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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.18 n.3 Brasília set. 2009

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742009000300004 

ARTIGO ORIGINAL

 

Avaliação da completitude dos registros de febre tifóide notificados no Sinan pela Bahia*

 

Assessment of completion of typhoid fever notification forms registered at Sinan by health services in the State of Bahia

 

 

 

Maria Elisa Paula de OliveiraI; Maria Raquel de Aquino Lima SoaresI; Maria da Conceição Nascimento CostaII; Eduardo Luiz Andrade MotaII

ISecretaria da Saúde do Estado da Bahia, Salvador-BA, Brasil
IIInstituto de Saúde Coletiva da Bahia, Universidade Federal da Bahia, Salvador-BA, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo avaliou a completitude das fichas de investigação epidemiológica (FIE) de Febre Tifóide, na Bahia (2003-2006), e discutiu implicações para a vigilância e perfil epidemiológico da doença, tendo o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e prontuários médicos como fontes de dados. O indicador empregado foi a proporção de cada campo preenchido, classificado como excelente (>90%); regular (70%-89%) ou de baixa (<70%) completitude. A maioria dos campos apresentou regular (70%-89%) ou baixa (<70%) completitude. Somente nas variáveis de identificação verificou-se 100% de completitude. Foram estatisticamente significantes as diferenças entre antes e após o encerramento de casos pendentes referentes ao número de casos confirmados (aumento anual médio de 15%, em 2004-2006) e as proporções de FIE cujo campo "classificação final" encontrava-se preenchido (de 81,9% em 2003 e 67,0% em 2005, para 89,5% e 77,6%, nesses mesmos anos). O estudo evidenciou a necessidade de investimentos na melhoria do preenchimento das FIE da febre tifóide na Bahia e esclarecimento dos profissionais de saúde sobre a importância da informação.

Palavras-chave: informação em saúde; completitude; febre tifóide; vigilância epidemiológica.


SUMMARY

This study assessed the filling out of typhoid fever epidemiological investigation forms (EIF) from 2003 to 2006 in the State of Bahia, Brazil and indicated its impact on surveillance and epidemiological profile of the disease. Data consisted of cases registered in the Information System for Notifiable Diseases (Sinan) and hospital medical records. The indicator used was each field completion rate which was classified as excellent (>90%), average (70%-89%) or low (<70%). Completion of variables ranged mostly from average (70%-89%) to low (< 70%) and only identification data were fulfilled 100%. Statistically significant differences were observed comparing data before and after resolving pending cases (with a 15% average annual increase of confirmed cases from 2004 to 2006). Also, the percentage of completion of the "final classification" field increased from 81.9% to 89.5% in 2003 and from 67.0% to 77.6% in 2005). Findings show the need to invest on data quality improvement related to the completion of all fields of typhoid fever investigation forms in Bahia and to instruct professionals on the importance of health information.

Key words: health information; evaluation of completeness; typhoid fever; epidemiologic surveillance.


 

 

Introdução

O interesse sobre avaliação da qualidade da informação em saúde vem ganhando, cada vez mais evidência no Brasil. Ademais, também têm sido crescentes, no cenário nacional, as referências sobre a importância da informação para o planejamento e gestão de recursos, bem como para fundamentar decisões sobre medidas de promoção e proteção da saúde, além de ações de prevenção e controle de doenças no indivíduo e em populações, entre outras aplicações.

Entretanto, na prática, a utilização da avaliação no processo de gestão da saúde ainda pode ser considerada incipiente e, a pouca experiência dos serviços em abordagens inter-setoriais, aliada a inadequação dos sistemas de informação para o desempenho das funções gestoras,1 são algumas das razões apontadas para a atual situação.

Por sua vez, as modificações que vem ocorrendo no sistema de saúde do país têm aumentado a demanda por informações gerenciais e epidemiológicas, tornando premente a superação de algumas lacunas identificadas no tocante à qualidade dos registros. Como os dados registrados nos serviços de saúde, congregados em diferentes sistemas de informação, devem ser utilizados para conhecer e acompanhar a situação de saúde,2 a qualidade dos dados que geram a informação e o conhecimento epidemiológico é crucial para todo processo.

