SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.20 número1Febre amarela no Brasil: recomendações para a vigilância, prevenção e controleII Prêmio Rede de Formação de Recursos Humanos em Vigilância em Saúde - 2010 índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

  • No hay articulos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.20 n.1 Brasília mar. 2011

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742011000100012 

NOTA TÉCNICA

 

Tratamento da Leishmaniose Visceral e Leishmaniose Tegumentar Americana no Brasil

 

Treatment of Visceral Leishmaniasis and American Cutaneous Leishmaniasis in Brazil

 

 

Daniele Maria Pelissari; Michella Paula Cechinel; Marcia Leite de Sousa-Gomes; Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior

Unidade Técnica de Zoonoses Vetoriais e Raiva, Coordenação Geral de Doenças Transmissíveis, Departamento de Vigilância Epidemiológica, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Endereço para correspondência

 

 

As leishmanioses são doenças causadas por protozoários do gênero Leishmania, transmitidas por meio de vetores flebotomíneos infectados. Essas doenças possuem um espectro grande de manifestações clínicas, e essas diferenças estão relacionadas à espécie de Leishmania envolvida.1

No Brasil, a média de casos de Leishmaniose Visceral (LV) no período de 2005 a 2009, foi de 3.679 casos/ano, com uma taxa de letalidade de 5,8% em 2009. A LV é uma doença crônica e sistêmica e que quando não tratada, pode evoluir para o óbito em mais de 90% dos casos. Quanto a Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA), no período de 2000 a 2009, foi registrada no Brasil uma média de 24.684 casos confirmados de LTA no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).

Na Figura 1 são apresentados os medicamentos utilizados para o tratamento da LV e LTA segundo apresentação, dose e via de aplicação. A escolha de cada um deles deverá considerar a faixa etária, presença de gravidez, comorbidades e o perfil de toxicidade das drogas.

 

 

Todos os medicamentos citados, tanto para o tratamento da LV quanto da LTA, são tóxicos e podem apresentar eventos adversos. A dose de antimoniato e o tempo de tratamento dependem da forma clínica e em alguns casos, os pacientes só evoluem para cura após a tentativa de vários esquemas terapêuticos.

Tendo em vista o exposto, a presente Nota Técnica tem por finalidade apresentar limitações constatadas e recomendar ações para a melhoria na prescrição dos medicamentos distribuídos pelo Ministério da Saúde (MS) para o tratamento das leishmanioses.

Para realizar essa avaliação, foram analisadas as notificações dos casos confirmados de LV e LTA no Sinan em 2009 e a ficha de solicitação de anfotericina B lipossomal para o tratamento da LV no período de janeiro a outubro de 2010. Vale destacar que apenas para a anfotericina B lipossomal existe um formulário específico uma vez que a distribuição deste medicamento é centralizada no MS.

 

Leishmaniose Visceral

Em 2009, foram notificados no Sinan, 3.894 casos confirmados de LV, sendo que, 91% (3.557) eram casos novos. Destes, 93,1% (3.312) possuiam informação com relação ao medicamento de primeira escolha sendo que, 75,5% (2.499) utilizaram antimoniato de meglumina, 12,7% (420) usaram desoxicolato de anfotericina B, 0,1% (4) utilizaram anfotericina B lipossomal, entre outros.

Dos que utilizaram o antimoniato de meglumina como fármaco de primeira escolha, 20,5% (512/2.499) receberam dose diária maior ou igual a 10 e inferior a 15mg/kg/dia; 19,6% (490/2.499), dose entre 15 e inferior a 20mg/kg/dia; 36,7% (919/2.499), dose maior ou igual a 20mg/kg/dia e 23,2% (578/2.499) não tinham informação sobre a dose prescrita. Entre a data dos primeiros sintomas e o tratamento, verificou-se uma variação de 1 dia a 1 ano (média de 58 dias).

Foram encaminhadas ao MS no período analisado, 622 fichas de solicitação de anfotericina B lipossomal para o tratamento da LV. Em relação às unidades federadas (UF) que solicitaram o medicamento, Minas Gerais contribuiu com 25,1% das fichas encaminhadas e em seguida as UF: Ceará (18,2%), Mato Grosso do Sul (10,9%), Maranhão (7,6%), Tocantins (6,4%) e as demais UF somaram 31,8%, destacando-se que 12 UF não solicitaram o envio desse medicamento.

A diferença encontrada entre o número de casos notificados no Sinan que utilizaram a anfotericina B lipossomal em relação ao total de fichas recebidas pelo MS para solicitação desse medicamento se deve provavelmente ao fato de que a anfotericina B lipossomal é um fármaco recomendado para casos graves e como alternativa terapêutica. Além disso, no Sinan só há informação sobre a droga inicial utilizada e não há informações sobre os medicamentos utilizados após falha terapêutica, nem sobre o número de séries de tratamento realizadas, o que dificulta uma análise mais acurada sobre o tratamento hoje empregado aos pacientes com LV.

Quanto ao preenchimento das fichas, 58,7% (365/621) apresentavam algum erro na prescrição (dose diária prescrita ou número de ampolas). Em relação à dose diária prescrita, apenas 28% das UF (7/25) não apresentaram erro e quanto ao número de ampolas, apenas 16% das UF (4/25) não apresentaram erro (dados não apresentados).

