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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.18 n.4 Brasília dic. 2009

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742009000400008 

RELATÓRIO

 

Protocolo para tratamento de raiva humana no Brasil

 

 

Departamento de Vigilância Epidemiológica

Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Endereço para correspondência

 

 

Introdução

A raiva é uma encefalite viral aguda, transmitida por mamíferos com letalidade de aproximadamente 100%, considerada um problema de saúde pública, principalmente em países em desenvolvimento.1,2

Em 2004, nos Estados Unidos, foi feito o primeiro relato, na literatura internacional, de cura da raiva em paciente que não recebeu vacina. Nesse caso, foi realizado um tratamento baseado na utilização de antivirais e sedação profunda, denominado de Protocolo de Milwaukee.3

Em 2008, no Brasil, na Unidade de Terapia Intensiva do Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital Universitário Oswaldo Cruz da Universidade de Pernambuco, em Recife-PE, um tratamento semelhante ao utilizado na paciente norteamericana foi aplicado em um jovem de 15 anos de idade, mordido por um morcego hematófago, tendo como resultados a eliminação viral (clearance viral) e a recuperação clínica.

A primeira cura de raiva humana no Brasil, bem como o sucesso terapêutico da paciente dos Estados Unidos, abriram novas perspectivas para o tratamento desta doença, considerada até então letal. Diante disso, o Ministério da Saúde reuniu especialistas no assunto e elaborou o primeiro protocolo brasileiro de tratamento para raiva humana baseado no protocolo americano de Milwaukee.

Esse protocolo tem como objetivo orientar a condução clínica de pacientes suspeitos de raiva, na tentativa de reduzir a mortalidade dessa doença.4 Devido o caso ter sido tratado na cidade de Recife-PE e ter sido a primeira experiência bem sucedida no Brasil, esse protocolo foi denominado Protocolo de Recife.

 

Critérios de inclusão e exclusão

Este protocolo de tratamento está recomendado para todo paciente com suspeita clínica de raiva, que tenha vínculo epidemiológico e profilaxia antirrábica inadequada. É importante que seja aplicado um termo de consentimento livre e esclarecido para a sua utilização.

Suspeita clínica de Raiva Humana

Período de incubação

Variável, podendo ser de um mês a um ano; a maioria dos casos ocorre entre duas semanas a três meses após a agressão.1,2

Pródromos

Duração de dois a quatro dias, são inespecíficos: mal-estar geral, pequeno aumento de temperatura, anorexia, cefaléia, náuseas, dor de garganta, entorpecimento, irritabilidade, inquietude e sensação de angústia. Podem ocorrer hiperestesia e parestesia no trajeto de nervos periféricos, próximos ao local da mordedura, e alterações de comportamento.1,2

Fase neurológica

Apresenta-se em duas formas clássicas da doença: furiosa (relacionada principalmente com vírus transmitidos por canídeos) e a paralítica (associada, na maioria dos casos, a vírus transmitidos por morcegos).1,2

Forma furiosa

A infecção progride com manifestações de ansiedade e hiperexcitabilidade crescentes, febre, delírios, espasmos musculares involuntários, generalizados e/ou convulsões. Espasmos dos músculos da laringe, faringe e língua ocorrem quando o paciente vê ou tenta ingerir líquido (hidrofobia), apresentando concomitantemente sialorréia intensa, disfagia, aerofobia, hiperacusia, fotofobia.1,2

Forma paralítica

Ocorre parestesia, dor e prurido no sítio da mordedura, evoluindo com paralisia muscular flácida precoce. Em geral a sensibilidade é preservada. A febre também é marcante, geralmente elevada e intermitente. O quadro de paralisia leva a alterações cardiorespiratórias, retenção urinária, obstipação intestinal; embora se observem espasmos musculares (especialmente laringe e faringe), não se observa claramente a hidrofobia, e a consciência é preservada na maioria dos casos.1,2

