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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.20 n.1 Brasília mar. 2011

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742011000100006 

ARTIGO ORIGINAL

 

Percepção e condutas de profissionais da Estratégia Saúde da Família acerca de reações adversas a medicamentos*

 

Perceptions and behavior of a Family Health Strategy professionals concerning to adverse reactions to medicines

 

 

Luiza Herbene Macêdo Soares SalvianoI; Vera Lucia LuizaII; Ângela Maria de Souza PoncianoIII

ISecretaria Municipal de Saúde, Jardim-CE, Brasil
IINúcleo de Assistência Farmacêutica, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
IIIUniversidade Federal do Ceará, Fortaleza-CE, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: identificar a percepção e as condutas adotadas por profissionais de saúde da família de uma das regionais de saúde do Ceará sobre reações adversas a medicamentos (RAM).
METODOLOGIA: realizado um estudo transversal, descritivo. Aplicado um questionário a 123 profissionais de saúde (médicos, enfermeiros e odontólogos), de março a maio de 2008.
RESULTADOS: a maioria dos entrevistados era jovem, do sexo feminino e tinha pouco tempo de formado. A maioria - 65,9% - considerava que os ensinamentos sobre RAM adquiridos na universidade foram insuficientes e 78,9% informaram que se atualizam freqüentemente sobre o tema, utilizando principalmente o Dicionário de Especialidades Farmacêuticas (DEF), publicação patrocinada por empresas farmacêuticas. Apenas 5,7% demonstrou compreender corretamente o conceito de reação adversa a medicamento proposto pela Organização Mundial da Saúde e adotado no Brasil, e somente 39,0% declararam investigar frequentemente nos pacientes a ocorrência de RAM. Comunicação ao médico foi a conduta informada pelos enfermeiros diante de RAM, embora nenhum deles relatasse notificar ao Sistema Nacional ou Estadual de Farmacovigilância.
CONCLUSÃO: sendo a Estratégia de Saúde da Família um pilar da organização do sistema de saúde no Brasil e que sua ação repousa na mudança de vínculo com os usuários, considera-se importante desenvolver iniciativas de treinamento, informação e conscientização desses profissionais quanto ao uso racional de medicamentos, em particular a farmacovigilância.

Palavras-chave: reações adversas a medicamentos; farmacovigilância; Estratégia Saúde da Família.


SUMMARY

OBJECTIVE: to identify perceptions and practices of Family Health Strategy professionals from a Health Region of Ceará state concerning adverse drug reaction (ADR).
METHODOLOGY: cross-sectional, descriptive study. A questionnaire was applied to 123 health care professionals (physicians, nurses and dentists) from March to May 2008.
RESULTS: the majority of the respondents was female, aged between 20-29years and recently graduated. Most of the respondents (65,9%) considered that the teaching about ADR during their graduation courses was insufficient and 78,9% informed trying to keep themselves updated on this issue reading The Pharmaceutical Specialties Dictionary, a publication supported by pharmaceutical companies. Only 5,7% demonstrated adequate knowledge about ADR definition as proposed by the World Health organization and adopted in Brazil. Only 39,0% informed to investigate, regularly, ADR on their patients. The report to the physician was the action informed by nurses when facing ADR, however none of them reported the case to The National or State Pharmacovigilance System.
CONCLUSION: as the Family Health Strategy is a pillar of the Brazilian health system organization and it is strongly based on a new link between health professionals and the service users, it is very important do develop initiativesfor training, information and mobilization of these professionals regarding rational use of medicines, particularly pharmacovigilance.

Key words: adverse drug reaction; pharmacovigilance; Family Health Strategy.


