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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.19 n.4 Brasília dez. 2010

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742010000400010 

NOTA TÉCNICA

 

Identificação de surto de dermatite causada por besouro potó (Paederus brasiliensis) em Betim, Minas Gerais, 2009

 

Identification of a dermatitis outbreak caused by the potó beetle (Paederus brasiliensis) in Betim, Minas Gerais, 2009

 

 

Roberto Campos AmadoI; Juliana Veiga Costa RabeloI; Patrícia Melo Franco BragaI; Sérgio de Abreu ChumbinhoII

IVigilância Epidemiológica, Secretaria Municipal de Saúde de Betim, Betim-MG, Brasil
IICentro de Controle de Zoonoses e Endemias, Secretaria Municipal de Saúde de Betim, Betim-MG, Brasil

Endereço para correspondência

 

 

Os besouros são "insetos defensivos" podendo em defesa própria, agredir o homem, quando ameaçados ou pressionados contra a pele. Sendo assim, os besouros vesicantes são os que mais afligem o homem e seus acidentes são conhecidos como coleopterismo. O besouro estafilinídeo Paederus sp. (nomes populares: besouro potó, trepa-moleque, péla-égua, fogo-selvagem) é encontrado em diversas regiões tropicais e temperadas. Há mais de 600 espécies deste gênero em todo o mundo, em torno de 50 sul-americanas. Cinco espécies de Paederus são associadas a acidentes humanos no Brasil: P. amazonicus, P. brasiliensis, P. columbinus, P. fuscipes e P. goeldi, principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste.1 Podem ser encontrados embaixo de folhas secas, sob pedras, cascas e troncos de árvores, abrigando-se também em plantas vivas. Na estação chuvosa, os insetos atraídos para as fontes de luz artificiais entram em contato com pessoas adultas ou crianças podendo ocasionar acidentalmente, a dermatite linear devido à secreção, por parte do inseto, da toxina causticante e vesicante chamada pederina.2 A pederina é produzida por bactérias simbióticas do gênero Pseudomonas nas fêmeas do inseto.3 Normalmente, a toxina em contato com a pele causa prurido, hiperemia e dor local, podendo ainda ocorrer febre, artralgia, e vômitos que podem ser tratadas ambulatorialmente sem deixar sequelas. Em crianças, com maior frequência, os ferimentos podem se infeccionar ocasionando complicações.4 Não existem muitos relatos do encontro desses besouros na região sudeste do país. A presente nota técnica descreve a ocorrência de acidentes envolvendo besouros potó em um município de Minas Gerais, fora da região de ocorrência usual do inseto no país.

A partir de uma solicitação ao Centro de Controle de Zoonoses e Endemias (CCZE) para investigação da ocorrência de dermatites em profissionais, foi realizada uma visita técnica em uma empresa de Betim, região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, na qual o serviço médico particular local suspeitava de acidente por anuros. Procedeu-se uma inspeção minuciosa nas áreas internas e externas da empresa próximo aos locais onde ocorreram os acidentes. A vistoria incluiu canteiros, pedras e caixas que poderiam servir de esconderijo para o animal agressor. Foram capturados aproximadamente 50 espécimes do besouro nos locais citados acima. Inicialmente identificados e enviados ao laboratório estadual de referência (Lacen/MG) para confirmação da classificação. O surto foi comunicado pela equipe do CCZE ao SVE que realizou investigação local e notificação. A presença do besouro potó e do coleopterismo foram notificados à Gerência Regional de Saúde de Belo Horizonte (GRS/BH) e Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais (SES/MG).

Foram notificados além dos oito casos iniciais relatados pela empresa ao CCZE, mais 12 casos de funcionários acidentados, nos quais o padrão das lesões e o relato dos envolvidos conduziu a suspeição de um surto de dermatite de contato com besouro potó. A maior parte dos acidentes ocorreu com funcionários do turno da noite, no período quente e chuvoso. A média de tempo decorrido entre o acidente e o atendimento foi de 12 a 24h. A faixa etária dos acidentados foi de 20 a 41 anos. Todos tiveram prurido e hiperemia, havendo relatos de descamação e necrose na fase de remissão dos sintomas. O pescoço foi a região do corpo acometida em 60% dos casos, seguido da região dos olhos (20%), antebraço (15%) e rosto (10%). Não ocorreram manifestações sistêmicas, complicações ou hospitalizações. Na pesquisa feita no canteiro externo da empresa foram capturados exemplares da espécie P. brasiliensis, confirmando a suspeição da etiologia das dermatites. Após confirmação da presença do besouro na empresa, o CCZE comunicou ao SVE de Betim a ocorrência do surto. O tempo decorrido entre a solicitação da empresa para a investigação dos acidentes e a notificação do surto ao SVE de Betim foi de dois dias. Foi elaborado um relatório técnico com esclarecimentos dos fatos ocorridos para a empresa, além das devidas orientações preventivas, educativas e terapêuticas. O tratamento sugerido foi lavar imediatamente as áreas atingidas com abundante água corrente e sabão, utilizar banhos antissépticos com permanganato (KMnO4 1:40.000) e antimicrobianos como creme de neomicina. Além disso poderia ser utilizado a tintura de iodo para inativar a pederina somente se empregada imediatamente após o acidente.

