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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.18 n.2 Brasília jun. 2009

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742009000200003 

ARTIGO ORIGINAL

 

Monitoramento da doença renal crônica terminal pelo subsistema de Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade – Apac – Brasil, 2000 a 2006

 

Monitoring end stage renal disease through the High Complexity Procedures Authorization subsystem – Apac – in Brazil, 2000-2006

 

 

Lenildo de MouraI; Maria Inês SchmidtII; Bruce Bartholow DuncanII; Roger dos Santos RosaII; Deborah Carvalho MaltaIII; Antony StevensI; Fernando Saldanha ThoméIV

IPrograma de Pós-Graduação em Epidemiologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília, Brasil
IIPrograma de Pós-Graduação em Epidemiologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil
IIIEscola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil
IVFaculdade de Medicina, Departamento de Medicina Interna, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo descreve dados gerados pelo Subsistema de Autorização de Procedimento de Alta Complexidade de Terapia Renal Substitutiva (Apac-TRS) 2000-2006 e avalia seu potencial para monitoramento da doença renal crônica terminal no Brasil. Após concatenar 2.192 arquivos da Apac-TRS e excluir pacientes repetidos, analisou-se o perfil epidemiológico dos ingressos em TRS segundo idade, sexo, região, tratamento e causa da doença renal. Identificaram-se 148.284 pacientes em tratamento dialítico no período, sendo a incidência estimada em 119,8/1.000.000 habitantes/ano no Brasil, variando de 143,6/1.000.000/ano na Região Sul a 66,3/1.000.000/ano na Região Norte. Hipertensão foi a causa em 32.571 (22,0%), diabetes mellitus em 20.412 (13,8%), glomerulonefrites em 10.654 (7,2%) e causa indeterminada em 66.439 (44.8 %) dos casos. A incidência foi estável no período, exceto para as faixas etárias acima de 65 anos, em que se observou aumento. Apesar das limitações inerentes aos bancos de dados administrativos, a base Apac-TRS tem potencial para ser utilizada no monitoramento da doença renal crônica terminal.

Palavras-chave: doença renal crônica; bases de dados; Sistema Único de Saúde; vigilância.


SUMMARY

This study describes data available at the High Complexity Procedures Authorization Subsystem on Renal Replacement Therapy (Apac/TRS) from 2000 to 2006 and evaluates its potential use for monitoring end stage chronic renal disease patients in Brazil. After gathering 2,192 Apac files and excluding repeated records, we have analyzed the epidemiological profile of patients initiating Renal Replacement Therapy according to age, sex, region, treatment and cause of renal disease. We have identified 148,284 patients in dialysis during the period of the study. The incidence rate was estimated as 119,8/1,000,000 inhabitants/year, varying from 143,6/1,000,000/year in the South of Brazil to 66,3/1,000,000/year in the North of the country. Hypertension was the listed cause of renal disease in 32,571 cases (22%), followed by diabetes mellitus in 20,414 cases (13.8%) and glomerulonephritis in 10,654 cases (7.2%). Undetermined cause accounted for 66,439 of all cases (44.8%). Incidence was stable, except for those patients over 65, among whom incidence has increased. The data available at Apac/TRS demonstrate that, despite limitations due to its administrative nature, the system is potentially useful for monitoring end stage chronic renal disease patients.

Key words: chronic renal disease; databases; Brazil; surveillance.


 

 

Introdução

A doença renal crônica – DRC – é definida como presença de lesão renal ou de nível reduzido de função renal durante três meses ou mais, independentemente do diagnóstico. Em sua fase mais avançada, é chamada de doença renal crônica terminal – DRCT –; ou estágio final de doença renal – EFDR –, quando há perda progressiva e irreversível da função renal.1-3

As atuais modalidades de tratamento para DRC são: (i) conservadora – dieta e medicamentos –; (ii) dialítico [hemodiálise (HD)] e diálise peritoneal [ou DP: diálise peritoneal intermitente (DPI); diálise peritoneal ambulatorial contínua (DPAC); e diálise peritoneal automatizada (DPA)]; e (iii) transplante renal (TR: doador vivo ou doador-cadáver).4 A DRC é um problema de Saúde Pública mundial – sua incidência e prevalência aumentam progressivamente –, com evolução desfavorável e custo elevado.5

