Sistema Único de Saúde na Região Metropolitana de Belo Horizonte-MG.

 

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Endereço para correspondência:
Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento,
Fundação Oswaldo Cruz,
Av. Augusto de Lima, 1715, Sala 601,
Belo Horizonte-MG, Brasil.
CEP: 30190-003
E-mail:costa@cpqrr.fiocruz.br

Recebido em 20/08/2007
Aprovado em 16/04/2008

 

 

* Pesquisa financiada com recursos do Fundo Nacional de Saúde. A autora Maria Fernanda Lima-Costa é pesquisadora-bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Ministério da Ciência e Tecnologia.