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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.19 n.3 Brasília set. 2010

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742010000300004 

ARTIGO ORGINAL

 

Vigilância das coberturas de vacinação: uma metodologia para detecção e intervenção em situações de risco

 

Monitoring of the vaccination coverage: a methodology for detection and intervention in risk situations

 

 

Antonia Maria da Silva Teixeira; Cristina Maria Vieira da Rocha

Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVOS: apresentar uma síntese da cobertura vacinal por municípios no período de 2003 a 2007 e uma proposta de metodologia de monitoramento, análise e avaliação para acompanhar essas coberturas e identificar os seus determinantes.
METODOLOGIA: análise documental sobre metas e parâmetros estabelecidos pelo Programa Nacional de Imunizações e levantamento da literatura científica sobre vigilância e monitoramento; análise do banco de dados do Sistema de Informação de Avaliação do Programa de Imunizações; construção de critérios para categorização dos municípios segundo coberturas vacinais e porte populacional; e estabelecimento de critérios de priorização para implantação da proposta de vigilância.
RESULTADOS: é apresentada uma proposta de metodologia de vigilância para analisar coberturas vacinais e, avaliar, investigar e identificar fatores determinantes.
CONCLUSÃO: a metodologia permitirá implantar estratégias de intervenção que possam resgatar os não vacinados e corrigir ou adequar aspectos de natureza operacional, devendo ser validada pelos estados e municípios.

Palavras-chave: coberturas vacinais; vigilância, monitoramento; risco.


SUMMARY

OBJECTIVES: to present a summary of vaccination coverage estimates at the local level from 2003 to 2007 and to propose a methodology for monitoring, analyzing and evaluating coverage in order to identify risk factors for low coverage.
METHODOLOGY: review of program goals and performance indicators established by the National Immunization Program and scientific literature on surveillance and monitoring; analysis of data from the Immunization Program Assessment Information System; determination of criteria for categorizing municipalities according topopulation size and vaccination coverage; and selection of criteria for definingpriority areas for intervention.
RESULTS: we propose a surveillance methodology to analyze vaccination coverage and to evaluate, investigate and identify coverage deter-minants.
CONCLUSION: theproposed methodology could help guide interventions to identify unvaccinated individuals and to correct or modify program activities, and needs to be validated by state and local immunization programs.

Key words: vaccination coverage; surveillance; monitoring; risk.


 

 

Introdução

O monitoramento das coberturas vacinais (CV) é uma atividade de rotina no âmbito da gestão do Programa Nacional de Imunizações (PNI) no Ministério da Saúde (MS) e em grande parte das Secretarias Estaduais (SES) e Municipais de Saúde (SMS). O monitoramento de CV é feito de modo contínuo e regular, no entanto, nem sempre os resultados dessa atividade repercutem para o aperfeiçoamento dos serviços, seja pela inércia, seja pela inoportunidade das análises decorrentes.

A vigilância das CV, por seu turno, é uma ação mais abrangente, além do monitoramento, em função do seu propósito de "investigar" fatores de "risco" ou "determinantes" da situação objeto de investigação (análise), fornecendo subsídios para intervenção oportuna em bases técnicas firmes. É com essa definição que o termo vigilância de CV é usado neste artigo.

A CV é mensurada como o percentual de vacinados na população alvo para cada vacina e é o dado concreto a demonstrar a efetividade e a eficiência do PNI. A fração correspondente ao denominador que compõe o calculo do indicador de CV para a população de menores de um ano, é obtida por meio do registro de nascidos vivos (NV) no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e para as demais populações, são utilizadas as estimativas populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) disponibilizadas no sitio eletrônico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus).1,2

A despeito de a vacinação ser uma prática no país desde o inicio do século passado, seja como ações isoladas ou organizada em programas de controle de doenças especificas, foi somente na primeira metade dos anos 1970 que houve um investimento mais direcionado à organização das ações de imunizações com a criação do PNI, que buscava integrar as diferentes estratégias de vacinação utilizadas em Saúde Publica.3

