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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.20 n.1 Brasília mar. 2011

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742011000100008 

ARTIGO ORIGINAL

 

Padrão de distribuição do câncer em cidade da zona de fronteira: tendência da mortalidade por câncer em Corumbá, Mato Grosso do Sul, no período 1980-2006*

 

Patterns of cancer distribution in a border town: trends in cancer mortality in Corumbá, Mato Grosso do Sul, during the period 1980-2006

 

 

João Francisco Santos da SilvaI; Inês Echenique MattosII

ICoordenadoria Estadual de Controle, Avaliação e Auditoria, Secretaria de Estado de Saúde do Mato Grosso do Sul, Campo Grande-MS, Brasil
IIDepartamento de Epidemiologia, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro-RJ, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: analisar a mortalidade por câncer em Corumbá, no período de 1980 a 2006.
METODOLOGIA: foi realizado um estudo descritivo estimando-se modelos de regressão polinomiais para as taxas de mortalidade por câncer e tumores específicos.
RESULTADOS: observou-se declínio constante da mortalidade por câncer de estômago e incremento para tumores de cólon/reto. O câncer de pulmão mostrou declínio constante entre os homens e incremento entre as mulheres. Os tumores de próstata e colo de útero apresentaram tendência de declínio na maior parte do período e estabilidade no final. Os tumores de estômago em homens e de colo uterino em mulheres apresentaram as taxas de maior magnitude.
CONCLUSÃO: dificuldades no acesso ao diagnóstico e tratamento e diferentes exposições a carcinógenos poderiam explicar o padrão observado. Como se trata de população diferenciada da zona de fronteira, seria importante dispor de dados sobre prevalência de fatores de risco e proteção, bem como de incidência, para melhor avaliação.

Palavras-chave: câncer; mortalidade; tendências; área de fronteira.


SUMMARY

OBJECTIVE: to analyze patterns of cancer mortality in Corumbá in the period 1980-2006.
METHODOLOGY: a study was conducted using polynomial regression models to analyze trends mortality rates.
RESULTS: a steady decline in the mortality from stomach cancer and an increasing trend for colorectal cancer was observed. Lung cancer showed consistent decline in males and increased in females, while prostate and uterine cervix tumors showed decreasing trends for the most part, with stability at the end. Stomach cancer in males and uterine cervix cancer in females showed the highest rates.
CONCLUSION: difficulties in access to cancer diagnosis and treatment and differences in carcinogen exposure could explain the observed pattern. As this is a differentiated population, living in the Brazilian border, it would be important to have data on the prevalence of risk and protective factors as well as on cancer incidence, for better evaluation.

Key words: cancer; mortality; trends; border areas.


 

 

Introdução

A zona de fronteira internacional do Brasil é extensa e apresenta características próprias que influenciam as condições de vida e o processo de saúde e doença de seus habitantes.1 Visando melhorar a qualidade da atenção à saúde e aportar recursos aos municípios fronteiriços para que atendessem a demanda diferenciada que recebem no Sistema Único de Saúde - SUS -, o governo brasileiro lançou o Programa Integrado de Saúde das Fronteiras - SIS-Fronteiras.2 Entretanto, as atividades que vêm sendo desenvolvidas, até o momento, estão principalmente voltadas para as doenças transmissíveis.

Desde o final do século passado, o câncer tem se apresentado como uma das principais causas de morbidade e mortalidade em diferentes grupos populacionais brasileiros. Na região Centro-oeste, as taxas de incidência de câncer correspondiam a 379,9/100.000 homens e 326,9/100.000 mulheres em Brasília-DF, entre 1996 e 1998, e a 270,7/100.000 homens e 228,2/100.000 mulheres em Cuiabá-MT, em 2000.3 Quanto à mortalidade, em 2006, o câncer já era a segunda causa de morte no estado de Mato Grosso do Sul, assim como em Corumbá-MS, onde foi responsável por 14,0% dos óbitos anuais.4

