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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.20 n.3 Brasília set. 2011

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742011000300004 

ARTIGO ORIGINAL

 

Avaliação do impacto de uma intervenção para a melhoria da notificação da causa básica de óbitos no Estado do Piauí, Brasil

 

Effects of an intervention to improve the notification of the cause of death in the State of Piauí, Brazil

 

 

Inácio Pereira LimaI; Eduardo Luiz Andrade MotaII

ISecretaria Estadual de Saúde do Piauí, Teresina-PI, Brasil
IIInstituto de Saúde Coletiva da Bahia, Universidade Federal da Bahia, Salvador-BA, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: avaliar o impacto da investigação de óbitos por causa mal definida no perfil de mortalidade por grupos de causas no Estado do Piauí.
METODOLOGIA: utilizaram-se dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade de 2000 a 2006. O estudo, retrospectivo e do tipo ecológico, constou de duas etapas: a) análise da evolução temporal da mortalidade proporcional por causas mal definidas (MPCMD) antes e após intervenção; b) comparação do perfil da mortalidade por grupos de causas, antes e após recodificação das causas.
RESULTADOS: a MPCMD decresceu 28,2% de 2000 até 2005 (antes da intervenção), e 67,3% de 2005 a 2006. O perfil de distribuição de óbitos por grupos de causas manteve-se inalterado.
CONCLUSÃO: a metodologia de investigação de óbitos propiciou melhoria das informações sobre mortalidade. A escassez dos serviços de verificação de óbitos e a resistência dos médicos para emitir Declaração de Óbito são as principais dificuldades para a definição da causa de óbito.

Palavras-chave: causas de morte; mortalidade; registros de mortalidade; sistemas de informação; coeficiente de mortalidade.


SUMMARY

OBJECTIVE: the study aims to evaluate the impact of death cause investigation related to poorly defined causes on mortality profile by groups of causes in the State of Piauí, Brazil.
METHODOLOGY: Mortality Information System data refereed to the period from 2000 to 2006was used; the study, retrospective and ecological, was divided into two stages: a) analysis of temporal evolution of proportional mortality due to poorly defined causes (PMPDC) before and after intervention; and b) comparison of mortality profile by groups of causes, before and after recording of causes.
RESULTS: PMPDC decreased 28.2% from 2000 to 2005 (before intervention), and 67.3% from 2005 to 2006; distribution profile of deaths by groups of causes continued unaltered.
CONCLUSION: the methodology of death investigation provided information about mortality; the shortage death verification services along with resistance of physicians to issue death certificates are the main difficulties for elucidation of death causes.

Key words: cause of death; mortality, mortality registries; information systems; mortality rate.


 

 

Introdução

As intervenções voltadas para a melhoria da notificação e da qualidade da informação sobre óbitos no Brasil têm se constituído em alternativas promissoras para o aperfeiçoamento do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e aumento da confiabilidade das informações de saúde.

Diversos estudos1-6 têm apontado variadas abordagens metodológicas que concorrem para explicar a omissão ou imprecisão observada na complexa ação de vigilância epidemiológica dos óbitos classificados no grupo de 'sinais, sintomas e achados clínicos e laboratoriais anormais', comumente denominados 'causa mal definida'. Este grupo de causa básica de morte, em que pese demonstrar declínio em sua frequência nas estatísticas de saúde do Brasil, expressa comportamento epidemiológico heterogêneo: nível de qualidade e confiabilidade alto no Sul e Sudeste, atraso qualitativo persistente nas regiões Norte, Nordeste e a região Centro-oeste em situação intermediária entre aqueles dois grupos de regiões.4

Estudos desenvolvidos sobre a Região Nordeste observaram que a proporção de óbitos por causa mal definida tem se mantido acima de 20,0% da totalidade de óbitos do país, nas últimas três décadas. No ano de 2003, a região respondeu por um quarto do total dos óbitos codificados nesse grupo.7-9 No ranking dos estados nordestinos, o Piauí tem uma das situações mais críticas: para aquele grupo de causa básica, o Estado fica em vantagem apenas em relação a Alagoas, Maranhão e Paraíba.9

Somando-se aos esforços institucionais para melhorar a notificação dos óbitos, tanto em quantidade como em qualidade, o Conselho Federal de Medicina (CFM) estabeleceu responsabilidades e rotinas médicas para a emissão da Declaração de Óbito (DO), por meio da Resolução no 1.779/2005,10 a qual reconhece a emissão da DO como parte integrante da assistência médica e estabelece regras para sua emissão a pacientes com e sem assistência médica, seja internado sob regime hospitalar, seja em tratamento ambulatorial ou domiciliar. Apesar da ampla divulgação junto aos profissionais das Secretarias Municipais de Saúde do Piauí, a proporção de óbitos por causa mal definida continuou acima de 20,0% do total de óbitos do Estado até o ano de 2005.