 

 

Introdução

De acordo com a literatura, os medicamentos podem aumentar a expectativa de vida, erradicar certas doenças, trazer benefícios sociais e econômicos. Por outro lado, podem, se utilizados irracionalmente, aumentar os gastos com saúde pública ou levar à ocorrência de problemas relacionados a medicamentos, como as reações adversas a medicamentos (RAM), acarretando considerável impacto deletério à saúde da população.1

As RAM representam importante problema de saúde pública, sendo causas importantes de hospitalização, contribuindo com o aumento do tempo de permanência hospitalar, afetando negativamente a qualidade de vida do paciente, aumentando custos. E podem atrasar tratamentos, uma vez que se assemelham a enfermidades.2 Além disso, podem levar ao óbito ou serem responsáveis por lesões irreversíveis.3

De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS),4 em 2002, a Unidade de Farmacovigilância (Ufarm) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) registrou 629 notificações de RAM, tanto de medicamentos alopáticos quanto fitoterápicos.

Para a detecção e prevenção, quando possível, das RAM é importante que os profissionais de saúde conheçam e valorizem a questão, sendo a subnotificação um dos mais importantes desafios enfrentados em todo o mundo,5-7 incluindo as de reações graves e fatais6 e aquelas envolvendo medicamentos novos.8 Estudo realizado na França revelou que médicos generalistas, se deparam, em média com dois eventos de reações adversas por dia de trabalho, sendo estimado que apenas uma em cada 24.433 reações eram relatadas ao Centro Regional de Farmacovigilância.7

O programa de Saúde da Família constitui estratégia basilar de organização da atenção básica no Brasil, tendo entre seus desafios traduzir em prática a mudança de vínculo entre o sistema de saúde e os usuários. Os profissionais envolvidos estão em permanente e direto contato com a população-alvo, permitindo-lhes, potencialmente, detectar agravos e desencadear medidas de forma oportuna.

Este trabalho visa avaliar a percepção e condutas dos profissionais de Saúde da Família diante de suspeitas de RAM.

 

Metodologia

Tratou-se de estudo transversal, descritivo. Foram entrevistados os enfermeiros, odontólogos e médicos que atuam nas equipes de Saúde da Família da 21a Coordenadoria Regional de Saúde (CRES), no Estado do Ceará, que foi escolhida por ser o local de atuação da pesquisadora principal, facilitando a coleta de dados, e por constituir unidade organizativa para implementação de estratégias relacionadas à detecção, investigação e notificação de reações adversas.

A 21a CRES é composta por seis municípios (Juazeiro do Norte-CE, Barbalha-CE, Missão Velha-CE, Caririaçu-CE, Jardim-CE e Grangeiro-CE), correspondendo a 349.192 habitantes, ou seja, 4,7% da população do Estado. Há 107 equipes de Saúde da Família (ESF) atuando nessa regional.

As equipes foram listadas, numeradas e, feito sorteio, resultaram em 52, cada uma com três profissionais de nível superior (médico, odontólogo e enfermeiro) conforme recomendação da composição mínima pelo Ministério da Saúde. Os profissionais de saúde foram entrevistados individualmente, no serviço de saúde. Foi realizado teste-piloto com profissionais de saúde de um município vizinho, no sentido de minimizar inconsistências no instrumento.

A coleta de dados foi realizada entre março e maio de 2008, por meio de questionário estruturado com perguntas abertas e fechadas, tendo como referência o instrumento de coleta de dados desenvolvido por Ponciano,9 para abordagem e caracterização dos profissionais, percepção e condutas acerca das RAM.

O questionário foi composto por cinco blocos: 1) Caracterização dos profissionais: sexo, idade, tempo de formado e área de atuação; 2) Conhecimento acerca das RAM; 3) Condutas adotadas em relação as RAM; 4) Importância da farmacovigilância; e 5) Condutas específicas em relação às RAM.

Nas perguntas de resposta múltipla, cada alternativa era apresentada indagando sim ou não, de forma a minimizar erros de preenchimento, tendo sempre uma alternativa de "outros/quais" para captar possibilidades que tivessem fugido do alcance da aplicação-piloto. Apenas as perguntas "O que você entende por Reação Adversa a Medicamento?", e "Cite dois principais tipos de reações adversas a medicamentos observados durante sua vida profissional e quais os medicamentos que os provocaram", esta feita apenas aos médicos, foram abertas.