Corumbá se localiza na fronteira brasileira com a Bolívia, tem aproximadamente 100.000 habitantes e é a terceira maior cidade do Mato Grosso do Sul.5 Devido à expansão da fronteira agrícola, a cidade vem se destacando, nos últimos anos, como um núcleo urbano articulador de importante fluxo fronteiriço e espaço potencial da busca de assistência à saúde de brasileiros e estrangeiros.6

Com base em normas do Ministério da Saúde, é necessário que se estime a ocorrência de pelo menos 1.000 casos novos anuais de câncer, excetuando-se os tumores de pele não-melanoma, na população de um município, para que ele possa contar com uma Unidade de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon).7 Entretanto, além desse critério, é recomendado considerar também a adequação do acesso regional aos serviços para o credenciamento de uma Unacon no SUS.7 Essa questão se reveste de particular importância na zona de fronteira, onde a população da área rural tem acesso bastante precário aos núcleos municipais e daí aos centros de referência regionais.1

Corumbá não dispõe de serviço de oncologia habilitado no SUS,8 sendo seus residentes referenciados para Campo Grande-MS, quando necessitam de atendimento de alta complexidade. Torna-se, assim, interessante conhecer a distribuição e a tendência da mortalidade por câncer naquele município.

Este estudo teve por objetivo analisar a mortalidade por câncer em Corumbá, no período de 1980 a 2006.

 

Metodologia

Foi realizado um estudo descritivo utilizando-se os óbitos de residentes de Corumbá ocorridos no período de estudo, segundo sexo e faixa etária, cujos dados foram obtidos no banco de dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. As informações relativas às populações das duas cidades, por sexo e faixa etária, foram obtidas no site do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus) e têm como base os censos populacionais de 1980, 1991 e 2000, a recontagem de 1996 e as estimativas para os anos intercensitários da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Foram selecionados todos os óbitos de residentes de Corumbá, cuja causa básica foi o câncer, ocorridos entre 1980 e 2006. Para o período de 1980-1995, foram considerados como óbitos por câncer aqueles com causa básica codificada no capítulo II (Neoplasias), que inclui os códigos de 140.0 a 208.9a da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 9a Revisão (CID-9). A partir de 1996, foram selecionados os óbitos com causa básica codificada no capítulo II da 10a Revisão da CID (CID-10: códigos de C00. 0 a C97).

As variáveis consideradas neste estudo foram sexo, idade, tipo especifico de neoplasia e ano de ocorrência do óbito.

Os dados de mortalidade foram analisados em três quinquênios (1980-84, 1991-95 e 2002-06) e agrupados nas seguintes faixas etárias: menores de 20 anos; 20-29 anos; 30-39 anos; 40-49 anos; 50-59 anos; 60-69 anos; 70-79 anos; e 80 e mais anos, com o objetivo de reduzir possíveis flutuações aleatórias, dada a baixa frequência do evento estudado.

Para fins de comparação, as taxas de mortalidade foram padronizadas por idade, pelo método direto, utilizando-se como padrão a população mundial. Foi calculado o percentual de variação das taxas entre o primeiro e o último quinquênio, mediante fórmula:

Realizou-se a análise da tendência das taxas de mortalidade mediante a estimativa de modelos de regressão polinomiais, para o conjunto da população e por sexo. Para o processo de modelagem, as taxas padronizadas anuais de mortalidade por câncer foram consideradas como variável dependente (y) e os anos do período de estudo como variável independente (x), sendo testados modelos de primeiro, segundo e terceiro graus. Para evitar auto-correlação entre os termos das equações de regressão, utilizou-se o artifício da centralização da variável ano, transformando-a em ano calendário menos o ponto médio da série histórica. Considerou-se como melhor modelo aquele que apresentou maior significância estatística, sendo escolhido o mais simples, se dois ou mais modelos eram estatisticamente similares. Estabeleceu-se como significância estatística p-valor <0,05. Quando não foi possível identificar um modelo estatisticamente significativo para as taxas anuais de mortalidade por determinada localização de câncer, recorreu-se ao método das médias móveis para suavizar as flutuações da série histórica. Essas médias foram calculadas para períodos de três em três anos e, posteriormente, utilizadas nos modelos de regressão, obedecendo aos parâmetros relatados.