Diante do cenário aqui apresentado, a Secretaria Estadual da Saúde do Piauí (SESPI), em 1o de janeiro de 2006, resolveu intervir e instituiu uma Nota Técnica (NT)11 e uma ficha de investigação de óbitos por causa mal definida, que vieram a constituir instrumento orientador e regulador da atividade implantada.

A ficha de investigação é um instrumento simples composto por dois campos sob forma de alínea, a serem preenchidos com informações complementares: alínea a) descreva de forma sucinta a sequência de eventos que levaram o paciente à morte; e alínea b) descreva outros fatores que considere relevantes para esclarecimento do óbito.

A ficha deve ser anexada a toda DO emitida que se enquadre no capítulo XVIII da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10a Revisão (CID-10),12 sendo seu preenchimento de responsabilidade do município de residência do falecido. Sua introdução na rotina das Secretarias Municipais de Saúde deu-se como parte integrante da NT 01/2006,11 mediante ofício circular enviado às secretarias municipais de saúde, além de treinamento dos profissionais.

Após a implantação, o Estado passou a monitorar os municípios - excetuando-se a capital, por usar instrumento próprio e dispor de Serviço de Verificação de Óbito (SVO) e Instituto de Medicina Legal (IML). Porém, nem todos os óbitos foram investigados no primeiro ano de sua implantação.

Tendo em vista a necessidade de conhecer os efeitos da intervenção instituída, realizou-se o presente estudo, cujo objetivo é descrever a tendência da mortalidade por causas mal definidas no Estado do Piauí, no período de 2000 a 2006, e avaliar o impacto da intervenção no perfil da mortalidade por grupos de causas após sua implantação no ano de 2006.

 

Metodologia

Desenvolveu-se um estudo epidemiológico observacional retrospectivo do tipo ecológico, em que se descrevem, através de série histórica temporal, os efeitos da intervenção adotada pelo gestor estadual do Sistema Único de Saúde - SUS - no âmbito da rede de saúde do Piauí. Foram incluídos no estudo os óbitos de residentes no Estado, no período compreendido entre janeiro de 2000 a dezembro de 2006, captados no SIM.

Município de residência, local de ocorrência, causa básica, sexo, idade e escolaridade do falecido foram as categorias estudadas. Os dados foram agregados em variáveis categóricas, sobre as quais foram construídos indicadores básicos e específicos da mortalidade proporcional por causa mal definida (MPCMD).13

A série temporal da mortalidade proporcional por causa mal definida foi analisada verificando-se a inclinação de reta de regressão linear relativa à MPCMD e a razão dos óbitos por causa definida em relação aos óbitos por causa mal definida nos anos de 2000 a 2006. Os efeitos da intervenção adotada pelo Estado do Piauí para a redução da notificação de óbitos por causa mal definida foram analisados comparando-se os achados nos anos de 2005 e 2006. O mesmo procedimento de análise foi aplicado na descrição da recodificação dos óbitos nos demais grupos de causa da CID-10,12 considerando-se os óbitos registrados no ano de 2006, antes e após a investigação. O impacto da intervenção foi analisado comparando-se os resultados dos anos de 2005 e 2006 e observando a distribuição espacial dos dados até o nível de microrregião de saúde.

Para conhecer o perfil de distribuição espacial da MPCMD, desagregaram-se os dados até o nível de microrregião de saúde, calculando-se a proporção de óbitos mal definidos nos anos de 2005 e 2006. Os municípios foram classificados em três categorias, segundo a proporção de óbitos por causa mal definida: a) municípios com proporção até 6,0%; b) municípios com proporção entre 6,1 e 20,0%; e c) municípios com proporção acima de 20,0%. Foram calculados coeficientes de variação percentual, considerando dois valores extremos.