A disautonomia (bradicardia, bradiarritmia, taquicardia, taquiarritmia, hipo ou hipertensão arterial) e insuficiência respiratória são as principais causas de morte, podendo ocorrer nas duas formas. Sem suporte cardiorespiratório, o paciente evolui a óbito entre cinco a sete dias na forma furiosa e até 14 dias na forma paralítica.5

Vínculo epidemiológico

Paciente com manifestação clínica sugestiva de raiva, COM antecedentes de exposição de até um ano a uma provável fonte de infecção OU procedente de regiões com comprovada circulação de vírus rábico.1

Profilaxia antirrábica inadequada

Paciente que não recebeu o esquema de pós-exposição antirrábico; OU que recebeu o esquema de pós-exposição incompleto, conforme as normas técnicas de profilaxia da raiva humana OU paciente que não recebeu o esquema de pós-exposição em tempo oportuno.

Critérios de exclusão ao protocolo

Paciente sem história de febre; OU com história de doença superior a 14 dias; OU com doença que não tenha vínculo epidemiológico com a raiva; OU com esquema profilático de pós-exposição completo em tempo oportuno; OU confirmada outra doença (ver diagnóstico diferencial) OU pacientes com doença associada grave ou incurável, ou com sequela neurológica prévia limitante, ou que o investimento terapêutico seja contra-indicado.

 

Diagnóstico

Diagnóstico diferencial

Doenças infecciosas

Outras encefalites virais, especialmente as causadas por outros rabdovírus e arbovírus; enteroviroses; tétano; pasteureloses por mordedura de gato e de cão; infecção por vírus B (Herpesvirus simiae) por mordedura de macaco; botulismo; febre por mordida de rato (SODÓKU); febre por arranhadura de gato (linforreticulose benigna de inoculação); e tularemia.1

Doenças não infecciosas

Síndrome de Guillain-Barré; encefalomielite difusa aguda (ADEM); intoxicações; quadros psiquiátricos, encefalite pós-vacinal.

Diagnóstico específico da Raiva

O diagnóstico laboratorial da raiva ante-mortem pode ser realizado através da identificação do antígeno rábico pela técnica de imunofluorescência direta (IFD) em decalques de células de córnea (Cornea Test), na biópsia da pele da região da nuca (folículo piloso) ou da saliva.6,7

As técnicas de biologia molecular, como o RT-PCR e a semi-nested RT-PCR representam, na atualidade, importantes instrumentos para o diagnóstico ante-mortem a partir da saliva, do folículo piloso e do líquido cefalorraquidiano (LCR).8 Nenhuma das técnicas, isoladamente, apresenta 100% de sensibilidade, mas o conjunto delas aumenta a probabilidade da confirmação laboratorial. Ressalta-se que o diagnóstico positivo é conclusivo, porém o negativo não exclui a possibilidade de raiva.5-7

Em casos nos quais não há histórico de vacinação do paciente, a pesquisa de anticorpos no soro, através da soroneutralização (RIFFT), oferece uma importante contribuição para o diagnóstico in vivo. A presença de anticorpos no LCR, mesmo após vacinação, também é diagnóstica da infecção pelo vírus da raiva.8-10

 

Coleta e remessa de material para diagnóstico específico de Raiva

Coleta de material

- Folículo piloso: amostras de biópsia de pele (0,5 a 1,0cm2) da região da nuca, próxima ao couro cabeludo, devem ser coletadas com bisturi descartável. Os bisturis e tubos não devem ser reutilizados, nem mesmo para coletar diferentes amostras de um mesmo paciente. Amostras de folículo piloso devem ser acondicionadas em frascos, separado dos demais tecidos e fluidos, e congeladas a -20oC ou, quando possível, -70oC.

- Saliva: coletar 2 mL de saliva e acondicionar em tubos hermeticamente fechados e congelar a -20oC ou, quando possível, -70oC. Essa coleta deve ser realizada antes da higienização bucal do paciente, da aspiração e dos procedimentos fisioterápicos.

- Soro: coletar 5mL de sangue e obter imediatamente o soro, para minimizar hemólise. Deve ser congelado a -20oC.

