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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.18 n.4 Brasília dez. 2009

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742009000400006 

ARTIGO ORIGINAL

 

Aspectos epidemiológicos e vetoriais da dengue na cidade de Teresina, Piauí – Brasil, 2002 a 2006

 

Epidemiological and vector-related indicators of dengue fever in Teresina city, Piaui State, Brazil, from 2002 to 2006

 

 

Eridan Soares Coutinho MonteiroI; Mônica Elsy CoelhoII; Iolanda Soares da CunhaIII; Maria do Amparo Salmito CavalcanteIV; Fernando Aécio de Amorim CarvalhoV

IGerência de Zoonoses, Fundação Municipal de Saúde, Prefeitura Municipal, Teresina-PI, Brasil
IIGerência de Epidemiologia, Fundação Municipal de Saúde, Prefeitura Municipal, Teresina-PI, Brasil
IIIDiretoria de Vigilância Sanitária, Secretaria Estadual da Saúde, Teresina-PI, Brasil
IVFaculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual do Piauí, Teresina-PI, Brasil
VCentro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Piauí, Teresina-PI, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo é descrever os indicadores epidemiológicos e vetoriais da dengue em Teresina-PI, de 2002 a 2006. Utilizou-se dados referentes à ocorrência da doença, do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), monitoramento do Aedes aegypti do Sistema de Informação de Febre Amarela e Dengue (FAD), além de dados populacionais e do meio ambiente. A relação entre o número de casos notificados, precipitação pluviométrica e temperatura e entre o índice de infestação predial e índice de pendência foi analisada pela correlação de Spearman. Nesse período, foram notificados 11.003 casos de dengue, com coeficiente de incidência variando de 592,7/100.000 habitantes em 2002 e 19,5/100.000 habitantes em 2004, com maior incidência na faixa etária de 15 a 49 anos (305,5/100.000 habitantes) e maior proporção no sexo feminino (60%). A menor taxa de letalidade ocorreu em 2003 (6,25%) e a maior em 2006 (20%), com predomínio na faixa etária de 20 a 49 anos (36,36%). Foi encontrada correlação positiva entre o número de casos, pluviosidade e temperatura e não houve associação entre índice de infestação predial e índice de pendência por estrato. Os depósitos de armazenamento de água para consumo predominaram como principais criadouros. A dengue na cidade de Teresina apresentou maior incidência no primeiro semestre de cada ano, coincidindo com o período de maior índice pluviométrico e de infestação predial. As estratégias de combate ao Ae. aegypti não têm sido eficazes, pois tais medidas não têm produzido o efeito epidemiológico desejado, sendo necessária ênfase especial na redução de criadouros artificiais, principalmente aqueles utilizados para armazenamento de água nos domicílios, com a diminuição dos riscos domésticos da proliferação do vetor.

Palavras-chave: dengue; índice de infestação predial; Aedes aegypti; criadouros artificiais.


SUMMARY

This study aims at describing dengue fever epidemiological and vector-related indicators in Teresina, State of Piaui, Brazil from 2002 to 2006. The analysis has included cases registered in the Information System for Notifiable Diseases (Sinan), data on the monitoring of the Aedes aegypti in the Information System for Yellow Fever and Dengue Fever (FAD), and population and environmental data. The relation among notified cases, rainfall and temperature as well as between house infestation rate and pendency rate was analyzed using the Spearman correlation coefficient. In that period, 11,003 dengue fever cases were notified. Incidence rate varied from 592.7/100,000 population in 2002 to 19.5/100,000 population in 2004, with greater incidence in the 15-to 49-year-old group (305.5/100,000 population) and in females (60%). The lowest and highest lethality rate occurred, respectively, in 2003 (6.25%) and 2006 (20%), predominantly in the 20-to 49-year-old group (36.36%). There was a positive correlation among the number of cases, rainfall and temperature and there was no association between house infestation rate and pendency rate by stratum. Water storage reservoirs have predominated as the main breeding site. Each year, dengue fever incidence in the city of Teresina was higher during the first semester, which is the period of both higher rainfall and house infestation rate. The strategies for fighting the Ae. aegypti have not been efficacious, because the measures taken are not producing the expected epidemiological effects. It is necessary to adopt control measures with a special focus on the reduction of artificial breeding sites, mainly those used for house water storage, which lowers domestic risks associated with the proliferation of vectors.