O tratamento dos dados foi realizado pelos aplicativos Tabwin versão 3.2 [Departamento de Informática do SUS/Ministério da Saúde (Datasus/MS)] e Excel 2003®.

Considerações éticas

Para os propósitos do estudo, uma vez garantidas pelos autores sua confidencialidade e sigilo, a utilização do banco de dados foi devidamente autorizada pelo gestor estadual. Nessas condições, projetos de pesquisas baseados exclusivamente em dados secundários de saúde são consentidos pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia.

 

Resultados

No período do estudo, foram notificados 92.617 óbitos no Estado do Piauí. Cabe informar que na data da análise do banco, os dados do ano de 2006 ainda estavam incompletos, com 98,0% dos registros totalizados após o encerramento oficial pelo Datasus/MS, correspondendo a 13.951 óbitos, 1.408 dos quais notificados com causa mal definida. Destes, 198 não foram investigados pela vigilância epidemiológica e 644 não informaram, nas DO, se foram ou não investigados pelos municípios de residência dos falecidos.

Foram investigados 566 óbitos em conformidade com o disposto na NT 01/2006.11 Como resultado da investigação, 178 óbitos permaneceram indefinidos e 388 foram recodificados e migraram para 17 dos 21 grupos de causa básica, sendo os principais grupos receptores: doenças relacionadas ao aparelho circulatório (41,0%); neoplasias (13,0%); causas externas de morbidade e mortalidade (9,5%); doenças do aparelho respiratório (7,5%); e algumas doenças infecciosas e parasitárias (5,7%). Os demais grupos receberam 22,3% dos óbitos recodificados. Esses resultados foram encontrados calculando-se a proporção de óbitos migrados para cada grupo de causa em relação ao total de óbitos recodificados. A Tabela 1 apresenta as frequências e correspondentes percentuais dos 21 grupos de causas de óbito classificados pela CID-10,12 antes e após a recodificação.

 

 

A tendência de redução da mortalidade por causa mal definida foi demonstrada, simultaneamente, pela proporção de óbitos por causa mal definida e pela razão absoluta entre o número de óbitos com causa definida no período estudado e o número de óbitos mal definidos. A relação inversa entre as duas grandezas representa a tendência decrescente em proporção de óbitos com causa mal definida no período do estudo. A regressão linear mostrou tendência estatisticamente significativa (p<0,05)de redução na MPCMD e aumento na razão entre os óbitos por causa definida e óbitos por causa mal definida (Figura 1).

 

 

Nos anos de 2001 e 2003, ocorreu maior captação de óbitos em relação aos anos anteriores, aumentando também o registro de óbitos por causa mal definida. No ano de 2005, a captação de óbitos continuou aumentando, porém a frequência de óbito por causa mal definida foi reduzida em relação ao ano anterior.

Com a intervenção, a partir de janeiro de 2006, observou-se acentuada redução na mortalidade proporcional por causa mal definidas, de 22,3% em 2005 para 7,3% no ano de 2006 - uma variação percentual negativa de 67,3%. Tal redução também foi verificada na frequência absoluta de óbitos dos dois anos: em 2005 foram registrados 3.141 óbitos por causa mal definida, enquanto no ano de 2006 registraram-se apenas 1.408 óbitos nesse grupo de causa básica.

Quanto à distribuição dos óbitos por causa mal definida segundo categorias de variáveis selecionadas da DO, a Tabela 2 reúne aquelas de maior concentração proporcional. Cerca de 80,0% dos óbitos por causa mal definida estavam concentrados na categoria '50 anos e mais', em toda a série estudada. Para a causa básica da morte, a categoria 'Morte sem assistência' respondeu por mais de 80,0% dos óbitos desse grupo até o ano de 2005, declinando para 60,2% no ano de 2006. O campo 'Médico atestante' ficou em branco para 73,2% dos óbitos com causas mal definidas, omitindo-se se houve ou não médico atestante. No domicílio ocorreram mais de 90,0% dos óbitos mal definidos até o ano de 2003; a despeito do leve declínio nos anos seguintes, o domicílio permaneceu como principal local de ocorrência de óbitos mal definidos. Na análise por sexo, o masculino representou o grupo de maior dificuldade para esclarecimento da causa básica, ao representar mais de 50,0% em toda série estudada. E, finalmente, para a variável 'Escolaridade', mais de 40,0% dos óbitos com causas mal definidas foram registrados em pessoas sem qualquer escolaridade ou analfabetas.