No tocante à disponibilidade de informação sobre o indicador de coberturas vacinais de modo mais organizado no âmbito dos estados e municípios só foi possível em meados dos anos de 1990 com a informatização. A CV que, no final dos anos 1980 do século passado, ficava em torno dos 60%, como média nacional, chegou, a partir da metade da década de 1990, a estimativas iguais ou superiores às preconizadas - 90% para a BCG e 95% para as demais vacinas. Ressalte-se, no entanto, que a obtenção desses indicadores de forma homogênea é uma condição para reduzir os bolsões de suscetíveis e garantia da imunidade coletiva.4-6

O PNI, atualmente, é um programa com múltiplos avanços, como por exemplo, a inclusão de novas vacinas e de grupos alvos, assim como a sua modernização no campo da informática e da informação. Desse modo, torna-se maior a cada dia, a oportunidade de análises mais específicas em relação aos imunobiológicos e estrutura do programa, além de mais localizadas, com informação por município e por áreas intramunicipais, por exemplo. Uma iniciativa que demonstra o aperfeiçoamento nesse âmbito são as mudanças que estão em andamento no Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-API) - que fornece dados sobre doses registradas apenas - e que vão possibilitar o registro da vacina administrada por pessoa e por procedência do vacinado, permitindo uma análise mais completa e acurada.

Os dados disponíveis na Coordenação Geral do Programa Nacional de Imunizações (CGPNI), e no sitio eletrônico do Datasus - esse último - de acesso universal - demonstram níveis adequados de CV para todas as vacinas do calendário da criança, quando se consideram os percentuais médios em âmbito nacional e por Unidade Federada (UF).7 No entanto, a desagregação da informação por município evidencia a existência e manutenção de baixas CV que predispõem ao acúmulo de suscetíveis e colocam em risco a saúde da população e o atual estado de controle, eliminação ou erradicação de doenças.8

Essa heterogeneidade de CV aponta como necessária a definição de estratégias capazes de, a partir da vigilância, direcionar a intervenção para onde se localiza o problema, buscando compreender as variações que ocorrem nesses indicadores e os possíveis fatores determinantes para o não alcance da CV preconizada.

O PNI busca, então, melhorar a informação sobre a CV, para adequado direcionamento das suas ações. No contexto da vigilância, o objetivo deste artigo é apresentar uma síntese da CV por municípios no período de 2003 a 2007 e uma proposta de metodologia de monitoramento, análise e avaliação para acompanhar essas coberturas e identificar os seus determinantes, de modo a intervir, oportunamente.

 

Metodologia

A proposta de vigilância das CV foi elaborada seguindo o modelo lógico apresentado na Figura 1, no qual estão explicitadas as etapas percorridas para sua construção e os produtos esperados.

 

 

A unidade de análise e categorização foi o município, espaço definido como "foco" da vigilância. Inicialmente, foi realizada uma revisão documental sobre metas e indicadores de CV, que são os parâmetros do PNI, e sobre vigilância e monitoramento, por meio de documentos oficiais do Ministério da Saúde e busca na literatura científica.9-12

O objeto principal para a construção da metodologia foi a avaliação das CV nos diferentes contextos disponíveis - País, Estado e Município. Para conhecer o comportamento das CV especialmente no contexto dos municípios, utilizou-se o banco de dados do SI-API, extraindo-se a cobertura vacinal média a partir das doses aplicadas no período de cinco anos. Foi avaliada também a homogeneidade das CV, definida como a proporção de municípios com CV maior ou igual a 95%.

Foram utilizadas como referência vacinas recomendadas no calendário da criança: a vacina oral contra a poliomielite (VOP), vacina tetravalente (DTP+Hib), vacina contra hepatite B e a tríplice viral (SRC), no período de 2003 a 2007. Excluíram-se da análise as CV das vacinas BCG e da vacina oral contra o rotavírus humano (VORH) devido às especificidades do acesso a essas vacinas, o que pode distorcer os resultados das suas CV. Para a primeira, a disponibilidade de maternidades com serviços de vacinação, e para a segunda, a rigidez na idade em meses da criança para a vacinação, são fatores importantes que interferem nos resultados obtidos de vacinação nos municípios.

