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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.19 n.1 Brasília mar. 2010

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742010000100007 

ARTIGO ORIGINAL

 

Fatores associados à mortalidade neonatal precoce: análise de situação no nível local*

 

Factors Associated with Neonatal Mortality: Situation Analysis at the Local Level Enio Silva Soares

 

 

Enio Silva SoaresI; Greice Maria de Souza MenezesII

IDistrito Sanitário Liberdade, Secretaria Municipal de Saúde, Prefeitura Municipal de Salvador, Salvador-BA, Brasil
IIPrograma de Estudos em Gênero e Saúde, Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia, Salvador-BA, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo analisou os fatores que têm exercido maior influência na manutenção da Mortalidade Infantil Neonatal Precoce, entre os anos de 2000 e 2005, no Distrito Sanitário Liberdade, Salvador, Bahia. Os dados foram coletados das declarações de nascimento e de óbito e validados através de linkage; para a identificação dos fatores associados à mortalidade, foram realizadas análises univariada e bivariada. A taxa de mortalidade neonatal precoce foi de 24,22 óbitos por mil nascidos vivos. A análise bivariada mostrou que características maternas como baixa escolaridade, idade gestacional até 36 semanas, relato de realização de menos de seis consultas de pré-natal, gestação múltipla, parto vaginal, além do baixo peso ao nascer do recém-nascido estiveram associadas com a mortalidade neonatal precoce, em níveis de significância estatística. A assistência pré-natal e pós-natal deve se organizar no Distrito para prevenir alguns desses fatores e reduzir as iniquidades originadas nas diferenças sociais.

Palavras-chave: sistemas de informação; mortalidade neonatal precoce; fatores de risco.


SUMMARY

This study examined the factors that have exerted greater influence in the maintenance of Early Neonatal Infant Mortality, between the years of 2000 and 2005, in the Liberdade Health District. Data were collected from birth and death records and validated through linkage; for the identification of factors associated with mortality, univariate and bivariate analysis were taken. The early neonatal mortality rate was 24.22 deaths/1,000 live births. Bivariate analysis showed that the effects of variables – low education of the mother; gestational age up to 36 weeks; less than six prenatal visits; low birth weight; multiple pregnancy and vaginal delivery – were significant to mortality. Prenatal and post-natal care must be organized in order to prevent some of these factors and to reduce inequities due to social differences.

Key words: information systems; early neonatal mortality; risk factors.


 

 

Introdução

A mortalidade infantil é classicamente considerada um dos melhores indicadores do nível de vida e bem estar social de uma população.1-3 O Brasil ainda conta com níveis alarmantes e eticamente inaceitáveis de mortalidade infantil, apesar das taxas decrescentes nos últimos dez anos. Estudos têm demonstrado a importância de intervenções na redução da mortalidade infantil em todo o país, com destaque especial para as ações dos serviços de saúde.3,4

A mortalidade nos primeiros dias de vida expressa a complexa conjunção de fatores biológicos, socioeconômicos e assistenciais,5,6 esses últimos relacionados à atenção à gestante e ao recém-nascido.6,7 No Brasil, na última década, observou-se uma redução dos óbitos infantis, em todas as regiões do país, particularmente daqueles ocorridos no período pós-neonatal. Desse modo, os óbitos neonatais passaram a ser o principal componente da mortalidade infantil, atualmente responsável por mais da metade dos óbitos no primeiro ano de vida.8

No Estado da Bahia (BA), em 2004, as taxas de mortalidade infantil exibiam valores em torno de 30 óbitos para cada mil crianças nascidas vivas (nv), estando em patamares muito acima dos aceitáveis pela Organização Mundial da Saúde.9