Pesquisa realizada em 122 países demonstrou que havia 1.783.000 pacientes em tratamento para DRCT em 2004, dos quais 1.371.000 (77%) submetiam-se à modalidade de tratamento por diálise e 412.000 (23%) viviam com um transplante renal em funcionamento. A pesquisa também revelou que 50% dos pacientes em terapia renal substitutiva e 74% dos que vivem com um transplante são da América do Norte e da Europa.6

No Brasil, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD –, realizada pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), incluiu, no respectivo suplemento relativo à área da Saúde em 1998, questões sobre 12 das doenças crônicas – entre elas, a doença renal crônica. A mesma edição da PNAD/2008 estimou a prevalência de DRC nas Regiões Norte, de 2,8 casos por 100.000 habitantes, e Nordeste, de 3,9 casos por 100.000 habitantes, em contraposição a 10,7/100.000 habitantes na Região Centro-Oeste, 11,7/100.000 habitantes na Região Sudeste e 13,3 casos por 100.000 habitantes na Região Sul.7 Além dos dados da PNAD, destacam-se estudos de prevalência de DRC desenvolvidos no Brasil, caso de um trabalho sobre a função renal em idosos, mediante avaliação da urina com fitas reagentes, realizado em São Paulo.8

A hipercreatinemia fundamentou dois estudos de base populacional sobre a prevalência da DRC. O primeiro deles, desenvolvido por Lessa em Salvador, capital do Estado da Bahia, avaliou indivíduos acima de 20 anos de idade e, com base na creatinina sérica maior que 1,3mg/dl, encontrou uma prevalência de 3,1% de disfunção renal na população global e de 9,5% em indivíduos acima de 60 anos;9 o segundo estudo, realizado em Bambuí, Estado de Minas Gerais, também com base na creatinina sérica, porém com ponto de corte maior ou igual a 1,3mg/dl, cita prevalência de 5,29% e 8,19% para os idosos dos sexos feminino e masculino, respectivamente.10

Segundo dado fornecido pela Sociedade Brasileira de Nefrologia, em 1994, 24.000 pacientes eram mantidos em programa de diálise, número que ultrapassou os 70.000 em 2006, 89,4% deles tratados pelo Sistema Único de Saúde.11-13

O monitoramento da doença renal crônica terminal (DRCT) no Brasil é realizado por três grandes fontes de informações em saúde: o Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM –, o Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde – SIH/SUS – e o subsistema de Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade – Apac –, todos com cobertura nacional, aptos a atenderem às necessidades gerenciais, financeiras e epidemiológicas nacionais.14,15

O subsistema de Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade (Apac) foi criado em 1996. Diferencia-se dos demais sistemas de informações em saúde do país pelo grau de detalhamento dos registros. As informações gerenciadas por ele são importantes para o conhecimento do perfil epidemiológico dos pacientes atendidos pelo Apac, bem como para a avaliação de suas potencialidades na elaboração de indicadores de gestão, monitoramento e vigilância de doenças crônicas transmissíveis ou não. Sua estrutura complexa, entretanto, tem limitado seu uso.16-18

Com base nesses dados, realizou-se o presente estudo. Os principais propósitos destes autores foram (i) descrever o subsistema de Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade em terapia renal substitutiva (Apac-TRS) e (ii) o perfil epidemiológico dos pacientes portadores de doença renal crônica terminal atendidos pelo subsistema no período de 2000 a 2006, ademais de (iii) avaliar seu potencial como ferramenta de vigilância e monitoramento da doença renal crônica terminal.

 

Metodologia

Para descrever a operacionalização do subsistema Apac, promoveu-se uma revisão da bibliografia científica, dos instrumentos normativos e de outros documentos técnico-administrativos que descrevem suas características e finalidades, normas internas de funcionamento, fluxograma e objetivos.13,19,20

Para analisar o perfil epidemiológico dos pacientes portadores de DRCT que ingressaram no subsistema no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2006 e avaliar o potencial do subsistema Apac para vigilância e monitoramento da doença renal crônica terminal, investigaram-se seus arquivos. Construiu-se um banco de dados a partir do arquivo de cada paciente, denominado PC, do qual constavam nome, número de cadastro de pessoa física (CPF), sexo, data de nascimento, início do tratamento, endereço completo, diagnóstico principal e secundário, transplante, e outros.