Os municípios foram agrupados por estratos de CV e porte populacional. Esse último critério com base nos registros de NV do Sinasc. Para uso neste trabalho, os municípios foram definidos segundo as CV, arbitrariamente pelas autoras, em três grupos: 1) CV abaixo da meta preconizada pelo PNI - zero a 94,9%; 2) CV adequadas - 95% a ≤ 120%; e 3) CV superestimadas - >120%.

Os portes populacionais definidos, também arbitrariamente, foram: 1) <1.000NV - pequeno porte; 2) ≥1.000 a 9.999NV - médio porte; e 3) ≥10.000NV - grande porte.

Partindo-se do pressuposto que o risco de disseminação da doença é tanto maior quanto maior a população alvo descoberta pela vacinação, a metodologia foi proposta tendo como principal eixo norteador o número de vacinas em um mesmo município para as quais as CV apresentem-se abaixo da meta estabelecida pelo PNI, agregando-se a essa condição o porte populacional, os valores aberrantes de coberturas vacinais e o compromisso de controle internacional da doença imunoprevenível.

 

Resultados

A análise das CV no período referido, quando olhadas do ponto de vista das médias globais para o país e UF, revelou resultados acima dos parâmetros definidos como adequados pelo PNI (95%) para a maioria das vacinas.7 Exceção feita à vacina contra hepatite B que só alcançou a meta preconizada a partir de 2006. Para a vacina DTP+Hib os resultados variaram de 95,3%, em 2005, a 99,6%, em 2006. Para a VOP foram superiores a 95% em todo período, com variações de 96,2%, em 2003, a 101,6%, em 2006. Com relação à vacina tríplice viral, recomendada aos 12 meses de idade, a tendência foi de coberturas acima de 100% da população alvo para o país e em todas as unidades federadas.

A despeito desse quadro favorável, a análise procedida no contexto municipal, mostrou que as CV médias ficaram abaixo ou muito além da meta para um conjunto significativo de municípios e para a maioria das vacinas, em todo o período avaliado, destacando-se que no geral, as CV foram mais baixas para a vacina contra hepatite B como se verificou em relação às UF e para o Brasil. Tomando-se como exemplo a vacina DTP+Hib, a proporção de municípios que atingiu CV adequada - homogeneidade - variou de 82,9% em 2006 a 62,8% em 2008 com tendência decrescente.

Segundo os critérios para categorização de porte populacional adotados nesta proposta de vigilância das CV, até o ano de 2007 o país contava com 5.564 municípios assim distribuídos: 5.072 (91%) de pequeno porte, 466 (8,4%) de médio porte e (26) 0,4% de grande porte populacional.

Quanto às CV analisadas para o conjunto das vacinas VOP, DTP+Hib e HB, em 1.039 municípios (18,67%) estiveram abaixo de 95%, incluindo nove dos 26 (34,6%) municípios de grande porte populacional, dos quais, oito municípios são capitais. Outros 939 municípios (16,84%) registraram médias de CV maior do que 120%, sendo 921 (98%) de pequeno porte populacional e o restante, de médio porte.

Ressalta-se que na análise detectou-se que havia municípios com metas de CV alcançadas para uma ou mais vacinas e abaixo da meta para outras vacinas de esquema semelhante tanto em relação ao período de aplicação quanto ao número de doses recomendadas e valores aberrantes (atípicos, como maior do que 120% ou abaixo de 50%), esses mais frequentes em municípios de pequeno porte populacional (<1.000NV).

A análise do banco de dados e a categorização dos municípios em relação à CV e porte populacional, nortearam a definição dos critérios de classificação e priorização adotados nesta metodologia de vigilância das CV, de forma a fazer a diferenciação entre áreas segundo o risco epidemiológico, considerando-se que quanto mais baixas estiverem as CV em áreas densamente povoadas, mais elevado será o "risco".

Com base nos parâmetros adotados, estabeleceram-se critérios de priorização para a implantação da metodologia de vigilância de CV, com base na "situação de risco epidemiológico" definida pelo estrato de cobertura vacinal e o porte populacional, além dos demais citados acima em: 1) risco alto - prioridade 1; 2) médio - prioridade 2; e 3) baixo - prioridade 3. Para cada uma das situações de risco, foram criados critérios para hierarquia na implantação da metodologia, segundo demonstrado na Figura 2 que apresenta, em síntese, a metodologia de vigilância de CV proposta.

