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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.18 n.1 Brasília mar. 2009

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742009000100005 

ARTIGO ORIGINAL

 

Fatores associados à sobrevida de pessoas vivendo com aids no Município de Blumenau, Estado de Santa Catarina, Brasil, 1997-2004

 

Survival of people Living with AIDS and associated factors in the Municipality of Blumenau, State of Santa Catarina, Brazil, 1997-2004

 

 

Ernani Tiaraju de Santa HelenaI; Mara Lúcia MafraII; Maikelli SimesIII

IDepartamento de Medicina, Universidade Regional de Blumenau-SC, Brasil. Secretaria Municipal de Saúde de Blumenau-SC, Brasil
IISecretaria Municipal de Saúde de Blumenau-SC, Brasil
IIISecretaria Municipal de Saúde de Chapecó-SC, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Descreve-se o perfil das pessoas vivendo com aids no Município de Blumenau, Estado de Santa Catarina, Brasil, e analisam-se os possíveis fatores associados a sua sobrevida. Estudaram-se pessoas com 13 anos de idade e mais, registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) – ambos gerenciados pelo Ministério da Saúde –, e diagnosticadas com HIV/aids, entre 1997 e 2004. Os dados foram descritos e calculou-se a taxa de letalidade. Utilizou-se o modelo de Cox para predição de risco de óbito, e curvas de sobrevida pela técnica de Kaplan-Meier para análise de sobrevida. Dos 650 casos estudados, 66,3% eram do sexo masculino, com idade entre os 30 e os 49 anos (61,7%), heterossexuais (75,5%) e de baixa escolaridade (76,1%). A taxa de letalidade estimada foi de 24,2%. A análise de sobrevida mostrou que ela foi menor entre os usuários de drogas, os atendidos em serviços não especializados, os de baixa escolaridade e aqueles com contagem de linfócitos T CD4+ menor que 200. A análise multivariada apontou baixa escolaridade e baixo número de linfócitos T CD4+ como fatores associados a menor sobrevida. Recomenda-se a ampliação do acesso a cuidados especializados e o devido acompanhamento ambulatorial, especialmente daqueles com baixa escolaridade.

Palavras-chave: síndrome de imunodeficiência adquirida; análise de sobrevida; escolaridade.


SUMMARY

This study describes the characteristics of people living with aids in the Municipality of Blumenau, Sate of Santa Catarina, Brazil, and factors associated to their survival. It was evaluated people aged 13 years or more registered in the Notifiable Diseases Information System (Sinan) and the Mortality Information System (SIM) – booth coordinated by the Ministry of Health of Brazil –, diagnosed with HIV/aids, between 1997 and 2004. Data was described, and calculated the lethality rate. The risk of death was estimated using Cox proportional hazards model, and Kaplan-Meier survival curves for survival analysis. The authors observed 66.3% of males in 650 studied cases, 61.7% aged 30-49, 75.5% heterosexual, and 76.1% cases of low educational level. Lethality rate estimate was of 24.2%. The analysis of survival showed it lower between injection drug users, non-specialized health service clients, low educational level cases, and HIV diagnosed individuals with CD4+ T lymphocytes lower than 200. Multivariate analysis suggests low educational level and low counts of CD4+ lymphocytes predictors of less survival. It's recommended to improve specialized health care – and regular follow-up – of low educational level groups to get better survival.

Key words: acquired immunodeficiency syndrome; survival analysis; educational status.


 

 

Introdução

Desde o início da década de 1980, até dezembro de 2004, o Ministério da Saúde notificou 362.364 casos de aids no Brasil.1 No Estado de Santa Catarina, foram 15.646 casos. Blumenau-SC ocupa o 49o lugar no ranking dos Municípios brasileiros com maior número de casos de aids: 1.082 notificações, nesse período.2

Estudo realizado em 18 cidades de sete Estados do país, representativas de um universo de 3.930 casos da doença, demonstrou um aumento substancial no tempo de sobrevida dessas pessoas, quando comparado ao dos pacientes diagnosticados em 1996, em 1995 e na década de 1980.3 A taxa de mortalidade por aids no país apresenta tendência de estabilização desde 1999, com média de 6,3 óbitos/100 mil habitantes nos últimos três anos.1,4

A sobrevida das pessoas com aids tem sido relacionada a fatores individuais, médico-assistenciais e sociais. Essa maior sobrevida também é associada a faixas etárias mais jovens, porém a importância do sexo nessa associação permanece controversa.5-8