Key words: dengue; house infestation rate; Aedes aegypti; mosquito breeding sites.


 

 

Introdução

A dengue é uma doença infecciosa causada por um vírus de genoma RNA. São conhecidos quatro sorotipos: DEN-1, DEN-2, DEN-3 e DEN-4. Caracteriza-se por apresentar quadro febril inespecífico, classificado clinicamente como febre do dengue (FD) ou dengue clássica, até manifestações graves, com hemorragia, na febre hemorrágica do dengue (FHD), e síndrome do choque do dengue (SCD), podendo levar ao óbito. Tem grande repercussão econômica e social ao afetar a força de trabalho, prejudicar o comparecimento escolar e a organização do atendimento à saúde.1-3

O principal vetor do vírus da dengue é o mosquito Aedes aegypti, que se encontra adaptado ao ambiente doméstico e associado ao crescimento demográfico, como também aos intercâmbios internacionais. Estes fatores, assim como as variações na pluviosidade e temperatura do ambiente, favorecem a dispersão do mosquito e disseminação dos sorotipos virais, na medida em que as populações humanas dispõem de recipientes propícios à reprodução do vetor.1,4-6

No Brasil, faz-se referência à dengue desde o ano de 1846, com epidemias no Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Na década de 80 houve epidemias nos Estados de Roraima, Minas Gerais, São Paulo, Bahia, Pernambuco, Ceará, Alagoas e Rio de Janeiro. Neste último, ocorreu uma epidemia em 1986, quando circulou o sorotipo DEN-1 e a dengue adquiriu importância epidemiológica. Esse sorotipo logo atingiu a Região Nordeste e a doença se tornou endêmica no Brasil, intercalando-se epidemias, geralmente associadas à introdução de novos sorotipos em áreas anteriormente indenes.3

Em decorrência do processo de endemização da dengue no Brasil, após sua reemergência há 26 anos, vem ocorrendo uma mudança em sua distribuição etária, havendo um progressivo aumento da incidência em menores de 15 anos. Ao mesmo tempo, tem havido também um aumento da incidência das formas graves da doença,7,8 tendência de comportamento já evidenciada na epidemia que ocorreu no Rio de Janeiro em 2008.

No Piauí, a presença do Ae. aegypti foi confirmada em 1986 e, em 1994, levantamentos entomológicos realizados pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) confirmaram a presença do mosquito no Município de Teresina-PI. Nesse mesmo ano, foram notificados os primeiros casos autóctones de dengue, confirmando-se a primeira epidemia em 1996. No ano de 1998 foi detectada a maior epidemia, com registro de 10.081 casos e quatro óbitos. Os primeiros testes de isolamento viral foram realizados a partir do ano 2000, quando foi confirmada a circulação do sorotipo DEN-1. Em 2001 detectou-se o sorotipo DEN-2. No ano seguinte, confirmou-se a circulação de três sorotipos: DEN-1 DEN-2 e DEN-3.

Apesar dos esforços das autoridades sanitárias para o seu controle, trata-se ainda de uma doença com elevada incidência no Brasil e no mundo.9 No Município de Teresina, epidemias consecutivas e ininterruptas vêm ocorrendo, com anos epidêmicos e surtos de menor proporção, o que causa uma sobrecarga na rede de saúde pública de atendimento e alto custo financeiro e social. Os métodos de combate ao vetor recomendados pelo Ministério da Saúde (MS), tais como pesquisa entomológica, tratamento, manejo ambiental e participação comunitária10 foram aplicados, entretanto não foram suficientes para impedir o avanço da doença que tem se tornado progressivamente mais grave com aumento significativo de complicações. Por fim, sendo a dengue um grande problema de saúde pública para o município, decidiu-se realizar este trabalho com o objetivo de descrever os indicadores epidemiológicos e vetoriais da doença no Município de Teresina, no período de 2002 a 2006.

