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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.18 n.1 Brasília mar. 2009

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742009000100006 

ARTIGO ORIGINAL

 

A investigação do óbito de mulher em idade fértil para estimar a mortalidade materna no Município de Belém, Estado do Pará, Brasil

 

Investigation of death in childbearing-aged women to estimate the maternal mortality in the Municipality of Belém, State of Pará, Brazil

 

 

Santana Maria Marinho MotaI; Silvana Granado N. da GamaII; Mariza Miranda Theme FilhaIII

ISecretaria de Vigilância em Saúde, Núcleo do Ministério da Saúde/Pará, Belém-PA, Brasil
IIDepartamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde, Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
IIISuperintendência de Vigilância em Saúde, Secretaria Municipal de Saúde, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro-RJ, Brasil

Endereço para correspondência

 


RESUMO

Com objetivo de estimar a sensibilidade, especificidade, valores preditivos e a concordância do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), em comparação à investigação de morte materna, foram analisados todos os óbitos de mulheres de 10 a 49 anos de idade ocorridos em 2004 e registrados no SIM como residentes no Município de Belém, capital do Estado do Pará, Brasil. O resultado da investigação revelou uma sensibilidade de 75% do SIM na detecção dos óbitos maternos. Na impossibilidade de investigar todos os óbitos de mulheres em idade reprodutiva, a investigação dos óbitos classificados como presumíveis e declarados, segundo os critérios de definições empregados no estudo, foi suficiente para identificar os demais óbitos maternos. Os campos 43 e 44 da declaração de óbito (DO) apresentaram-se bem preenchidos, com 91% de concordância com a pesquisa. O estudo confirma a necessidade da investigação de tais óbitos para melhorar a qualidade das informações sobre a mortalidade materna.

Palavras-chave: mortalidade maternal; causas presumíveis; vigilância em saúde; indicadores de saúde.


SUMMARY

With the aim to estimate the sensibility, specificity, predictive values and Mortality Information System (SIM) agreement, in matching to the investigation of maternal death, all the deaths of women aged 10 through 49 years, recorded in 2004 in the SIM as residents in the Municipality of Belém, capital of the State of Pará, Brazil, were investigated. The research revealed a 75% of SIM sensitivity regarding detection of those maternal deaths, and that, being impossible to investigate all the deaths of women in childbearing age, the investigation of those deaths classified as presumable and declared, according to the criteria and definitions used in the study, was sufficient to identify all the maternal deaths. Fields 43 and 44 of the death certificate (DO) were well filled out, revealing 91% of concordance to the investigation. This study confirms the need to investigate those deaths aiming to improve the quality of the information on maternal mortality.

Key words: maternal mortality; presumable cause; health surveillance; health indicators.


 

 

Introdução

A magnitude da mortalidade materna, seja em países desenvolvidos ou naqueles em desenvolvimento, são mais díspares que qualquer outro indicador de Saúde Pública.1 Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), referentes a 2000, as razões de mortalidade materna (RMM) variaram entre 2/100.000 nascidos vivos (NV) na Suécia e 2.000/100.000 NV em Serra Leoa. No Brasil, para o mesmo ano, a RMM correspondeu a 260/100.000 NV.2

Tamanhas diferenças refletem grandes desigualdades nas condições políticas, econômicas e sociais entre países, com diferenciais regionais, tornando a mortalidade materna um dos indicadores fundamentais na avaliação dos riscos à saúde de grupos populacionais específicos.3 Também é importante o fato de que parte dos diferenciais espaciais e temporais observados podem ser decorrentes da fidedignidade dos sistemas de informações e do uso de estratégias para a melhoria de sua qualidade, destacando-se, entre elas, a investigação dos óbitos de mulheres em idade fértil.