O início da terapia anti-retroviral a partir de 1996 melhorou substancialmente o tempo de sobrevida e o quadro clínico-laboratorial, além de reduzir internações das pessoas vivendo com HIV/aids.3,9-12 O acesso aos serviços de saúde – principalmente os de assistência especializada – e a medicamentos, e dificuldades relativas à adesão ao tratamento ainda causam impacto negativo em sua sobrevida. São fatores, inclusive, fortemente influenciados pela situação socioeconômica desses pacientes.5,8,9,13

Os determinantes socioeconômicos podem ser expressos pela escolaridade, ocupação, renda familiar e outros. No Brasil, a maioria diagnosticada com aids no período de 1980 a 2004, fossem mulheres ou homens, contava apenas com o Ensino Fundamental.2 Outros estudos apontam para a pauperização da epidemia, dificuldade de acesso e, ademais, ressaltam a importância da desigualdade social no efeito da sobrevida.5,9,10,14-16

O presente estudo tem por objetivos (i) descrever o perfil das pessoas com aids diagnosticadas e notificadas em Blumenau-SC e (ii) estudar os possíveis fatores associados a sua sobrevida.

 

Metodologia

Foram estudadas todas as pessoas com aids, de 13 anos de idade ou mais, diagnosticadas a partir de 1o de janeiro de 1997 e notificadas pelo sistema de vigilância epidemiológica até 30 de setembro de 2004, residentes em Blumenau, Estado de Santa Catarina. Os casos foram notificados por unidades de saúde, públicas ou privadas, definidos de acordo com critérios clínico-laboratoriais determinados pelo Ministério.17

Todos os dados foram obtidos na base de dados do Sistema de informação de Agravos de Notificação (Sinan), disponível na Secretaria Municipal de Saúde de Blumenau-SC. A cada mês, esses dados são atualizados com os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) mediante os seguintes procedimentos: as declarações de óbito (DO) coletadas junto a cartórios, funerária e hospitais mensalmente, são revisadas por funcionário treinado pela Secretaria Municipal de Saúde para sua codificação; em caso de suspeita de óbito por aids ou patologia associada, ou ainda febre de origem desconhecida (entre outras), envia-se cópia da DO à vigilância epidemiológica do Município, responsável pela investigação e identificação de possível caso de aids.

No estudo, foram utilizadas as variáveis disponíveis na base de dados: 'sexo'; 'idade'; 'escolaridade'; 'ocupação'; 'regiões da cidade'; 'contagem de linfócitos T CD4+'; 'período do diagnóstico'; 'unidades de saúde notificadoras'; 'categoria de exposição'; e 'critério diagnóstico'. Essas variáveis foram apresentadas em número absoluto e em freqüência simples, com intervalo de 95% de confiança (IC95%).

Para o estudo dos óbitos, calculou-se a taxa de letalidade: número de óbitos pela doença dividido pelo total dos casos, multiplicado por cem. Para a idade e contagem de linfócitos T CD4+, foram calculadas a mediana, a média e o respectivo desvio-padrão.

Na comparação entre médias de idade e contagem de linfócitos T CD4+ relativamente às variáveis 'sexo', 'período', 'categoria de exposição' e evolução, utilizou-se a técnica de análise de variância com um fator, assumindo-se que as variâncias entre grupos eram iguais; e utilizou-se a estatística F de Snedecor, para comparar as médias entre grupos. Quando se obteve mais de dois grupos com médias diferentes, aplicou-se o teste de Scheffe para identificar quais grupos eram diferentes entre si; ou o Teste de Mann-Whitney para comparar médias, quando o pressuposto de igualdade das variâncias entre grupos não fosse respeitado.18

A análise de sobrevida tomou como variável dependente a ocorrência de óbito em relação ao tempo. Foram excluídos os casos de óbitos de pacientes ocorridos até 30 dias do diagnóstico inicial, visando excluir os casos notificados por óbito. Constituíram-se curvas de sobrevida para as variáveis pelo método de Kaplan-Meier; na comparação entre grupos para cada variável, utilizou-se o teste logrank.18

Para estimar o risco de morrer pelas variáveis de estudo, utilizou-se o modelo de riscos proporcionais de Cox. A pressuposição de proporcionalidade das variáveis foi verificada pelas curvas de Kaplan-Meier e pela análise de resíduo de Schoenfeld para cada variável. As variáveis que atenderam ao pressuposto da proporcionalidade foram utilizadas na análise univariada. Na constituição do modelo multivariado, incluíram-se as variáveis que, na análise univariada, apresentaram um nível de significância de p<0,20. Utilizou-se o método stepwise backward a partir do modelo saturado, até que se identificasse qual modelo, com menor número de variáveis, explicaria a maior parte da variância. O ajuste do modelo (análise de deviance) foi feito pela razão de verossimilhança do modelo proposto em relação ao modelo saturado.19 Ademais, optou-se por examinar esse modelo final estratificando-o pelas variáveis que não possuíam o princípio da proporcionalidade. A associação entre as variáveis de estudo e o óbito foram expressas pela razão de risco (hazard ratio), com seus respectivos intervalos de 95% de confiança. Para todos os casos em que se utilizou de testes estatísticos, aceitou-se um nível de significância de p<0,05.