Para o julgamento do grau de conhecimento dos profissionais quanto ao conceito de RAM, utilizou-se como parâmetro a definição preconizada pela OMS: "Qualquer efeito prejudicial ou indesejável, não intencional, que se apresente após a administração das doses normalmente utilizadas no homem para profilaxia, diagnóstico e tratamento de uma enfermidade".10 Para efeito de análise, essa definição foi subdividida nos seguintes itens: 1) efeito prejudicial ou indesejável; 2) que se apresente após a administração das doses normalmente utilizadas no homem; 3) ocorre em doses utilizadas para profilaxia, diagnóstico e tratamento de uma enfermidade. Para facilitar a pontuação das respostas, a definição foi classificada em: Totalmente Correta, quando o profissional fazia referência aos três itens que compõem a definição; Parcialmente Correta, quando o profissional mencionava um ou dois itens da definição; e Incorreta, quando o que foi referido pelo profissional não tinha coerência com qualquer item referido na definição. As respostas foram classificadas independentemente, pelas três autoras, sendo considerada no computo a coincidência de pelo menos duas avaliações.

O banco de dados foi estruturado no Epi Info 3.4.3 e a análise estatística, prioritariamente descritiva, foi realizada mediante testes qui-quadrado para verificação de existência de associação entre as variáveis qualitativas, utilizando o software Statistic Package for Social Sciences (SPSS) para Windows®, versão 12.0.

Considerações éticas

Os profissionais de saúde foram informados antecipadamente dos objetivos da pesquisa, bem como do direito de desistir de sua participação, não havendo identificação dos mesmos. Foram solicitados a manifestar sua compreensão e anuência pela assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP) sob o no 187/07. Foi solicitada anuência dos secretários de saúde dos municípios incluídos no estudo para a abordagem dos profissionais em reuniões de rotina.

 

Resultados

Foram entrevistados 123 profissionais: enfermeiros (40,7%), médicos (30,9%) e odontólogos (28,5%). As recusas concentraram-se na categoria médica, correspondendo a 5,0% dos entrevistados.

Observou-se predominância do sexo feminino (59,3%), bem como das faixas etárias de 20-29 (36,6%) e 30-39 anos (30,1%). A categoria profissional com maior proporção foi a de enfermeiro (40,7%). A maioria dos entrevistados tinha menos de cinco anos de formação (39,8%), apresentando menos de dois anos de atuação no município (48,8%).

Quanto ao nível de informação acerca de RAM, apenas 5,7% dos profissionais o expressaram de forma classificada como correta. Dos entrevistados, 65,9% consideram que os conhecimentos adquiridos na formação universitária sobre RAM foram insuficientes. A maioria dos profissionais afirma que costuma se atualizar sobre o tema (78,9%), ainda que o Dicionário de Especialidades Farmacêuticas (DEF) tenha sido a fonte mais referida (72,4%). Entre as ferramentas oferecidas pelo Programa Nacional de Farmacovigilância, destaca-se o formulário de notificação de reação adversa (29,3%) como o mais referido pelos profissionais de saúde (Tabela 1).

 

 

Considerando o tempo de formação profissional, observou-se que o grupo com 11 anos e mais de formado foi o que mais declarou ter buscado atualização sobre RAM (42,3%) e, neste grupo, apenas 12,8% (6/47) declarou não ter buscado atualização. A busca por atualização foi maior entre os enfermeiros do que entre médicos e odontólogos, em que pese ter sido baixa a significância estatística (p-valor = 0,202) (Tabela 2).

 

 

Dos médicos, 86,8% referiram perguntar sempre ou frequentemente aos pacientes acerca do surgimento de RAM, enquanto que 62,0 e 77,1%, respectivamente de enfermeiros e odontológos, relataram fazê-lo. Os enfermeiros foram os profissionais que mais declararam receber relatos espontâneos dos pacientes sobre RAM (50%), em relação aos médicos e odontólogos. A maioria dos profissionais (82,1%) relatou informar aos pacientes sobre RAM durante o atendimento (Tabela 3).

 

 

O principal motivo declarado pelos profissionais de saúde para informarem aos pacientes sobre o aparecimento de reações é o fato de ajudar na adesão ao tratamento (63,4%) e considerar ser direito do paciente tomar conhecimento dos efeitos adversos do uso dos medicamentos (79,7%).