Os óbitos ocorridos em Campo Grande no período 2002-2006 foram utilizados como referência para o cálculo das razões de taxas de mortalidade (SMR), ajustadas por idade, que possibilitaram conhecer a magnitude da mortalidade por câncer de Corumbá, em relação à daquela cidade. Campo Grande foi escolhida por ser a capital do Estado e referência para assistência de alta complexidade em oncologia.

Os softwares Excel 2007 e SPSS versão 17.0 foram utilizados na análise dos dados.

Considerações éticas

O presente estudo seguiu as normas dispostas na Resolução no 196/96 do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa e foi submetido à apreciação do Comitê de Ética da Escola Nacional de Saúde Pública - ENSP/ Fiocruz, sendo aprovado sob o n° 168/2009.

 

Resultados

Entre 1980 e 2006, foram registrados, em média, 58 óbitos por câncer ao ano em Corumbá. As neoplasias de estômago, pulmão, cólon-reto, próstata, mama e colo do útero, em conjunto, representaram 50,8% de todas as mortes por câncer no período.

Observou-se, no período do estudo, uma variação positiva das taxas de mortalidade, que passaram de 101,74 para 105,7 por 100.000 habitantes. Houve aumento das taxas de mortalidade a partir dos 60 anos de idade, assim como diminuição nas demais faixas etárias, com o maior percentual de variação negativa registrado para o grupo de 30 a 39 anos e a maior variação positiva para os indivíduos de 80 anos ou mais. Em relação ao sexo, as taxas de mortalidade se mantiveram praticamente estáveis entre os homens, enquanto foi verificado um percentual de variação positivo de 19,2% entre as mulheres. Chama atenção a variação percentual negativa das taxas de mortalidade por câncer dos homens mais jovens (até 29 anos), em contraposição ao crescimento dessas taxas entre as mulheres da mesma faixa etária (Tabela 1).

 

 

Observou-se redução das taxas de mortalidade por câncer de estômago, com importante variação percentual negativa. Mesmo assim, no último quinquênio analisado, essa neoplasia ainda apresentava a maior taxa de mortalidade entre os tumores que atingem ambos os sexos, sendo responsável por 10,1% de todas as mortes por neoplasia ocorridas em Corumbá. A redução das taxas de mortalidade por câncer de estômago ocorreu em ambos os sexos; entretanto, essa neoplasia foi a principal causa de morte por câncer entre os homens durante todo o período de estudo e, no último quinquênio, sua taxa de mortalidade correspondeu a 18,91 por 100.000 homens (Tabela 2).

 

 

A mortalidade por tumores de cólon e reto apresentou crescimento em ambos os sexos, correspondendo ao maior percentual de variação positiva (121,2%). As taxas de mortalidade quase triplicaram no sexo feminino e experimentaram aumento da ordem de 45,2% entre os homens (Tabela 2).

As taxas de mortalidade por câncer de pulmão apresentaram decréscimo entre 1980-84 e 2002-06. Observou-se redução das taxas de mortalidade masculinas por essa neoplasia, enquanto entre as mulheres houve progressiva elevação dessas taxas entre 1980-84 e 2002-06, correspondendo a um percentual de variação de 71,4%. Mesmo assim, as taxas de mortalidade por câncer de pulmão do sexo masculino ainda correspondiam a quase o dobro daquelas das mulheres no último quinquênio (Tabela 2).

As taxas de mortalidade por câncer de próstata ocupavam o terceiro lugar entre os homens no início do período de estudo, passando para o segundo lugar em 2002-06, com uma variação percentual positiva de 71,7% (Tabela 2).