 

 

A prioridade 1 apresenta três hierarquias: 1.1 - município de grande porte populacional (≥10.000 NV) e ou capital que apresente CV abaixo de 95% para três ou mais vacinas do esquema básico, exceto BCG e VORH; 1.2 - municípios que, para pelo menos três vacinas, as CV apresentem-se abaixo de 50%, supondo-se que há um elevado nível de suscetibilidade na população e/ou municípios com CV > 120% supondo que essa última situação possa ser explicada, particularmente, por baixas coberturas do Sinasc ou erros de registros de doses aplicadas, independentemente do porte populacional; e 1.3 - municípios com CV abaixo de 95%, mesmo que isoladamente para a VOP e a SRC, considerando que essas são vacinas que objetivam a proteção contra doenças erradicadas e/ou em fase de eliminação, independentemente do porte populacional.

A prioridade 2 apresenta duas hierarquias: 2.1 - incluem-se municípios de grande e/ou médio porte populacional (≥1.000NV) que para até duas vacinas as CV estão abaixo de 95%; 2.2 - municípios de pequeno porte populacional (<1.000NV) com CV acima de 120% para duas ou mais vacinas. A prioridade 3 apresenta duas hierarquias: 3.1 - municípios que, independentemente do porte populacional, registrem CV iguais ou maiores que 95% até 120%. A justificativa para o estabelecimento desse limite máximo considera que até esse percentual é possível ter havido invasão de população, em razão de migração ou movimentação de pessoas entre municípios, não detectada pelo sistema de informação, vez que não há, ainda, registro segundo a origem do vacinado. 3.2 - municípios de médio porte populacional (≥1.000NV <10.000NV) com CV acima de 120% em qualquer vacina.

Destaque-se que deve ser objeto de análise acurada municípios com valores muito próximos (limítrofes) dos 95%, uma vez que pequena diferença no quantitativo de doses aplicadas pode promover deslocamento do município para outro nível de prioridade.

Na lógica dessa metodologia de vigilância das CV é considerado como município em situação de 'risco', passível de investigação, aqueles cujos percentuais de coberturas vacinais enquadram-se nos valores chamados "aberrantes": 1) abaixo de 50%; e 2) acima de 120%. De outro lado, ainda que o acesso geográfico ou a existência de áreas conflagradas pela violência não se constituam em critérios específicos para a metodologia de vigilância das CV é recomendável que, ao definir municípios prioritários, essas realidades sejam avaliadas criteriosamente, cabendo à gestão local a inclusão de critérios adicionais de priorização.

Assim, e tendo em vista que a operacionalização das ações em função da capacidade operacional dos estados e municípios deve seguir prioridades, os municípios enquadrados na categoria de risco 1 devem ser inicialmente trabalhados, seguindo a hierarquia proposta, e sequencialmente, aqueles municípios enquadrados nas categorias de prioridades 2 e 3.

 

Discussão

Da análise de CV realizada, pelo menos três aspectos observados merecem destaque: 1) CV atípicas, com valores extremos díspares que seguramente representam erros no registro de doses ou ainda a subenumeração ou sobre-enumeração das estimativas de nascimentos; 2) a manutenção de CV baixas, às vezes próximas da meta, mas ainda insuficientes para garantir o controle da doença, ou o estado atual de eliminação ou erradicação, predispondo à ocorrência de surtos localizados com diferentes potenciais de disseminação; 3) CV que oscilam em níveis acima dos parâmetros definidos como ideais, muitas vezes acima da meta, mas que não representam a realidade, transmitindo uma falsa idéia de segurança quando em algumas situações, efetivamente, a população está desprotegida.