 

Metodologia

A pesquisa foi realizada na cidade de Teresina, localizada a 72,7m acima do nível do mar, onde ocupa uma área de 1.755,7km2. Apresenta clima tropical subúmido quente, com precipitação anual de 1.339mm3, temperatura média de 28,6oC e umidade relativa do ar média de 70%. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sua população foi estimada em 815.060 habitantes para o ano de 2006, dos quais 94% residiam na zona urbana. Possui 124 bairros divididos administrativamente em três Coordenações Regionais de Saúde (CRS): Centro-Norte, Sul e Leste-Sudeste, contemplando um total de 261.468 imóveis (residenciais, comerciais e terrenos baldios). Cerca de 95% dos bairros têm serviço de abastecimento de água, embora exista intermitência em alguns deles. Apenas 13% da área urbana são cobertos por esgotamento sanitário. A coleta de lixo é feita em dias alternados.

Trata-se de um estudo epidemiológico ecológico, realizado com dados secundários referentes ao período de 2002 a 2006. Os dados foram obtidos pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), administrado pela Gerência de Epidemiologia (Geepi) e do Sistema de Informação de Febre Amarela e Dengue (FAD), sob administração da Gerência de Zoonoses (Gezoon). Ambas as gerências compõem a estrutura organizacional da Fundação Municipal de Saúde (FMS), órgão gestor das ações de saúde no âmbito do Município de Teresina.

Informações relacionadas à média mensal de temperatura e precipitação pluviométrica foram fornecidas pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Estado do Piauí (Semam/PI). As estimativas populacionais empregadas como denominadores para o cálculo do coeficiente de incidência da doença foram obtidos no IBGE, disponibilizadas pelo Departamento de Informática e Informação do Sistema Único de Saúde (Datasus).

Com relação aos aspectos epidemiológicos, foram analisadas as seguintes características: idade, sexo e escolaridade do paciente; classificação clínica e critério de classificação dos casos notificados. Foram incluídos todos os casos notificados de residentes no Município de Teresina. Na distribuição por CRS foram excluídos os casos de bairros não classificados.

Quanto aos aspectos vetoriais, foram descritos os valores do Índice de Infestação Predial (IIP) por ciclo de trabalho, tipo de criadouro e índice de pendência (IP) de 2004 a 2006 para cada CRS. Utilizaram-se os dados de IIP agregados por estratos por indisponibilidade de dados referentes a cada bairro, uma vez que os resultados das investigações de campo foram registrados no sistema pelo "Resumo do Boletim de Campo e de Laboratório", segundo Manual do LIRAa, pg.58, onde todos os registros foram feitos por estrato e não por localidade. O índice de infestação predial (IIP) corresponde à proporção de imóveis com larvas do Ae. aegypti em relação ao total de imóveis inspecionados e o IP ao percentual de imóveis não visitados (recusas e fechados) para cada estrato.

O IIP é resultante do trabalho de monitoramento realizado pela Gezoon a partir da pesquisa de larva de Ae. aegypti em 10% dos imóveis visitados. De acordo com normas do Ministério da Saúde, o IIP é classificado em: satisfatório (<1%), situação de alerta (1% a 3,9%) e risco de surto (>3,9%).11

A cidade foi dividida em 327 áreas, cada uma com um total de 800 a 1.000 imóveis. Para efeito de distribuição, essas áreas foram agrupadas em 28 "estratos". Foram realizados cinco ciclos de levantamento larvário por ano. Cada ciclo de trabalho correspondeu aos meses de janeiro/fevereiro, março/abril, maio/junho, agosto/setembro e outubro/novembro.

Os criadouros foram classificados em dez categorias, de acordo com o Sistema de Informações de Febre Amarela e Dengue (FAD/Funasa/MS), versão 13.8, quais sejam: a) pneu; b) tambor/tanque/tina/tonel/depósito de barro; c) vaso de planta; d) material de construção/peças de carro; e) garrafa/lata/plástico; f) poço/cisterna/ cacimba; g) caixa d'água; h) recipiente natural; i) outros (lajes, calhas e flores); j) armadilhas.12

A correlação de Spearman foi utilizada para analisar a associação entre pluviosidade e temperatura, em relação à incidência de casos da doença por ano, IIP e a pendência por estrato. A significância estatística foi verificada quando o valor de "p" foi menor do que 0,05.