- Líquido cefalorraquidiano (LCR): a coleta do LCR (2mL) será feita através de punção na região lombar, procedendo, a seguir, o seu congelamento a -20oC.

Acondicionamento das amostras

Todas as amostras devem ser mantidas em condições de congelamento, até o momento do encaminhamento aos laboratórios.

Procedimentos para o diagnóstico específico de Raiva

Diante de uma suspeita de raiva, dever-se-á comunicar imediatamente à Secretaria Estadual de Saúde (Serviço de Vigilância Epidemiológica) que propiciará condições para a coleta de LCR, soro, folículo piloso, saliva e imprint de córnea, bem como seu envio aos laboratórios. O imprint de córnea só deve ser feito se houver profissional capacitado.

As amostras colhidas serão encaminhadas imediatamente ao Laboratório de Diagnóstico do Estado ou Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen), e para o Laboratório Nacional de Referência - Instituto Pasteur/SP (IP-SP), devendo, portanto, serem fracionadas na primeira coleta (colher duas amostras de cada espécime clínico). As coletas sucessivas para confirmação diagnóstica, conforme Tabela 1, deverão ser encaminhadas apenas ao IP-SP. Todas as coletas deverão ser feitas na presença do funcionário do Serviço de Vigilância Epidemiológica da SES ou, de preferência, do laboratório local, o qual fará o adequado acondicionamento e transporte aos laboratórios.

 

 

As coletas de saliva deverão ser diárias a partir do dia da inclusão do paciente neste protocolo. Serão enviadas diariamente ao laboratório local, o qual examinará apenas a primeira coleta, enviando esta e todas as demais ao IP-SP, duas vezes por semana, iniciando na segunda ou quinta-feira seguinte à inclusão no protocolo.

Coletas de folículo piloso, LCR e soro serão realizadas duas vezes (segunda e quinta-feiras) para tentar confirmar o diagnóstico. A primeira coleta (amostra em duplicidade) deverá ser rapidamente enviada ao laboratório local, o qual examinará uma amostra e encaminhará a outra ao IP-SP. A segunda coleta deverá ser examinada apenas pelo IP-SP. Coletas e envios deverão iniciar na segunda ou quinta-feira seguinte à inclusão no protocolo. O imprint de córnea deverá ser coletado apenas uma vez, seguindo a mesma rotina da primeira coleta de LCR, soro e folículo piloso. Os resultados laboratoriais serão emitidos em até 72 horas após o recebimento das amostras.

O término da tentativa diagnóstica específica dar-se-á quando não houver positividade nas amostras examinadas no laboratório local e nas enviadas ao IP-SP. Sem o diagnóstico específico, o paciente deverá ser retirado do protocolo e outro diagnóstico deverá ser insistentemente pesquisado.

Caso o paciente evolua a óbito antes ou após o diagnóstico específico, deverá ser feita necropsia e o encéfalo (cérebro, tronco encefálico e cerebelo) deve ser enviado para o laboratório para confirmar ou descartar raiva.

 

Conduta clínica inicial11,12,13,14,15,16

 

 

Conduta antes de ter o diagnóstico confirmado laboratorialmente

- Conduzir todo paciente com suspeita clinicoepidemiológica de raiva humana no serviço de referência do Estado para tratamento de raiva e em ambiente de unidade de terapia intensiva (UTI).

- Colocar o paciente em isolamento de contato, usando equipamento de proteção individual adequado (avental de manga longa, máscara, luvas, óculos).

- Providenciar precocemente acesso venoso central, sondagem vesical de demora e sondagem nasoenteral.

- Dieta hipercalórica e hiperprotéica: iniciar o mais precocemente, por via enteral quando possível; em adultos preferir a posição gástrica da sonda; deixar em posição pós-pilórica na presença de distensão e hipersecreção gástricas; em crianças usar posição pós-pilórica da sonda; fazer acompanhamento nutricional para monitoração de provável perda ponderal significativa.

- Manter paciente normovolêmico, usando soluções isotônicas.