 

 

A distribuição espacial da mortalidade proporcional por causa mal definida foi demonstrada em dois formatos de desagregação para os anos de 2005 e 2006: o primeiro foi formado por 11 microrregiões de saúde com respectivos aglomerados de municípios vinculados, constante no Plano Diretor de Regionalização,14 das quais somente as microrregiões de Teresina, São Raimundo Nonato, Bom Jesus, Piripiri e Barras conseguiram reduzir a proporção para menos de 10,0%. Teresina, por ser a capital e vir apresentando importante padrão de qualidade na definição da causa básica de óbito antes da medida de intervenção implantada pelo Estado, foi duplamente analisada, tanto inserida no contexto dos municípios pertencentes à microrregião de Teresina como individualmente (Figura 2).

 

 

O segundo formato de desagregação compreendeu três categorias de municípios: a primeira agregou municípios com proporção de óbitos por causa mal definida até 6,0%; a segunda foi formada por municípios que apresentaram proporção entre 6,1 e 20,0%; e a terceira categoria foi formada por municípios cuja proporção de óbitos mal definidos foi superior a 20,0% (Figura 3).

 

 

Enquanto em 2005, 136 municípios do Estado do Piauí tinham MPCMD superior a 20,0%, em 2006 esse número declinou para 30 municípios. Não obstante, em 2005, 28 municípios do Estado tinham MPCMD de até 6,0%, elevando-se para 104 municípios nessa condição em 2006.

 

Discussão

O presente estudo reafirma: as experiências de investigação de óbitos por causa mal definida no Brasil têm impactado fortemente na redução desse grupo de causa e melhoria das informações sobre óbitos. Para a realidade piauiense, se os resultados alcançados reforçam essa confirmação, também apontam para a necessidade de aprimoramento dessas medidas, a começar pelo esclarecimento se o óbito foi ou não investigado, uma vez que tal informação ficou mascarada em mais da metade dos óbitos mal definidos registrados no ano de 2006.

A mortalidade proporcional por causa mal definida no Estado do Piauí, apesar de apresentar tendência de declínio no período de 2000 a 2005 (redução média anual de 2,0%), persistia em níveis elevados, sugerindo a necessidade de medidas mais efetivas. A inovação apresentada por este estudo foi, então, incorporada em ação contínua pelos gestores municipais de saúde, na busca por esclarecer a causa de óbitos mal definidos em suas esferas administrativas, a partir do ano de 2006.

No primeiro ano de aplicação da intervenção, confirmou-se a eficiência da metodologia de investigação de óbitos por causa mal definida para o esclarecimento da causa básica, ao atingir variação percentual negativa de 67,3% entre os anos de 2005 e 2006. Isto quer dizer que no primeiro ano de investigação, a redução percentual dos óbitos por causa mal definida foi superior ao dobro da redução verificada no período de 2000 a 2005, que foi de 28,2%. Em termos proporcionais, o Piauí, com 7,3% no ano de 2006, quase alcançou a categoria 'Baixa proporção' na classificação de Laurenti e colaboradores, que é 6,0%.1

A análise dos resultados da recodificação dos óbitos notificados com causa mal definida no ano de 2006 mostra que, na comparação entre as distribuições por grupos de causa antes e após a recodificação, o perfil de distribuição de óbitos nos grupos de causa básica não se modificou como causa principal, similarmente ao que foi observado em outros estudos.1,2,5

A situação observada no Município de Teresina é mais satisfatória, provavelmente por contar com SVO e IML. Esses serviços têm contribuído para o esclarecimento da causa básica de óbitos, conforme estudos desenvolvidos por Rozman & Eluf-Neto.6 Por contar com tal infraestrutura, as proporções de óbitos por causa mal definida nos anos de 2005 e 2006 foram de 0,8 e 1,2%, respectivamente. Soma-se a isso a seguinte - e importante - medida de impacto adotada pela capital: toda DO emitida sem causa básica definida implica em correspondência endereçada ao médico atestante, indagando-o sobre outros fatos que possam esclarecer o óbito.