Em particular, a notificação e investigação de casos e de surtos são fundamentais por permitir o conhecimento da magnitude dos agravos e o desencadeamento oportuno das medidas preventivas pertinentes, para que a vigilância epidemiológica possa desempenhar adequadamente a monitoração sistemática e adoção e avaliação das ações de controle das doenças, uma de suas mais relevantes atividades.3

No que se refere à vigilância das doenças transmitidas por alimentos (DTA), apenas botulismo, cólera e febre tifóide são de notificação individual obrigatória no Brasil. Esta última é uma doença infecciosa potencialmente grave que vem apresentando acentuada tendência de queda no país. Sua incidência reduziu de 1,5 por 100.000 em 1995 para 0,2 por 100.000 habitantes em 2005, ou seja, houve um decréscimo de 86,7% no período. Este comportamento também está sendo observado na Bahia, visto que no mesmo período sua incidência reduziu 93,3%, passando de 7,5 para 0,5 por 100.000 habitantes.4 Chama a atenção, entretanto, ser a Bahia o segundo Estado com maior número de casos notificados de febre tifóide. Esta situação pode ser decorrente de diferenças na prevalência de fatores que determinam a ocorrência da doença como também da qualidade do sistema de notificação, quando comparada a outras unidades federadas do país. Ainda que a febre tifóide esteja apresentando tendência de declínio, e mesmo sendo a Bahia um dos principais notificantes da doença no país, não se pode deixar de considerar a possibilidade de existência de subnotificação nesse Estado.

Apesar da potencial melhor notificação da doença na Bahia, dados oficiais demonstram que muitos casos não tiveram a investigação epidemiológica encerrada. Diante deste quadro, o Ministério da Saúde solicitou à Diretoria de Vigilância Epidemiológica (Divep/Sesab) da Bahia que envidasse esforços no sentido de buscar esclarecer e corrigir a situação e, desse modo, tornar as referidas informações em condições de subsidiar a elaboração de uma estratégia de ação que constituirá o plano de ação da vigilância epidemiológica da febre tifóide (VEFT) para os próximos anos.

Nesta perspectiva, com o propósito de produzir informações que contribuam para uma maior aproximação do real perfil epidemiológico da febre tifóide na Bahia, este estudo tem como objetivo analisar a completitude das fichas de investigação epidemiológica de febre tifóide, nos anos de 2003 a 2006, e discutir possíveis implicações para a vigilância e para o perfil epidemiológico da doença no Estado.

 

Metodologia

Foi desenvolvido um estudo descritivo dos indicadores de completitude de todos os campos das fichas de investigação epidemiológica de casos de febre tifóide, no Estado da Bahia, no período de 2003 a 2006.

Percentuais de campos preenchidos da ficha de investigação epidemiológica (FIE) da febre tifóide disponíveis no site do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan)4 foram utilizados como indicadores de completitude. Este levantamento foi realizado em agosto de 2007 e, portanto, a base de dados utilizada estava atualizada, visto que já havia transcorrido tempo suficiente tanto para concluir oportunamente as investigações – cujo prazo é de 60 dias – realizadas no ano de 2006, como também para os dados serem transferidos. Adicionalmente, foram consultados relatórios do Sinan da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia,5 e realizou-se uma revisão das fichas de notificação/investigação no Sinan e dos prontuários médicos dos pacientes cuja ficha de investigação Epidemiológica apresentava o campo "encerramento do caso" sem preenchimento (casos pendentes). Para suprir esta lacuna, solicitava-se à Diretoria Regional de Saúde/Dires de origem que adotasse, junto às Secretarias Municipais de Saúde, as medidas pertinentes visando obter as informações necessárias para o encerramento do caso. Participaram desta etapa do trabalho técnicos da Sesab, Laboratório Central (Lacen/BA), Secretaria de Vigilância da Saúde (SVS/MS), e Coordenação Geral de Laboratório (CGLAB/MS), de modo a também validar um fluxograma, proposto pela SVS/MS, contendo orientações para encerramento de casos de febre tifóide.