Esquemas terapêuticos em que são administrados vários fármacos de forma simultânea e o desconhecimento pelos profissionais de saúde acerca do assunto foram os mais relatados pelos profissionais de saúde como fatores que dificultam a identificação de reações adversas (91,9 e 75,6%, respectivamente) (Tabela 4).

 

 

Em relação às condutas por categoria, 50 (100,0%) enfermeiros relataram que, diante de suspeitas de reações adversas a medicamentos, sua conduta mais adotada foi a comunicação do fato ao profissional médico. Médicos e odontólogos relataram como condutas mais frequentes, diante de suspeita de RAM, a mudança da terapêutica medicamentosa e a suspensão do tratamento (83,6%) e nenhum deles informou a notificação ao Sistema Nacional ou Estadual de Farmacovigilância (Tabela 5).

 

 

Discussão

Os profissionais de Saúde da Família que participaram no presente estudo caracterizam-se como uma população jovem, com pouco tempo de formação profissional e pouco tempo de atuação no município, diferenciando-se de estudos realizados no Sul, com população semelhante,11 que encontrou maior concentração na faixa etária de 35 a 56 anos, com maior tempo de formação profissional (5-23 anos) e maior tempo médio de atuação no município (5 anos).

Em relação ao nível de informação acerca de RAM, o conceito expresso pelos profissionais foi classificado como correto na minoria dos casos, convergindo com os dados de pesquisa realizada no Rio de Janeiro no final da década de 1990.9 Similarmente, observou-se que os profissionais entrevistados focavam suas respostas somente no fato do efeito ser prejudicial ou indesejável sem contemplar a abrangência do conceito proposto pela OMS. Sendo assim, tanto no nível hospitalar, quanto no ambulatorial, o nível de conhecimento acerca das RAM parece confuso e não tem melhorado ao longo desses dez anos de diferença entre os dois estudos. Chama atenção o fato de que só agora o país conta com um Programa Nacional de Farmacovigilância implantado, sendo o Estado do Ceará um dos pioneiros no desenvolvimento de um programa estadual.

Esses resultados podem ser reflexos da pouca abordagem acerca de RAM na Estratégia de Saúde da Família, bem como no interior do Estado. As iniciativas de informação sobre RAM (palestras; distribuição de informativos e folhetos; capacitações) são escassas nesses locais, deixando os profissionais à margem do assunto, mesmo quando este é objeto de um programa governamental estruturado.

A maioria dos profissionais relatou que os conhecimentos adquiridos na formação universitária acerca de RAM eram insuficientes, assemelhando-se a outros achados na literatura12 sobre cirurgiões-dentistas de Belo Horizonte-MG, em 1997. Os autores observaram que 44,8% dos entrevistados consideram insuficientes seus conhecimentos nesta área e aproximadamente 30,0% não consideram a farmacologia muito importante para sua vida profissional.

No presente estudo, foi relatado como principal fonte de atualização sobre RAM, o DEF. Um dos motivos de sua ampla utilização pode ser sua farta disponibilidade, proporcionada pelas próprias indústrias. Este achado é convergente com o de outro autores,13 que em pesquisa realizada com odontólogos na Espanha, em 1990, encontrou que os Índices de Especialidades eram as principais fontes de consulta para atualização, seguidos dos livros de farmacologia.

No Brasil, a estratégia de disseminação pela Anvisa do Curso da Boa Prescrição, com metodologia, incluindo material pedagógico da OMS, aborda essa questão e busca desenvolver nos profissionais a capacidade de julgamento e reconhecimento da importância dos critérios para uma boa fonte de informação e julgamento de evidências científicas sobre medicamentos.14 Outra importante estratégia, promovida pelo Conselho Regional de Farmácia, são os Centros de Informação sobre Medicamentos, que visam ofertar à população e aos profissionais da saúde informação sobre medicamentos isenta, idônea, ágil e de qualidade.15

O relato do formulário de notificação de RAM como ferramenta de farmacovigilância mais conhecida entre os entrevistados diferencia-se dos resultados de uma pesquisa realizada na Colômbia com a categoria médica, sobre atitudes e práticas dos profissionais de saúde diante de farmacovigilância.16 Os autores mostraram que apenas 11,7% conheciam o formulário de notificação de RAM e que o programa de farmacovigilância na Colômbia está pouco difundido, por ter sido criado recentemente. Ainda assim, o fato de que no presente estudo apenas 29,3% dos profissionais entrevistados conheciam o formulário de notificação pode ser considerado um resultado bastante desanimador.

