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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.18 n.3 Brasília set. 2009

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742009000300005 

ARTIGO ORIGINAL

 

Observações sobre a atividade diurna de Nyssomyia whitmani (Diptera: Psychodidae) na área urbana de Maringá, Paraná, Brasil

 

Observing diurnal habits of Nyssomyia whitmani (Diptera: Psychodidae) in the urban area of Maringá, Paraná, Brazil

 

 

Demilson Rodrigues dos SantosI; Ademar Rodrigues dos SantosI; Elcio Silvestres dos SantosI; Otílio de OliveiraI; Luiz Paschoal PoianiI; Allan Martins da SilvaII

INúcleo de Entomologia Médica, Secretaria de Estado da Saúde do Paraná, Curitiba-PR, Brasil
IICoordenação de Pesquisas em Entomologia Médica, Secretaria de Estado da Saúde do Paraná, Curitiba-PR, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Descreve-se a atividade diurna de seis espécies de flebotomíneos na área urbana de Maringá, Paraná. Os espécimes foram coletados durante a atividade de vigilância entomológica da febre amarela, na margem e interior de mata, com puçá e tubo de vidro contendo algodão e clorofórmio, das 6h às 18h, entre junho/2000 e maio/2001, bem como em paredes de residência e galinheiro, no dia 18/12/2003. Na mata e no ambiente antrópico foi capturado um total de 323 fêmeas, cuja espécie predominante foi Ny. whitmani com 93,7 % e 92,0%, respectivamente. No ambiente de mata, os flebotomíneos foram mais freqüentes entre 6h e 12h (97,0%), com pico das 9h às 11h (59,1%), principalmente nas coletas com a presença de macacos-prego (setembro/2000 e maio/2001), e no ambiente antrópico, das 6h às 8h (96,0%). Considerando a importância de Ny. whitmani na transmissão da leishmaniose tegumentar no Brasil e o seu predomínio absoluto na área urbana de Maringá, sobretudo numa localidade com registro de surto de leishmaniose tegumentar, é de se esperar o aparecimento de novos casos da doença com a possibilidade de transmissão da Leishmania spp ocorrer durante o dia.

Palavras-chave: urbanização; leishmaniose; vetores.


SUMMARY

The diurnal habits of six species of phlebotomine in the urban area of Maringá, in the State of Paraná, Brazil are described in this study. The specimen were collected during yellow fever surveillance activities, in a forest and at its fringe using an insect net and a glass tube containing cotton and chloroform for a total twelve hours monthly from June 2000 to May 2001, as well as on residences and henhouse walls on December 18th, 2003. A total of 323 females were captured in the forest and anthropic environments, where Ny. whitmani accounted for 93.7 % and 92.0%, respectively. In the forest, the frequency of phlebotomines was higher from 6 a.m. to 12 a.m. (97.0%), with a peak between 9 a.m. and 11 a.m. (59,1%), mainly in collections with the presence of non-human primates (September 2000 and May 2001). In the anthropic environment, the highest frequency was from 6 a.m. to 8 a.m. (96.0%). Considering the role of Ny. whitmani as an important vector of cutaneous leishmaniasis (CL) in Brazil and the overwhelming predominance of that sandfly in the urban area of Maringá, where a cutaneous leishmaniasis (CL) outbreak has been reported, new cases of CL may occur and the Leishmania spp may be transmitted even during the day.

Key words: urbanization; leishmaniasis; vectors.


 

 

Introdução

Os flebotomíneos constituem um grupo de insetos responsável pela transmissão das leishmanioses, cujo hábito hematófago é restrito às fêmeas, que utilizam o sangue como fonte de proteínas e aminoácidos, necessários à maturação dos óvulos e ao desenvolvimento dos ovos.1 Em geral, a atividade desses insetos é predominantemente crepuscular ou noturna, isto é, as fêmeas picam seus hospedeiros sanguíneos (mamíferos, aves e répteis) no crepúsculo vespertino, durante à noite e ao amanhecer, permanecendo a maior parte do tempo durante o dia em lugares sombrios e úmidos, protegidos do vento, da insolação e de predadores naturais.1 Algumas espécies, contudo, são ativas no período diurno, podendo, inclusive, praticar a hematofagia sobretudo em ambientes com pouca luminosidade como em áreas florestais1-4 e cavernas.5

No Brasil, inúmeros trabalhos têm sido realizados com a intenção de esclarecer alguns aspectos relacionados ao comportamento de flebotomíneos, principalmente em áreas endêmicas para a leishmaniose tegumentar (LT).6-12 Todavia, esses estudos têm sido realizados exclusivamente no período noturno, tornando raro o conhecimento sobre o comportamento diurno desse importante grupo de insetos.

Na área urbana de Maringá, Estado do Paraná, uma investigação de rotina sobre vetores de febre amarela realizada entre 2000 e 2001 em área de conservação ambiental e uma única investigação realizada no mês de dezembro de 2003 em ambiente antrópico com notificação de surto de LT,13 ambas no período diurno, possibilitou a captura de seis espécies de flebotomíneos, cuja espécie predominante e mais importante do ponto de vista epidemiológico foi Nyssomyia whitmani (Antunes & Coutinho, 1939).

Julgou-se importante, portanto, divulgar os resultados do presente estudo cujo objetivo principal é relatar o comportamento diurno de flebotomíneos, com ênfase para Ny. whitmani que aliás, já foi encontrada naturalmente infectada por Leishmania (Viannia) braziliensis no Estado do Paraná14 e, em razão disso, alertar a população maringaense e órgãos de saúde para o risco de transmissão de LT, independentemente de horário, nas duas áreas estudadas.

 

Metodologia

O Município de Maringá-PR possui uma área total de 488km2 e uma população estimada, em 2007, de aproximadamente 325.968 habitantes.15 Destes, estima-se que atualmente cerca de 98,0% residem na área urbana e 2,0% na área rural. Está localizado na Mesorregião Norte Central do Estado do Paraná a 23o25' de latitude sul, 51o25' de longitude oeste de Greenwich e a 596 metros de altitude em relação ao nível do mar. O clima predominante da região, segundo a classificação de Köeppen, é subtropical úmido, com temperaturas médias anuais entre 20 e 21oC, com médias máximas de 27 a 28oC e médias mínimas entre 16 e 17oC. A precipitação anual apresenta médias entre 1.500 e 1.600mm.

O estudo foi realizado em duas localidades conhecidas como Horto Florestal (23o26'06"S, 51o57'50"W, 569m a.n.m) e conjunto residencial Inocente Vila Nova Júnior (Borba Gato) (23o27'10"S, 51o57'39", 536m a.n.m), ambas localizadas na zona sul, distando aproximadamente 5km da área central da cidade e cerca de 2km uma da outra.

O Horto Florestal pertence à Companhia Melhoramentos Norte do Paraná e compreende uma área total de 370.260,00m2, sendo a maior parte coberta de mata nativa modificada. A localidade é caracterizada como área de lazer, tendo como acesso principal um portão localizado junto à Avenida Doutor Luiz Teixeira Mendes, onde se ramificam algumas trilhas que permitem a visitação de pessoas ao viveiro de mudas, lago natural e artificial e interior da mata (Figura 1a).

 

 

O conjunto residencial Borba Gato possui uma área total de 484.000,00m2, dos quais 76.540,37m2 são representados também por mata nativa modificada (Figura 1b). Trata-se de uma localidade com 28 anos de ocupação territorial urbana, contemplada com a seguinte infra-estrutura: água potável, luz elétrica, telefone, pavimentação, rede de esgoto, coleta pública, escolas, creches, unidades de saúde, transporte coletivo, entre outras. O padrão de vida dos moradores quanto às condições socioeconômicas é caracterizado como de classe média baixa e a população atual do bairro encontra-se estimada em aproximadamente 3.702 habitantes, cuja densidade demográfica é de 76,5ha/km2.

As referidas localidades possuem características semelhantes no que diz respeito às áreas de conservação ambiental e à fauna de animais silvestres, sendo comum o encontro de gambá, quati, rato-do-mato, cotia e, principalmente, macaco-prego, além de poucas espécies de aves.

No Horto Florestal, os flebotomíneos foram coletados durante a realização de trabalhos de rotina para a vigilância entomológica da febre amarela. Foram realizadas 12 coletas mensais, entre junho de 2000 e maio de 2001, em 12 pontos distintos e que foram numerados; os pontos distam, aproximadamente, 150 metros entre si, e seis situavam-se na margem da mata e outros seis em trilhas abertas no interior da mata (Figura 1a).

Os insetos foram capturados por duas duplas de pesquisadores (autores do trabalho), das 6h às 18h, utilizando-se puçá e tubo coletor de vidro contendo algodão embebido em clorofórmio. Cumpre ressaltar que os flebotomíneos eram aprisionados, inicialmente, com auxilio de puçá durante a tentativa de pouso nos coletores e em seguida, utilizando-se tubo mortífero (dentro do puçá), finalizava-se a captura.

As capturas foram feitas com revezamento das duplas a cada duas horas e com deslocamento de um ponto de coleta para outro a cada uma hora de trabalho, de modo que a primeira (em junho) tivesse início no ponto 1; a segunda, com início no ponto 2;a terceira iniciando no ponto 3 e assim por diante, de maneira que ao final de 12 meses fossem computadas 12 horas, com um dia inteiro de coleta para cada ponto trabalhado (Figura 1a).

No conjunto residencial Borba Gato, os flebotomíneos também foram capturados por duas duplas de pesquisadores, porém, utilizando somente tubos de vidro com algodão e clorofórmio, num único dia (18/12/2003) através de inspeção de paredes internas e externas de uma residência e de um galinheiro. No galinheiro, pernoitavam cerca de dez galinhas e estava a uma distância aproximada de 5 metros da residência. Ambos, situados a mais ou menos 30 metros de distância em relação à mata (Figura 1b).

As amostras colhidas nas duas localidades foram divididas em intervalos de uma hora, sendo o material acondicionado em caixinhas de papelão previamente identificadas e tratadas com naftalina. No laboratório, os insetos foram submetidos ao processo de triagem, clarificação e montagem entre lâmina e lamínula para facilitar a visualização e o reconhecimento das estruturas morfológicas utilizadas para a identificação específica, baseada em Young & Duncan.16 A nomenclatura das espécies segue a proposta por Galati,17 enquanto que a abreviação dos gêneros segue a proposta de Marcondes.18 E ainda, a citação de Nyssomyia neivai (Pinto, 1926) está de acordo com a revalidação feita por Marcondes e colaboradores.19

Considerações éticas

O presente estudo não envolveu diretamente seres humanos como isca para os flebotomíneos como usualmente se faz; isto é, com a exposição de membros superiores e inferiores. Foi realizado na rotina dos serviços, não sendo exigida a sua submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa. Os resultados serão revertidos em benefício da população, uma vez que serão utilizados como alerta aos riscos potenciais de transmissão da LT nas áreas estudadas.

 

Resultados

No total, foram coletadas e identificadas 323 fêmeas de flebotomíneos, sendo 298 (92,3%) no Horto Florestal e 25 (7,7%) no Borba Gato, representando seis espécies e quatro gêneros, como a seguir: Expapillata firmatoi (Barretto, Martins & Pellegrino, 1956), Nyssomyia neivai, Nyssomyia whitmani, Pintomyia fischeri (Pinto, 1926), Pintomyia pessoai (Coutinho & Barretto, 1940) e Psathyromyia lanei (Barretto & Coutinho, 1941). Dentre essas espécies, as cinco primeiras estiveram presentes no Horto Florestal, enquanto que no Borba Gato somente Ex. firmatoi, Ny. whitmani e Pa. lanei (Tabela 1), cabendo lembrar que nesta localidade nenhum flebotomíneo foi coletado nas inspeções de paredes internas realizadas na residência e no galinheiro. Verifica-se ainda nesta Tabela que Ny. whitmani foi predominante em ambas as localidades, com 279 fêmeas (média horária de 1,03 fêmea/capturador) no Horto Florestal e 23 (1,04 fêmea/capturador) no Borba Gato.

 

 

No Horto Florestal, os flebotomíneos foram mais freqüentes no período das 6h às 12h, com 289 (97,0%) exemplares; desse total, 271 (93,8%) eram de Ny. whitmani. O pico de atividade mais elevado ocorreu entre 9h e 11h, quando se coletaram 176 fêmeas, com 167 (94,9%) exemplares de Ny. whitmani do total coletado nesse período, sendo a única espécie presente em todos os horários de coleta (Tabela 2).

 

 

Quanto aos meses de coletas, verificaram-se dois picos de atividade dos flebotomíneos, um em setembro de 2000 com 245 (82,3%) exemplares coletados e outro em maio de 2001 com 38 (12,8%) fêmeas capturadas (Tabela 3). Nessas datas foram observados bandos de macacos-prego junto aos pontos de coletas, tanto no nível de solo como na copa das árvores. Em setembro, os animais apareceram no segundo horário de coleta, ou seja, a partir das 7 horas, no ponto 5 e acompanharam os coletores até as 12 horas, no ponto 9; em maio apareceram no primeiro horário (6 às 7 horas) no ponto 12 e logo se distanciaram do local de captura.

 

 

Na Tabela 4, verifica-se que nos pontos localizados no interior da mata foram coletados 259 (87,0%) flebotomíneos e na margem da mata 39 (13,0%). Ny. whitmani foi a única espécie presente em todos pontos de captura, e o maior número de exemplares – 240 (80,5%) – foi coletado nos pontos 4, 5, 6, 7 e 8, situados no interior da mata. No ponto 12, um dos seis pontos situados na margem da mata, foram capturados 31 exemplares dessa espécie (Figura 1a).

 

 

Das 25 fêmeas capturadas no conjunto residencial Borba Gato, 18 o foram no período das 6h às 7h, seis das 7h às 8h e apenas um exemplar das 9h às 10h. Nesta localidade, as 23 fêmeas de Ny. whitmani foram coletadas, exclusivamente, em uma única parede (externa) da residência inspecionada ao lado de um viveiro com presença de canários (Serinus canaria), enquanto que no galinheiro foram capturados os únicos exemplares de Ex. firmatoi e Pa. lanei. Ressalta-se que no momento em que foram coletados, as galinhas já haviam deixado o referido abrigo.

 

Discussão

Estudos realizados anteriormente (1998, 2003 e 2006) em seis localidades no perímetro urbano de Maringá, inclusive no Horto Florestal, no período noturno, com armadilhas Falcão modificadas, relatam 10 espécies de flebotomíneos como parte integrante da fauna urbana maringaense.11,20,21 Embora a metodologia supramencionada favoreça a coleta de maiores quantidades, tanto de indivíduos quanto de espécies, Pa. lanei, uma das espécies encontradas no presente trabalho, ainda não havia sido assinalada na área urbana de Maringá.

O predomínio de Ny. whitmani nas coletas realizadas com a presença do homem e de macacos (80,5%) em alguns pontos no Horto Florestal, e também com relação a exclusividade do seu encontro ao lado de canários (92,0%) no Borba Gato, induz a pensar na possibilidade de as fêmeas de flebotomíneos terem se aproximado desses vertebrados em busca de alimentação sangüínea, o que comprovaria o seu ecletismo alimentar. O fato foi sugerido em 1998 e 2003 nas investigações realizadas no Parque do Ingá, onde a espécie foi predominante em todos os abrigos de animais silvestres pesquisados, sobretudo no viveiro das aves.11,19 Naquelas investigações, todavia, a pequena freqüência da espécie no abrigo de macacos permitiu levantar hipótese do díptero ter menor preferência pelo sangue dos animais.

Dentre as espécies de flebotomíneos coletadas no presente trabalho, Ny. whitmani, Ex. firmatoi, Pi. fischeri e Pi. pessoai constam nas listas dos raros estudos realizados no Brasil que trazem informações sobre o comportamento antropofílico diurno desses dípteros.3,22-24 Segundo estudos mais antigos realizados no Estado de São Paulo, fêmeas de Pi. fischeri e Pi. pessoai também podem picar o homem ou animais durante o dia, principalmente nos dias encobertos quando estes invadem lugares úmidos e sombrios da mata.24

A hematofagia diurna envolvendo fêmeas de Ex. firmatoi foi verificada durante coletas realizadas em florestas residuais no Estado de São Paulo.22 O mesmo comportamento antropofílico também foi observado durante o período de capturas de flebotomíneos na zona rural do Município de Derrubadas, Rio Grande do Sul.23

No Município de Corguinho, Estado do Mato Grosso do Sul, em 16 coletas realizadas com isca humana em floresta de galeria, durante 24 horas ininterruptas, foram coletadas quatro espécies de flebotomíneos, das quais Ny. whitmani foi a mais abundante.3 Sua densidade no período diurno, contudo, foi praticamente nula, com pouquíssimos exemplares coletados entre 16h e 17h e das 7h às 8h. Os resultados corroboram os obtidos em Maringá, no Horto Florestal e Borba Gato, com relação à prevalência de Ny. whitmani. Por outro lado, é evidente o contraste a respeito da quantidade de espécimes coletados, principalmente se comparada aos resultados obtidos no Horto Florestal, cuja presença de macacos-prego foi fundamental para o rendimento das coletas de flebotomíneos.

Com base no seu comportamento em Corguinho-MS, Ny. whitmani foi incriminado como provável vetor de LT na área estudada.3 Tal possibilidade também é admitida no presente estudo para as duas áreas investigadas, tendo em vista a prevalência absoluta dessa espécie, principalmente no conjunto residencial Borba Gato, onde foi coletada (em 18/12/2003) durante a ocorrência de um surto de LT com 25 casos registrados no período de outubro de 2003 a dezembro de 200413 e, sobretudo, porque este flebotomíneo já foi encontrado naturalmente infectado por Leishmania (Viannia) braziliensis no Estado do Paraná.14

Ainda com relação à diferença do comportamento de Ny. whitmani entre as localidades estudadas em Maringá e Corguinho, reforçam-se as suspeitas de outros autores sobre a existência de diferentes linhagens entre as populações desse flebotomíneo no território brasileiro,25 bem como, a sugestão de se investigar a variedade do complexo Ny. whitmani s.l. que ocorre no Estado do Paraná.20

O comportamento diurno de flebotomíneos também foi estudado na Serra da Bodoquena, região central do Estado do Mato Grosso do Sul, através de coletas com atratividade humana2 e com armadilhas automáticas luminosas em ambientes de cavernas.5 As capturas com isca humana foram feitas em ambientes de mata na localidade Pitangueiras, área rural do Município de Bonito-MS e na localidade Camargo Corrêa Industrial, área urbana de Bodoquena.

No estudo supramencionado, o número de espécies (cinco) atraídas nas coletas foi o mesmo registrado no Horto Florestal em Maringá e uma a menos em relação à Corguinho.3 Em termos de prevalência, Ny. whitmani foi a segunda espécie mais coletada na Serra da Bodoquena, porém com percentuais baixíssimos em relação ao da primeira espécie, que foi Lutzomyia almerioi (Galati & Nunes, 1999), a qual representou 96,6% do total de insetos capturados em Pitangueiras e 90,6% do total encontrado em Bodoquena.2

Na Serra da Bodoquena, a atividade diurna de flebotomíneos ocorreu somente em Pitangueiras-MS e apenas por parte da espécie predominante, Lu. almerioi, e a exemplo do que aconteceu com Ny. whitmani no Horto Florestal em Maringá, esteve presente em todos os horários de coleta, sendo mais freqüente no período da manhã, com pico de atividade entre 6h-9h, diminuindo gradativamente até as 12 horas, e com atividade mínima a partir desse horário até às 16 horas.2 Lutzomyia almerioi também foi predominante nas coletas com armadilhas automáticas em ambientes de cavernas.5

Os resultados obtidos no Horto Florestal sugerem o comportamento hematófago diurno de Ny. whitmani, sobretudo influenciado pela presença de macacos-prego. No conjunto residencial Borba Gato, deduz-se que o fato de as galinhas terem abandonado o galinheiro muito cedo pode ter feito com que alguns insetos que lá estavam à procura de alimentação sangüínea saíssem em busca de outra fonte alimentar; razão pela qual se acredita que as 23 fêmeas de Ny. whitmani aproximaram-se dos canários, para dar início ou continuidade à atividade hematofágica. Sendo assim, deduz-se que o comportamento eclético e oportunista de Ny. whitmani, em ambas as localidades estudadas, possa estar relacionado à densidade de hospedeiros no ambiente.

Em suma, o presente estudo relata pela primeira vez na área urbana do Município de Maringá, a atividade diurna de cinco espécies de flebotomíneos, sobretudo de Ny. whitmani, cujo comportamento apresentado é suspeito da prática de hematofagia. A identificação deste comportamento sugere que a transmissão da leishmaniose tegumentar no Horto Florestal e no conjunto residencial Borba Gato possa ocorrer inclusive durante o dia, tendo em vista a importância de Ny. whitmani em relação à transmissão da doença em território brasileiro. Tal fato abre perspectivas de investigações futuras para melhor avaliação do comportamento de flebotomíneos, nessas e em outras áreas de conservação ambiental localizadas na área urbana de Maringá.

 

Agradecimentos

À diretoria do Horto Florestal, por permitir a realização do trabalho, e aos moradores do conjunto residencial Borba Gato, especialmente os da Rua dos Alecrins, pela confiança, autorizando a nossa entrada em seus domicílios.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Núcleo de Entomologia Médica,
Secretaria de Estado da Saúde do Paraná.
Travessa Jefferson Wanderley 817,
Vila Nova, Maringá, Paraná, Brasil.
CEP: 87045-110
E-mail:demilson.entomologia@ig.com.br

Recebido em 08/09/2008
Aprovado em 13/03/2009