Diante desses cenários destaca-se a relevância do indicador de CV como motivo de discussões e recomendações em diferentes fóruns técnicos e de gestão. A 12a Oficina da Rede Interagencial de Informação para Saúde (Ripsa),13 ocorrida em 2004, ao abordar a questão dos "Denominadores populacionais para os indicadores de saúde" recomendou a necessidade de "monitorar indicadores de cobertura de serviços destinados às populações-alvo de programas e ações de saúde, como é o caso da cobertura vacinal". Na 2a e 6a Mostra de Experiências bem Sucedidas em Epidemiologia - EXPOEPI em 2002 e 2006, respectivamente, oficinas realizadas discutiram aspectos relacionados ao melhor denominador para estimar as CV no Brasil.14,15 Um dos principais indicativos foi a necessidade da avaliação da informação de forma o mais descentralizada possível, buscando adequar o denominador de forma a aproximá-lo cada vez mais da realidade de cada UF e respectivos municípios. Para tanto, apontava como imprescindível o monitoramento da cobertura do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos - Sinasc, uma vez que esse Sistema, a despeito de apresentar melhoria na cobertura, ainda registra problemas em alguns estados e municípios.16

Já o relatório da II Reunião da Comissão de Monitoramento e Avaliação do Sistema Nacional de Vigilância em Saúde - SNVS, ao focalizar a área de imunizações, fez referência ao fato de que o "sistema atual de informações do PNI registra as doses aplicadas e não as crianças vacinadas acarretando uma série de limitações para avaliação do programa" recomendando à SVS "estimular o uso de prontuários eletrônicos para registro de crianças vacinadas, registro nominal e por procedência do vacinado".17

A questão específica sobre qual base de dados - se do Sinasc ou as estimativas populacionais do IBGE - forneceria um denominador para o cálculo da CV, oferecendo estimativas mais próximas da real, foi também tema de uma dissertação de mestrado, cujos resultados reiteram, além do uso do Sinasc com cautela para municípios de pequeno porte populacional, a necessidade de adequações no atual sistema de informação, o que vem sendo viabilizado conforme já referido.18

A relevância da CV como indicador de desempenho do setor saúde na área de imunizações também pode ser representada pela sua inserção nos diferentes instrumentos de gestão do SUS. No Plano Plurianual - PPA, a homogeneidade para a vacina contra a hepatite B é um dentre os diversos indicadores (alcançar 95% de cobertura vacinal em menores de um ano, em, pelo menos, 70% dos municípios brasileiros). No Pacto pela Saúde, instituído pela Portaria no 325, de 21 de fevereiro de 2008, firmado entre o Ministério da Saúde e as demais esferas, um dos indicadores do Pacto de Gestão é a cobertura vacinal por tetravalente (DTP+Hib]) em menor de um ano de idade.19 A homogeneidade para esta vacina, ou seja, 70% dos municípios, no mínimo, alcançando cobertura igual ou maior que 95%, é também indicador de desempenho de estados e municípios contemplados com recursos da fase II do Projeto de Estruturação da Vigilância em Saúde - Vigisus II.20 A sua escolha está relacionada à complexidade da sua operacionalização: é uma vacina injetável (intramuscular) e o esquema completo no primeiro ano de vida exige a administração de três doses. É, portanto, uma ação que apresenta relativo grau de dificuldade, seja para o serviço, a equipe de saúde, seja para a mãe ou responsável pela criança a ser vacinada. Assim, um bom resultado com esta vacina pressupõe bons resultados para as demais direcionadas a esse grupo de idade.21

Na Programação Anual de Vigilância em Saúde - PAVS, que substituiu a Programação Pactuada e Integrada de Vigilância em Saúde - PPI-VS como instrumento de planejamento, está definido um elenco norteador das ações de vigilância em saúde a serem operacionalizadas pelas três esferas de gestão,22 estando incluídos como parâmetros em 2008: 95% de cobertura dos menores de cinco anos contra a poliomielite em cada etapa da campanha; 80% dos idosos vacinados contra a influenza na campanha anual; 95% de cobertura das crianças com um ano com a tríplice viral; e 95% de adolescentes e adultos jovens vacinados contra a rubéola.