A RMM é o indicador utilizado para medir a mortalidade materna. Entretanto, persistem dois problemas para sua correta aferição: a subinformação, isto é, o preenchimento incorreto das causas de morte na declaração de óbito (DO); e o sub-registro, que é a ausência da DO nas bases de dados oficiais.4 Mesmo em países onde o registro de mortes tem uma cobertura que se aproxima dos 100%, os problemas de subinformação permanecem. Estudos realizados em países desenvolvidos evidenciam que a subestimação no número de mortes devidas à gravidez e suas complicações é uma questão que diz respeito tanto aos países desenvolvidos como aos países em desenvolvimento, embora mais importante nestes últimos.5-8

Tanaka & Mitsuiki9 estudaram quinze Municípios brasileiros para encontrar um nível médio de subinformação de aproximadamente 50%, ao comparar as estatísticas oficiais com as obtidas por investigações de óbitos de mulheres em idade fértil, confirmando serem as causas de mortes maternas mal informadas nas declarações de óbito preenchidas pelos médicos.10,11

Desde 1995, foram incluídas variáveis específicas na DO, visando à identificação de mortes de mulheres em idade reprodutiva no território brasileiro, definidas a partir da constatação da gravidez no momento da morte ou nos 12 meses anteriores (campos 43 e 44 da DO).

Entretanto, Laurenti e colaboradores,12 ao analisarem o banco de dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Brasil para os anos de 1996 e 1997, constataram preenchimento inadequado desses campos. Nesse período, quase 90% das DO apresentavam resposta 'Ignorado' para o campo 43, correspondente à pergunta sobre ter a morte ocorrido durante a gravidez, parto ou aborto, e mais de 90% de resposta 'Ignorado' para o campo 44, correspondente a pergunta sobre ter a morte ocorrido durante o puerpério. A constatação desse fato representa sérias limitações à tentativa de ampliar o conhecimento dos óbitos relacionados ao ciclo gravídico-puerperal exclusivamente pela análise dessas informações constantes das DO.

Tal achado evidenciou a relevância de investigar, em detalhes, e lançando mão de diferentes fontes de informações, os óbitos de mulheres em idade fértil ou, pelo menos, as mortes por causas declaradas e presumíveis de óbito materno. Segundo o Manual dos Comitês de Mortalidade Materna do Ministério da Saúde, causas presumíveis de óbito materno são caracterizadas pelas situações em que consta tão-somente a causa terminal da afecção ou lesão que sobreveio por último, na sucessão de eventos que culminou no óbito. Assim, deixa-se ausente da DO a possibilidade de registro da causa relacionada ao estado gravídico-puerperal, não sendo possível identificar o óbito como materno.4

Há décadas, reconhece-se a importância da investigação dos óbitos maternos, desde os primeiros Comitês de Mortalidade Materna estabelecidos na Filadélfia, em 1931, e no ano seguinte, na cidade de Nova Iorque. Porém, a experiência do Reino Unido, iniciada em 1952, é a mais difundida mundialmente: a partir de suas primeiras investigações das mortes maternas e seus resultados obtidos, desenvolveram-se medidas eficazes de prevenção desses óbitos.4

No Brasil, a implantação dos Comitês de Mortalidade Materna, delineada como uma das estratégias para a redução da morte materna, incorpora-se à Política de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), formulada pelo Ministério da Saúde em 1984. Um dos objetivos estratégicos desses Comitês é utilizar a investigação dos óbitos de mulheres em idade fértil para estimar a real magnitude dos óbitos maternos.

Apesar da proposta de implantação desses Comitês ter sido bem aceita pelos Estados brasileiros, sua implantação efetiva tem experimentado avanços e retrocessos.4

Outras estratégias governamentais adotadas no país, com o propósito de dimensionar o problema da mortalidade materna, identificar seus determinantes e estabelecer medidas para sua redução, foram as publicações da Portaria MS/GM no 653, pelo Diário Oficial da União, em sua edição de 30 de maio de 2003 – torna o óbito materno evento de notificação compulsória –, e da Portaria MS/GM no 1.172, pelo Diário Oficial da União de 17 de junho de 2004 – estabelece a vigilância epidemiológica da mortalidade infantil e materna como uma das atribuições dos Municípios, cabendo a estes garantir a estrutura necessária e equipes compatíveis com o exercício dessa vigilância. Também vieram a contribuir nesse sentido a inclusão do indicador de 'Proporção de óbitos de mulheres em idade fértil investigados' na Programação Pactuada Integrada da Atenção Básica (PPI-Atenção Básica) e a Programação Pactuada Integrada da Vigilância em Saúde (PPI-VS), instrumentos nacionais de gestão utilizados no monitoramento e avaliação das ações e serviços de saúde.