Em Salvador-BA, nos últimos anos, a mortalidade infantil sofreu uma redução gradativa, passando de 27/1.000 nv em 2000, para 21,8/1.000 nv em 2005, isto é, um decréscimo de 24%. Neste mesmo período, o componente neonatal precoce não acompanhou esta tendência, com redução de apenas 9%, constituindo assim um ponto crítico na redução da mortalidade em crianças com menos de um ano.10-12 Nessa capital, a mortalidade infantil não se distribui de forma homogênea nos 12 Distritos Sanitários. Acentuadas diferenças socioeconômicas e culturais, além das iniquidades de acesso aos serviços de saúde entre grupos e indivíduos, ou seja, desigualdades em saúde, contribuem para a heterogeneidade na distribuição da mortalidade infantil na cidade. Além de sistemáticas e relevantes, estas desigualdades são também evitáveis, injustas e desnecessárias.13

Entre 2000 e 2005, o Distrito Sanitário Liberdade (DSL), que concentra grande contingente da população afrodescendente, apresentou a maior taxa de mortalidade infantil da cidade, o mesmo ocorrendo em relação à taxa de mortalidade neonatal precoce (21,4/1.000, em 2005). Esta ultima situação contribui para a manutenção de elevados patamares do indicador na cidade. No período, não se observou uma redução dos valores da mortalidade infantil no DSL, mas uma oscilação, com a menor taxa registrada em 2002 (22/1.000 nv) e a maior em 2005 (30/1.000 nv).

Para enfrentar o desafio da redução da mortalidade infantil e de seus componentes, o sistema de informação é uma importante ferramenta para detecção dos fatores de risco. A disponibilidade de dados socioeconômicos e de saúde, desagregados por distrito sanitário, é essencial para identificação de áreas de risco e de grupos populacionais para os quais devem ser priorizados cuidados de saúde. As possibilidades de utilização dos Sistemas de Informação em Saúde em estudos epidemiológicos, em particular estudos sobre a mortalidade infantil, dependem, em grande medida, do grau de cobertura de dois Sistemas: Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), na área do estudo, bem como da qualidade dos dados registrados.

Em Salvador, o SIM e Sinasc apresentavam coberturas acima de 90 e 93%, respectivamente, no período analisado. A qualidade da informação desses sistemas no município é considerada boa, ainda que se reconheça a persistência de problemas, como preenchimento incorreto e incompleto de alguns campos dos formulários que os alimentam sem que, entretanto, isto comprometa a análise dos seus dados.8

O presente trabalho tem o objetivo de estudar a mortalidade neonatal precoce no DSL, na capital baiana, e explorar sua associação com fatores socioeconômicos, reprodutivos e assistenciais registrados no Sinasc e no SIM. Os resultados servirão de base para o enfrentamento da mortalidade neonatal precoce, subsidiando o planejamento das ações dos serviços de saúde e favorecendo medidas intersetoriais na busca da redução deste evento e das iniquidades, fruto das disparidades sociais.

 

Metodologia

O estudo foi realizado no DSL, uma área político-administrativa do município de Salvador com extensão territorial de 6,4 km2, um dos 12 distritos sanitários que são unidades de planejamento e gestão local de saúde. Trata-se de uma investigação de natureza exploratória, tendo sido analisados os dados de nascidos vivos e de óbitos infantis ocorridos no período de 2000 a 2005, no DSL, registrados no SIM e Sinasc.

Foi realizado um linkage entre esses dois bancos de dados, utilizando-se o método do relacionamento probabilístico de registros, a partir do conceito de escore limiar proposto por Newcombe. Foram adotados os passos descritos por Camargo e Coeli, utilizando-se o programa Reclink III.14 Foram utilizadas as variáveis: data de nascimento; peso ao nascer; endereço de residência da mãe; nome da mãe; e data de nascimento, para facilitar a identificação do par perfeito. Na presença de discordância no registro de uma dessas variáveis, optou-se pelo dado informado na Declaração de Nascido Vivo (DN), pois é reconhecida a melhor qualidade dos dados do Sinasc.

A variável dependente deste estudo é o óbito neonatal precoce. As variáveis independentes foram classificadas em três sub-conjuntos: sócio-demográficas (idade, situação conjugal e grau de instrução da mãe); relacionadas à gestação e ao parto (número de consultas no pré-natal, idade gestacional, tipo de gravidez e tipo de parto); e relacionadas ao recém-nascido (sexo, raça/cor e peso ao nascer). Foi ajustado o número de consultas de pré-natal à idade gestacional através de um novo índice construído pelos autores, baseado no calendário mínimo recomendado pelo Ministério da Saúde.

Para o cálculo da taxa de mortalidade neonatal precoce utilizaram-se como numerador os óbitos ocorridos do nascimento até o sexto dia de vida e como denominador, os nascidos vivos. Foi realizada análise uni e bivariada, sendo calculadas as razões de mortalidade e seus respectivos intervalos de 95% de confiança.

Considerações éticas

As bases de dados foram cedidas pela Secretaria Municipal de Saúde, e os pesquisadores submeteram o projeto de pesquisa ao Comitê de Ética do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, obtendo aprovação.

 

Resultados

Entre 2000 e 2005, segundo o SIM, foram registrados 430 óbitos infantis no DSL, sendo 409 (95,11%) no período neonatal e 21 (4,88%) no pós-neonatal. Entre as mortes neonatais, 301 (73,59%) ocorreram no período neonatal precoce e 108 (26,41%) no neonatal tardio. A taxa de mortalidade infantil neonatal precoce (TMINP) para o DSL foi de 24,22 óbitos/1.000 nv.

Dos 301 óbitos neonatais precoces, foi possível identificar no Sinasc 218 (72,42%), sendo que 83 (27,5%) óbitos foram descartados da análise pela impossibilidade de formação de pares verdadeiros no processo de linkage. Esta perda ocorreu por duas razões: a primeira, provavelmente por sub-registro no Sinasc, não tendo sido preenchida a DN para estes nascimentos; a segunda, por problemas na qualidade da informação, pois nesses casos o nome da mãe não havia sido registrado, dado este importante no processo de linkage adotado neste trabalho (Figura 1).

 

 

Analisando-se as características maternas, observa-se que a maior parcela dos óbitos ocorreu entre os recém-nascidos (RN) de mulheres entre 20 a 34 anos (66,51%). Chama atenção que embora um terço (27,10%) dos óbitos tenha ocorrido entre RN cujas mães ainda eram adolescentes, foi nesse grupo que se identificou o maior risco de morte (23,19 óbitos/1.000 nv) (Tabela 1). Quanto ao estado civil materno, 56,90% dos óbitos foram entre RN de mães solteiras e um terço (30,70%) entre aqueles de mulheres separadas ou viúvas; as maiores taxas de mortalidade também foram verificadas nesses grupos. Os RN de mulheres solteiras apresentaram assim uma probabilidade de morrer duas vezes maior quando comparados àqueles de mulheres casadas (Tabela 1).

 

 

Sobre a escolaridade das mães, verifica-se que a proporção de óbitos foi maior entre RN de mães com menor instrução, sendo de apenas 10,62% entre aqueles de mulheres com 12 ou mais anos de estudo. A maior taxa de mortalidade neonatal precoce foi encontrada entre RN de mães que declararam não possuir qualquer ano de estudo (310,08/1.000 nv), valor 20 vezes maior do que aquele do grupo de RN de mães com maior escolaridade (Tabela 1).

Ocorreu maior proporção de óbitos em RN cujas mães tiveram gestação única (89,45%), mas o risco de morrer foi 6,67 vezes maior entre crianças de mães com gestação gemelar ou tripla. Quanto à duração da gestação, foi registrado maior percentual de óbitos entre RN prematuros, isto é de mães que pariram com 22 a 36 semanas de gestação, mas o risco de morte foi maior naqueles prematuros extremos, isto é, com menos de 22 semanas. Comparados aos RN a termo, os grandes prematuros apresentaram chances muito maiores de morrer antes de sete dias de vida (Tabela 2). Maior proporção de óbitos ocorreu em RN cujas mães tiveram parto vaginal, tendo a cesárea aparentemente um comportamento de fator de proteção, uma vez que se observou menor taxa de mortalidade em RN de mulheres que tiveram esse tipo de parto. A realização de sete ou mais consultas de pré-natal também se mostrou como fator de proteção para a mortalidade neonatal precoce. O risco de morte tem tendência concordante, com claro efeito gradiente, pois quanto maior número de consultas menor foi o risco de morte. Comparando-se grupos extremos, constata-se que os RN cujas mães não fizeram pré-natal ou apenas uma a três consultas apresentaram cerca de quatro vezes o risco de morrer do que aqueles cujas mães fizeram o número de consultas preconizadas pelo Ministério da Saúde (Tabela 2).

 

 

Analisando-se características do RN, registrou-se maior proporção de óbitos em RN do sexo masculino (64,70%); também entre eles se observou quase duas vezes maior risco de morrer do que entre aqueles do sexo feminino. Quanto à raça/cor, verificou-se maior percentual de óbitos entre RN pardos (78,44%), mas as maiores razões de mortalidade foram observadas entre os RN indígenas e pretos, sendo, respectivamente, 31,76 e 2,90 vezes maior que entre os brancos. Sobre o peso ao nascer, verificou-se um maior percentual de óbitos (78,44%) e maior risco de morrer entre os RN de baixo peso, sendo 30 vezes mais elevado do que aquele registrado entre RN que nasceram com peso normal (Tabela 3).

 

 

Discussão

Os determinantes da mortalidade infantil são amplamente estudados, no entanto, seu conhecimento tem produzido pouco impacto na sua redução em diferentes regiões do País. As desigualdades sociais apontam a necessidade de adoção de políticas visando à equidade e universalidade da atenção à saúde. O monitoramento da mortalidade infantil é de fundamental importância, principalmente em países como o Brasil, onde a magnitude das desigualdades sociais é relevante.4

O Brasil é signatário dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), compromisso proposto às nações pela Organização Mundial da Saúde no ano 2000 para reduzir em dois terços, entre 1990 e 2015, a mortalidade de crianças menores de cinco anos.8 Portanto, o alcance da meta proposta pelos ODM depende essencialmente da redução do componente neonatal precoce.

Segundo Gomes e Santo,10 duas estratégias básicas podem ser adotadas para redução da mortalidade infantil: uma mais global que poderia ser chamada de "político-econômica", e outra de caráter mais técnico. A primeira seria desenvolvida pelos governos ao priorizarem investimentos sociais para melhoria do bem estar de amplas camadas da sociedade; e a segunda, mais específica, por meio da formulação e implantação de ações de saúde ou de assistência médica. No país, a redução da mortalidade neonatal é um grande desafio para os serviços de saúde, governo e sociedade, pelas altas taxas vigentes concentradas nas regiões e populações mais pobres.13,14 Ações extrassetoriais, mais particularmente de educação e assistência social, devem ser efetivadas e, no setor saúde, considera-se prioritário o investimento na reestruturação da atenção à gestante e ao recém-nascido, com articulação entre as ações do pré-natal na rede básica e a assistência ao parto, no âmbito hospitalar.3,15

O Estado da Bahia em seu Plano Estadual de Saúde 2004-2007, intitulado "Mais Saúde com Qualidade: Reduzindo Desigualdades", estabeleceu um compromisso de redução das altas taxas de mortalidade infantil. Entretanto, as estratégias elencadas neste Plano favoreciam, de forma global, a redução do componente pós-neonatal em detrimento das ações voltadas para a redução das mortes neonatais, estas últimas estáveis desde a década de 1990.7

O município de Salvador tem enfrentado dificuldades na redução da mortalidade neonatal, uma vez que a acentuada desigualdade social e o precário acesso a serviços de saúde de qualidade vêm contribuindo para a manutenção de um cenário desfavorável para a redução das mortes infantis.

No distrito estudado, os nascidos vivos que foram a óbito na primeira semana de vida, eram, na sua maioria, do sexo masculino, prematuros, e com baixo peso ao nascer. Eram filhos de mães jovens, entre 20 a 34 anos, solteiras ou separadas (87,60%) e pouco escolarizadas (58,75% tinha até 8 anos de estudo). Apenas 17,43% das mães realizaram sete ou mais consultas de pré-natal.

A TMINP do DSL (24,2 por mil nascidos vivos) foi superior à média da capital baiana no mesmo período, de 15,45 por mil nascidos vivos e situa-se também acima da registrada na maioria dos Distritos Sanitários de Salvador. Este valor é considerado alarmante quando comparado às taxas dos outros estados da federação.9

Os indicadores socioeconômicos são importantes na análise dos determinantes da mortalidade infantil neonatal precoce. Entretanto, nos bancos de dados de nascidos vivos e óbitos, o indicador disponível, proxy da condição socioeconômica, é o numero de anos de estudo da mãe. Neste estudo, confirmou-se que os RN de mães sem instrução ou com menos anos de estudo apresentaram o risco de morte neonatal precoce mais elevado. Dados para comparar as condições de vida entre os distritos sanitários não estão disponíveis nos bancos de dados analisados e é uma limitação deste estudo.

Os RN das mulheres que se declararam solteiras, viúvas ou separadas apresentaram maiores risco de morte, em concordância com os estudos de Helena16 e Araújo.2 Nestes autores, a associação esteve presente tanto na análise univariada como após a regressão, mas perdendo significância estatística após o ajuste, o que pode ser explicado em parte pela força das variáveis biológicas. Para Martins,13 o estado civil da mãe não está associado à mortalidade, na analise multivariada. Talvez, as diferenças metodológicas nos estudos acima possam ter contribuido para os dierentes achados. Para alguns autores16,17 a presença de companheiro materno tem sido relacionada a uma menor mortalidade neonatal. A participação do companheiro não só possibilita um maior aporte financeiro, como se reflete na aceitação social da mãe e do RN, trazendo mais apoio e estímulo aos cuidados necessários a ambos.

As faixas etárias com as altas taxas de fecundidade têm sido aquelas abaixo de 20 e acima de 34 anos. Neste estudo, encontrou-se maior risco de morte neonatal precoce apenas entre RN de gestantes abaixo de 20 anos, assim como Bercini,3 em pesquisa realizada no Sul do Brasil. Esta posição não está bem definida entre os autores, devendo-se levar em consideração outros fatores, como os socioeconômicos, que podem ter maior influência em relação aos biológicos.

A insuficiência de consultas de pré-natal esteve fortemente relacionada ao óbito neonatal precoce, como constatado em pesquisas prévias.2,6 Embora outros aspectos relativos ao pré-natal não tenham sido abordados neste trabalho, como período de início das consultas e qualidade da atenção pré-natal recebida, a associação entre maior mortalidade e número de consultas reforça a necessidade de melhoria na atenção à gestante. O número maior de consultas no pré-natal como fator protetor para o óbito neonatal, indica a importância dos cuidados durante a gestação, assim, um acompanhamento gestacional mais assíduo pode identificar precocemente e prevenir ocorrências lesivas para o recém-nascido.

Neste estudo, a associação entre a gravidez múltipla e, sobretudo, tríplice e a mortalidade neonatal esteve presente. Embora o número de eventos tenha sido pequeno, este achado é plausível e concordante com outras investigações.17 Os nascidos vivos de gravidez múltipla apresentam uma alta incidência de baixo peso ao nascer e prematuridade. Em muitos estudos2,3,6,7 constituem fatores de risco para o óbito neonatal precoce. É de fundamental importância que as gestantes com gestação múltipla sejam identificadas precocemente no pré-natal e recebam atenção especial durante a gestação e o parto, com recursos de saúde lhes sendo ofertados, de modo a evitar que seus recém-nascidos venham a falecer nos primeiros dias de vida.

O tipo de parto também esteve relacionado com a mortalidade neonatal precoce, achado igualmente destacado por Leal e Szwarcwald, avaliando a mortalidade perinatal e neonatal precoce no município do Rio de Janeiro.13 A Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) recomenda que a proporção de cesáreas não deva ultrapassar 20% e a Organização Mundial da Saúde, 15% dos partos. Como visto, neste estudo, a cesárea representou 24,3% de todos os partos, ou seja, um pouco acima do preconizado pela FIGO.18 O efeito protetor da cesariana pode estar relacionado a outros fatores, tais como atenção ao parto de qualidade, acesso e nível socioeconômico da mãe, contudo, o Sinasc não permite este tipo de análise e é uma limitação deste estudo. Outros tipos de estudo relacionados à avaliação dos serviços de saúde talvez elucidem esses resultados referentes à via de parto de modo mais apropriado.

É consenso na literatura a prematuridade como um fator de risco para a mortalidade neonatal precoce.1,9 Neste estudo, não foi diferente, embora tenha sido constatado também um risco de morte elevado entre RN de mulheres com gestação acima de 42 semanas. Não foi possível afastar que parte dos óbitos neonatais de grandes prematuros se tratasse de fato de abortos, registrados incorretamente por profissionais. Diante das definições vigentes que podem dar margem a confusões, o recém-nascido que nasce com algum sinal de vida é considerado nascido-vivo, independente da idade gestacional, enquanto que o aborto relaciona-se com o produto de até 22 semanas de gestação.19 Ainda que neste estudo, tenham sido selecionados apenas os RN que foram a óbito e que tinham também uma DN, supõe-se que um número desconhecido desses óbitos possa corresponder a abortos.

O sexo do recém-nascido mostrou associação com o óbito neonatal neste estudo, igualmente ao observado por Araujo e colaboradores2 e por Menezes e colaboradores,20 que encontraram risco aumentado para os recém-nascidos do sexo masculino. Segundo os autores acima, a explicação de menor mortalidade no sexo feminino seria o amadurecimento mais precoce do pulmão fetal no sexo feminino com diminuição de problemas respiratórios, que estão entre as principais causas de óbito neonatal.

Na literatura,6,7 o baixo peso ao nascer das crianças está intrinsecamente associado à mortalidade neonatal precoce, tal como encontrado na presente investigação. Para Moraes,17 os RN com baixo peso estão mais vulneráveis a problemas de imaturidade pulmonar e transtornos metabólicos, podendo causar ou agravar alguns eventos que os acometem, aumentando o risco para a mortalidade. Chama atenção, todavia, que um quinto (21,6%) dos óbitos neonatais precoces tenha ocorrido em crianças com peso acima de 2.500 gramas. Como teoricamente não deveriam acontecer óbitos em crianças que nascem com peso normal, provavelmente podem ter existido patologias associadas que tenham contribuído para o desfecho letal.Também, é possível que a situação socioeconômica da mãe se reflita no acesso a diferentes condições de atenção à saúde, particularmente durante a gravidez, o parto e o período neonatal. Os bancos de dados do SIM e Sinasc não disponibilizam dados que permitam o conhecimento dessa situação, necessitando uma coleta de dados dos prontuários. Este achado merece investigação posterior.

Os fatores relacionados à mortalidade neonatal precoce, identificados no presente estudo, foram na sua maioria características reprodutivas maternas e assistenciais e os achados convergem para aqueles de investigações locais realizadas em outras regiões do país.6-8 As ações voltadas para alterar essa situação devem ser desenvolvidas em distintos níveis, envolvendo as três esferas do governo e a sociedade, com o objetivo primeiro de evitar o nascimento em situação de risco e, na sua ocorrência, de oferecer um suporte adequado visando à sobrevida do neonato e da mãe, sem sequelas danosas.

Esforços devem ser empreendidos para garantir ampla cobertura de ações que se estenda a todo ciclo gravídico-puerperal no DSL, oportunizando para todas as mulheres intervenções qualificadas no pré-natal, durante o trabalho de parto e no parto e na assistência ao recém-nascido. É eticamente inaceitável a ocorrência de óbitos potencialmente evitáveis como detectados neste estudo. Faz-se necessária também a ampliação da oferta de serviços de atenção básica no DSL. Se considerarmos a Portaria GM/MS no 648/2006 que estabelece, entre outros itens, a relação entre o número de habitantes e a quantidade de postos de saúde – uma unidade básica de saúde para cada trinta mil habitantes21 seriam necessárias, então, mais duas unidades básicas de saúde no DSL. Em 2006, o distrito contava com quatro unidades básicas de saúde para uma população de 174.747 habitantes.22 Do mesmo modo, é fundamental a ampliação de leitos neonatais de alta complexidade que apresentam um déficit significante na cidade.

Os equipamentos de saúde de alta complexidade, presentes no DSL, fazem parte de uma rede desorganizada e desarticulada e incapaz de assegurar uma mínima cobertura tanto dos residentes deste distrito sanitário quanto da população do município, nos períodos analisados, conforme preconizado pela Portaria MS no 1101/2002,23 a qual estabelece coberturas assistenciais mínimas com base populacional.

O Sinasc e o SIM, ambos gerenciados pelo Ministério da Saúde, integram os Sistemas de Informações em Saúde de abrangência nacional e possibilitam análises comparativas entre diversos estados, municípios, regiões e distritos. A utilização desses Sistemas de Informação para analisar a mortalidade infantil neonatal precoce no DSL se mostrou muito útil, apesar das perdas no linkage dos bancos de dados devido às falhas no preenchimento dos formulários que alimentam estes Sistemas – Declarações de Óbito e de Nascido Vivo –, a exemplo do nome da mãe. Isto também eliminou a possibilidade de verificação de todos os óbitos ocorridos no período estudado. É possível que os casos perdidos correspondam a mães e RN em situações adversas relacionadas ao momento de registro de dados. Embora essa seja uma limitação do estudo, não invalidou os seus resultados. Desse modo, é relevante o aperfeiçoamento da qualidade do preenchimento desses formulários, uma vez que geram informações fundamentais para elaboração de políticas públicas de saúde.

O presente estudo utilizou as bases de dados do SIM e do Sinasc, de fácil acesso e alto potencial de informação para o conhecimento da situação de saúde de populações. O uso da técnica de linkage entre esses bancos mostrou-se bastante útil, igualmente, o processo facilitado graças à utilização do software Reclink III. As bases de dados estudadas permitiram a adequada investigação dos fatores mais fortemente relacionados à mortalidade infantil neonatal precoce, mostrando a relevância desses sistemas de informações para o estudo de problemas de saúde. As taxas de cobertura dos sistemas analisados permitiram a produção de dados que representam a realidade local.

Os resultados apresentados no presente trabalho evidenciam a necessidade de rever o acesso aos serviços de saúde no DSL, assim como a qualidade da assistência no pré-natal, mas também as condições de assistência ao parto e dos cuidados imediatos após o nascimento. A forte associação da mortalidade neonatal precoce com a baixa instrução materna indica que as gestantes com menor escolaridade devem ser alvo de atenção especial nos serviços de saúde, independente de qualquer outra característica que possam apresentar.

Concluí-se ser importante estimular a utilização dos dados gerados pelos sistemas de informações de base epidemiológica no planejamento das ações de saúde e a sensibilização dos profissionais de saúde para o correto preenchimento dos documentos que os alimentam, no caso específico a Declaração de Óbito e Declaração de Nascido Vivo.

A redução da mortalidade neonatal precoce está ligada ao reconhecimento da sua importância pelos gestores do sistema de saúde. Conferir visibilidade a esta situação é tarefa primeira para a tomada de decisões.

As características sócio-demográficas maternas, reprodutivas, assistenciais e do recém-nascido são importantes indicadores que podem ser utilizados como condições de alerta para monitoramento deste componente da mortalidade infantil.

 

Referências

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22. Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Diretoria de Informação a Saúde [Internet]. Salvador: SES [acesso 2007 set., para informações sobre dados demográficos]. Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/dis.

23. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 1.101, de 12 de junho de 2002. Estabelece os parâmetros de cobertura assistencial no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União, Brasília, p. 36, 13 jun. 2002. Seção 1.

 

 

Endereço para correspondência:
Segunda Mandchúria,
08 Edifício Ana Bolena,
aixa Dágua, Salvador-BA, Brasil.
CEP: 40320-350
E-mail:eniosoarez@uol.com.br

Recebido em 28/10/2008
Aprovado em 30/09/2009

 

 

*Estudo desenvolvido como parte dos requisitos para a conclusão do Curso de Especialização em Análise de Dados Secundários em Epidemiologia, realizado pelo Instituto de Saúde Coletiva (ISC/UFBA) em parceria com a Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde e o Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com apoio da Secretaria Municipal de Saúde de Salvador, Bahia.