Cobertura de vacinação, portanto, constitui objeto da atenção de gestores, dirigentes e profissionais do SUS e é nessa perspectiva que se insere a necessidade e a oportunidade de uma proposta de vigilância ativa dos resultados obtidos pela atividade de vacinação na rede de serviços. O fato da CV ser um indicador que representa a proporção de uma população específica que foi vacinada com determinada vacina, em tempo e lugar definidos, tem na fração não vacinada os prováveis suscetíveis, e isto reforça a necessidade e a oportunidade da vigilância do grupo que está em risco (os não vacinados).

A proposta de vigilância das CV busca, assim, instrumentalizar a equipe de coordenação das ações de vacinação nas várias esferas, para a identificação de áreas de risco em razão da presença de supostos suscetíveis, caracterizando tendências e/ou situações a merecer intervenções oportunas. Esta proposta toma como referência os princípios da vigilância epidemiológica, inclusive adotando, por empréstimo, os termos "vigilância" e "investigação", dentro da idéia de identificar situações de risco para intervir. É importante ressaltar que, em condições favoráveis, no entanto, o processo de vigilância deve acontecer de modo global, sem priorização das áreas.

A discussão apresentada no Projeto Saúde e Cidadania por Waldman10 reforça esse propósito quando inclui no espectro das possibilidades de aplicação da epidemiologia nos serviços de saúde, a avaliação epidemiológica de serviços, que, embora possa adotar diferentes formas de execução, leva em conta, na maior parte dos casos, o acesso da população e a cobertura oferecida pelo serviço.

Coloca-se, da mesma forma, no contexto dos principais objetivos dos sistemas de vigilância, ao lado dos relacionados a detectar epidemia ou estimar a magnitude da morbidade e da mortalidade, de forma mais específica, o de "avaliar a adequação de táticas e estratégias de medidas de intervenção, com base não só em dados epidemiológicos, mas também nos referentes à sua operacionalização", acrescentando-se ainda "a responsabilidade de elaborar, com fundamento científico, as bases técnicas que guiarão os serviços de saúde na elaboração e implementação dos programas de saúde com a preocupação de uma contínua atualização e aprimoramento". Outra interessante discussão sobre vigilância e monitoramento, do mesmo modo trazida por Waldman10 faz referência aos distintos usos desses instrumentos - vigilância e monitorização - em saúde pública, destacando que enquanto a vigilância tem sua ação bem delimitada no campo da saúde pública a monitorizacão é mais abrangente.

A metodologia de vigilância das CV, proposta pela esfera nacional do Programa Nacional de Imunizações - PNI e descrita neste trabalho, é ferramenta que já vem sendo adotada pelo nível nacional como estratégia de sinalização às unidades federadas de situações críticas, caracterizadas como de "risco epidemiológico". Nesses casos, orienta-se o aprofundamento da investigação e a adoção de medidas específicas e diferenciadas para alcance da cobertura preconizada, a exemplo do resgate dos não vacinados.

O propósito maior, entretanto, ao desenvolver e disseminar esta metodologia, é instrumentalizar estados e municípios para a sua aplicação, o mais descentralizadamente possível, possibilitando a identificação dos fatores determinantes das CV considerados como de 'risco epidemiológico', próxima ao local onde essas condições ocorrem. A classificação de risco considera a necessidade de conhecer os fatores determinantes dos resultados apresentados, de forma a apontar, conforme o caso, a necessidade: 1) da realização de 'investigação' acurada, in loco, para estabelecer a relação causal, com consequente intervenção, caracterizada pela adoção de medidas específicas, ou 2) de um trabalho de monitoramento, ou seja, de um acompanhamento sistemático da situação de forma 'rotineira' como observação do comportamento dos registros de doses, revisão dos registros nos boletins de doses aplicadas, as taxas de abandono de vacinação dentre outras, com o objetivo de conhecer os padrões de comportamento e intervir oportunamente. Exem­plos de possíveis fatores determinantes que podem ser investigados são: 1) a forma como está organizada a rede de serviços de saúde local, em especial a atividade de vacinação; 2) a dificuldade de acesso à vacinação, seja de natureza social, seja em áreas conflagradas pela violência, seja pelo difícil acesso geográfico comum em áreas ribeirinhas e indígenas, bastantes presentes na região Norte do país; 3) questões relacionadas ao denominador [cobertura do Sinasc, estimativas populacionais, sub ou super-enumeração do denominador]; 4) o porte populacional, que também influencia no acesso (ou não) da população a serviços de saúde, como a maternidades por exemplo, e que por isto, não capta ou, de outra forma, superestima os nascimentos e doses aplicadas; 5) as possibilidades de erros no registro de doses aplicadas, na consolidação e na transferência dos dados; 6) a baixa incidência das doenças imunopreveníveis, concorrendo para a pouca valorização do risco; 7) o baixo investimento em avaliação dos dados disponíveis sobre CV.