Foi verificado aumento das taxas de mortalidade por câncer de mama. O câncer de colo de útero foi aquele que apresentou taxas de mortalidade de maior magnitude entre as mulheres, apesar de ter mostrado redução entre o primeiro e o último qüinqüênio. Essas duas neoplasias foram responsáveis por 39,5% das mortes por câncer na população feminina de Corumbá, entre 2002 e 2006 (Tabela 2).

Não se observou tendência estatisticamente significativa para as taxas de mortalidade por neoplasias do conjunto da população de Corumbá. Entretanto, após a suavização da série, aplicado o recurso da média móvel, foram identificados modelos estatisticamente significativos para as taxas de mortalidade por câncer de ambos os sexos, com tendência linear de incremento no período de estudo (Tabela 3).

 

 

As taxas de mortalidade por neoplasia de estômago apresentaram tendência de declínio para o conjunto da população e em ambos os sexos. Porém, tanto no sexo masculino como no conjunto da população de Corumbá, essa tendência não se mostrou constante.

No sexo feminino, foi observada tendência linear de declínio das taxas de mortalidade por tumores gástricos, com redução média de 0,37 óbito/ano (Tabela 3).

Em relação ao câncer de cólon e reto, verificou-se tendência estatisticamente significativa de incremento das taxas de mortalidade do conjunto da população e do sexo feminino. Para os homens, porém, essa tendência não se mostrou constante, ao se observar as médias móveis das taxas de mortalidade na análise de regressão (Tabela 3).

Quanto ao câncer de pulmão, verificou-se tendência estatisticamente significativa de decréscimo constante das taxas de mortalidade, tanto no conjunto da população como no sexo masculino, segundo as médias móveis apresentadas na análise de regressão. Para as taxas de mortalidade femininas por essa neoplasia, nenhum dos modelos testados apresentou significância estatística (Tabela 3).

Ao se utilizar as médias móveis das taxas de mortalidade por câncer de próstata, obteve-se significância estatística para um modelo de tendência decrescente na maior parte do período, com estabilidade no final. A análise do diagrama de dispersão das médias móveis dessas taxas evidenciou crescimento entre 1980-82 e 1987-89, redução gradual entre 1988-90 e 1999-2001 e novo aumento a partir deste último ponto, alcançando, no último triênio (2004-06), magnitude similar à verificada em 1987-89 (Tabela 3).

Para as taxas de mortalidade por câncer de mama, nenhum dos modelos de regressão testados apresentou significância estatística. Em relação à neoplasia de colo do útero, ao se aplicar as médias móveis das taxas, observou-se tendência estatisticamente significativa de declínio na maior parte do período, com estabilidade no final (Tabela 3).

No período estudado (2002-06), a população de Corumbá apresentou um excesso de mortes por câncer de estômago em relação a Campo Grande (SMR 1,19: IC95% 0,84-1,64). Entre os homens residentes em Corumbá, a mortalidade por essa neoplasia foi de 28,0%, maior em comparação à população masculina de Campo Grande, enquanto entre as mulheres houve déficit de óbitos em relação à população feminina da capital. A mortalidade por câncer de colo do útero das mulheres de Corumbá foi de 98,0%, maior do que aquela da população feminina de Campo Grande. Para as demais localizações de neoplasia estudadas, observou-se sub-mortalidade da população residente em Corumbá, em comparação com a de Campo Grande, embora sem significância estatística (Tabela 4).