Considerações éticas

Os dados foram levantados na base do Sinan/Secretaria Municipal de Saúde de Blumenau-SC, sem identificação pessoal. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Regional de Blumenau-SC (Processo n° 013/05).

 

Resultados

Computaram-se 650 pessoas vivendo com aids notificadas em Blumenau-SC, entre 1o de janeiro de 1997 e 30 de setembro de 2004. A Tabela 1 apresenta as características sócio-demográficas das pessoas estudadas. A maioria (66,3%) delas foi do sexo masculino. A faixa etária mais freqüente foi a dos 30 aos 49 anos. A idade média foi de 36,0 anos (dp=9,9) e mediana, de 34,5 anos, sem diferença na média de idade entre sexos (p=0,058). Dos casos com escolaridade informada (n=635), 76,1% apresentavam menos de 8 anos de estudo. Quanto à ocupação, 378 (65,7%) eram trabalhadores não especializados e apenas 35 (6,1%) classificavam-se como intelectuais ou gerentes. O critério diagnóstico isolado mais freqüente foi 'contagem de linfócitos T CD4+', com 244 (37,7%; IC95% 33,8-41,4%), seguido de 'CDC' com 81 (12,5%; IC95% 10,0-15,2%) e 'Rio de Janeiro/Caracas', com 62 (9,5%; IC95% 7,4-12,1%).

 

 

A região central da cidade apresentou mais pessoas acometidas pela doença: 229 casos (35,7%; IC95% 31,6-39,0%).

Com relação à categoria de transmissão, 491 (75,5%) pessoas mantinham relação sexual com o sexo oposto, 63 (9,7%) eram homens que faziam sexo com homens e 58 (9,0%) eram homens que faziam sexo com homens ou mulheres. A transmissão entre usuários de drogas injetáveis foi de 20,4% (n=133). A unidade de referência municipal em DST/aids foi responsável pela notificação de 352 casos (54,5%; IC95% 50,2-58,0%), enquanto as demais unidades ambulatoriais e hospitalares notificaram 298 casos (45,8%; IC95% 41,9-49,8%).

Dos pacientes com registro de contagem de linfócitos T CD4+ (n=502), o valor médio foi de 183,1, o desvio-padrão de 125,1 e a mediana de 191. Os valores médios entre os sobreviventes (194,6) foram maiores que entre os óbitos (117,7): p<0,0001. Os valores médios de linfócitos T CD4+ foram menores em pessoas com 50 anos de idade e mais, quando comparados aos dos grupos mais jovens: p<0,02. Também apresentaram médias maiores aqueles diagnosticados entre 2001 e 2004 (192,8), comparativamente aos diagnosticados no período de 1997 a 2000 (169,3): p<0,05. A contagem de linfócitos T CD4+ apresentou média menor no grupo de menor escolaridade (165,1), em comparação com a dos grupos de '4 a 7 anos' (196,5) e '8 anos e mais' (184,6): p<0,01 (teste de Kruskal-Wallis). Ainda foram observadas médias menores entre usuários de drogas injetáveis (140,86), frente às demais categorias de exposição (192,33): p<0,0001. A média de contagem de linfócitos T CD4+ foi mais elevada entre os notificados pelo Hospital-Dia DST/aids (205,38), quando comparada com a média de contagem para pessoas notificadas por outras unidades de saúde(138,40): p<0,0001.

Com relação à mortalidade, das 650 pessoas cujos dados foram considerados, 157 foram a óbito no período estudado: uma taxa de letalidade de 24,2% (IC95%; 20,9-27,7%).

Ao se empregar a técnica de Kaplan-Meier para análise de sobrevida, não se observaram diferenças estatisticamente significantes em relação a 'sexo', 'faixa etária', 'grupo ocupacional', 'período do diagnóstico' e 'critério diagnóstico'. A sobrevida foi menor entre usuários de drogas, frente a outras categorias de exposição (teste logrank: 5,35; p<0,05). Ela também se mostrou menor para pessoas com contagem de linfócitos T CD4+ menor que 200 (teste logrank: 13,1; p<0,01).