 

Leishmaniose Tegumentar Americana

Foram notificados em 2009, 23.399 casos confirmados de LTA, sendo 94,1% casos novos e 4,6% recidivas. Com relação às manifestações clínicas, 93,7% dos casos apresentaram forma clínica cutânea e 6,2%, manifestação clínica mucosa. Do total de pacientes, em 2009, apenas 73,5% (17.203) evoluíram para cura, 16 pacientes foram a óbito devido a LTA, e 122 foram a óbito por outras causas, destacando que 21,2% não possuía informação sobre a evolução do caso.

Quanto ao medicamento de primeira escolha, em 2009, dos pacientes diagnosticados com a forma clínica cutânea, 90,9% utilizaram o antimoniato de meglumina. Destes apenas 18.027 possuíam a informação referente à dose diária prescrita e 15,2% utilizaram dose abaixo do recomendando, (<10mg/Sb+5/kg/dia). Dos pacientes com manifestações clínica mucosa, 72,4% utilizaram o antimoniato de meglumina como medicamento de primeira escolha, destes, 54,2% utilizaram dose diária abaixo do recomendado (<20mg/Sb+5/kg/dia).

Considerações finais

Esta avaliação utilizou dados secundários e diante disso, não se pode afirmar assertivamente que os pacientes receberam o medicamento com a prescrição incorreta. Apesar disso, observou-se nos resultados apresentados que para uma parcela considerável dos pacientes a prescrição dos medicamentos não seguiu as recomendações do Ministério da Saúde quanto a dosagem constante nos manuais de LV2-4 e LTA.4-6

Foram constatadas doses diárias inferiores ao recomendado, o que pode levar ao não tratamento adequado da LV com consequentes recidivas e para a LTA, lesões de pele que deixam cicatrizes podendo levar às deformidades. O custo social do impacto dessas deformidades é muito alto, pois o estigma pode levar ao isolamento social, desemprego, alcoolismo, doenças mentais e até ao suicídio.7,8 As categorias disponíveis no Sinan não permitem avaliar a superdosagem.

Em relação à anfotericina B lipossomal, medicamento recomendado para situações específicas no tratamento da LV, apesar de ser considerado seguro, também foi constatada a existência de prescrições incorretas em diversos estados brasileiros.

Para reduzir a letalidade dessas doenças, faz-se necessário principalmente o diagnóstico precoce dos casos e o tratamento oportuno. Desta forma, e considerando que os resultados encontrados nesse estudo apontam que para uma parcela considerável dos pacientes com leishmanioses a prescrição está sendo realizada de forma inadequada, conclui-se que especial atenção deve ser dada a qualificação do profissional médico envolvido no manejo desses pacientes.

Com o intuito de sensibilizar os profissionais de saúde para a importância do tratamento adequado dos pacientes com as leishmanioses, algumas medidas em curto prazo devem ser tomadas, tais como: divulgação em informativos para as entidades de classe, publicação de notas técnicas, divulgação em congressos, entre outros meios de comunicação. Para longo prazo, podem ser realizados cursos à distância com ampla abrangência e capacitações locais em áreas que apresentem maior dificuldade no manejo desses pacientes.

 

Agradecimentos

Agradecemos a estagiária do Grupo Técnico das Leishmanioses, graduanda em enfermagem, Sheyla Fernanda Teixeira de Morais pela organização e digitação das fichas de anfotericina B lipossomal.

 

Referências

1. World Health Organization. Working to overcome the global impact of neglected tropical diseases: First WHO report on neglected tropical diseases. [Acessado em nov. 2010]. Disponível em http://www.who.int/neglected_diseases/2010report/NTD_2010report_embargoed.pdf.

2. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e AIDS. Manual de recomendações para diagnóstico, tratamento e acompanhamento da co-infecção Leishmania-HIV. Brasília: Ministério da Saúde; 2004. [Monografia na internet] Disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/manual_leish_hiv.pdf

3. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Leishmaniose visceral grave: normas e condutas. Brasília: Ministério da Saúde; 2006. [Monografia na internet] Disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/manual_lv_grave_nc.pdf

4. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância Epidemiológica. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.

5. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Atlas de Leishmaniose Tegumentar Americana: diagnósticos clínicos e diferenciais. Brasília: Ministério da Saúde; 2006. [Monografia na internet] Disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/atlas_lta.pdf

6. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de Vigilância da Leishmaniose Tegumentar Americana. 2a ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2007. [Monografia na internet] Disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/manual2_lta_2ed.pdf

7. Kassi M, et al. Marring leishmaniasis: the stigmatization and the impact of cutaneous leishmaniasis in Pakistan and Afghanistan. São Francisco (USA): PLos Neglected Tropical Diseases, 2008; 2(10): e259.

8. Hotez PJ. Stigma: The Stealth Weapon of the NTD. São Francisco (USA): PLos Neglected Tropical Diseases, 2008; 2(4): e230.

 

 

Endereço para correspondência:
Secretaria de Vigilância em Saúde,
Unidade Técnica de Zoonoses Vetoriais e Raiva,
Setor Comercial Sul, Quadra 4, Bloco A, Edifício Principal, 2° andar,
Brasília-DF, Brasil.
CEP:70304-000
E-mail:daniele.pelissari@saude.gov.br; dani_pelica@hotmail.com