Acidentes de contato com besouro potó nunca haviam sido registrados em Betim. No presente surto, as pessoas acometidas não apresentaram complicações. No último surto citado em Minas Gerais, em 1985, no município de Machacalis, foi identificada a espécie P. columbinus e as pessoas acometidas também apresentaram evolução benigna.5 A ocorrência da maior parte dos acidentes no período noturno de trabalho, corrobora a biologia do inseto que possui maior atividade neste horário e atração por fontes artificiais de luz.2 O aumento das temperaturas em Betim e do volume de chuvas na época do surto podem ter propiciado o aparecimento e reprodução em larga escala da espécie. Deve-se considerar a hipótese do inseto já estar presente há mais tempo no município em áreas preservadas. Tal situação se assemelharia ao surto ocorrido em uma cidade peruana sob os efeitos do fenômeno climático El Nino.6 O fato da empresa estar localizada em uma área cercada de mata nativa (cerradão), sem residências próximas e sendo uma das poucas fontes de luz artificial, certamente favoreceu a delimitação do surto. Contudo, considerando as intervenções constantes no ambiente natural, típico do desenvolvimento urbano, outros acidentes, provavelmente, poderão ocorrer. Foi determinado um estado de alerta em todas as unidades de saúde do município para a identificação de outras vítimas. É possível ainda, que no município, outras pessoas já tenham se acidentado com este besouro e não foram diagnosticados adequadamente por desconhecimento da presença deste agente etiológico. Em Pernambuco, a ocorrência de poucos casos notificados de acidentes com o besouro potó, entre 1993 e 2003, foi atribuída à semelhança entre a irritação da pele causada pelo besouro com a de outras etiologias.7

Destacamos que a agilidade das ações e a integração dos serviços de atenção à saúde privado e público foram fundamentais para a elucidação do surto e prevenção de novas ocorrências.

 

Referências

1. Fundação Nacional de Saúde. Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais peçonhentos. Brasília: Fundação Nacional de Saúde; 2001.

2. Cardoso JLC, Haddad Jr V. Acidentes por Coleópteros Vesicantes. In: Cardoso JLC, França FOS, Wen FH, Málaque CMS, Haddad Jr V. Animais peçonhentos no Brasil. São Paulo: Sarvier; 2003. p. 258-264.

3. Qadir SNR, Raza N, Rahman SB. Paederus dermatitis in Sierra Leone. Dermatology Online Journal. 2006 [acessado em 4 jan 2010];12(7):9. Disponível em: http://dermatology.cdlib.org/127/case_reports/paederus/qadir.html

4. Santos C. Acidente com potó requer cuidado. Jornal do Tocantins [Internet]. 2008 [acessado em 4 jan 2010]. Disponível em: http://www.jornaldotocantins.com.br/anteriores/13abr2008/estado/12.htm

5. Sá WR. Dermatozoonoses causadas por besouro-potó. Informe técnico 4. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais; 1987.

6. Alva-Dávalos V, Laguna-Torres VA, Huamán A, Olivos R, Chávez M, García C, et al. Dermatite epidêmica por Paederus irritans em Piura, Perú, 1999, relacionada ao fenômeno El Nino. Revista Social Brasileira de Medicina Tropical. 2002 [acessado em 06 jan. 2010];35(1):23-28. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsbmt/v35n1/7631.pdf

7. Freitas GCC, Oliveira Jr AE, Farias JEB, Vasconcelos SB. Acidentes por aranhas, insetos e centopéias registrados no centro de assistência toxicológica de Pernambuco (1993 a 2003). Revista de Patologia Tropical. 2006 [acessado em 4 jan 2010];35(2):148-156. Disponível em: http://www.revistas.ufg.br/index.php/iptsp/article/viewPDFInterstitial/1904/1831

 

 

Endereço para correspondência:
Secretaria Municipal de Saúde de Betim,
Setor de Vigilância Epidemiológica,
Rua Para de Minas, 640, 2o andar,
Betim-MG, Brasil.
CEP:32510-020
E-mail:roberto.amado@bol.com.br