Com base nas 27 unidades da federação, foram gerados 2.192 arquivos PC contendo dados mensais do período, disponibilizados pelo Departamento de Informática do SUS (Datasus). Os arquivos foram concatenados por um programa especifico, construído sobre o aplicativo Practical Extraction and Report Language – PERL.21

Como o Apac-TRS tem validade de apenas três meses, a grande maioria dos pacientes continha várias autorizações de procedimentos de alta complexidade. Assim, para definir um caso incidente de doença renal crônica terminal, tomou-se a menor data no campo 'data de referência' das diversas Apac como indicativo de quando o paciente entrou no subsistema. Em razão das inconsistências observadas no preenchimento dessa variável no ano 2000, apenas para este período, um caso incidente foi definido a partir da menor data da variável 'data do início de tratamento'.

Para identificação do paciente incidente, utilizou-se a ferramenta identify duplicates do software SPSS® versão 13.0.1, tendo como variável-chave o PAC_CPFPCN (CPF do paciente) e a compatibilidade das seguintes variáveis: PAC_GESTAO (código de gestão do Município); PAC_NUM (número da Apac); PAC_DATREF (data de competência do atendimento); e PAC_INITRA (data do primeiro tratamento realizado).

O banco de dados foi constituído a partir da seleção do primeiro registro, correspondente à menor data do inicio do tratamento para o ano 2000, e da data de referência do paciente para os demais anos. Registros sem o preenchimento da variável PAC_CPFPCN não foram considerados para análise do perfil epidemiológico dos pacientes.

A classificação da patologia de base que originou a doença renal crônica terminal foi definida em seis grupos, com base nos códigos da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – Décima Revisão (CID-10): insuficiência renal terminal de causa incerta; diabetes mellitus; hipertensão arterial sistêmica; glomerulonefrites; nefrites intersticiais crônicas, incluindo uropatias obstrutivas; e outras (correspondentes aos demais itens-códigos da CID-10 relacionados a insuficiência renal crônica terminal),22 conforme se apresentam na Figura 1.

 

 

O aplicativo Microsoft Excel serviu ao cálculo dos coeficientes de incidência do período para o Brasil e suas macrorregiões, com base na população definida pelo Censo Demográfico 2000 e projeções intercensitárias de 2001 a 2006, do IBGE.23 Os coeficientes foram expressos por 1.000.000 habitantes/ano (pmp = paciente por milhão da população) e as análises foram realizadas pelo SPSS® versão 13.0.1.

As bases de dados foram disponibilizadas pelo Datasus, conforme 'Termo de Compromisso e Responsabilidade' firmado pelo Departamento de Analise de Situação de Saúde, da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde – Dasis/SVS/MS –, que tem como um de seus objetivos desenvolver análises de dados de bancos secundários de interesse nacional nas áreas de doenças transmissíveis e não transmissíveis.

 

Resultados

A Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde – NOB-SUS 01/96 –, editada pelo Ministério da Saúde, define que os procedimentos de alta complexidade nas áreas de nefrologia, cardiologia, oncologia, ortopedia, oftalmologia e outros, deveriam ser remunerados a partir da Apac, documento que identifica cada paciente e assegura a prévia autorização e o registro adequado dos serviços a ele prestados.18

Em abril de 1997, o subsistema Apac foi implantado em âmbito nacional, com a finalidade de gerenciar o custeio dos procedimentos de alta complexidade efetuados nos serviços públicos e privados, sejam eles contratados ou conveniados ao SUS. O Apac-TRS foi a primeira categoria de autorização implementada com essa finalidade.

Na implantação do Apac-TRS, definiu-se um fluxograma de tratamento ambulatorial para a doença renal crônica no SUS e padronizou-se o preenchimento da autorização mediante a publicação de normas e Portarias. O trabalho de regulação, realizado por peritos, permite avaliar e aprovar – ou não – a realização do procedimento, além de fixar critério de seleção do paciente. Essa etapa visa agregar qualidade, aumentar a sensibilidade, especificidade e cobertura do instrumento.19