Na perspectiva de disseminação da metodologia foram realizadas três oficinas de trabalho macrorregionais envolvendo a participação de técnicos dos estados, para capacitação na aplicação da metodologia e formação de multiplicadores que possam disseminar a proposta junto aos municípios e mais cinco para capacitar técnicos das regionais de saúde e municípios dos Estados do Rio Grande do Sul, Rondônia, Minas Gerais, Ceará e o Distrito Federal.

A difusão dessa ferramenta, certamente trará ganhos para todos, mais especialmente para a população alvo do Programa, uma vez que por seu intermédio será viabilizada: 1) a identificação de municípios prioritários, segundo o risco, em cada unidade federada e dentro do município, em termo de distritos ou subáreas prioritárias, por apresentarem, por exemplo, baixas coberturas, grande contingente de população, valores abaixo da meta para três ou mais vacinas ou mesmo valores extremos; 2) a identificação de populações de alto risco em áreas de grande densidade demográfica, de pobreza, de migração, de exclusão, populações desassistidas, de periferias dentre outras, onde, comprovadamente, existem maiores dificuldades para alcançar os grupos-alvo ou para estes alcançarem a vacina; 3) a definição de ações imediatas voltadas ao aprofundamento da investigação sobre os determinantes das situações de risco, e a decisão quanto às intervenções capazes de contribuir para a eliminação do problema identificado, a exemplo da supervisão ou cooperação técnica, da busca ativa de faltosos e do monitoramento domiciliar.

Para o alcance dos seus objetivos, tanto a metodologia como os resultados obtidos e indicativos de intervenção devem ser compartilhados com os gestores e entre técnicos responsáveis pela coordenação e execução das ações de imunizações, de modo a garantir o respeito às especificidades e peculiaridades de cada situação ou realidade e a superação dos pontos de estrangulamento. Busca-se, assim, o cumprimento da missão maior, da razão de ser de um programa de imunizações, qual seja a de alcançar e manter CV elevadas e homogêneas (≥95%) capazes de contribuir efetivamente para o controle, eliminação ou erradicação das doenças imunopreveníveis sob vigilância.

Ressalta-se, ainda, que o uso da metodologia pelos serviços de saúde representará um processo de validação da proposta, com potencias sugestões para o seu aprimoramento.

 

Agradecimentos

A realização desse trabalho foi possível graças à colaboração de João Gregório O. Junior, do Dr. Brendan Flannery, da equipe técnica dos setores de Informação e Análise do Programa Nacional de Imunizações, além da imensurável colaboração da Dra. Maria Regina Fernandes de Oliveira na revisão do manuscrito. A todos, os nossos sinceros agradecimentos.

 

Referências

1. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. Informações em Saúde - Estatísticas Vitais - Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos. [acessado em 2008 para informações de 2003 a 2007]. Disponível em: http://www.datasus.gov.br.

2. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. Informações em Saúde. Informações Demográficas e Socioeconômicas. [acessado em 2008]. Disponível em http://www.datasus.gov.br

3. Temporão JG. O Programa Nacional de Imunizações: origens e desenvolvimento. História, Ciências e Saúde-Manguinhos 2003;10 Suppl 2:S601-17.

4. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de Imunizações. 30 Anos. Série C. Projetos e Programas e Relatórios. Brasília; 2003.

5. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Homogeneidade de coberturas vacinais. In: Anais 2a Expoepi - Mostra de Experiências Bem-sucedidas em Epidemiologia, Prevenção e Controle de Doenças; 2003. Brasília, Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2003.