Apesar do reconhecimento da importância do acompanhamento dos óbitos maternos, o Município de Belém, capital do Estado do Pará, não possui Comitê de Mortalidade Materna e sua Secretaria Municipal de Saúde todavia não implementou a investigação dos óbitos de mulheres em idade fértil, tampouco dos óbitos declarados maternos no SIM.

O presente estudo tem por objetivo estimar a sensibilidade, especificidade, valores preditivos e a concordância do SIM, em comparação à investigação de morte materna em Belém-PA no ano de 2004.

 

Metodologia

Trata-se de um estudo descritivo de base populacional. Foram pesquisados todos os óbitos de mulheres em idade fértil ocorridos em 2004 e registrados no SIM da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Belém-PA como sendo residentes no Município. Investigou-se a presença de gravidez no momento do óbito ou nos 12 meses que o antecederam, com o objetivo de detectar os óbitos relacionados com o ciclo gravídico-puerperal.

Visando atender aos objetivos do estudo, a partir dos dados registrados nas DO, as mortes de mulheres em idade fértil foram categorizadas em três grupos.

1o Óbitos maternos declarados, quando as informações sobre as causas de morte registradas na DO permitiram associar o óbito ao ciclo gravídico-puerperal e, dessa forma, classificá-lo como óbito materno, independentemente do preenchimento dos campos 43 e 44 da DO. Considerou-se, para esta classificação:

- afecções do Capítulo XV da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – Décima Revisão (CID-10), como 'Gravidez, parto e puerpério' (códigos O00-O99);

- osteomalácia puerperal (M83.0), tétano obstétrico (A34) ou transtornos mentais e comportamentais associados ao puerpério (F53), nos casos em que a morte ocorreu até 42 dias após o término da gravidez ou nos casos sem informação do tempo transcorrido entre o término da gravidez e a morte; e

- doença causada pelo HIV (B20-B24), mola hidatiforme maligna ou invasiva (D39.2) ou necrose hipofisiária pós-parto (E23.0), desde que a mulher esteja grávida no momento da morte ou tenha estado grávida até 42 dias antes da morte.

2o Óbitos maternos presumíveis, quando a causa de morte registrada na DO pertencia à lista de 32 causas presumíveis de óbito materno, definidas pelo Manual do Comitê de Mortalidade Materna do Ministério da Saúde,4 independentemente do preenchimento dos campos 43 e 44. Foram também considerados óbitos presumíveis as mortes para as quais a causa registrada não constava da lista de causas presumíveis, porém os campos 43 ou 44 encontravam-se assinalados como 'Sim', 'Ignorado' ou não estavam preenchidos.

3o Óbitos não maternos, todos os demais óbitos que não atenderam os critérios mencionados nos 1o e 2o itens, incluindo as causas externas.

Adotou-se a metodologia de investigação RAMOS (Reproductive Age Mortality Survey), um inquérito de mortalidade em idade reprodutiva preconizado pelo Ministério da Saúde. Essa metodologia, de orientação à busca de informações em diferentes fontes, compreende consulta a prontuário hospitalar e de pré-natal, entrevista com familiares e, quando necessário, consulta a laudo cadavérico e entrevista com profissionais que atenderam o caso.4

A investigação foi realizada em duas etapas, ambas pautadas na metodologia citada. Na primeira etapa, utilizou-se como instrumento para a coleta de dados a 'Ficha Confidencial de Notificação e Investigação de Óbitos de Mulheres em Idade Fértil',13 desenhada para esse fim. Tal instrumento foi criado a partir de dados existentes na DO, da Parte A do 'Instrumento de Notificação de Óbito de Mulheres em Idade Fértil', do Ministério da Saúde, e da 'Ficha Confidencial de Notificação de Óbito de Mulheres em Idade Fértil', validada por Valongueiro e colaboradores14 em Camaragibe, Estado de Pernambuco, no ano 2000.

Após essa primeira etapa da investigação, os óbitos foram classificados da seguinte maneira:

1o Óbito ocorrido durante a gravidez, parto, puerpério (GPP) e até um ano após o término da gestação.

2o Óbito não relacionado ao ciclo gravídico-puerperal.

3o Óbito inconclusivo, quando, apesar da busca de informações, não pôde ser classificado em um dos grupos anteriormente descritos.