A seguinte classificação indicada pelo Sinan foi utilizada como parâmetro para avaliar o grau do preenchimento quanto à completitude dos campos existentes na referida ficha: Excelente: igual ou superior a 90%; Regular: 70% a 89%; e Baixa: abaixo de 70%. Na análise de dados também foram comparados os percentuais de preenchimento do campo "classificação final" das fichas de investigação, assim como as taxas de incidência de febre tifóide "antes" e "após" o preenchimento deste campo nas fichas de investigação epidemiológica que se apresentaram na situação "pendente", ou seja, aquelas que não apresentavam registro de encerramento do caso. Foi possível obter, nos prontuários médicos, os dados necessários para o encerramento. Foi aplicado o teste estatístico de diferença entre proporções, admitindo-se um intervalo de confiança de 95%, para verificar se as diferenças observadas foram estatisticamente significantes. O software Stata 9 foi utilizado para a análise estatística dos dados.

Considerações éticas

Considerando que este estudo utilizou dados secundários (base de dados do Sinan, prontuários e ou fichas de atendimento ambulatorial dos pacientes com suspeita de febre tifóide, cujos casos se encontravam sem encerramento), os autores se comprometeram a garantir o sigilo e a privacidade das informações coletadas, de acordo com as normas exigidas pela Resolução CNS 196/96 e a Resolução Normativa 01/97/HCPA.

 

Resultados

No período de 2003 a 2006 foram notificados no Estado da Bahia 852 casos de febre tifóide, com variação de 372, em 2003, a 144 em 2004 e 2006 observando-se, assim, tendência de declínio. Desse total, 746 (87,6%) foram investigados e 641 (85,9%) destes últimos tiveram a investigação epidemiológica encerrada. A proporção de casos investigados que ficou sem encerramento reduziu de 16,4%, em 2003, para 7,4% em 2006 (Tabela 1).

 

 

Verifica-se na Tabela 2 que a maioria dos campos da ficha de investigação epidemiológica da febre tifóide referente às variáveis de identificação apresentou percentuais de 100% de completitude (excelente), estando somente uma parcela reduzida deles na faixa de 70% a 80% (regular). Já para as variáveis que contemplam os possíveis vínculos com a doença (alimentos, eventos populares, e outros) os percentuais de preenchimento variaram de 43,2 a 54,8% (baixa completitude). Para o campo referente a "sinais e sintomas", os valores deste indicador foram de cerca de 60,0% (em 2005) a 76,4% (em 2006). Sobre dados laboratoriais, o percentual de preenchimento variou de 41,7% (para mielocultura) no ano de 2004 a 60,4% (para hemocultura) no ano de 2006. Os registros referentes às datas das coletas para exames apresentaram um baixo percentual de completitude, variando de 0,3% em 2003 a 8,3% em 2004. No que se refere ao critério de confirmação/descarte, o maior percentual de completitude ocorreu em 2003 (86,0%) e foi reduzindo gradativamente até 69,0% em 2006. No campo para registro da evolução do caso também se observa redução no percentual de preenchimento de 2003 (81%) a 2006 (67,4%) e o mesmo se verifica para a data de encerramento do caso, onde este indicador decresceu de 89% em 2003 para 73% em 2006. Os demais campos da ficha epidemiológica apresentaram ao final um percentual de completitude que variou de 75,7% em 2004 a 83,9% em 2005, sendo classificados como "regular", muito embora alguns deles apresentassem uma discreta tendência de piora no grau de preenchimento.

 

 

Constatou-se haver discordância entre as informações contidas nos bancos de dados do Sinan dos níveis municipal, estadual e federal. De acordo com este último, 218 casos notificados de febre tifóide encontravam-se sem encerramento da investigação epidemiológica enquanto, segundo os relatórios do Sinan estadual, este número era de 105. Entretanto, os 218 casos foram objeto do levantamento realizado no Município onde se verificou que 129 (59%) já haviam sido encerrados no próprio Município de notificação sendo, 39 (30%) confirmados, 55 (43%) descartados, e 35 (27%) inconclusivos. Após a coleta de dados nos prontuários médicos dos 89 casos que, de fato, estavam pendentes, 12 (13%) foram confirmados, 31 (35%) descartados, e 46 (52%) foram classificados como inconclusivos. A maioria desses casos foi encerrada, principalmente, pelo critério laboratorial, tomando por base os registros dos prontuários/fichas de atendimento das unidades de saúde encaminhados pelas Secretarias Municipais de Saúde.