A sobrevida de pessoas notificadas pela unidade de referência municipal em DST/aids foi maior quando comparada à daquelas notificadas por outras unidades de saúde (Figura 1); pessoas com até três anos de estudo apresentaram menor sobrevida, em relação aos demais estratos de escolaridade (Figura 2).

 

 

 

 

A Tabela 2 apresenta a análise pelo modelo de riscos proporcionais de Cox. As variáveis 'sexo', 'idade', 'unidade de saúde' e 'região de moradia' não atenderam ao princípio da proporcionalidade, o que impediu sua utilização no modelo. A variável 'critério de diagnóstico' não mostrou significância estatística. Compuseram o modelo univariado inicial as variáveis 'escolaridade', 'contagem de linfócitos T CD4+' e 'categoria de exposição'. Esta última foi excluída do modelo multivariado final ajustado pela analise estratificada.

 

 

Discussão

Os estudos de sobrevida possuem algumas questões metodológicas particulares, que merecem ser lembradas. A necessidade de se estabelecer uma padronização diagnóstica (tanto nos critérios quanto no estágio clínico) é importante no sentido de definir os casos, sob pena de se comparar pessoas em estados clínicos diversos, e com riscos diferentes de morrer. Ao longo do período-objeto deste estudo, o Ministério da Saúde modificou os critérios diagnósticos e passou a considerar caso de aids "toda pessoa HIV-positiva com contagem de linfócitos T CD4+ menor que 350", o que incluiu aqueles em condições clínicas melhores que no período anterior, quando se consideravam casos de aids somente aqueles com quadro clínico definido. Duas estratégias foram utilizadas para contornar esse problema. Primeiramente, optou-se por excluir da análise de sobrevida os casos com menos de 30 dias de sobrevida, por terem sido notificados em fase terminal ou diagnosticados pela declaração de óbito; e em segundo lugar, ao se decidir pela estratificação das análises de sobrevida por períodos temporais diversos, não se evidenciaram diferenças estatisticamente significantes.

O uso de dados provenientes de fontes secundárias, especialmente das bases de dados do Sistema Único de Saúde (SUS), pode apresentar limitações, por problemas de cobertura (sub-registro de casos de 24 a 65%) e qualidade.20 O maior sub-registro tem sido associado à grande demanda e frágil organização dos serviços de vigilância epidemiológica.21 Os problemas de qualidade poderiam ser explicados pela quantidade de campos 'Ignorado" preenchidos nas fichas de investigação.22 A vigilância epidemiológica municipal de Blumenau-SC faz busca ativa em todos os hospitais, e, mensalmente, revisa todos os óbitos ocorridos e registrados no SIM, visando melhorar a cobertura. Dessa forma, possíveis casos não notificados pelas unidades de saúde puderam ser detectados a partir do levantamento dos registros do SIM.

Quanto à qualidade, a maioria dos campos relativos à identificação, transmissão e critérios diagnósticos apresentou menos de 3% de 'Ignorado'. Importante exceção foi a 'contagem de linfócitos T CD4+', com 148 de 'Ignorado' (22,77%, com maior proporção no período de 1997-2000 e entre usuários de drogas) e a 'ocupação', com 75 (11,54%), o que pode ter enfraquecido o poder explicativo dessas variáveis na análise de sobrevida.

Com relação às características das pessoas vivendo com aids, as distribuições de 'sexo' (predomínio do sexo masculino) e 'idade' foram semelhantes às encontradas por outros estudos nacionais.3,8,9,14,23,24

Sobre a categoria de transmissão, merecem destaque os usuários de drogas injetáveis, especialmente por sua associação com baixa sobrevida.3 Ao estudar a epidemia de aids no Brasil de 1991 a 2000, Rodrigues e Castilho (2004) encontraram Santa Catarina como o Estado com a maior proporção (35%) de casos na categoria de usuário de drogas injetáveis.25 Contribui para esse fato a facilidade de acesso e baixo custo das drogas ilícitas, proporcionado pela rota do tráfico em direção aos portos e aeroportos.26

Diversos estudos têm apontado o crescimento da epidemia em estratos sociais menos favorecidos.16,27,28 Esses estudos têm lançado mão de informação sobre a escolaridade por esta ser um indicador mais estável ao longo da vida do indivíduo, e por sofrer poucas interferências em função de mudanças conjunturais vivenciadas pelas populações, ou ainda, eventuais conseqüências resultantes do processo de adoecimento.29 Esse fenômeno, a chamada "pauperização" da aids, atualmente vivenciado no Brasil, parece também ocorrer na cidade de Blumenau-SC, haja vista o predomínio local de pessoas infectadas pelo HIV/aids de baixa escolaridade, trabalhadores de setores industriais e trabalhadores braçais não qualificados. Uma das possíveis explicações para esses resultados é de que a população com mais anos de estudo tem maior acesso à informação, métodos de prevenção e consciência da impacto positivo do tratamento na evolução clínica da doença.