 

 

Discussão

Na série histórica estudada, taxas padronizadas de mortalidade por câncer apresentaram variação percentual positiva em Corumbá, em concordância com outro estudo que mostrou elevação da magnitude dessas taxas na região Centro-oeste, no período de 1980 a 1995.9 Em contraste, a mortalidade por câncer vem apresentando declínio em ambos os sexos, desde a década de noventa em alguns estudos internacionais.10,11

Esse achado pode ser atribuído ao crescimento das taxas do sexo feminino, já que a mortalidade se manteve praticamente estável entre os homens. A mortalidade por câncer entre as mulheres de Corumbá se comportou de forma distinta do que ocorreu em outras regiões do mundo, onde houve redução entre 1970 e 200012 e do que foi demonstrado para o Brasil do período 1980-95, por Wunsch Filho e Moncau,9 e do Rio Grande do Sul entre 1979 e 1995.13 É importante destacar o aumento percentual observado entre as mulheres da faixa etária de 20 a 29 anos e naquelas de 60 anos ou mais, especialmente a partir dos 80 anos. Em estudo realizado nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, sobre dados do período 1980-2005, foi também verificado aumento da mortalidade por câncer em mulheres idosas.14

A redução das taxas de incidência e de mortalidade por câncer gástrico é uma tendência constatada mundialmente,11,15 também observada nas regiões Sul e Sudeste do Brasil e com repercussão nas taxas de mortalidade nacionais dessa neoplasia, que também declinaram.9,13 Entretanto, em Corumbá, mesmo considerando os últimos cinco anos do período de estudo, a taxa de mortalidade por esse tumor ainda era a de maior magnitude no sexo masculino, com valores bastante próximos aos que haviam sido estimados para o ano 2000 em países da América Latina como Chile, Costa Rica e Equador, detentores das taxas de mortalidade mais elevadas da região.12

Embora todas as causas que levaram à redução da incidência do câncer gástrico não estejam completamente estabelecidas, a melhora da conservação dos alimentos e a diminuição do uso de sal e derivados, a maior disponibilidade de vegetais e frutas frescos e a redução da prevalência do Helicobacter pylori têm sido apontadas como as principais responsáveis.16

Uma ascensão da mortalidade por câncer de cólon e reto tem sido relatada no Brasil9,13 e foi também observada em Corumbá, embora as taxas de mortalidade por essa neoplasia tenham permanecido como aquelas de menor magnitude entre as demais localizações analisadas, em todo o período de estudo. Em países como os Estados Unidos da América (EUA) e o Canadá, apesar de ocorrer aumento da incidência desse câncer, tem-se verificado declínio das taxas de mortalidade nas últimas décadas.13 Essa redução ou a tendência de estabilização da mortalidade nos países desenvolvidos poder-se-ia explicar pelo rastreamento e/ou diagnóstico precoce, incluindo o acesso à colonoscopia e à terapêutica em tempo oportuno.17 No Brasil, a variação da mortalidade por câncer de cólon e reto poderia estar relacionada a características regionais, como hábitos culturais e alimentares, estilo de vida, condição socioeconômica, e acesso e qualidade dos serviços de saúde.18

Não há disponibilidade de dados que possibilitem conhecer a prevalência de fatores de risco e proteção envolvidos na carcinogênese dos tumores de estômago e de cólon e reto para Corumbá. Devido às suas características peculiares, de cidade fronteiriça, não se pode, a princípio, assumir que os padrões de consumo alimentar e de estilo de vida sejam similares aos da capital do estado, para a qual alguns desses dados são disponíveis.19 É conhecido, empiricamente, que o consumo de carne vermelha é bastante freqüente na cidade, enquanto aquele de frutas e verduras é considerado baixo.

Nos EUA, as taxas de mortalidade por câncer de pulmão vêm apresentando redução em ambos os sexos, desde o início da década de 1990, embora bem mais acentuada no sexo masculino.12,20 No Brasil, entre os anos 1980-90, foi observado incremento das taxas de mortalidade por câncer de pulmão em ambos os sexos, maior nas mulheres, com exceção da região Sudeste.13,21 Como o tabagismo é o principal fator de risco reconhecido para câncer de pulmão, a observação de tendências diferenciadas de mortalidade entre homens e mulheres, possivelmente, estaria a refletir mudanças no hábito de consumo de cigarros.21

Não existem registros sobre a prevalência de tabagismo na população de Corumbá; porém, à semelhança do observado em outros locais, a modificação do hábito de fumar nos dois sexos, ocorrida nas últimas décadas, seria uma das possíveis explicações para as tendências observadas aqui.

Nas últimas décadas, a incidência do câncer de próstata tem apresentado elevação em vários países da Europa e na América do Norte, enquanto a mortalidade vem declinando, o que possivelmente, estaria relacionado à melhora da sobrevida, resultado do tratamento precoce e de melhor qualidade.12,22 A realização da dosagem do antígeno prostático específico (PSA) levou a um aumento no diagnóstico precoce desse câncer e, embora não seja consenso, isso poderia ter contribuído para a redução da mortalidade por esse tipo de câncer em países que utilizam o exame rotineiramente.22 O câncer de próstata tem comportamento biológico heterogêneo e a introdução do rastreamento mediante dosagem do PSA trouxe dificuldades para a avaliação de seu padrão de mortalidade ao longo do tempo.23 Alguns estudos brasileiros mostraram aumento das taxas de mortalidade por tumores de próstata, entre a década de 1980 e inicio dos anos 1990, similarmente ao verificado em Corumbá.9,13 Não existe disponibilidade de informações sobre a utilização do PSA pela população masculina do município, que possibilitem avaliar sua possível influência no padrão observado.

Nas últimas três décadas, a incidência e a mortalidade por câncer de colo uterino apresentaram reduções acentuadas nos países desenvolvidos.24 No Brasil, o estudo de Wunsch Filho e Moncau9 mostrou redução das taxas de mortalidade entre 1980 e 1995, nas regiões Sudeste, Nordeste e Centro-oeste, e sua elevação no Sul e no Norte. Entretanto, as taxas de mortalidade por esse câncer, apesar de terem apresentado declínio em Corumbá, permaneceram como as que apresentaram maior magnitude no sexo feminino, ao final do período de estudo; e ao se considerar a distribuição por faixa etária, verificou-se uma variação positiva maior que 50% em jovens de 20 a 29 anos. No Japão, onde o rastreamento do câncer de colo de útero tem baixa cobertura em mulheres menores de 30 anos, as jovens entre 15 e 29 anos experimentaram aumento de cerca de 4,0% nas taxas de mortalidade, no período 1970-2006.25 Em estudo de revisão da literatura, Aleyamma e Preethi26 apontaram tendência de aumento da incidência e da mortalidade por adenocarcinoma de colo do útero em mulheres jovens, em vários países da Europa e na América do Norte.

A opção metodológica adotada neste estudo foi incluir os óbitos codificados como neoplasia de útero-porção não especificada na análise das taxas de mortalidade por câncer de colo de útero, enquanto outros utilizaram apenas os óbitos codificados como câncer de colo de útero, o que pode, ao menos em parte, contribuir para discrepâncias entre os resultados observados.13,14

O papiloma vírus humano (HPV) está envolvido na etiologia do câncer de colo de útero mas outros fatores de risco, como tabagismo, nível socioeconómico, deficiência na ingestão de vitaminas e micronutrientes, múltiplos parceiros sexuais, início precoce da vida sexual e uso de anticoncepcionais orais também contribuem para o processo de carcinogênese.27 O acelerado processo de transformações e a grande intensidade das interações que ocorreram na zona de fronteira onde se situa Corumbá trouxeram problemas relacionados ao tráfico de drogas, contrabando, turismo sexual e outras atividades ilegais,28 provocando mudanças nos comportamentos relacionadas a um maior risco de desenvolver esse câncer.

Uma possível explicação para os resultados observados na comparação da mortalidade por câncer de Corumbá com a de Campo Grande seria a dificuldade de acesso aos serviços de saúde, acarretando o diagnóstico tardio e a demora no tratamento ou, até mesmo, o não-diagnóstico. Nos municípios de fronteira, a rede de atenção básica predomina na estrutura assistencial do SUS e o número de unidades é relativamente pequeno.6 A acessibilidade aos serviços disponíveis e aos centros de referência regionais é, muitas vezes, precária, principalmente para a população que vive em área rural.1 As grandes distâncias e a dificuldade em percorrê-las em determinadas épocas do ano - como é o caso da área do Pantanal, uma extensa planície sazonalmente alagada -, podem ocasionar problemas, não só de acesso como também de adesão ao tratamento do câncer que, com base nas normas vigentes do sistema de saúde, deve-se realizar em Campo Grande.

Por outro lado, como os demais municípios do Arco Central da fronteira brasileira, Corumbá passou, nas últimas décadas, por um profundo processo de transformações econômicas, sociais e ambientais vinculadas à colonização rural e à ampliação da fronteira agrícola,1 que poderiam ter influenciado no padrão local de exposição a carcinógenos, contribuindo para o desenvolvimento de determinados tipos de tumores.

O desconhecimento desses dados traz limitações para a análise dos padrões observados. Embora se possa tomar a população de Campo Grande, capital do estado, como parâmetro, é necessário considerar que as cidades situadas na zona de fronteira, possivelmente, apresentam características próprias que influenciam o estilo de vida e nas condições de saúde de seus habitantes, até repercutir nos processos de adoecimento. O conhecimento da distribuição dessas características e das formas de acesso e utilização dos serviços de saúde pela população local - e pelos habitantes do país vizinho que buscam atendimento na cidade - poderia contribuir para a melhor compreensão do comportamento de diferentes agravos, entre eles o câncer, nesse grupo populacional específico.

No Brasil, séries históricas de incidência de câncer não são sistematicamente produzidas e disponibilizadas, todavia. Estudos de base populacional sobre a distribuição da doença utilizam-se, em geral, do banco de dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), gerido pelo Ministério da Saúde, que possui cobertura nacional e disponibiliza série histórica iniciada em 1979.4 O percentual de óbitos por causas mal-definidas no período de estudo correspondeu a 4,9 e 1,0%, respectivamente, em Corumbá e Campo Grande, denotando boa qualidade dos dados da região.3 Porém, quando a causa básica de morte é o câncer, a qualidade e a fidedignidade da informação de mortalidade do SIM tem sido demonstrada em diversos estudos.29,30 A análise do comportamento epidemiológico do câncer em Corumbá evidenciou um padrão que tende a acompanhar o que vem ocorrendo na região Centro-oeste e no Brasil, embora sigam predominando neoplasias como câncer gástrico e de colo de útero - as quais, de modo geral, vêm apresentando tendência de declínio em várias localidades do país. Além disso, parece haver certo grau de sub-diagnóstico para outras localizações de câncer.

Acredita-se que este estudo de sistematização dos dados que caracterizam o padrão de mortalidade por câncer em Corumbá possa contribuir para o conhecimento do comportamento desse agravo e das particularidades dessa região de fronteira. Dessa forma, pretende-se fornecer subsídios que possibilitem às diferentes esferas envolvidas na atenção oncológica do estado de Mato Grosso do Sul, de forma conjunta, pensarem estratégias favorecedoras do acesso da população que vive nessas áreas ao diagnóstico e tratamento desse agravo.

 

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Endereço para correspondência:
Av. Afonso Pena, 3547,
Campo Grande-MS, Brasil.
CEP:79002-072
E-mail:joaofranciscosilva4@gmail.com

Recebido em 14/07/2010
Aprovado em 12/11/2010

 

 

*Artigo extraído da Dissertação de Mestrado intitulada 'Comportamento do câncer e atenção à saúde em uma cidade da fronteira: análise da mortalidade por neoplasias e avaliação da assistência oncológica de alta complexidade, Corumbá, Mato Grosso do Sul'. Mestrado Profissional em Saúde Pública, Mato Grosso do Sul.