A proporção de FIE de febre tifóide cujo campo "classificação final" encontrava-se preenchido antes do encerramento de casos pendentes variava de 81,9%, em 2003, a 67,0%, em 2005. Após o encerramento de vários destes casos, o valor deste indicador variou de 89,5% em 2003 a 77,6% em 2005. As diferenças observadas na comparação "antes" x "depois" foram significantes (Tabela 3). A taxa de incidência de febre tifóide, que variava de 1,65 (em 2003) a 0,53 (em 2006) por 100.000 habitantes, após o encerramento de casos pendentes passou a variar de 1,76 a 0,63 por 100.000 habitantes naqueles mesmos anos. O número de casos confirmados desta doença apresentou incremento estatisticamente significante em todos os anos do estudo, após o encerramento de casos pendentes (Tabela 4).

 

 

 

 

Durante a revisão das fichas de investigação epidemiológica e de prontuários médicos, observou-se que para vários casos não havia registro de solicitação de exames diagnósticos confirmatórios específicos para Febre Tifóide, como hemocultura (nas duas primeiras semanas da doença) e coprocultura (nas 3a e 4a semanas). Dentre os 218 casos analisados, apenas um teve amostras de sangue e fezes encaminhadas ao Lacen/BA para realização de cultura. O diagnóstico de alguns casos de febre tifóide foi realizado mediante Reação de Widal (técnica não recomendada pelo Ministério da Saúde) ou técnicas inespecíficas, e foi verificada uma diversidade de erros quando da interpretação desses resultados. Além disso, como já referido, havia casos encerrados oportunamente no nível municipal de saúde, estando eles pendentes (sem preenchimento do campo relativo a encerramento do caso) no nível estadual e federal (Sinan), bem como ausência de acompanhamento do caso, pelo nível municipal, inclusive de pacientes com registro de coleta de amostras de material biológico como sangue e fezes. Em nenhum dos casos investigados constava a busca dos comunicantes/portadores da doença relacionados com os suspeitos, da mesma forma que não havia registro de coleta de amostras bromatológicas (água e alimentos) para possível identificação da fonte de contaminação.

 

Discussão

A completitude do preenchimento das fichas de investigação epidemiológica da febre tifóide no Estado da Bahia, entre 2003 e 2006, recebeu classificação que variou entre "regular" e "ruim", para a maioria de seus campos. Somente naqueles relativos às variáveis de identificação observou-se completitude "excelente". A elevada completitude destes campos e daqueles referentes à fonte notificante do indivíduo e ao local de sua residência possivelmente decorreu do fato de que o seu não-preenchimento impossibilitaria a inclusão da notificação no Sinan. Vale salientar que a completitude dos campos da investigação é afetada quando a notificação não é seguida de investigação ou se os dados da investigação não são coletados ou digitados. Assim, apesar do campo data da investigação e outras serem de preenchimento obrigatório para a inclusão da investigação no Sinan, as mesmas apresentaram completitude inferior a 100% porque existem no banco de dados notificações sem investigação.

Outros campos importantes da FIE, como aqueles que contemplam os vínculos da doença com alimentos, eventos populares e outros, e aqueles relativos aos dados laboratoriais considerados relevantes para o encerramento e classificação final do caso, apresentavam baixo grau de completitude. Possivelmente, esse foi um dos motivos para que mais da metade dos casos investigados fossem confirmados pelo critério clínico epidemiológico. Por outro lado, é importante destacar que, no último ano do período analisado, campos da FIE que não são de preenchimento obrigatório, mas são considerados essenciais para a VE como a escolaridade, raça e zona de residência, também apresentaram completitudes superiores a 70%, o que é um fato positivo.

Entende-se que o grau de completitude dos dados de notificação pode sofrer influência dos serviços de diagnóstico disponíveis, das medidas de controle em funcionamento e dos interesses, recursos, e prioridades das autoridades responsáveis pelo controle da doença e pela vigilância em saúde pública, conforme referem McNabb e colaboradores.6 Contudo, chama-se aqui a atenção para o fato de que a Bahia foi a unidade da federação que, sistematicamente, apresentou os maiores níveis de incompletitude em todas as variáveis analisadas em uma avaliação da qualidade das variáveis epidemiológicas e demográficas do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos.7 Essa situação fortalece as evidências sugeridas pelo presente estudo quanto a necessidade de envidar esforços no sentido de sensibilizar os profissionais de saúde desse Estado sobre o papel da informação na busca da qualidade da atenção à saúde e melhoria das condições de saúde da população.