O subsistema Apac possui um conjunto de seis arquivos com dados específicos sobre o tratamento da doença renal crônica: arquivo AC – dados sobre o paciente e o procedimento principal autorizado –; arquivo CO – dados sobre faturamento dos procedimentos, valores produzidos e cobrados ou glosados –; arquivo EX – dados referentes a exames realizados pelo paciente durante seu tratamento –; arquivo PC – dados demográficos e das condições de entrada do paciente renal no subsistema –; arquivo PF – a relação do paciente e medicamentos excepcionais recebidos durante o tratamento –; e arquivo CA – unidades prestadoras de serviços cadastradas no SUS.16,19

Os registros eletrônicos das Apac emitidas, gerados mensalmente pelas unidades que atendem os pacientes em TRS, são posteriormente encaminhados ao Datasus, para consolidação em arquivos por unidade da federação.

Na elaboração do banco de dados, identificou-se um total de 4.847.666 registros, dos quais foram excluídos 97.915 por não apresentarem o preenchimento da variável 'CPF', importante na identificação do paciente-caso; e mais 24.423 registros cujos respectivos códigos CID-10 relacionavam-se a transtorno do cristalino (H25-H28), referentes à campanha de cirurgia de catarata realizada nos anos 2000 e 2001, que haviam sido incluídos na base de dados do Apac-TRS por uma resolução administrativa interna ao Datasus.

A Tabela 1 apresenta a distribuição dos casos incidentes de DRCT detectados pelo subsistema Apac como iniciantes na terapia renal substitutiva pelo SUS entre 2000 e 2006, segundo categorias de idade, diagnóstico de base que originou a doença e macrorregião, separadamente para homens e mulheres. No período estudado, identificou-se um total de 148.284 pacientes portadores de DRCT, 57% deles homens. A maior proporção dos pacientes ocorreu no Sudeste e no Nordeste do Brasil, duas Regiões que compreendem 71,7% (50,2% e 21,5%, respectivamente) do total de casos atendidos no período estudado. Entre as causas determinadas, as principais foram hipertensão arterial (22,0%), diabetes mellitus (13,8%) e glomerulonefrites (7,2%). Digna de nota foi a elevada proporção de causas indeterminadas, 44,8% do total.

 

 

A incidência da doença é maior nos homens que entre as mulheres. Aumenta com a idade, embora nas mulheres o pico proporcional ocorra na faixa etária de 65 a 74 anos (Tabela 1). Os coeficientes de incidência foram mais elevados nas Regiões Sul e Sudeste – 143,6/1.000.000/ano e 141,1/1.000.000/ano, respectivamente – e mais baixos nas Regiões Norte e Nordeste – 66,3/1.000.000/ano e 92,3/1.000.000/ano, respectivamente.

A Figura 2 mostra os coeficientes de incidência relativos aos diagnósticos de base da doença renal crônica terminal presentes nas Apac emitidas no período de 2000 a 2006. É notória a predominância das causas indeterminadas: entre 2001 e 2004, observa-se um acréscimo na incidência de causas indeterminadas, seguido de uma discreta redução em 2005 e 2006. A incidência por causas determinadas manteve-se relativamente estável no período, à exceção de uma aparente redução na ocorrência das nefrites.

 

 

A Figura 3 apresenta os coeficientes de incidência de DRCT calculados sobre as Apac, por grupos etários, no período de 2000 a 2006. Nota-se, aqui também, relativa estabilidade nas incidências segundo categorias de idade, até 64 anos. Na faixa etária de 75 anos e mais, verifica-se um aumento progressivo, de 500 pmp em 2000 para 680 pmp em 2006.

 

 

A Figura 4 destaca os coeficientes de incidência de DRCT segundo faixa etária e macrorregião: o Sul apresenta os maiores coeficientes de incidência acima de 65 anos, seguido do Sudeste e Centro-Oeste; para as demais faixas etárias, os coeficientes são semelhantes em todas as Regiões.

 

 

Discussão

A avaliação periódica dos sistemas de informações em saúde disponibiliza informações relevantes quanto à qualidade e utilidade dos dados por eles gerados e deve ser integrada à rotina dos serviços de vigilância. 14,15,24 O propósito maior de avaliar sistemas de informações em saúde é assegurar que os problemas de importância possam ser monitorados e que os dados possam subsidiar os gestores do SUS no planejamento e implementação de programas e ações direcionados à prevenção, controle das doenças e agravos, bem como na avaliação das intervenções.

O subsistema Apac-TRS atende 89,4% dos pacientes em tratamento no país. Este estudo demonstrou a relevância do subsistema para o monitoramento, descrição e análise da doença renal crônica terminal no Brasil.

A estrutura das variáveis que constituem os seis arquivos do Apac-TRS permite sua linkagem e a construção de bases de dados para a análise de sobrevida, prevalência, incidência e custos dos pacientes, elaboração de indicadores de natureza epidemiológica e de gestão. A linkagem também pode ser desenvolvida com outras bases de dados, como a de internações e mortalidade, possibilitando aprofundar as análises e verificar a qualidade dos dados do subsistema.

Cabe ressaltar, entretanto, que a Apac foi criada dentro da lógica do pagamento da atenção ambulatorial e apresenta limitações inerentes a um banco de dados administrativo. Porém, o fato de o subsistema analisado revelar expressiva utilização de serviços para seu tratamento, adequados a sua alta morbimortalidade e custo, mostra a relevância de seu uso em vigilância. Outra grande vantagem do subsistema, verificada no processo de análise, é a agilidade no fluxo dos dados: as novas inclusões de pacientes são incorporadas às bases de dados estaduais e nacionais em um intervalo de 30 a 60 dias.

A análise do arquivo PC demonstrou que as variáveis demográficas (sexo, faixa etária, local de residência e nascimento) foram preenchidas com precisão, permitindo a construção de indicadores úteis para a vigilância e gestão, e delineamento de estudos epidemiológicos e análises espaciais. Porém, as referentes a transplantes renais mostraram-se inconsistentes para análise. Observou-se a ausência da variável raça/cor. Embora haja poucos estudos epidemiológicos abordando essa temática, as disparidades na incidência de doença renal crônica dentro e entre países desenvolvidos podem refletir a diversidade racial e étnica.25

Os dados aqui apresentados mostram uma tendência discreta de aumento das incidências em pessoas acima de 65 anos de idade. Esse fenômeno pode estar relacionado ao envelhecimento da população brasileira, maior utilização da terapia renal substitutiva por idosos e redução da mortalidade por outras vasculopatias, como infarto de miocárdio e acidente vascular cerebral. A incidência de pacientes em tratamento para doença renal crônica terminal foi nitidamente maior no Sul e no Sudeste, evidenciando disparidades na oferta desse complexo tratamento.

Uma deficiência importante do subsistema é a dificuldade em identificar as causas que levaram à DRCT, uma vez que o percentual de causas indeterminadas no período de 2000 a 2006 foi elevado. Embora a análise das causas de DRCT tenha sido prejudicada, os dados sugerem ser a hipertensão e o diabetes as doenças que mais acometeram os pacientes em TRS. É para elas, portanto, que programas preventivos devem ser implementados com maior ênfase.

As incidências de insuficiência renal crônica terminal nas Apac que dispõem como diagnóstico de base a hipertensão ou o diabetes mellitus foram de 26,3/1.000.000/ano e 16.5/1.000.000/ano, respectivamente, semelhantes às encontradas por Oliveira.11 Os dados diferem dos relatados para os Estados Unidos da América (EUA), Europa, Japão e alguns países da América Latina, onde a primeira causa é o diabetes mellitus, seguido da hipertensão.26-29 Na África, os dados publicados indicam as glomerulonefrites como a causa principal, seguindo-se a hipertensão e o diabetes.30-32 Esses estudos, quase sempre, excluem as causas indeterminadas; o que não ocorreu com este, para ressaltar a importância de novos trabalhos que identifiquem quais os reais diagnósticos de base responsáveis pelo desenvolvimento da insuficiência renal crônica no Brasil.

Estes autores optaram por incluir casos do ano 2000, baseados na análise das variáveis 'data de referência' e 'início de tratamento'. Naquele ano, a variável 'data de referência', indicativa de quando o paciente entrou no subsistema, apresentou muitas inconsistências em seu preenchimento, resultando em uma superestimativa de casos. Isto, possivelmente, justifica-se pelo fato de o subsistema ter iniciada sua implantação nacional nesse período, então em fase crítica, de ajustes e aperfeiçoamentos do software de entrada de dados. Para minimizar o problema de superestimativa, decidiu-se usar, para o ano 2000, a variável 'data de início de tratamento'. Contudo, há possibilidade de, ainda assim, ocorrerem subestimativas nas incidências nos anos posteriores. A 'data de referência', além de indicar a entrada do paciente no subsistema, refere-se ao pagamento da terapia, e os sistemas de informações administrativos do SUS permitem a inclusão de pacientes até três meses, em média, após seu atendimento.