- Intubação traqueal: seguir as indicações clássicas; ressaltar a necessidade de vigilância quanto à possível hipersalivação.

- Suporte ventilatório: seguir a rotina do serviço, garantindo boa oxigenação, normoventilação e proteção pulmonar.

- Sedação para adaptação à ventilação mecânica: seguir a rotina do serviço; sugere-se uso de Midazolan (0,03 a 0,6mg/kg/h) associado a Fentanil (1 a 2mcg/kg/h); se disponível, trocar Fentanil por Ketamina (0,5 a 1,0mg/kg/ h) - caso não tenha Ketamina, providenciar para uso obrigatório quando confirmado raiva; evitar barbitúricos e propofol e monitorar com escala de sedação (Ramsey IV), índice biespectral (BIS) ou eletroencefalograma (EEG).

- Nimodipina - 60mg via enteral de 4/4h.

- Vitamina C - 1g IV ao dia.

- Profilaxia para trombose venosa profunda (TVP): usar dose recomendada para pacientes de alto risco e preferir heparina de baixo peso molecular.

- Profilaxia de hemorragia digestiva alta: utilizar Ranitidina (50mg IV de 8/8h) ou inibidor de bomba de prótons.

- Profilaxia de úlcera de pressão.

- Objetivos terapêuticos a serem seguidos para reduzir o risco de lesão neurológica secundária: cabeceira elevada a 30o com cabeça centralizada em relação ao tronco; REALIZAR mudança de decúbito a cada 3 horas; pressão arterial média (PAM) ≥80mmHg; PVC = 8-12mmHg (10-14mmHg quando em ventilação mecânica); Saturação periférica de oxigênio (oximetria/SpO2) ≥94%; PaCO2 = 35-40mmHg; NÃO fazer hiperventilação; Pressão de platô das vias aéreas <30cmH2O (proteção pulmonar); hemoglobina ≥10g%; Natremia (Na+) = 140-150mEq/L; glicemia = 70-110mg%; em adultos iniciar infusão venosa contínua de insulina quando Glicemia >180mg%, conforme protocolo próprio; manter diurese >0,5ml/kg/h com adequada hidratação; evitar uso de diuréticos e aferir temperatura central (esofágica, retal ou timpânica) e manter entre 35 e 37oC com: controle da temperatura ambiental, drogas e resfriamento superficial.

Conduta após confirmação laboratorial da Raiva

- Manter todas as condutas acima descritas e mais as abaixo relacionadas.

- Amantadina - 100mg via enteral de 12/12h; NÃO usar Ribavirina.

- Biopterina - 2mg/kg via enteral de 8/8h (disponível no Ministério da Saúde).

- Sedação profunda: Midazolan (1 a 2mg/kg/h) associado a Ketamina (2mg/kg/h) - suspender Fentanil se estiver em uso; as doses acima não devem ser muito aumentadas; se necessário para otimizar a sedação, associar Fentanil; evitar uso de barbitúricos e propofol e monitorar com escala de sedação (Ramsey VI), BIS ou EEG.

Monitoração

Iniciar imediatamente quando o paciente for internado na UTI.

Contínua

Eletrocardiograma (ECG); oximetria de pulso; capnografia (quando em ventilação mecânica); PAM (se instabilidade hemodinâmica); BIS ou EEG (quando disponível); temperatura central (quando monitor disponível).

Intermitente

Pressão arterial (PA) [pressão não invasiva (PNI)] de 2/2h; pressão venosa central (PVC) de 4/4h; glicemia capilar de 4/4h; diurese de 4/4h; balanço hídrico de 12/12h; temperatura central de 2/2h (se não puder ser contínua); densidade urinária de 4/4h; dosagem sérica de sódio sérico (Na+) duas vezes ao dia.

 

Exames e condutas clínicas sequenciais

Exames laboratoriais

A coleta de amostras para exames laboratoriais deverá seguir a rotina do serviço, ressaltando a necessidade de controle de: Sódio - dosagem sérica 2 vezes ao dia (ver acima); gasometria arterial - para monitoração de PaO2 e PaCO2; quantas vezes for necessária; magnésio - dosagem sérica diária pelo risco de estar reduzida em associação ao vasoespasmo cerebral; zinco - dosagem sérica semanal e hormônios tireoidianos (T4 livre e TSH ultrassensível) - dosagem semanal.

