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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.17 n.4 Brasília dic. 2008

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742008000400004 

ARTIGO ORIGINAL

 

A mortalidade de idosos no Brasil: a questão das causas mal definidas

 

Brazilian mortality of elderly persons: the question about ill-defined underlying causes of death

 

 

Maria Helena P. de Mello JorgeI; Ruy LaurentiI; Maria Fernanda Lima-CostaII; Sabina Léa Davidson GotliebI; Alexandre Dias Porto Chiavegatto FilhoIII

IDepartamento de Epidemiologia, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo-SP, Brasil
IINúcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento, Fundação Oswaldo Cruz, Universidade Federal de Minas Gerais – Centro Colaborador da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde em Epidemiologia do Envelhecimento e Saúde do Idoso –, Belo Horizonte-MG, Brasil
III Pós-graduando – Doutorado – do Departamento de Epidemiologia, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo-SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O envelhecimento populacional é um fato marcante da transição demográfica. O estudo das causas básicas em idosos permite visualizar seu perfil epidemiológico, embora possa ser prejudicado pela alta proporção de causas mal definidas. O objetivo deste trabalho é descrever a mortalidade dos idosos por essas causas no Brasil. A fonte dos dados foi o Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde. Entre as variáveis, a principal modalidade foi a causa básica mal definida [Capítulo XVIII da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – Décima Revisão (CID-10)]. O decréscimo desses óbitos em idosos foi de 35% entre 1996 e 2005. Considerando os óbitos de 60 a 69 anos e os de 80 e mais anos, as proporções de mal definidos aumentaram em 9,9% e 14,8%, respectivamente, no ano de 2005. Métodos visando a sua diminuição são sugeridos, salientando-se que o fato mais importante é o de os médicos preencherem adequadamente as declarações de óbito – com as reais causas básicas, conseqüenciais e terminais –, objetivo maior dos estudiosos.

Palavras-chave: envelhecimento; causas de morte; declaração de óbito; epidemiologia.


SUMMARY

The study of mortality of elderly persons according to underlying causes permits the understanding of their epidemiological profile; but there is a large proportion of ill-defined causes. The objective of this work is to describe the Brazilian elderly mortality according to ill-defined underlying causes. Data source was the System of Information on Mortality of the Ministry of Health. Among variables, the ill-defined underlying cause of death was the main one [Chapter XVIII, International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems – 10th Revision (ICD-10)]. There was a 35% decrease in the occurrence of them observing the elderly deaths, from 1996 to 2005. An increase on the ratios (ill-defined/all deaths) was detected in 2005 from the deaths of 60 to 69 years to the deaths of 80 and more years: 9.9% and 14.8%, respectively. Methodologies to diminish these proportions are suggested; however, the most relevant factor is an adequate report by the physicians of the actual causes of death – underlying, associated and complications – in the death certificates.

Key words: aging; cause of death; death certificate; epidemiology.


 

 

Introdução

O rápido envelhecimento populacional é a mudança demográfica mais marcante observada em países em desenvolvimento, a partir da segunda metade do século XX. Esse fenômeno, inicialmente observado em países mais desenvolvidos, assume, naqueles, uma velocidade sem precedentes na história da humanidade. O Brasil não foge a essa regra, destacando-se em três aspectos: o envelhecimento de sua população tem sido gradual e contínuo; o segmento idoso é o que mais cresce no país; e o número absoluto de idosos se apresenta com valores elevados, constituindo-se na sexta maior população idosa do mundo.1 Tais características conduzem a importantes repercussões na demanda aos serviços de atenção e assistência à saúde.

Acompanhando a evolução temporal, no Brasil, nota-se que esse crescimento apresentou comportamento interessante: em 1980, a proporção de idosos (definidos como adultos de 60 anos de idade e mais) foi igual a 6,1% (7.204.517 habitantes); já no Censo de 1991, passaram a ser 10.722.705 idosos (7,3%); e em 2000, o Censo mostrou uma proporção de 8,6% (14.536.029 idosos). A estimativa para 2005 foi de 16.907.782 idosos; ou seja, em 25 anos, esse estrato mais do que dobrou seu tamanho.2,3