O fato de, na avaliação adicional, ter sido possível encerrar muitos casos pendentes, na sua maioria pelo critério laboratorial, já que as informações necessárias estavam registradas nos prontuários/fichas de atendimento encaminhados pelas unidades de saúde, evidencia que existiam falhas quanto ao acompanhamento dos resultados laboratoriais, bem como no fluxo de retorno ao sistema para inclusão do resultado e conclusão do caso. Hipóteses que podem explicar esta deficiência é a possibilidade de desconhecimento por parte dos técnicos da vigilância quanto aos fluxos de retorno da investigação, dificuldades quanto à interpretação do diagnóstico laboratorial, ou até falta de motivação ou de tempo suficiente para esta atividade diante da priorização das demandas nos serviços. Provavelmente, a discordância existente entre o número de casos encerrados nos bancos de dados dos níveis estadual e municipal resulte de pouca prioridade ou desinteresse dos profissionais de saúde quanto a febre tifóide, por encontrar-se em franco declínio; ou por problemas no Sinan, quando da transferência dos dados.

Como referem Laguardia e colaboradores,8 deficiências na abrangência e qualidade dos dados ocorrem pelo fato da maioria dos profissionais de saúde no país considerar o preenchimento dos instrumentos de coleta de dados como uma atividade meramente burocrática e de importância secundária. Os fatores citados podem ter contribuído para a baixa completitude das fichas epidemiológicas da febre tifóide na Bahia, visto que durante a investigação epidemiológica desta doença muitos dados não podem ser coletados no primeiro momento da investigação. Por não lhes ser conferida a real importância, os responsáveis pela atividade não vão buscar tais dados no momento oportuno.

A falta de compromisso dos profissionais com a obrigatoriedade da notificação também pode ser um dos fatores decisivos para a deficiência da qualidade dos dados. Da mesma forma, podem existir grandes limitações no fluxo interno dos locais nos quais os pacientes são atendidos e onde os dados são consolidados no banco, aliados ao fato de que os dados são obtidos a partir de registros constantes dos prontuários, e coletados, na maioria das vezes, por técnicos ou encarregados desta atividade.9 Assim, é fundamental a capacitação dos profissionais de saúde acerca da importância da qualidade da informação, inclusive para outros agravos, como destacado por Seraceni.10

Qualquer que seja a explicação, esses achados não deixam dúvidas quanto à necessidade de melhorar a qualidade da investigação epidemiológica da febre tifóide na Bahia. As deficiências no preenchimento dos campos da ficha de investigação epidemiológica da doença comprometem a qualidade e a pertinência das informações disponíveis e, conseqüentemente, a adoção de uma vigilância epidemiológica efetiva.

O aumento significativo dos percentuais de casos investigados com registro da classificação final, e a elevação do número de casos confirmados após o encerramento de casos pendentes em todos os anos da série, são resultados importantes do ponto de vista epidemiológico. Todavia, a constatação de que o preenchimento da maioria dos campos da ficha epidemiológica da febre tifóide na Bahia, no período 2003-2006, variou de "regular a baixa" completitude indica falha na investigação epidemiológica e demonstra a necessidade de trabalho para conscientização e sensibilização dos profissionais sobre a importância, não só de se investigar 100% dos casos notificados – já que apenas 75% das notificações foram investigadas no período – como também sobre a relevância do preenchimento de todos os campos da ficha de investigação epidemiológica, inclusive do encerramento oportuno de casos.

É imperioso que os profissionais de saúde que realizam atendimento clínico devam estar informados de que a inexistência de solicitação de exames diagnósticos confirmatórios específicos para a febre tifóide, como observado neste estudo, compromete a investigação oportuna dos casos. Da mesma forma, os profissionais de saúde da vigilância epidemiológica devem garantir a consistência na informação do Sinan nas três esferas do governo, principalmente em relação ao encerramento dos casos, já que esta falha pode mascarar a real magnitude do agravo no Estado. Assim, é necessário que a vigilância busque o retorno dos resultados laboratoriais, quer seja no laboratório municipal, Lacen ou mesmo unidade privada, caso o paciente tenha sido por ela atendido. Ademais, as informações também podem ser completadas por meio de revisão de prontuário e até mesmo por visita domiciliar. O passo fundamental, no entanto, é atualizar a informação no Sinan; do contrário, casos com diagnósticos confirmados continuarão como pendentes para a vigilância epidemiológica.

Os achados deste estudo evidenciam ser essencial a capacitação clínica, e em especial, para o diagnóstico, dos profissionais médicos dos principais hospitais de referência em doenças infecciosas e de pediatria, bem como para a vigilância da febre tifóide para os profissionais dos Municípios com maior número de notificações de casos desta doença. Faz-se ainda necessário que a Secretaria de Vigilância em Saúde verifique, sistematicamente, as incongruências do banco de dados nas três esferas do Sistema, e que seja elaborada nota técnica orientando sobre o diagnóstico da febre tifóide e proibindo o uso da reação de Widal para este fim. Ademais, também é imprescindível o monitoramento regular e freqüente da qualidade dos dados dos bancos do Sinan nas três esferas de governo, analisando-se a completitude dos campos, a consistência entre dados e duplicidades existentes. Deve-se, ainda, elaborar roteiro que oriente e facilite a execução da análise da qualidade dos dados e o cálculo de indicadores epidemiológicos e operacionais, utilizando ferramentas amigáveis e a base de dados do Sinan.

 

Referências

1. Moraes IHS, Santos SRFR. Informações para a gestão do SUS: necessidades e perspectivas. Informe Epidemiológico do SUS 2001;10:49-56.

2. Viacava F. Informações em saúde: a importância dos inquéritos populacionais. Ciência & Saúde Coletiva 2002;7:369-392.

3. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde [dados na Internet]. Brasília: MS [acessado 2007 jul. 18]. Disponível em: http://www.portal.saude.gov.br/portal/SVS.

4. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Sinan [dados na Internet]. Brasília: MS [acessado 2007 jul. 16]. Disponível em: http://www.saude.gov.br/Sinanweb.

5. Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. Sinan [dados na Internet]. Salvador: SES [acessado 2007 ago. 20]. Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/dis/Sinan.

6. McNabb SJN, Jajosky RA, Hall-Baker PA, Adams DA, Sharp P, Anderson WJ, et al. Summary of notifiable diseases - United States, 2005;54:2-92.

7. Romero DE, Cunha C. Avaliação da qualidade das variáveis epidemiológicas e demográficas do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos, 2002. Cadernos de Saúde Pública 2007;23:701-714.

8. Laguardia J, Domingues CMA, Carvalho C, Lauerman CR, Macário E, Glatt R. Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan): desafios no desenvolvimento de um sistema de informação em saúde. Epidemiologia e Serviços de Saúde 2004;13(3):135-146.

9. Façanha MC, Pinheiro AC, Lima JRC, Ferreira MMT, Teixeira GFD, Rouquayrol MZ. Hanseníase: subnotificação de casos em Fortaleza – Ceará, Brasil. Anais Brasileiros de Dermatologia 2006;81:329-333.

10. Saraceni V, Velloso V, Leal MC. Estudo de confiabilidade do Sinan a partir das campanhas para a eliminação da Sífilis congênita no Município do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Epidemiologia 2005;8:419-424.

 

 

Endereço para correspondência:
Rua Carmem Miranda, 120,
Edifício Jardim do Valle, Apto 901,
Pituba, Salvador-BA, Brasil.
CEP: 41810-670
E-mail:mariaelisapaula@hotmail.com

Recebido em 05/05/2008
Aprovado em 05/03/2009

 

 

*Pesquisa desenvolvida como parte dos requisitos para a conclusão do Curso de Especialização em Análise de Dados Secundários em Epidemiologia realizado pelo Instituto de Saúde Coletiva (ISC/UFBA) em parceria com o Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IESC/UFRJ), a Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde e o apoio da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia/Sesab, como parte da Rede de Formação de Recursos Humanos em Vigilância em Saúde.