Estudos nacionais relativos a pessoas acompanhadas nas décadas de 1980-90 encontraram elevadas proporções de doenças oportunísticas associadas a aids, com predomínio da candidíase, pneumonia por P. carinii, toxoplasmose cerebral e tuberculose pulmonar.24,30 A maior proporção de pessoas notificadas por critérios laboratoriais (contagem de linfócitos T CD4+) pode sugerir que o controle clínico das pessoas soropositivas para o HIV esteja adequado.

A letalidade encontrada em Blumenau-SC, no período de 1997 a 2004, foi menor (24,3%) que a do Brasil: dos 222.204 casos de aids no país, 77.291 pacientes foram a óbito nesse período, o que equivale a uma letalidade de 34,7%.2

A contagem de linfócitos T CD4+ é um parâmetro útil para o clínico estimar o prognóstico do paciente, já que valores progressivamente baixos se associam a um aumento do risco de doenças oportunistas e, por conseguinte, a um aumento de mortalidade.9,11,13,31 A presença de valores médios mais baixos em usuários de drogas injetáveis e pessoas de baixa escolaridade, bem como entre pessoas com 50 anos de idade e mais, pode refletir, ao menos em parte, baixa adesão ao tratamento por indivíduos com tais características, colocando a necessidade de os serviços adotarem políticas pró-ativas especificas.

A análise de sobrevida pelas curvas de Kaplan-Meier apontou a associação da contagem de linfócitos T CD4+ maior que 200, bem como da escolaridade média ou superior e da assistência prestada em unidade de saúde de referência, com maior probabilidade de sobrevida. Essa conclusão sugere que pessoas mais favorecidas socialmente, com possibilidade de acesso a um tratamento especializado, apresentam melhores respostas clínicas e, conseqüentemente, maior sobrevida. O acesso ampliado a unidades especializadas – as quais, geralmente, apresentam melhor qualidade assistencial –, pode representar uma estratégia importante no sentido de ampliar a sobrevida de pessoas de baixa escolaridade.32

A análise do modelo de riscos proporcionais de Cox reafirma que baixa escolaridade e contagem de linfócitos T CD4+ baixa podem explicar, ao menos em parte, a sobrevida das pessoas vivendo com aids em Blumenau-SC. Por um lado, coloca-se em evidência o forte poder explicativo desse marcador laboratorial, sinal de alerta para os médicos. Por outro lado, a força do status social, estimado pela escolaridade, pode refletir as dificuldades para se obter um diagnóstico precoce, ter acessibilidade e dispor de serviços de saúde de qualidade – e conseqüente acesso à terapia anti-retroviral –, bem como a aderir ao tratamento.15,16,32

O Brasil foi um dos pioneiros, entre os países em desenvolvimento, a possibilitar o acesso universal à terapia anti-retroviral, para todas as pessoas com HIV/aids, com importante reflexo em sua sobrevida.3,23 Vários autores atribuem o aumento dessa sobrevida ao uso da terapia anti-retroviral, especialmente dos inibidores de protease.5-8,11,12,33 Este estudo contou tão-somente com informações da vigilância epidemiológica e não lhe foi possível estimar o impacto do uso da medicação, tanto o acesso a ela como a adesão ao tratamento, na sobrevida do paciente.

Estratégias de apoio social às pessoas excluídas melhoram a adesão, com reflexo em sua sobrevida.34 Essa constatação reitera a necessidade de melhorar o acesso das pessoas com HIV/aids aos serviços de saúde de referência, bem como a importância desses serviços reforçarem o acompanhamento de pacientes; e tratarem aqueles em situação social desfavorável de maneira especial, principalmente os de baixa escolaridade, como forma de minimizar o impacto negativo da desigualdade social na sobrevida com o vírus da aids.

 

Agradecimentos

Aos colegas e professores do Curso de Pós-Graduação – Doutorado – do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, pelas valiosas sugestões que contribuíram para a consecução deste trabalho.

 

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Endereço para correspondência:
Rua Antônio da Veiga, 140,
Bairro Victor Konder,
Blumenau-SC. Brasil.
CEP: 89012-900
E-mail:erntsh@furb.br

Recebido em 06/03/2007
Aprovado em 10/09/2008