LCR para dosagem de Biopterina (BH4)

Após a confirmação laboratorial de raiva humana, a dosagem liquórica de BH4 deverá ser realizada (Tabela 2).

 

 

Para tal, nova amostra de LCR deverá ser coletada e colocada em cinco frascos apropriados (total de 3,5mL de LCR distribuídos respectivamente em: 0,5mL; 0,5mL; 1,0mL; 1,0mL e 0,5mL) e acondicionados em gelo seco. Os frascos serão fornecidos pelo Ministério da Saúde, que providenciará os trâmites para envio ao exterior (cerca de 15 dias). Após a anuência do Ministério da Saúde, o LCR deverá ser coletado e os tubos deverão ser imediatamente acondicionados em gelo seco até a entrega à transportadora. O funcionário do laboratório local (Lacen) deverá estar presente no momento da coleta da amostra e será responsável pelo acondicionamento e entrega à transportadora. Levará cerca de 15 dias para recebimento do resultado.

Uma vez confirmada deficiência de BH4, serão iniciados os trâmites necessários para uma nova dosagem (controle), que ocorrerá após 15 dias de reposição em dose máxima: Conduta clínica: Na presença de deficiência de Biopterina, fazer reposição com as seguintes doses: 5mg/kg/dia dividido em duas tomadas por dois dias, seguido de 10mg/kg/dia dividido em duas tomadas por dois dias, seguido de 20mg/kg/dia dividido em duas tomadas, e manter essa dosagem por quatro a seis meses. Caso haja aparecimento ou piora de movimentos anormais, discutir com os consultores as doses de manutenção do BH4.

LCR e soro para dosagem de anticorpos

A coleta de soro continuará sendo efetuada duas vezes por semana (segundas e quintas-feiras), com a mesma rotina descrita para o diagnóstico definitivo; a coleta de LCR será feita, uma vez por semana (segunda-feira). As coletas serão suspensas quando todos os itens forem alcançados: Nível de anticorpos considerado aceitável para que se retire a sedação (3-5UI/mL no LCR); paciente saia do coma, após suspensão da sedação, sem sinais de edema cerebral e não haja elevação rápida dos níveis de anticorpos (discutir com consultores) ou seus títulos não sejam muito elevados (>10UI/mL no LCR) (Tabela 2).

Conduta clínica

Suspensão da sedação: deverá ser feita de forma gradual (redução de 0,5mg/kg/h de cada droga a cada 12h) quando atingir nível de anticorpos no LCR de 3-5UI/ml e imunomodulação: deverá ser feita quando houver altos títulos de anticorpos no LCR (>10UI/mL no LCR) ou elevação rápida (discutir com consultores); usar corticosteróide, porém as decisões sobre a droga a ser utilizada, dose e momento do seu início deverão ser feitas em conjunto com os consultores.

Saliva e folículo piloso e LCR para realização de RT-PCR

Após o diagnóstico confirmatório através de RT-PCR positiva a partir de saliva, folículo piloso ou LCR, deverão ser realizadas coletas sucessivas desses tecidos. Amostras de saliva deverão ser coletadas duas vezes por semana (segundas e quintas-feiras), com a mesma rotina descrita para o diagnóstico definitivo. Amostras de folículo piloso e de LCR deverão ser colhidas apenas uma vez por semana (segunda-feira). Serão suspensas as coletas quando houver três amostras negativas (Tabela 2).

Conduta clínica

Suspensão do isolamento de contato: após três amostras de saliva negativas pela RT-PCR e clearance viral: confirmada após três amostras negativas pela RT-PCR no espécime clínico que confirmou o caso (saliva, folículo piloso ou LCR).

Exames de imagem

Doppler transcraneano (DTC): realizar diariamente a partir do internamento na UTI, quando possível, para diagnóstico precoce de vasoespasmo cerebral (ver complicações). Suspender após 15 dias de doença se não houver alterações.

Ressonância nuclear magnética de encéfalo (RNM): importante no diagnóstico diferencial, mas não é imprescindível para condução do caso. Realizar RNM com difusão (sem contraste) o mais precocemente possível, avaliando risco-benefício do transporte do paciente.

Tomografia computadorizada (TC): não é indicada rotineiramente. Deve-se fazer TC sem contraste e de urgência na vigência de complicações.

 

Complicações

Hipernatremia (Na+ >155mEq/L)

- Desidratação: densidade urinária >1025 e hidratar para manter PVC = 8-12mmHg (10-14mmHg quando em ventilação mecânica) e evitar hiperviscosidade.

- Diabetes insipidus: densidade urinária <1005; usar Desmopressina (Uma a três doses a cada 12-24h, intranasal) ou Vasopressina (intravenosa ou subcutânea) e repor a volemia.

Hiponatremia (Na+ <140mEq/L)

- Síndrome de secreção inapropriada de hormônio antidiurético (SSIHAD): paciente normo ou hipervolêmico; dosar ácido úrico sérico (>4mg/dL) após reposição de Na+ para diagnóstico diferencial com SCPS; fazer restrição hídrica evitando desidratação e hiperviscosidade e realizar controle rigoroso da natremia.

- Síndrome cerebral perdedora de sal (SCPS): paciente hipovolêmico; dosar ácido úrico sérico (<4mg/dL) após reposição de Na+ para diagnóstico diferencial com SSIHAD; dosar perda renal diária de Na+ (urina de 24h) para orientar reposição; reposição venosa de Na+ e volume; associar reposição enteral de Na+ (3-6g/dia); limitar elevação diária de Na+ em 10-12mEq/L (evitar mielinólise pontina); considerar uso de Fluidrocortisona (0,15mg via enteral ao dia) ou Hidrocortisona (50mg IV de 6/6h) e controlar rigorosamente a natremia.

Disautonomia

Aumentar sedação e, se não melhorar, associar opiáceos (Morfina ou Fentanil, em bolus ou contínuo); fazer avaliação com ecocardiograma e curva de enzimas e associar, se necessidade, atropina, marcapasso provisório e/ou vasopressor.

Hipertensão intracraniana (HIC)

- Sinais inespecíficos sugestivos de HIC: fazer TC sem contraste de urgência; solicitar avaliação neurocirúrgica; considerar monitorização da pressão intracraniana (PIC) com objetivos de manter PIC <20mmHg e pressão de perfusão cerebral (PPC) (PAM-PIC) >60mmHg e se PIC >20mmHg, fazer osmoterapia com:

› Manitol a 20% = ataque de 0,5-1,5g/kg IV em bolus; repetir 0,25-0,75g/kg IV a cada 15 a 30 minutos mantendo osmolaridade sérica ≤320mOsm/L; OU

› Solução salina hipertônica a 7,5% = 2-3ml/kg IV em 1h; preparo: [NaCl(7,5%) - 300mL] = [SF(0,9%) - 200mL] + [NaCl(20%) - 100mL]

NÃO hiperventilar (manter PaCO2=35-40mmHg) e manter Na+ sérico entre 150-155mEq/L.

- Sinais de herniação: osmoterapia (com manitol ou solução salina hipertônica - ver doses acima) e hiperventilar (PaCO2=28-30mmHg) até reverter a anisocoria; realizar TC sem contraste de emergência quando estabilizado e solicitar avaliação neurocirúrgica de emergência para monitoração da PIC e tratamento definitivo.

Vasoespasmo cerebral (VEC)

- Diagnóstico: sugere-se que existe vasoespasmo cerebral (VEC) quando há, ao doppler intraceaniano (DTC), velocidade de fluxo elevada em artéria cerebral média (circulação anterior) e em artéria vertebral (circulação posterior). Deve-se confirmar o diagnóstico por angiografia se disponível.

