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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.18 n.3 Brasília set. 2009

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742009000300006 

ARTIGO ORIGINAL

 

Tuberculose em Manaus, Estado do Amazonas: resultado de tratamento após a descentralização

 

Tuberculosis in Manaus, State of Amazon: treatment outcome decentralization

 

 

Leni da Silva Marreiro; Maria Auxiliadora da Cruz; Maria de Nazaré Frota de Oliveira; Marlucia da Silva Garrido

Secretaria Municipal de Saúde, Prefeitura Municipal de Manaus-AM, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

No ano de 2003, as ações de controle da Tuberculose foram descentralizadas para a rede básica de saúde de Manaus-AM. A partir daí, os resultados de tratamento apresentaram alto índice de transferência e baixo índice de cura. Foi realizado um estudo retrospectivo e descritivo com o objetivo de estudar a situação de encerramento dos casos de tuberculose após o processo de descentralização. Foram revisadas 4.491 fichas de notificação para correção, inserção, exclusão e vinculação de casos. Os registros de 2003 e 2004 foram comparados nas situações antes e depois da revisão. Principais resultados: aumento do percentual de cura de 42,2% para 81,8% no ano de 2003, e de 28,6% para 76,9%, no ano de 2004; diminuição do percentual de transferências de 43,5% para 4,2% em 2003 e de 49,6% para 6,9% em 2004. O estudo contribuiu para a visualização de falhas operacionais e aprimoramento das ações executadas.

Palavras-chave: tuberculose; tratamento; sistemas de informação; vigilância epidemiológica.


SUMMARY

In 2003, measures to control Tuberculosis have been decentralized to the primary care network in Manaus, the capital city of the State of Amazon. From that moment on, the results of treatment have shown high transfer rate and low cure rate. A retrospective and descriptive study was done to evaluate the process of closing cases of tuberculosis after the decentralization process. 4,491 notification forms were reviewed for correction, inclusion, exclusion and linkage of cases. The records of 2003 and 2004 were compared before and after the review. Main results: increase in the percentage of cure from 42.2% to 81.8% in 2003, and from 28.6% to 76.9% in 2004, decrease in the percentage of transference from 43.5% to 4.2% in 2003 and from 49.6% to 6.9% in 2004. The study has contributed to the understanding of operational failures and to improve actions taken.

Key words: tuberculosis; treatment; information systems; epidemiological surveillance.


 

 

Introdução

O Município de Manaus, capital do Estado do Amazonas, possui uma população estimada em 1.688.524 habitantes.1 Concentra 50% da população do Estado1 e 68% dos casos notificados de tuberculose (TB).2 A doença apresenta elevada morbidade em Manaus, com taxa de incidência de 81,7 por 100.000 habitantes3 e taxa de mortalidade de 3,7 por 100.000 habitantes no ano de 2006.4 No mesmo ano, a taxa de incidência no Amazonas foi de 60,4 por 100.000 habitantes2 e no Brasil, de 41,8 por 100.000 habitantes.5

Durante várias décadas, o atendimento dos casos de tuberculose esteve centralizado na Policlínica Cardoso Fontes, centro de referência estadual para o controle da doença. O processo de descentralização teve início na década de 90, mas, até o fim de 2002, das 9.628 notificações existentes no banco de dados da Secretaria Municipal de Saúde (Semsa), somente 385 (4%) haviam sido notificadas por Unidades Básicas de Saúde (UBS) do Município.3

No ano 2003, as ações de controle da tuberculose foram expandidas para a rede básica de saúde de Manaus. Os casos diagnosticados e notificados pelas unidades de referência (Policlínica Cardoso Fontes, Fundação de Medicina Tropical do Amazonas e Ambulatório Araújo Lima) passaram a ser encaminhados para continuidade do tratamento nas UBS e encerrados por transferência nas unidades de origem. Os índices de cura e de transferência, até o momento da descentralização (antes de 2003), apresentavam resultados próximos aos recomendados pelo Ministério da Saúde.3

As UBS, embora tivessem recebido e acompanhado o tratamento dos casos transferidos, registrando-os no livro de registro de casos (livro preto), não realizaram a notificação dos casos recebidos por transferência na maior parte dos casos. Por conseguinte, os casos permaneceram encerrados por transferência. Não obstante os esforços empreendidos pela equipe técnica municipal, não havia estrutura nem organização suficientes para proceder à análise crítica dos dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).

Na avaliação nacional realizada em Manaus, em novembro de 2005, as análises de resultado de tratamento dos anos 2003 e 2004 apresentavam uma situação crítica em relação à evolução dos casos, com alta taxa de transferência e baixo índice de cura, provavelmente, pela situação acima descrita.

O trabalho teve como objetivo estudar a situação de encerramento dos casos de tuberculose em Manaus, no período de 2003 a 2004, após o processo de descentralização das ações de controle da doença.

 

Metodologia

Foi realizado um estudo retrospectivo e descritivo dos casos de tuberculose de todas as formas, notificados no Município de Manaus, nas coortes dos anos 2003 (abril de 2002 a março de 2003) e 2004 (abril de 2003 a março de 2004). Analisaram-se 2.958 notificações registradas no Sinan e 1.533 casos inscritos nos livros de registro de casos de tuberculose das UBS do Município, os quais não haviam sido notificados, totalizando 4.491 casos estudados.

Os critérios de inclusão utilizados foram: casos de tuberculose de todas as formas que iniciaram tratamento nas coortes dos anos 2003 e 2004, residentes em Manaus, apresentando as seguintes situações de encerramento no nono mês: cura, abandono, óbito, transferência e sem informação, conforme as definições do Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT).6

Foram excluídos do estudo os casos em que houve alta por mudança de diagnóstico (quando constatado erro de diagnóstico) e falência de tratamento (quando houve persistência da positividade do escarro ao fim do tratamento ou manutenção da positividade até o quarto mês), situações em que o tempo de encerramento foi superior a nove meses.

Os casos encerrados por transferência, cuja procedência ou destino dos pacientes eram desconhecidos, foram investigados junto às Unidades de Referência.

Quando necessário, para complementação de informações, foram consultados prontuários ou feitos contatos telefônicos com pacientes ou familiares.

Um quadro resumido dos principais procedimentos realizados no estudo é apresentado na Figura 1.7

 

 

Para a tabulação dos dados foi utilizado o programa TABWIN (TAB versão para Windows) e para a confecção dos gráficos foi utilizado o software Excel.

 

Resultados

Comparando-se a situação das coortes analisadas antes e depois da revisão dos registros (Figuras 2 e 3), foram obtidos os seguintes resultados:

 

 

 

 

A proporção de cura aumentou de 42,2% para 81,8% no ano de 2003, e de 28,6% para 76,9% em 2004. Também houve acréscimo no encerramento por abandono de tratamento, passando de 2,5% para 8,3% em 2003, e de 3,7% para 9,4% em 2004.

Os encerramentos por transferência diminuíram de 43,5% para 4,2% em 2003, e de 49,6% para 6,9%, em 2004. Os casos sem informação foram reduzidos de 6,5% para 0,1% em 2003 e de 10,7% para 0,5%, em 2004. Os percentuais de óbitos foram 4,8% em 2003 e 5,2% em 2004.

 

Discussão

O PNCT aprovou, em 2004, um Plano de Ação fundamentado na descentralização e horizontalização das ações de vigilância, prevenção e controle da TB.8 O processo de descentralização das ações de controle da tuberculose em Manaus aconteceu em consonância com as diretrizes do PNCT.

Na fase de transição da descentralização para a rede básica de saúde, aparentemente, não houve preparo técnico suficiente para as ações de vigilância epidemiológica, principalmente no que se refere à notificação e encerramento dos casos. Os técnicos das UBS que receberam os pacientes transferidos afirmaram, em sua maioria, desconhecer a necessidade de notificar os casos recebidos. Nas poucas notificações realizadas, detectaram-se vários erros de preenchimento que impediam a vinculação. A subnotificação de casos também foi identificada em trabalho semelhante realizado por Marques e colaboradores.9

A oportunidade, atualidade, disponibilidade e cobertura são características que determinam a qualidade da informação, fundamentais para que todo o sistema de vigilância epidemiológica apresente bom desempenho.10 As falhas identificadas no estudo reforçam a importância da capacitação de recursos humanos e do monitoramento das ações no processo de descentralização. Oliveira e colaboradores11 salientam que o monitoramento do programa, pela avaliação periódica do desfecho do tratamento, apresenta contribuição importante devido às conseqüências que têm para a ação individual e coletiva.

Os instrumentos de registro tradicionais (livros de registro de casos de tuberculose) foram ferramentas essenciais para a elucidação dos encerramentos, possibilitando identificar os casos recebidos por transferência e não notificados no Sinan. Importante ressaltar a importância desse instrumento na construção da informação epidemiológica sobre tuberculose. Façanha e colaboradores12 realizaram importante trabalho de resgate de subnotificações utilizando dados do Sinan e os livros de registro de casos.

É também necessário considerar a sensibilidade do processo de notificação de casos e o registro sistemático e oportuno no Sinan para avaliar a representatividade dos dados, e isso depende essencialmente da organização e cobertura das atividades de vigilância epidemiológica. O desenvolvimento das atividades nas unidades de saúde não se restringe à notificação; elas integram o sistema de vigilância epidemiológica e envolvem todos os profissionais de saúde, possibilitando maior consistência e melhor qualidade dos dados.13

Quanto à avaliação da efetividade do tratamento, observou-se, após a revisão dos registros, que a taxa de cura em 2003 (81,8%) aproximou-se da meta recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e adotada pelo Ministério da Saúde (85% no mínimo). No ano de 2004, porém, a taxa de cura permaneceu abaixo da meta nacional (76,9%), demonstrando a necessidade de melhoria na assistência. A proporção de abandono de tratamento nos dois anos estudados (8,3% e 9,4%, respectivamente) foi superior ao recomendado pelo PNCT (menos que 5%). Os óbitos foram freqüentes, como provável conseqüência do diagnóstico tardio ou tratamento inadequado. Os casos sem informação no encerramento aproximaram-se de zero, refletindo a efetividade do trabalho realizado.

Na avaliação realizada pelo Município de Niterói-RJ no ano de 2006, os resultados de tratamento foram semelhantes aos de Manaus quanto a: cura (82,8%), abandono (7,0%) e letalidade (7,7%).14

O estudo foi limitado com relação às transferências para outros municípios ou outros estados, por impossibilidade de realizar contato com o paciente ou seus familiares, mantendo-se a condição de encerramento por transferência.

As falhas identificadas durante o processo de descentralização sugerem a necessidade de aprimoramento das ações executadas e a adoção de medidas de controle de impacto, como a implantação do tratamento supervisionado em toda a rede básica de saúde e a intensificação da busca ativa de casos na comunidade. Para melhoria da qualidade da informação epidemiológica, o estudo demonstrou que a revisão periódica do banco de dados do Sinan e dos livros de registros são atividades essenciais para a notificação e encerramento oportunos dos casos.

 

Agradecimentos

As autoras agradecem o apoio e a colaboração recebidos por parte dos técnicos das Unidades de Vigilância Epidemiológica e profissionais das Unidades de Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Manaus, do Centro de Referência Estadual Cardoso Fontes; Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, Hospital Universitário Getúlio Vargas /Ambulatório Araújo Lima e Programa Nacional de Controle da Tuberculose. De modo especial, à contribuição dos colegas: Joana Darc da Costa Barroso, José Carlos Gomes Sardinha, Luiz Cláudio Dias, Márcia Ramos Magalhães e Mariana da Nóbrega Gomes. A Alcidéa Rêgo Bentes de Souza, pela colaboração na revisão do artigo.

 

Referências

1. Ministério da Saúde. Banco de dados do Sistema de Informações Demográficas e Socioeconômicas [dados na Internet]. Brasília: MS [acessado em 2007 para informações do ano 2006]. Disponível em: http://www.datasus.gov.br.

2. Secretaria de Estado da Saúde do Amazonas. Coordenação Estadual do Programa de Controle da Tuberculose. Relatório do Sinan, 15 de junho de 2007. Manaus: Susam; 2007.

3. Secretaria Municipal de Saúde de Manaus. Coordenação Municipal das Ações de Controle da Tuberculose. Relatório do Sinan, 10 de junho de 2007. Manaus: Semsa; 2007.

4. Secretaria Municipal de Saúde de Manaus. Gerência de Informação em Saúde. Sistema de Informações sobre Mortalidade/SIM, 15 de junho de 2007. Manaus: Semsa; 2007.

5. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde [dados na Internet]. Brasília: MS [acessado no ano 2008, para informações do ano 2006] Disponível em: http://www.fundoglobaltb.org.br/download/ Apresentacao_geral_Draurio_Barreira.pdf.

6. Ministério da Saúde. Manual técnico para o controle da Tuberculose. Cadernos da Atenção Básica. 6a ed. Brasília: MS; 2002.

7. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan: normas e rotinas. 2a ed. Brasília: MS; 2007.

8. Santos J. Resposta brasileira ao controle da tuberculose. Revista de Saúde Pública 2007;41 Supl 1:89-94.

9. Marques M, Cazola LH, Cheade MFM. Avaliação do Sinan na detecção de co-infecção TB-HIV em Campo Grande, MS. Boletim de Pneumologia Sanitária 2006;14:135-140.

10. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de vigilância epidemiológica. 6a ed. Brasília: MS; 2005.

11. Oliveira HB, Marin-León L, Gardinali J. Análise do programa de controle da tuberculose em relação ao tratamento, em Campinas – SP. Jornal Brasileiro de Pneumologia 2005;31:133-138.

12. Façanha MC, Guerreiro MFF, Pinheiro AC, Lima JRC, Vale RLS, Teixeira GFD. Resgate de casos subnotificados de tuberculose em Fortaleza-CE, 2000-2002. Boletim de Pneumologia Sanitária 2003;11(2):13-16.

13. Sassaki CM. Fatores preditivos para o resultado de tratamento da Tuberculose no município de Recife/PE: uma contribuição para as ações de vigilância epidemiológica [tese de Doutorado]. Ribeirão Preto (SP): Universidade de São Paulo; 2006.

14. Oliveira LGD, Natal S. Avaliação de implantação do Programa de Controle da Tuberculose no município de Niterói/RJ [monografia na Internet]. Disponível em: http://157.86.160.20/pdf/Revista%20Brasileira/index/Avaliacao.html

 

 

Endereço para correspondência:
Rua Recife, 1695,
Adrianópolis, Manaus-AM, Brasil.
CEP: 69057-001
E-mail:leni.marreiro@pmm.am.gov.br

Recebido em 05/03/2008
Aprovado em 27/03/2009