Analisaram-se os dados utilizando-se os programas TABWIN versão 3.0.1 Beta, Microsoft Excel e o Statistica 5.05.

 

Resultados

No período de 2002 a 2006 foram registrados 11.003 casos de dengue no Município de Teresina, com maior incidência no ano de 2002 (592,7/100.000 habitantes) e menor incidência em 2004 (19,5/100.000 habitantes), correspondendo a uma média de 2.200 casos para cada ano (Tabela 1). Verificou-se que a faixa de 15 a 49 anos foi a mais acometida, com incidência de 305,5/100.000 habitantes. Constatou-se que aproximadamente 60% dos casos ocorreram no sexo feminino, com incidência de 306,9/100.000 mulheres e, em relação à escolaridade, o maior percentual de casos de dengue foi observado para a população com quatro a sete anos de estudo.

 

 

A proporção de casos de dengue confirmados por critério laboratorial variou de 5,85%, em 2002 a 92,56% em 2005, e no ano de 2006, de 46,89%; destaca-se o ano de 2005, onde quase todos os casos foram confirmados por critério laboratorial. Com relação à classificação final, predominaram os casos de dengue clássico (Tabela 2).

 

 

As formas clínicas FHD e SCD são mais graves e causaram, no período de estudo, 11 óbitos, com taxa de letalidade de 6,25%, em 2003; 12,5%, em 2005; e 20%, em 2006. Não foi possível calcular a letalidade para os anos de 2002 e 2004 por possíveis falhas no registro de dados junto ao Sinan, tais como: fichas de investigação com campos em branco; incongruência de informações e classificação que não correspondia com a evolução do caso. Os óbitos distribuíram-se nas seguintes faixas etárias: menor de 15 anos, três (27,28%); 20 a 49 anos, quatro (36,36%); 50 a 79 anos, dois (18,18%), e maior de 79 anos, dois (18,18%).

Observou-se maior incidência de casos no primeiro semestre de cada ano, coincidindo com o período chuvoso, apresentando maior incidência nos meses de março a maio, para os anos de 2002 e 2003 e entre junho e agosto nos anos de 2005 e 2006 (Figura 1). Houve uma correlação positiva, ao longo dos anos, com a precipitação pluviométrica em 2002 (r=0,68, p<0,001); 2003 (r=0,72, p<0,001); 2004 (r=0,84, p<0,001); 2005 (r=0,79, p<0,001) e 2006 (r=0,86, p=0,001); e com a temperatura: 2002 (r=0,88, p<0,001); 2003 (r=0,86, p<0,001); 2004 (r=0,79, p<0,001); 2005 (r=0,81, p<0,001) e 2006 (r=0,84, p<0,001).

 

 

A Figura 2 mostra a variação do IIP durante os anos de 2004 a 2006. Observa-se que os mais altos IIP concentram-se nos primeiros meses de cada ano, coincidindo com os maiores índices de precipitação pluviométrica, com declínio a partir do 3o ciclo: maio/junho.

 

 

Na Figura 3, observa-se que alguns estratos apresentam índice médio de infestação predial (IIP), considerando-se os três anos de registro, que variam de 0,24% (para o estrato 3) a 2,07% (estrato13). No estrato 3 verificou-se uma pendência média de 5,23% e de 8,04% para o estrato 13. A Figura 3 sugere que esses dois estratos apresentam uma relação direta entre o índice de pendência e o de infestação predial. O menor índice de pendência (2,12%) foi verificado no estrato 27, que apresentou índice de infestação predial de apenas 0,38%, sugerindo que esses fatores podem ter uma relação direta entre si. Entretanto, quando se analisa o estrato 14, observa-se que ele apresenta o maior índice de pendência (9,56%) e, no entanto, apresentou um baixo índice de infestação predial (0,66%). Obviamente, essa análise carece de maiores informações, pois ao realizar a correlação entre IIP e IP não se observou associação entre os mesmos (r =-0,11 p>0,05).

 

 

Quando os bairros foram agrupados por CRS, observou- se que a Centro Norte apresentou o menor IIP e de IP para os três anos (2004 a 2006) registrados nos sistema LIRAa e FAD, com o maior número de casos (n=3.364) e 3,5 vezes mais óbitos (n=7) do que as demais CRS (Tabela 3). A análise do IIP foi realizada por estratos/CRS por indisponibilidade de informações por localidade. A necessidade dessa desagregação foi identificada no momento desse estudo e a informação foi repassada a Gezoon, que a partir de 2008 passou a fazer os registros por localidade em planilhas de Excel, possibilitando assim a análise do IIP por bairro.

 

 

A Tabela 4 apresenta a distribuição proporcional dos tipos de criadouros identificados segundo CRS e ano. Os criadouros do tipo B, E e I predominaram em todas as CRS em todo o período, sendo que no ano de 2006 observou-se com maior frequência na CRS Sul os tipos B, C e E; na Leste/Sudeste A, B e E e na Centro/Norte B, E e I.

 

 

Discussão

Os dados obtidos neste estudo mostram que os casos de dengue foram significativamente mais frequente na estação chuvosa. No final desta estação e durante todo o período seco, houve uma diminuição na incidência da doença. Resultados semelhantes foram encontrados em São Luís-MA, Salvador-BA e São Sebastião-SP.5,13,14 Aproximadamente 60% dos casos ocorreram no sexo feminino, corroborando com os resultados encontrados em São Sebastião, Araguaína-TO, Belém-PA e no México,8,15-17 situação justificada pelos autores devido a maior permanência da mulher no intra e peridomicílio, onde ocorre, predominantemente, a transmissão. Entretanto, sem apontar causas, Gonçalves Neto e Rebelo não encontraram diferenças significativas entre sexo masculino e feminino no Município de São Luis.18

Quanto à distribuição da doença por grupo etário, ocorreram casos em todas as faixas, com maior concentração nas idades entre 15 e 49 anos, assemelhando-se a estudos realizados em Salvador e São Luís.14,18

As condições climáticas caracterizadas pela precipitação pluviométrica, temperatura elevada e umidade do ar, em geral mostram relação positiva com a transmissão da dengue.5,19 No período em estudo, observou-se uma correlação positiva forte entre a incidência de casos, pluviosidade e temperatura, diferindo, em parte, dos resultados encontrados em São Luís,18 onde se observou correlação negativa com a temperatura.

Os casos de dengue notificados têm sua classificação a partir de parâmetros laboratoriais ou clínico-epidemiológicos. Em períodos de epidemias, o Ministério da Saúde preconiza a realização de sorologia para 10% dos casos suspeitos de dengue e 100% para os casos graves.9 Os resultados mostram que nos anos de 2002 e 2003 tais parâmetros não foram alcançados, o que pode representar subnotificação dos casos graves, como também superestimar o número de casos de dengue.

A maioria dos casos de dengue notificados em Teresina foi classificada como febre do dengue (FD). No ano de 2004 não houve registro de casos de febre hemorrágica do dengue (FHD), nem de síndrome do choque do dengue (SCD), enquanto no ano de 2006, houve 26 e três casos dessas formas, respectivamente. Talvez esse aumento do número de casos para outras formas clínicas da dengue seja em consequência de um melhor diagnóstico laboratorial.

A maior taxa de letalidade foi registrada no ano de 2006 (20%), considerada muito alta quando comparada com a preconizada pelo Ministério da Saúde, não superior a 1%. O maior percentual de óbito ocorreu na faixa etária de 20 a 49 anos (36,36%), semelhante ao estudo realizado em Recife-PE,20 seguida pela faixa etária de menores de 15 anos (27,27%).

Partindo do pressuposto de que a vigilância entomológica atua com o conceito de risco, a distribuição e densidade dos vetores são parâmetros fundamentais para alcançar esse objetivo.21 Os resultados dessa análise mostram que o Ae. aegypti encontra-se distribuído de forma desigual nas três CRS, sendo que o menor IIP e a maior transmissão foram registrados na CRS Centro/Norte. Acredita-se que o grande número de lagoas na região dessa CRS, com concentração de lixo em suas margens, possa ter influenciado na dissociação entre incidência e infestação, suspeita que deverá ser investigada oportunamente. O IIP geral de cada ano variou de acordo com a flutuação do regime pluvial, entre situação de alerta (IIP>1% e <3,9%) e satisfatória (IIP<1%). Observou-se maior IIP no primeiro semestre de cada ano, diferindo de resultados encontrados em São Sebastião-SP e São Luis-MA, 5,13 os quais demonstram elevada densidade vetorial nos primeiros e últimos meses do ano. O IIP foi semelhante nos três anos de estudo, com valores acima de 1% (valor de referência) nos dois primeiros ciclos, justificando, assim, uma avaliação das medidas de controle até então empregadas.

O IP foi variável entre os estratos. Entretanto, não foi encontrada correlação positiva com o IIP. Essa pendência se deve em parte aos imóveis fechados e recusas. Levando em consideração que 100% dos imóveis têm que ser tratados, essa pendência tem evidente implicação para as estratégias de controle adotadas na cidade, uma vez que os imóveis fechados podem abrigar focos do vetor e não serem identificados em tempo hábil. Trabalho realizado em Ribeirão Preto-SP demonstra que a recusa se dá pela desconfiança de roubo, problema de racismo e a presença constante do serviço na casa. Em condomínios de prédios o problema é a restrição da entrada, obrigando os agentes a se adequar a horários impostos.22

Assim como em outras cidades do Brasil,18, 21-23 como principais criadouros preferenciais do Ae. aegypti em Teresina encontraram-se os criadouros do tipo B. Esse tipo de criadouro é muito comum em domicílios, valendo-se de recipientes improvisados, onde o abastecimento de água é intermitente e os proprietários não tem o cuidado de mantê-los devidamente fechados. Apesar de estudos mostrarem correlação positiva entre o tamanho de criadouros e produtividade em relação ao Aedes Albopictus,24 na cidade de Teresina estes criadouros parecem apresentar maior importância como mantenedores da infestação, contribuindo para a geração de focos em criadouros temporários (garrafas, latas, plásticos, lajes, calhas, flores, peças de carro), dependentes de chuva, o que pode justificar o aumento da infestação somente no período chuvoso.

A dengue na cidade de Teresina apresentou um padrão sazonal com maior incidência no período chuvoso; verificou-se relação positiva entre o número de casos de dengue e o aumento da precipitação pluviométrica e da temperatura em cada ano. O gênero feminino e a faixa etária de 15 a 49 anos foram as mais acometidas, com alta letalidade, variando de 6,25% (2002) e 20% (2006), com 36,36% dos óbitos na faixa etária de 20 a 49 anos. Os mais altos IIP coincidem com os maiores índices de precipitação pluviométrica. Não foi observada associação entre o IIP e IP e os criadouros tipo "B" predominaram durante todo o ano.

As estratégias de combate ao vetor não têm sido eficazes, pois essas medidas não têm produzido o efeito epidemiológico desejado, sendo necessária adoção de estratégias de controle com ênfase especial na redução de criadouros, com a diminuição dos riscos domésticos da proliferação do vetor.

 

Agradecimentos

Ao enfermeiro Márcio Dênis Medeiros Mascarenhas, pela leitura crítica dos originais e sugestões; e ao Prof. Dr. Marcos Antônio da Mota Araújo, pela realização dos testes estatísticos.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Universidade Federal do Piauí,
Centro de Ciências da Saúde,
Departamento de Bioquímica e Farmacologia,
Campus Ministro Petrônio Portella,
Ininga,Teresina-PI, Brasil.
CEP 64049-550
E-mail:famorim@ufpi.edu.br

Recebido em 11/11/2008
Aprovado em 13/07/2009