- Conduta: monitorar PIC e DTC; objetivar pressão venosa central (PVC) >10mmHg; PAM >120mmHg; Hemoglobina em torno de 10g%; usar vasopressor e/ou inotrópico se necessário e controle rigoroso do nível sérico de magnésio e repor se necessário.

Convulsões

Quando ocorrer, pensar na possibilidade de hipertensão craniana (HIC) e/ou VEC. Tratar com diazepínico, hidantalização e outras drogas conforme rotina.

Infecções

O paciente com raiva cursa com febre (poiquilotermia) e pode apresentar leucocitose com neutrofilia não relacionadas à infecção bacteriana. Sugere-se investigação clinicolaboratorial e microbiológica exaustivas para o diagnóstico de infecções secundárias.

Quadro clínico compatível com morte encefálica (ME)

A raiva pode mimetizar morte encefálica, com arreflexia e supressão de EEG ou BIS. Nesse caso NÃO está indicada suspensão do protocolo. Deve-se conduzir da seguinte forma: Suspender sedação; fazer nova avaliação clínica e neurológica após 48h; em persistindo os sinais de ME, abrir protocolo conforme legislação vigente; o exame confirmatório deve ser de avaliação de fluxo sanguíneo cerebral ou de atividade metabólica - NÃO USAR EEG; se confirmar ME: suspender o protocolo e seguir as orientações legais; se não confirmar ME: manter o protocolo; não reiniciar sedação; reavaliar fluxo e/ou metabolismo cerebral periodicamente.

Observação: acessar o site www.saude.gov.br/svs e acessar o tópico de A a Z - raiva para obter informações sobre medidas assistenciais de enfermagem, doses e referências pediátricas, ficha de notificação, fluxogramas e modelo de termo de consentimento.

 

Agradecimentos

À Ana Nilce Silveira Maia Elkoury, Adriana Conrado de Almeida, Andréa de Cássia Rodrigues da Silva, Andréa Maria de Lima, Auricília Santos de Oliveira, Camilla Araújo, Danielle Maria da Silva, Edivane Patrícia da Costa Galdino, Emanoela Patrícia Gonçalves Dourado, Juliana Galera Castilho, Luciana Roberta Porto de Miranda Lapenda, Maria Ângela Wanderley Rocha, Maria Madalena C. de Oliveira, Roberta Seabra dos Santos, Rodrigo Luis da Silveira Silva, pelo apoio para elaboração deste protocolo.

 

Elaboração do Protocolo

Coordenação de Vigilância das Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde

Eduardo Pacheco Caldas
Marcelo Yoshito Wada

Departamento de Doenças Infectoparasitárias, Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Universidade de Pernambuco

Ana Flávia Campos
Andrezza de Vasconcelos
Gustavo Trindade Henriques Filho
Tomaz Christiano de Albuquerque Gomes
Vicente Vaz

Instituto Pasteur, Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo

Ivanete Kotait
Maria Luiza Carrieri

Medical College of Wisconsin, Children's Hospital of Wisconsin, USA

Rodney E. Willoughby

Secretaria de Estado da Saúde de Pernambuco

José Lindemberg Martins Machado
Maria de Lourdes Ribeiro
Maria Desi de S. Passos Menezes
Tereza Valença

Hospital de Base do Distrito Federal, Secretaria de Estado da Saúde do Distrito federal

Cesar Zahlouth

Instituto Evandro Chagas e Hospital Universitário João de Barros Barreto, Universidade Federal do Pará

Rita Medeiros

Sociedade de Terapia Intensiva de Pernambuco

Gustavo Trindade Henriques Filho
Odin Barbosa da Silva

Coordenação Geral de Laboratórios, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde

Rosângela Rosa Machado

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Ministério da Saúde,
Secretaria de Vigilância em Saúde,
Departamento de Vigilância Epidemiológica,
Esplanada dos Ministérios, Bloco G,
Edifício-Sede, Sobreloja, Brasília-DF, Brasil.
CEP: 70058-900
E-mail:cgdt@saude.gov.br