Nos demais municípios, a ausência de melhor condição de apuração da causa mortis se converte em mais um obstáculo. Como fator agravante, confirmado por diversos estudos,1-4 a categoria profissional médica vem se abstendo do ato médico de emissão de DO. Isto pode ser demonstrado pelo alto percentual (73,2%) de óbitos notificados com causa mal definida em 2006, sem informação na DO se houve ou não médico atestante. O fato não decorre da falta do profissional: dados do Sistema de Informação da Atenção Básica (Siab) mostraram, para aquele mesmo ano, uma variação entre 990 e 1.028 equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) no Estado do Piauí, o que representa uma cobertura de 96,0 a 96,1% da população, respectivamente.15

Apesar de apresentar alta cobertura da ESF, constatou-se que, mesmo entre as causas definidas, para cerca de um terço dos óbitos não havia informação sobre se houve ou não médico atestante, evidenciando importante vazio de completitude dos dados apresentados por Mota e colaboradores16 e corroborando os questionamentos de Vasconcelos4 sobre de quem é a responsabilidade pela emissão da DO.

Ao desagregar os dados para o nível microrregional, as microrregiões de Corrente, Parnaíba, Oeiras, Campo Maior, Floriano e Picos foram os principais agregados espaciais a persistir com elevada proporção de óbitos mal definida, mantendo-se, no ano de 2006, acima do limite preconizado por Laurenti e colaboradores.1 Atribui-se a esse fato duas questões básicas.

A primeira questão, de ordem gerencial, é o fato de recorrer a atos administrativos para designar médicos peritos ao invés de prover infraestrutura para a realização de necropsia, como é o caso da implantação dos serviços de SVO e IML. A segunda questão diz respeito ao profissional médico que se abstém do ato de emitir DO, inclusive de pacientes sob regime de tratamento domiciliar em área coberta pela Estratégia Saúde da Família.10

Enquanto perdurar tal situação, resta lançar mão de alternativas de sensibilização da categoria médica; e contar com a boa vontade dos demais profissionais da rede de atenção básica de saúde para recorrer aos familiares dos falecidos, aos arquivos e prontuários médicos das secretarias municipais de saúde na tentativa de esclarecer a causa de morte mal definida.

Quanto aos resultados do segundo agregado espacial de municípios, conforme estratificação por faixa proporcional de óbitos por causa mal definida (Figura 3), verificou-se que, no ano de 2005, a maioria dos municípios apresentava proporção de óbitos por causa mal definida acima de 20,0%. Tal situação se inverteu no ano de 2006: a migração dos municípios para o estrato de menor proporção de óbitos por causa mal definida evidencia o impacto positivo da intervenção adotada pelo gestor estadual para reduzir os óbitos classificados nesse grupo de causa básica.

Os resultados permitem concluir que a intervenção adotada pelo gestor do SUS impactou positivamente na redução da mortalidade proporcional por causas mal definidas no Estado do Piauí, tanto de forma direta como indireta. No primeiro caso, pelos efeitos da investigação que esclareceu a causa de 68,5% dos óbitos investigados. No segundo caso, a forma indireta se confirma pela definição da causa básica na própria DO sem a necessidade de investigação, ao reduzir em 55,2% a frequência de óbitos por causa mal definida de 2005 para 2006. Os fatos mostram que a medida despertou maior preocupação nos gestores e profissionais de saúde.

A redução da mortalidade proporcional por causa mal definida, tanto na forma direta como na forma indireta, repercutiu em todas as categorias da DO sem alterar aquelas de maior incidência: a faixa etária de 50 anos e mais se manteve como a de maior frequência; a causa básica 'Morte sem assistência' continuou prevalecendo sobre as demais; o domicílio predominou como principal local de ocorrência; o esclarecimento da causa básica de óbito no sexo masculino continua sendo mais difícil do que no sexo feminino; e a categoria 'Nenhuma ou baixa escolaridade' permaneceu como a de maior concentração de óbitos mal definidos, frente às demais categorias deste grupo.