Um alto percentual de profissionais declarou o hábito de perguntar a seus pacientes sobre o surgimento de sinais e sintomas relacionados com possíveis RAM, resultado semelhante ao encontrado em outro estudo, onde a maioria dos médicos e enfermeiros referiram que sempre/frequentemente costumavam perguntar aos pacientes sobre as possíveis reações adversas surgidas com o uso dos medicamentos.9 Foi menos freqüente o relato espontâneo dos usuários, durante as consultas, acerca de sinais e sintomas relacionados a reações que os mesmos atribuem ao uso de medicamentos, diferente do mesmo outro estudo,13 no qual 65% dos médicos e 51,0% dos enfermeiros relataram que os pacientes  sempre/frequentemente costumam atribuir espontaneamente a ocorrência de sinais e/ou sintomas ocorridos em decorrência da utilização de medicamentos, em que pese este estudo ter sido realizado em hospital universitário de um grande centro do país. Da mesma forma, esses autores9 encontraram que os enfermeiros foram os profissionais que mais relataram relatos espontâneos de pacientes sobre RAM.

Ressalta-se a escassez de estudos nacionais envolvendo o nível de informação de profissionais de saúde acerca de RAM, principalmente no nível ambulatorial, ainda que a atenção básica seja estratégia prioritária no país.

Os profissionais do estudo costumam informar aos pacientes, durante as consultas sobre as possíveis RAM que poderão desenvolver após o uso dos medicamentos. Arrais e colaboradores17 encontraram que os médicos informaram a 26,7% sobre a possibilidade de surgimento de RAM durante o tratamento com medicamentos, sendo os pacientes provenientes do setor privado mais informados do assunto que os do setor público.

É importante que os profissionais informem aos pacientes a possibilidade de RAM, tendo em vista que o aparecimento dessas reações pode contribuir para a não-adesão ao tratamento farmacológico. A falta de informação sobre os medicamentos é apontada como uma das principais razões pelas quais os indivíduos não cumprem adequadamente seus tratamentos.18 A orientação sobre a possibilidade de surgimento de RAM durante o tratamento farmacoterapêutico e a conduta a ser adotada são aspectos importantes na informação ao usuário.19

A literatura confirma que a diversidade de medicamentos nas prescrições médicas pode contribuir negativamente na adesão ao tratamento farmacológico, tendo em vista o surgimento de interações entre os princípios ativos e, com isso, a possibilidade de RAM.23 Prescrições contendo monofármacos são mais fáceis de serem administrados, facilitando a adequação aos horários.20 Cruciol-Souza e Thomson,21 por exemplo, avaliando a prevalência de interações medicamentosas em prescrições hospitalares em 2004, encontraram que, de 33 prontuários com interações medicamentosas graves, 17 (51,5%) apresentaram RAM induzida por tais interações.

Os enfermeiros, diante de suspeitas de RAM, adotam a conduta de comunicar o fato à categoria médica, assemelhando-se aos achados de Ponciano e colaboradores,9 onde a maioria dos enfermeiros relatou ter comunicado o fato imediatamente ao médico, além de registrar a ocorrência no prontuário e discutir o assunto com outros profissionais de saúde.

A mudança da terapêutica medicamentosa e a suspensão do tratamento são condutas frequentemente adotadas pelos médicos e odontólogos, convergindo com os achados de outro estudo22 onde a suspensão e a substituição dos medicamentos foram as condutas mais referidas diante da observação, enquanto uma minoria simplesmente aguardou o término dos sintomas ou recomendou ao paciente seguir até o fim do tratamento.