Os casos ocorridos durante a GPP (1o grupo) foram submetidos à segunda etapa da investigação, com o preenchimento das Partes B (dados em domicílio), C (dados hospitalares) e D (laudo de necrópsia) do 'Instrumento de Investigação Confidencial de Óbitos Maternos' do Ministério. Nessa segunda etapa, analisou- se, mais profundamente, a história clínica de cada caso, corrigindo-se as causas de morte, sua codificação e classificação quanto a tratar-se ou não de morte materna. Esses procedimentos foram realizados por um obstetra e um epidemiologista do Comitê de Prevenção e Controle da Mortalidade Materna do Município do Rio de Janeiro-RJ.

Para classificação do óbito materno, adotou-se a seguinte definição de 'Morte materna': "A morte de uma mulher durante a gestação ou dentro de um período de 42 dias após o término da gestação, independentemente da duração ou da localização da gravidez, devida a qualquer causa relacionada com ou agravada pela gravidez ou por medidas em relação a ela, porém não devida a causas acidentais ou incidentais". Dessa forma, seguiu-se o preconizado pelo manual dos CMM e pela CID-10. Foram consideradas as seguintes definições: 'Morte materna por causa obstétrica direta e indireta'; e, para atender aos objetivos do estudo, o conceito de 'Morte materna tardia'.15

Foram estimadas as medidas de sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo (VPP) e valor preditivo negativo (VPN) dos óbitos maternos constantes no SIM, tendo como padrão-ouro as investigações realizadas.

Com o intuito de avaliar a qualidade do preenchimento dos campos 43 e 44 da DO, calculou-se a concordância simples entre as informações presentes na DO e as obtidas após a investigação.

Finalmente, descreveu-se o perfil dos óbitos maternos, classificando-os segundo o tipo de óbito.

Considerações éticas

O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fundação Instituto Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), tendo-se o cuidado de preservar o anonimato das instituições e dos casos analisados.

 

Resultados

Em 2004, dos óbitos registrados no SIM como de residentes em Belém-PA, 3.365 (45,1%) eram do sexo feminino. Destes, 539 (16,1%) ocorreram em mulheres de 10 a 49 anos de idade, correspondendo a uma taxa específica de mortalidade feminina de 11,1/10.000 nessa faixa etária. Foram informados 17 (3,2%) óbitos maternos declarados, 123 (22,8%) óbritos maternos presumíveis e 399 (74%) óbitos não maternos. Concluída a primeira etapa da investigação. identificaram-se 34 óbitos (6,3%) relacionados com a gravidez, parto e puerpério – GPP – ou até um ano após o término da gestação, 493 (91,5%) não relacionados com o ciclo gravídico-puerperal e 12 (2,2%) inconclusivos. Finda a segunda etapa do estudo, apenas 20 óbitos preencheram os critérios de definição de morte materna (Figura 1).

 

0

 

A Tabela 1 mostra a redistribuição dos óbitos após a investigação. Verifica-se que, dos 17 óbitos inicialmente classificados como maternos, 15 foram confirmados pelos investigadores. Da mesma forma, entre os 123 óbitos classificados como presumíveis, 5 foram reclassificados como óbitos maternos. Nenhum óbito não materno foi reclassificado após a investigação.

 

 

Na Tabela 2, é apresentada a validade dos registros de óbitos maternos do SIM. Encontrou-se uma sensibilidade de 75% e um VPP de 88,2%. Nessa análise, foram excluídos os 12 óbitos inconclusivos e os dois óbitos classificados como ignorados.

 

 

Quanto à qualidade do registro, a análise do preenchimento dos campos 43 e 44 mostrou que ele foi correto em 491 casos (concordância observada de 91%). Destaca-se que, dos 39 casos inicialmente inconclusivos, dois estavam relacionados com GPP e 33 não tinham relação com o ciclo gravídico-puerperal. Mesmo após todos os esforços para o esclarecimento dessas mortes, quatro casos permaneceram sem definição (Tabela 3).

 

 

Considerando os 20 óbitos relacionados com a gravidez, parto e puerpério ou até um ano após a gestação, observou-se o predomínio das causas relacionadas diretamente com a gravidez (obstétricas diretas), de 90% dessas mortes, conclusão do estudo (Tabela 4).

 

 

 

Discussão

A literatura mostra que o declínio da mortalidade materna em países desenvolvidos vem ocorrendo desde a década de 1940.16 A comparação desse indicador entre países desenvolvidos, como Canadá e Estados Unidos da América, que apresentam uma razão de mortalidade materna inferior a 9/100.000 NV, e países em desenvolvimento, como Bolívia, Peru e Brasil, com razões superiores a 100/100.000 NV, evidencia muito bem a disparidade entre esses dois blocos. Um dos maiores desafios dos países em desenvolvimento é promover, de fato, substancial redução da mortalidade materna.4

De forma similar aos achados de Costa e colaboradores,17 o presente estudo evidenciou que 3,7% dos óbitos de mulheres em idade fértil eram por causas maternas, acorde com o proposto por Tanaka e Mitsuiki,9 de que, em nosso meio, tais eventos corresponderiam a algo em torno de 6% das mortes ocorridas em mulheres de 10 a 49 anos de idade.

A pesquisa aponta para um problema que tem sido evidenciado em outros Municípios brasileiros: as mortes maternas no Sistema de Informações sobre Mortalidade também estão subenumeradas.17-20 Pela análise da validade dos óbitos maternos no SIM, foi possível concluir que, além de o Sistema não apresentar a sensibilidade necessária à captação de tais eventos, com perdas da ordem de 25,0% das verdadeiras ocorrências, ele ainda apresenta um baixo valor preditivo.

Na busca de explicação para o fato de o SIM não ter registrado todos os óbitos maternos declarados, algumas hipóteses são levantadas. Entre elas, erro de codificação e seleção de causa básica ou falha na digitação, ou ainda, por problemas com o módulo Seletor de Causa Básica (SCB) do SIM, a possibilidade de o óbito materno ser ou não desprezado, a depender da ordem com que os diagnósticos são registrados-digitados.

Por se reconhecer o papel da mortalidade materna como relevante indicador de saúde, é imperioso avaliar permanentemente a qualidade dessas informações visando a sua correção e maior confiabilidade do Sistema, especialmente quanto a seu papel de orientar a formulação e o monitoramento das políticas públicas de prevenção do óbito materno.

A investigação dos óbitos de mulheres em idade fértil, realizada com o objetivo de desvendar uma realidade até então encoberta pela baixa acurácia do Sistema, tem a finalidade de corrigir a RMM, colocando-a em níveis mais realísticos.

Se, devido a questões operacionais, não é possível proceder à investigação de todos os óbitos de mulheres na faixa etária de 10 a 49 anos, o presente estudo indica ser uma boa estratégia a investigação por grupo de óbitos classificados como decorrentes de causas maternas presumíveis e declaradas. Nesse caso, deve-se atentar para o critério de definição de cada grupo: apesar de certa semelhança, eles podem variar de acordo com a metodologia empregada em diferentes estudos.17,19-21

O critério de definição adotado permitiu classificar 22,8% dos óbitos de mulheres em idade fértil como presumíveis, percentual bastante superior aos 6,2% encontrados por Albuquerque e colaboradores,20 sugerindo que as definições empregadas neste estudo são flexíveis o suficiente para selecionar, nos grupos de presumíveis e declarados, os óbitos com chance de serem óbitos maternos.

A possibilidade de se trabalhar esses grupos de forma responsável é assunto a ser incluído na pauta de discussão sobre a mortalidade materna. Para facilitar a realização da investigação em locais com limitações, como Belém-PA, a adoção dessa estratégia reduziria o universo de óbitos a serem investigados sem comprometer a qualidade dos resultados.

Em favor da viabilidade dessa estratégia, os campos 43 e 44 da DO auxiliam no sentido de selecionar os óbitos a serem investigados. Este estudo observou que esses campos estão bem preenchidos, concordantes com o resultado da investigação na grande maioria das DO, uma constatação fundamental quando se tem por objetivo rastrear a ocorrência de uma situação ou evento. O achado permite que os campos 43 e 44 sejam utilizados como subsídio para a classificação dos óbitos a serem trabalhados. A mesma situação não se observou em outras pesquisas que também exploraram a utilidade dessas informações.12,22 Ressalta-se o fato de a investigação ter sido capaz de esclarecer a maioria dos casos nos quais esses campos da DO não estavam bem definidos, e assim demonstrar a importância da investigação dos óbitos de mulheres em idade reprodutiva na identificação dos possíveis óbitos maternos.

No tocante às causas de óbito que mascaram uma situação materna, o estudo encontrou que, das causas presumíveis confirmadas como maternas, três integravam a lista elaborada pelo Ministério da Saúde.4 Os dois óbitos restantes, apesar de não constarem dessa lista, foram classificados como presumíveis em decorrência das informações contidas nos campos 43 e 44. Tal situação mostra a utilidade desses campos no sentido de contribuir para a seleção dos óbitos a serem investigados e minimizar a perda de óbito materno.23 Vale ressaltar, nesse caso, que o preenchimento positivo dos campos 43 e 44 funciona apenas como um indicativo de que se trate, possivelmente, de uma morte materna, o que será elucidado pela investigação.

De forma semelhante aos achados de estudos em outras regiões brasileiras,17,18,22,24 a maior parte dos óbitos maternos identificados foi do tipo obstétrico direto, em sua maioria evitáveis: "refletem a necessidade de garantir uma atenção integral e de qualidade à mulher, desde a orientação quanto à saúde reprodutiva, planejamento familiar, assistência adequada ao pré-natal, referência às gestantes de risco, vinculação e acompanhamento de qualidade ao parto e ao puerpério até o tratamento das emergências obstétricas".25

A despeito de a grande maioria dos óbitos maternos poder ser evitada, caso as condições de saúde locais sejam compatíveis àquelas vigentes nos países desenvolvidos, observa-se, em alguns países como Cuba e Costa Rica, taxas de mortalidade materna substancialmente inferiores às de outros países em nível de desenvolvimento similar. Essas informações sugerem que os óbitos maternos podem representar um indicador da determinação política nacional de garantir a saúde desse segmento de sua população.3

Países em desenvolvimento, com metas de políticas públicas estabelecidas, que buscam preservar a saúde da população, como Uruguai, Cuba, Costa Rica e Chile, conseguiram reduzir suas taxas de mortalidade materna para valores inferiores a 40/100.000 NV.4 O Chile, no período de 1990 a 2000, reduziu a mortalidade materna em 53,1%, passando a apresentar uma RMM de 18,7/100.000 NV e cumprindo a meta do Plano de Ação Regional para a Redução da Mortalidade Materna.26

Apesar da existência de instrumentos legais que normatizam a investigação de óbitos femininos em idade reprodutiva, a diversidade dos serviços brasileiros de vigilância que atuam na esfera municipal e os diferentes níveis de implantação dos Comitês de Mortalidade Materna contribuem para uma execução assistemática ou, até mesmo, a não-realização desses procedimentos, como é o caso do Município de Belém-PA.

Uma das possíveis limitações do estudo foi a existência de 12 óbitos inconclusivos quanto a serem relacionados ao CGP, o que é atenuado pelo fato de os campos 43 e 44 das DO não estarem assinalados positivamente. Tem-se, ainda, a limitação causada pelos dois óbitos ocorridos durante a GPP, classificados pelo Comitê como ignorados para o fato de serem ou não óbitos maternos, pois as informações existentes nas fontes consultadas não eram suficientes para assegurar serem suas causas relacionadas com ou agravadas pela gravidez ou por medidas em relação a ela.

Evidenciada a importância da investigação para o conhecimento dos óbitos maternos e para o aprimoramento do sistema de informações sobre essas mortes, resta contar com a motivação e interesse dos responsáveis pela saúde da população e sugerir às autoridades governamentais, estaduais e municipais da área da Saúde que atuem de forma a promover a reestruturação dos serviços de vigilância que investigam os óbitos de mulher em idade fértil e a re-implantação do Comitê de Mortalidade Materna em Belém-PA.

Com base em informações confiáveis, pode-se implantar, de fato, programas abrangentes e efetivos na melhoria da qualidade da assistência à gravidez, parto e puerpério e, assim, caminhar no sentido da prevenção e redução da mortalidade materna.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Núcleo do Ministério da Saúde/Pará
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Recebido em 27/09/2006
Aprovado 03/06/2008