É digno de nota que o aumento dessa população vem ocorrendo de forma mais acentuada no segmento dos mais velhos. Entre os censos de 1991 e 2000, a população de 60 a 69 anos de idade aumentou 28%, ao passo que, para os de 70 a 79 e 80 anos e mais, esse crescimento foi de 42% e 62%, respectivamente.4,5 É possível verificar, outrossim, que a esperança de vida no país elevou-se de 66,9 anos, em 1991, para 72,1 anos, em 2005, com maior sobrevida para as mulheres; e que a vida média aos 60 anos cresceu 20,9 anos no período.3

Resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram tendências positivas nas condições de saúde e no uso de serviços de saúde pela população idosa brasileira. Entre 1998 e 2003, diminuiu a prevalência dos que haviam estado acamados, melhoraram a auto-avaliação da saúde e a capacidade funcional e aumentou o número de consultas médicas.6 O IBGE, na Síntese de Indicadores Sociais 2007,7 mostra um Brasil com melhores condições de vida, embora de forma desigual para os dois extremos etários, com mais avanços para os idosos do que para crianças, adolescentes e jovens, levando a crer que o país consegue oferecer mais saúde aos mais velhos. Para dar conta dessas necessidades, as autoridades sanitárias precisam conhecer o real perfil epidemiológico desse estrato populacional.

Com a municipalização das ações de saúde, os gestores municipais de saúde vêem-se na contingência de atender a uma grande e crescente demanda de idosos, nos vários enfoques de saúde e bem-estar. Lima-Costa e colaboradores2 comentam que as informações sobre a saúde da população idosa e suas demandas por serviços médicos e sociais são fundamentais para o planejamento da assistência e promoção da saúde; e que, apropriadamente, as atuais condições de saúde dessa população são pouco conhecidas no Brasil. Estudos epidemiológicos de base populacional, que analisam idosos residentes na comunidade, forneceriam essa informação; porém, não são muito comuns no país. Entre eles, sobressaem-se os de Ramos,8 Veras,9 Ramos e colaboradores,10,11 Coelho Filho e Ramos,12 Lima-Costa e colaboradores13 e Lebrão e Duarte.14

As estatísticas de mortalidade são as mais utilizadas, mundialmente, enquanto fontes de dados para a avaliação de saúde como um todo ou em estratos populacionais – como no presente caso, de idosos. A proporção de mortes de 60 anos de idade e mais, entre os óbitos totais no Brasil, elevou-se de 52,6%, em 1996, para 58,6%, em 2005.

Quando se usa a mortalidade por causas para avaliar a saúde da população idosa, há de se considerar que essa avaliação pode estar comprometida, caso exista uma elevada proporção de óbitos por causas mal definidas. No país, a maior quantidade de óbitos mal definidos concentra-se na faixa de 60 de idade e mais; isto é, representa 67,2% das mortes por causas mal definidas, segundo dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM) referentes a 2005.15 Uma das explicações para a maior proporção de óbitos por causas mal definidas é a dificuldade em se estabelecer a causa básica do óbito nos idosos. Esta, provavelmente, é conseqüência da presença de múltiplas doenças no idoso e da influência da idade na expressão clínica de sinais e sintomas para o diagnóstico correto da causa básica do óbito.16,17 Em 2000, o coeficiente de mortalidade classificado como 'Sem assistência médica' aumentou de 13,5 por 100.000 habitantes de 20 a 59 anos de idade para 109,7/100 mil hab. de 60 a 69 anos, 297,4/100 mil hab. de 70 a 79 anos e 123,1/100 mil habitantes de 80 anos de idade e mais. Os riscos relativos para as mortes sem assistência médica foram substancialmente maiores nas três faixas etárias idosas, comparativamente àquele associado com a mortalidade por todas as causas, caracterizando um excesso de mortalidade.18

Reduzir a proporção de óbitos por causas mal definidas em idosos é importante porque permitirá o estabelecimento de um perfil de mortalidade desse estrato populacional muito mais próximo da realidade; e, também, a redução da proporção de causas mal definidas para o país como um todo, já que a faixa etária idosa concentra a maior parte dos óbitos sem causa estabelecida, como já foi mencionado.

Os objetivos deste trabalho são (i) descrever a tendência, as faixas etárias, a assistência médica, o local de ocorrência, o médico que atestou e as causas básicas das mortes de idosos no Brasil, com ênfase nas causas mal definidas, e (ii) discutir possíveis formas e metodologias que visem à redução dessas causas.

 

Metodologia

A população de estudo foi obtida do banco de dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde – SIM –, que apresenta os óbitos do país, de Estados e Municípios, segundo sexo, idade e demais variáveis constantes na declaração de óbito (DO). Estudou-se, particularmente, a causa básica da morte, com interesse especial nas causas mal definidas (MD), contidas no Capítulo XVIII da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – Décima Revisão (CID-10) –, que incluem as 'Sem assistência médica'.19

A análise foi feita de acordo com sexo, idade, assistência médica durante a doença que levou à morte, local de ocorrência do óbito e qualidade do médico que forneceu a DO no período de 1996 a 2005, além, evidentemente, de um possível detalhamento da causa básica de morte.

Considerações éticas

O estudo utilizou o banco de dados do SIM, sem identificação nominal, de domínio público, razão pela qual não houve necessidade de submissão a um comitê de ética.

 

Resultados

Tendência no período

No Brasil, as proporções de óbitos por causas MD mostram reduções relevantes entre 1996 e 2005: de 15,1 para 10,4%, em todas as idades; e de 18,2 para 11,9%, em idosos de 60 anos e mais. O decréscimo dos óbitos por causas MD, para todas as idades, foi de 31%, enquanto nos idosos, foi um pouco maior, de cerca de 35% (Figura 1). Verificam-se, no período, decréscimos maiores das mortes por causas MD entre os óbitos gerais, de 137.039 para 104.455 (23,8%), em comparação com os óbitos dos idosos (de 86.893 para 70.240), com valor relativo igual a 19,2%. Nas Regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, os valores são mais baixos, embora no Norte e no Nordeste, a situação ainda seja muito preocupante, na medida em que os dados evidenciam valores acima de 20%. No que tange à distribuição pelas unidades da Federação (UF), no ano 2000, 15 Estados apresentavam proporções equivalentes a 20% ou mais; em alguns deles, o valor ultrapassava os 40%. Em 2005, observa-se que apenas sete UF (incluída a Bahia) apresentavam essa proporção entre 20 e 30% (Figura 2).

 

 

 

 

Faixas etárias

Ao se analisarem as freqüências das mortes nos idosos por causas MD, de acordo com as idades, verifica-se que as proporções aumentam dos óbitos de 60 a 69 anos para os de 80 anos e mais, variando entre 9,9 e 14,8%. De 1996 a 2005, os decréscimos foram de 28,8%, 39,3% e 37%, respectivamente para as mortes de 60 a 69, 70 a 79 anos e 80 anos e mais de idade (Tabela 1), com declínio relativo menor entre os menos idosos.

 

 

Assistência médica

Quanto à variável 'Assistência médica' e suas modalidades, nota-se que, de 2000 a 2005, em mais de 75% dos casos, havia sido preenchida a categoria 'Ignorada' ou nenhuma delas estava assinalada. Essa constatação revela o quanto há por ser feito, todavia, quando se objetiva declarações de óbito completas e corretas.

É relevante salientar que, em cerca de 8% das DO, havia-se preenchido que o falecido recebera assistência médica na doença que o levou à morte. Esse é um prenúncio de que a qualidade da informação pode e deve ser melhorada, na medida em que, havendo assistência médica, a causa da morte não pode ser mal definida (Tabela 2).

 

 

Local do óbito

Considerando-se o local de ocorrência dos óbitos MD dos idosos, destaca-se a categoria 'Domicílio' em proporções superiores a 70%, chegando a 77% entre 1996 e 2005. Mortes ocorridas em 'Hospital' variaram entre 15 e 23%, ao ser acrescida a categoria 'Outros estabelecimentos de saúde'. Quanto ao preenchimento do local, é de se destacar que, nos últimos anos, a ausência de informação não chegou a 2% das DO.

Os dados de 2005 mostram que em 16.513 óbitos – 23,8% das mortes por causas MD em idosos –, a causa básica poder-se-ia encontrar mais bem definida. Se os óbitos ocorreram em hospital, algum tratamento foi ministrado e, portanto, a causa básica poderia, ao menos, corresponder à hipótese diagnóstica que os médicos formularam em relação a esses pacientes (Tabela 3).

 

 

Médico atestante

Ao se considerar o conjunto de óbitos por todas as causas, em 43,8% desse total, a DO encontrava-se assinada pelo médico que tratou da pessoa que morreu (Tabela 4). Quando a causa era mal definida, essa proporção decrescia para 15,2%; ressalte-se, contudo, que em 55,8% dos casos, nenhuma modalidade estava preenchida.

 

 

Causas básicas da morte

Em 2005, no Brasil, a proporção de óbitos MD em idosos (11,9%) foi suplantada tão-somente pelas mortes cujas causas básicas eram doenças do aparelho circulatório (36,5%), neoplasias (16%) e doenças do aparelho respiratório (12,6%). É relevante, também, analisar a distribuição dessas mortes por causas MD, de acordo com categorias do Capítulo XVIII da CID-10, pois o comportamento das mortes por senilidade, sem assistência médica e demais causas, mostra aspectos interessantes (Tabela 5). As mortes por senilidade foram pouco freqüentes em 2005 (3,8%), como em anos anteriores (3% em 1996; 2,5% em 1999; e 2,8% em 2003). Não obstante, é mister ressaltar que, ao estudar esse grupo de causas segundo idade, a proporção aumenta dos idosos mais novos para os mais velhos. A senilidade, por disposição da 10a Revisão da CID-10,19 não deve ser considerada como causa básica da morte, salvo quando constitua o único diagnóstico informado pelo médico na DO. Essa questão vem sendo discutida internacionalmente, entre os que trabalham com mortalidade, haja vista que, para muitos, a senilidade pode ser causa de morte.

 

 

As freqüências dos óbitos 'Sem assistência médica' (SAM), a partir de 1996, reduziram-se continuamente. Assim, de 59.237 casos em 1996, passaram a 35.329 óbitos em 2005, ocasionando redução na proporção SAM/total de óbitos de 60 anos e mais de idade (cerca de 50%). A análise desses casos segundo local da ocorrência da morte permite observar que, das mortes em domicílio, 65% foram consideradas SAM, enquanto dos falecimentos em estabelecimentos de saúde, apenas 7,3% assim se apresentaram.

 

Discussão

A utilização dos dados de mortalidade de idosos segundo causa básica permitiria visualizar o perfil epidemiológico desse estrato populacional; entretanto, seu conjunto encontra-se bastante prejudicado, em função da presença de grande proporção de mal definidos. Para Britton,16 conforme já salientado, a elevada proporção de causas mal definidas pode decorrer da maior dificuldade em selecionar a verdadeira causa básica da morte dos idosos. Ao envelhecerem, eles passam a apresentar, concomitantemente, várias morbidades crônico-degenerativas, como neoplasias, hipertensão, diabetes e outras doenças do aparelho circulatório, daí a decisão sobre a real causa básica tornar-se bem mais complexa.

Ainda que, no Brasil, essa proporção entre os óbitos de idosos venha decrescendo – de 1996 a 2005 –, o valor de 11,9% em 2005 pode ser considerado alto, a despeito de sua redução ter sido superior à dos óbitos MD em todas as idades. Uma possível explicação estaria na grande maioria (cerca de 70%) dos óbitos de idosos ter ocorrido em domicílio; porém, quando se deseja analisar esse fato em conjunto com o de ter tido ou não assistência médica, isso não é possível, em razão da elevada proporção da informação 'Ignorada'.

O conhecimento da distribuição das mortes segundo a variável 'Assistência médica' e suas modalidades – 'Sim'; 'Não'; e 'Ignorada' – poderia trazer explicações interessantes ao tema, na dependência do preenchimento do item 45 da DO. É de se ressaltar, todavia, que a Declaração de Óbito continua sendo muito mal preenchida, a ponto de suscitar dúvidas sobre sua informação representar qualquer subsídio para uma análise adequada e precisa.

Há de se referir que nem todos os médicos têm o mesmo entendimento do que seja 'Assistência médica'. Para muitos deles, trata-se da "assistência médica no momento da morte" e não da menção de uma situação 'Sem assistência médica na doença que levou à morte', conforme preconiza o Ministério da Saúde na própria DO.20 Não haver assistência médica no momento da morte, para esses médicos, poderia equivaler a "Sem assistência médica", mesmo que tenha havido hospitalização anterior, com prestação de toda assistência possível. Apesar desse erro de interpretação do profissional responsável pelo preenchimento da DO, a proporção de óbitos com a anotação de que não houve assistência médica vem decrescendo entre os óbitos de 60 anos de idade e mais no país.

Entretanto, admitir que os óbitos classificados como 'Sem assistência médica' (código R98 da CID-10) reflitam a falta de acesso dos idosos aos serviços de saúde pode significar a existência de discriminação na assistência prestada ao idoso, ao menos no momento do óbito.20 E esse fato poder-se-ia confirmar, tão-somente, mediante investigação que incluísse visita domiciliária à família.

A experiência dos que trabalham com resultados de investigações e empregam várias metodologias para avaliar a qualidade dos dados mostra que a grande maioria das mortes por causas MD deve-se à maneira equivocada com que o médico preenche a DO. Às vezes, casos muito bem diagnosticados (e com diagnósticos bem definidos) são declarados usando-se termos vagos ou mal definidos, tais como "parada cardíaca", "insuficiência de múltiplos órgãos", "falência de múltiplos órgãos", "parada cardiorrespiratória", "coma" e outros similares, os quais, por força de regras de codificação, são classificados no Capítulo XVIII da CID-10.

Esse fato, associado aos resultados deste trabalho (mais de 20% das mortes de idosos por causas MD ocorreram em hospital ou outro estabelecimento de saúde; 15% das DO foram assinadas pelo médico que tratou do falecido), levam à idéia de que o investimento na melhoria da qualidade da informação da causa da morte pode e deve se voltar para esses casos pautados pela imprecisão.

O conhecimento mais próximo da realidade quanto às causas de morte de idosos no Brasil, com o objetivo de avaliar adequadamente o perfil epidemiológico desse grupo etário, deve se valer de outros métodos, mais completos, e não somente utilizar a DO. Aqui se apresentam algumas metodologias possíveis de serem adotadas, visando esclarecer as causas mal definidas em idosos. Além de permitir vislumbrar um panorama mais real sobre a saúde desse estrato populacional, as sugestões a seguir contribuiriam para a diminuição da proporção das causas mal definidas em geral, que, atualmente, conforme já foi mencionado neste relato, representa praticamente 70% do total dessas mortes.

Sugestões visando à redução das causas mal definidas

É importante repetir que, entre as mortes por causas mal definidas, estão incluídos tanto os casos que tiveram assistência médica e para os quais não foi possível determinar a causa básica da morte – ou o médico simplesmente preencheu a DO de forma equivocada, registrando um sinal ou sintoma e não a causa básica que levou à morte –, quanto aqueles em que a assistência médica inexistiu.

Redistribuição das mortes por causas mal definidas

Em áreas onde a proporção de óbitos por causas mal definidas é elevada, alguns pesquisadores têm proposto, como possível forma de tentar sanar o problema, a redistribuição desses casos.21 Essa metodologia adota a distribuição proporcional real com que ocorrem os óbitos bem definidos, em cada um dos capítulos da CID-10, segundo idades. Esse processo, aparentemente adequado, vem sendo discutido e questionado, cada vez mais, e julgado insatisfatório. A crítica à redistribuição baseia-se, principalmente, nos pressupostos do método, a saber:

- a redistribuição das mortes mal definidas exclui as causas externas;

- o Capítulo XVIII da CID-10 (causas mal definidas) apresentaria freqüência zero; e

- a redistribuição, baseando-se na proporção de cada Capítulo da CID-10 entre as causas bem definidas, tem-se mostrado, segundo pesquisas de campo, não totalmente correta.20

Para os autores deste relato, sua utilização não é recomendada e sim a promoção de investigações visando ao esclarecimento das reais causas de morte.

Relacionamento entre bancos de dados (SIM versus SIH/SUS)

O Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) disponibiliza um grande banco de dados sobre as internações hospitalares pagas pelo SUS. Sua cobertura tem sido estimada em cerca de 80% das internações no Brasil, verificando-se valores mais altos nas Regiões Norte e Nordeste.3 Relativamente à população idosa, alguns autores têm mostrado que o risco de hospitalização é acentuadamente mais alto entre idosos, comparativamente aos jovens. Esses mesmos autores mostram, contudo, que as internações nas quais o diagnóstico principal é apenas um sinal ou sintoma mal definido ocorrem em número muito pequeno.22 Em face disso, é possível imaginar que o relacionamento (linkage) entre os bancos do SIM (considerando-se apenas os óbitos hospitalares) e do SIH/SUS (internações cujo tipo de saída tenha sido óbito) poderá trazer contribuição importante se o mesmo indivíduo for localizado em ambos os bancos. São variáveis relevantes para constituir o par: data e local da morte; sexo; e idade do paciente. Se a pessoa que faleceu tiver internação anterior, cujo tipo de saída tenha sido 'Alta' e cujo óbito tenha ocorrido a posteriori em domicílio, é necessário ter cautela no cruzamento proposto.

A Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro iniciou estudo-piloto nesse sentido, apoiado no aplicativo RECLINK, para estabelecer alguns procedimentos metodológicos relevantes. De igual forma, as Secretarias Municipais de Saúde de Cuiabá, no Estado do Mato Grosso, e de São José dos Campos, no Estado de São Paulo, executarão tal pesquisa. Limitação importante refere-se ao fato de o banco do SIH/SUS abranger apenas os casos pagos pelo SUS, ficando de fora os falecidos em hospitais com pagamento particular ou via convênio. Trata-se de metodologia possível de ser adotada, sem qualquer ônus adicional, pelos próprios serviços locais de saúde.

Contato com o médico que assinou a DO

É a metodologia que vem sendo usada pela Prefeitura da Cidade de São Paulo-SP no Programa de Aprimoramento das Informações em Mortalidade (PROAIM).20 A rapidez com que o serviço toma conhecimento do óbito permite o desencadear de ações imediatas: por exemplo, contato – via carta padronizada – com os médicos que assinaram as DO. Procedimento análogo é adotado pela Secretaria de Estado da Saúde do Mato Grosso do Sul. A Prefeitura da Cidade de São Paulo e o Governo do Estado do Mato Grosso do Sul também estão envolvidos em projetos-piloto que objetivam mensurar o ganho de informação relativamente aos óbitos de idosos.

Análise do prontuário hospitalar

Para os óbitos hospitalares não-SUS (ou aqueles para os quais, embora ocorridos no âmbito do SUS, o relacionamento entre os bancos de dados do SIM e do SIH/SUS não se mostrou exitoso/eficiente), pode-se sugerir uma visita periódica aos hospitais, a ser feita por profissional ligado à gerência local do SIM, para investigação da causa. É importante, nesses casos, a elaboração de uma ficha de coleta de dados. Com base nessa ficha, preenchida durante a investigação, a DO original pode ser alterada no Sistema. Aqui, a colaboração de um médico do serviço é absolutamente fundamental, no sentido de interpretar os dados coletados do prontuário e elaborar uma nova DO pós-investigação. Conforme já salientado em outra publicação,20 a DO oficial não deve, sob hipótese alguma, ser rasurada.

Investigação com visita domiciliária e análise de prontuários dos serviços onde o falecido foi atendido

Trata-se da metodologia desenvolvida na década de 1960, por Puffer.23,24 Constitui-se, evidentemente, na forma mais completa de recuperar a história do paciente no que tange à doença que levou à morte. É bastante demorada e onerosa, na medida em que exige pessoal especializado e treinado para fazer visitas domiciliárias e a serviços de saúde, decidir sobre a causa da morte, codificar os formulários e avaliar as diferenças pré e pós-investigação. Sabendo-se que os serviços de saúde encontram dificuldades de disponibilidade de recursos humanos, esse método deve ser usado somente em casos extremos.

Os dados aqui apresentados mostram experiências exitosas dos gestores do SIM, no intuito de fazer com que decresça o número de mortes com causa básica mal definida. Não se pode esquecer, entretanto, o papel de um Serviço de Verificação de Óbitos – SVO – na elucidação dessas causas. Atualmente, há um movimento no sentido da criação desses SVO por se acreditar na contribuição relevante desses serviços ao processo de esclarecimento de causas mal definidas.

Todos os métodos aqui apresentados, embora mostrem-se eficientes, somente devem ser usados enquanto não se lograr que os médicos preencham adequadamente as DO, disponibilizando os dados corretos pertinentes a cada paciente: as causas básicas, conseqüências e terminais da morte, objetivo maior dessa informação. Esses profissionais são os responsáveis, primeiramente, por toda a informação gerada a partir das DO. São eles, portanto, que devem ser sensibilizados para valorizar a importância do correto preenchimento da declaração de óbito e educados quanto à maneira correta de fazê-lo.20

Quanto ao objeto específico dos óbitos dos idosos, esses procedimentos permitirão a elaboração de um panorama mais real de sua mortalidade, trazendo, sem dúvida alguma, subsídio necessário à elaboração de políticas públicas pertinentes e, conseqüentemente, mais eficazes na melhoria de sua saúde.

 

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Endereço para correspondência:
Universidade de São Paulo,
Faculdade de Saúde Pública,
Departamento de Epidemiologia,
Av. Dr. Arnaldo, 715,
São Paulo-SP, Brasil.
CEP: 01246-904
E-mail:mhpjorge@usp.br

Recebido em 31/12/2007
Aprovado em 19/05/2008