Quanto à variável 'Escolaridade', houve maior concentração de óbito por causa mal definida nas faixas de menor escolaridade, do que se depreende que pessoas sem instrução encontram maiores barreiras no acesso a assistência à saúde. Tal situação assemelha-se ao perfil de escolarização do Piauí:17 de acordo com o Censo 2000, 40,2% da população do Estado era analfabeta. As categorias 'Escolaridade ignorada' e 'Escolaridade não informada' apresentaram importante concentração de óbitos mal definidos, situação que expressa deficiência no padrão de completitude das informações.4,16

Em se mantendo o desempenho de óbitos por causa mal definida no nível dos achados deste estudo, o Piauí, com proporções mais aceitáveis e abaixo de outras apresentadas em publicações anteriores, abre nova página no perfil da mortalidade nordestina e brasileira.7,8

Ressaltam-se dois fatores determinantes de limitação deste estudo: o primeiro diz respeito ao período demasiado curto para uma análise comparativa estadual, regional e nacional, em razão de dispor, no ano de realização deste estudo, de dados referentes a apenas um ano-calendário após a intervenção. O segundo fator limitante se refere à completude dos dados: 45,7% dos óbitos registrados com causa mal definida no ano de 2006, mascarados quanto à investigação e que, somados a 14,3% de óbitos não investigados, totalizam 60,0% de óbitos que a medida de intervenção não conseguiu atingir. Estudos realizados por outros autores,1,2,5 entretanto, oferecem elementos consistentes para considerar o percentual de 40,0% de óbitos mal definidos investigados suficiente para validação deste estudo.

Acredita-se que se todos os óbitos com causas mal definidas tivessem sido investigados, não haveria alteração do quadro sanitário quanto ao perfil de óbito do estado. Considera-se ainda este estudo relevante para a vigilância em saúde, podendo servir de ponto de partida para aprofundamentos futuros. Também há necessidade de se avaliar a sustentabilidade da intervenção realizada, bem como de seus resultados.

 

Referências

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6. Rozman MA, Eluf-Neto J. Necroscopia e mortalidade por causa mal definida no Estado de São Paulo. Revista Panamericana de Salud Pública. 2006;20(5):307-13.

7. Martins Junior DF, Costa TM, Souza Neto JFN, Guimarães CAS. Óbitos classificados como sinais, sintomas e afecções mal definidas na região nordeste do Brasil, 1980-2003. Bahia: Universidade Federal de Feira de Santana; 2005.

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9. Ministério da saúde. Datasus. Informações de Saúde. Indicadores de Saúde. Indicadores de Mortalidade; 2006 [Acesso em 09 jun. 2007]. Disponível em www.datasus.gov.br.

10. Conselho Federal de Medicina. Resolução 1779. Brasília: CFM; 2005.

11. Secretaria Estadual de Saúde. Nota Técnica. Normatiza procedimentos para a investigação de óbitos por causa mal definida no Estado do Piauí. Teresina: Secretaria Estadual de Saúde; 2006.

12. Organização Mundial de Saúde. CID-10. Tradução centro colaborador da OMS para classificação de doenças em português. 9a ed. rev. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2003.

13. Rede Interagencial de Informações para a Saúde. Indicadores básicos de saúde no Brasil: conceitos e aplicações. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2002.

14. Secretaria de Estado da Saúde do Piauí. Plano Diretor de Regionalização da Assistência à Saúde do Estado do Piauí - Regulamentação. Teresina: Secretaria de Estado da Saúde do Piauí; 2001.

15. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Teto, credenciamento e implantação das estratégias de agentes comunitários de saúde, saúde da família e saúde bucal. Acesso em 22.11.2007. Disponível em: http://dab.saude.gov.br/historico_cobertura_sf/historico_cobertura_sf_relatorio.php.

16. Mota E, Carvalho DMT. Sistemas de Informação em Saúde. In: Rouquayrol MZ. Almeida Filho N. Epidemiologia e Saúde. 6a ed. Rio de Janeiro: MEDSI; 2003.

17. Ministério da Saúde. Datasus. Informações de Saúde. Demográfica e socioeconómica Alfabetização - 1991; 2000 [Acesso em 22 nov. 2007]. Disponível em www.datasus.gov.br.

 

 

Endereço para correspondência:
Coordenação de Análise,
Divulgação de Situação e Tendência de Saúde,
Secretaria Estadual de Saúde do Piauí,
Av. Pedro Freitas s/no,
Centro Administrativo, Bloco A, Térreo,
Teresina-PI, Brasil.
CEP:64018-200
E-mail:inacioplima@hotmail.com

Recebido em 21/06/2010
Aprovado em 06/09/2011