6. Dietz V, Venczel L, Izurieta H, Stroh G, Zell ER, Monterroso E. Assessing and monitoring vaccination coverage levels: lessons from the Americas. Revista Panamericana de Salud Pública=Pan American Journal of Public Health 2004;16(6):432-442.

7. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. Informações de Saúde. Assistência à Saúde. Imunizações. [acesso em 2008 para informações de 2003 a 2007]. Disponível em http://www.datasus.gov.br.

8 Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Coordenação Geral do Programa Nacional de Imunizações. Coberturas Vacinais no Brasil: uma análise da tendência 2003 a 2007; Relatório técnico 2008. Mimeografado.

9. Fundação Nacional de Saúde. Planejamento. Definição e quantificação das metas: In: Manual de Procedimentos para Vacinação. 4a ed. rev. Brasília: Ministério da Saúde; 2001. p. 25.

10. Waldman EA. Usos da Vigilância e da monitorização em saúde pública. Informe Epidemiológico do Sistema Único de Saúde 1998;7(3):7-26.

11. Waldman EA. Vigilância em Saúde Pública: saúde & cidadania para gestores municipais de serviços de saúde. (acessado em 19/01/2009). 2009. p. 253. (Coleção Saúde e Cidadania). Disponível em http://bases.bireme.br/bvs/sp/P/pdf/saudcid/colec.htm.

12. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Rede Interagencial de Informação para a Saúde. Relatório da 12a Oficina de Trabalho Interagencial. [acessado em: 28/06/2007]. Disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/12oti.pdf.

13. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Coordenação Geral do Programa Nacional de Imunizações. Oficina sobre Denominadores para o cálculo de coberturas vacinais. Relatório 6a Expoepi: Mostra de Experiências Bem-sucedidas em Epidemiologia, Prevenção e Controle de Doenças; 2006, Brasília, Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2006. Mimeografado.

14. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Utilização dos dados do Sistema de Informação de Nascidos Vivos como denominadores para o cálculo das coberturas vacinais. Nota Técnica. Mimeografado. 2003.

15. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. 2a Reunião da Comissão de Monitoramento e Avaliação do Sistema Nacional de Vigilância em Saúde 18 e 19 de junho de 2007. Relatório Comentado. Brasília: Ministério da Saúde; 2007. Mimeografado.

16. Teixeira AMS. Denominadores para o cálculo das coberturas vacinais: um estudo das bases de dados para estimar a população menor de um ano de idade. [Dissertação de Mestrado] Bahia (BA): Universidade Federal da Bahia; 2008.

17. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva de Saúde. Departamento de apoio à descentralização. Diretrizes operacionais. Pactos pela vida, em defesa do SUS e de gestão. Brasília: Ministério da Saúde; 2007.

18. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Projeto VIGISUS II Subcomponente 4. Fortalecimento institucional da capacidade de gestão em vigilância em saúde nos Estados e Municípios. Brasília: Ministério da Saúde. p. 24. Disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/vigisusII.

19. Teixeira AMS, Barbosa LMM, Samad AS, Pereira SF. A vacina tetravalente é preditora das demais coberturas vacinais em menores de um ano de idade? Pôster apresentado. 18o Congresso Mundial de Epidemiologia; 2008 Set. 21-25; Porto Alegre, Brasil; 2000.

20. Portaria n. 64, de 30 de maio de 2008. Estabelece a Programação das Ações de Vigilância em Saúde como instrumento de planejamento para definição de um elenco norteador das ações de vigilância em saúde que serão operacionalizadas pelas três esferas de gestão. Diário Oficial da União, Brasília, p. 68, 2 junho 2008. Seção 1.

 

 

Endereço para correspondência:
Ministério da Saúde
Secretaria de Vigilância em Saúde,
Coordenação-Geral do Programa Nacional de Imunizações,
Setor Comercial Sul,
Quadra 4, Bloco A, Edifício Principal, 4o andar,
Brasília-DF, Brasil.
CEP:70.304-000
E-mail:antonia.teixeira@saude.gov.br

Recebido em 18/03/2009
Aprovado em 08/02/2010