Portanto, a análise das tendências temporais da incidência da doença renal cronica terminal precisa ser ampliada com dados dos próximos anos. Essa analise se refere aos pacientes que realizaram tratamento para DRCT no SUS; contudo, 10,6% dos pacientes do Brasil atendidos em sistemas privados não foram incluídos nessa análise.

A distribuição das causas de doença renal crônica terminal ficou prejudicada pela alta proporção de causas indeterminadas. A título de comparação, nos EUA, o percentual de causas indeterminadas de terapia renal substitutiva em 2005 era da ordem de 4,3%.33 Nos países europeus, entre 1990 e 1999, houve um aumento na incidência por causa indeterminada, subindo de 14 para 19%.29 Eis um tema relevante para investigação posterior.

O Apac é um subsistema complexo. Construído para fins administrativos e financeiros, seu conhecimento e sua utilização por gestores e pesquisadores ainda são limitados e heterogêneos. Seus dados encontram-se disponíveis nas bases do Datasus, embora o formato e o número de arquivos apresentem dificuldade de uso. Com base nos resultados encontrados e nas informações geradas, o subsistema de Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade em Terapia Renal Substitutiva, não obstante lacunas a serem preenchidas, demonstrou ser uma ferramenta útil para a vigilância e monitoramento da doença renal crônica terminal. Trata-se de uma fonte de dados muito importante para o conhecimento da situação epidemiológica da DRCT no Brasil. Se disponibilizados em formato mais acessível, os arquivos do Apac-TRS poderão ser linkados com outras bases de dados de morbidade ou mortalidade, ampliando o escopo das análises e subsidiando o planejamento de políticas públicas de prevenção e controle da doença renal crônica no Brasil.

Os resultados encontrados neste estudo permitem a seus autores recomendar: (i) utilização dos dados da Apac-TRS para subsidiar o planejamento e implementação de ações de promoção, prevenção e assistência aos pacientes portadores de doença renal crônica terminal, em nível nacional e regional; (ii) fomento do uso das informações geradas, em nível local, visando ao direcionamento de programas de prevenção; (iii) realização de estudos para identificar os reais diagnósticos de base responsáveis pelo desenvolvimento da insuficiência renal crônica terminal no país; (iv) revisão e avaliação periódica do subsistema, validação da qualidade de entrada de dados e inclusão da variável raça/cor e outras, sobre fatores de risco; (v) construção de indicadores para vigilância, prevenção e controle dessa doença; e (vi) utilização do subsistema Apac como ferramenta para subsidiar a vigilância e monitoramento das doenças crônicas não transmissíveis. Para agilizar a aplicação dessas recomendações, é fundamental a integração, de forma rotineira, dos arquivos em bases concatenadas, bem como a ampliação do acesso a essas bases.

Finalmente, é importante considerar que este trabalho oferece uma análise parcial dos dados coletados pelo subsistema Apac. Outros estudos e análises específicos poder-se-ão realizar, considerando-se os diferentes arquivos existentes e sua relevância.

 

Agradecimentos

A Juliana Hoffmann, Ana Maria Johnson de Assis, Wanderson Kleber de Oliveira, Maria de Fatima Marinho de Souza, Jamil Nascimento, José Luiz Nogueira Wilson Squiavo, pelo apoio técnico durante a elaboração deste estudo.

À equipe do Datasus/Rio de Janeiro-RJ, especialmente a Guido, pelo acesso às bases de dados.

 

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Endereço para correspondência:
Ministério da Saúde,
Secretaria de Vigilância em Saúde,
Coordenação-Geral de Doenças e Agravos não Transmissíveis,
Esplanada dos Ministérios,
Bloco G, Edifício-Sede, Sobreloja, Sala 142,
Brasília-DF, Brasil.
CEP: 70058-900
E-mail:lenildo.moura@saude.gov.br

Recebido em 07/03/2008
Aprovado em 23/12/2008