Chama a atenção que nenhum dos médicos ou odontólogos, profissionais legalmente habilitados a prescrever, tenha relatado a notificação de suspeita de RAM ao Sistema Nacional ou Estadual de Farmacovigilância.

Estudo realizado no Ceará verificou, diante das informações do Centro de Farmacovigilância do Ceará (Ceface), que a categoria médica prefere informar à enfermeira as suspeitas de RAM e, em seguida, anotá-la no prontuário, a responsabilizar-se pela notificação, embora, muitas vezes, o diagnóstico tenha sido do próprio médico.22

Ponciano e colaboradores9 opinam que os médicos não mostraram, em seu estudo, valorizar o trabalho em equipe interdisciplinar em relação à suspeita de ocorrência de RAM, encontrando que 81% deles relataram o caso a seus pares da categoria profissional, concluindo pela falta de envolvimento na equipe por parte dos médicos, quando se trata de RAM.

A idade do paciente, as contra-indicações, os relatos de história de reação e as interações medicamento-medicamento e/ou medicamento-alimento foram os critérios apontados por médicos e odontólogos como mais importantes a serem considerados para a prescrição de medicamentos, visando reduzir possíveis RAM. Essas são, de fato, informações relevantes no ato da prescrição e que precisam ser melhor avaliadas por parte dos prescritores.23 Das notificações oriundas do Ceará em 1997, as RAM predominam no sexo feminino e em faixas etárias extremas.24

Estudo retrospectivo das internações nos hospitais do Rio de Janeiro, entre 1999 e 2002, mostrou que os pacientes com efeitos adversos concentram-se nas faixas etárias mais jovens e permanecem internados por mais tempo.25 Das notificações registradas no Ceface, no período de 1997 a 2005, 62,7% eram referentes ao sexo feminino, sendo a faixa etária mais acometida a de 21 a 30 anos.26

O uso irracional de medicamentos pode contribuir para o surgimento de RAM, bem como interações entre os fármacos, comprometendo a ação dos medicamentos e a adesão ao tratamento. Essa problemática está claramente presente no setor Saúde e traz consigo diversas implicações, inclusive de seus custos.

Tendo em vista que a Estratégia Saúde da Família propõe estabelecer uma mudança de vínculo entre o sistema de saúde e os usuários, bem como organizar a porta de entrada no sistema, é fundamental que esses profissionais tenham bom conhecimento das RAM e outros problemas relacionados aos medicamentos, para que possam, junto à população, atuar na promoção da saúde.

Chama a atenção o fato de que, ainda que tenham declarado procurar manter-se atualizados sobre o tema das reações adversas a medicamentos, os profissionais usam fontes de qualidade questionável e, efetivamente, não demonstraram conhecer adequadamente o conceito de RAM, nem as ferramentas básicas do programa brasileiro de farmacovigilância.

Considerando-se o quadro encontrado, de um grupo predominante jovem de profissionais interessados no tema, que reconhecem ter tido informação insuficiente sobre RAM na formação universitária, seu desconhecimento do conceito e baixa adesão aos programas de vigilância nacional e estadual, recomenda-se na 21a CRES a implementação de um programa de monitoramento e notificação de RAM com foco nos profissionais da Estratégia de Saúde da Família, como forma de preveni-las, estimulando o uso racional de medicamentos. Tal programa deve enfatizar aspectos como os conceitos básicos, além da motivação e envolvimento da equipe multiprofissional no tema.

 

Agradecimentos

Aos gestores do município de Jardim-CE, pelo apoio no desenvolvimento desta pesquisa; e à Profa. Dra. Carla Lourenço Tavares de Andrade, Docente do Programa de Pós-Graduação de Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Rua Vinte e Quatro de Março, 18,
Centro, Juazeiro do Norte-CE, Brasil.
CEP:63010-390
E-mail:luizaherbene@hotmail.com

Recebido em 24/11/2009
Aprovado em 23/08/2010

 

 

*Artigo extraído da dissertação de mestrado intitulada "Nível de informação dos profissionais de saúde da família acerca das Reações Adversas a Medicamentos (RAM) e Farmacovigilância". Mestrado Profissional em Saúde Pública. Área de Concentração em Vigilância em Saúde. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz.