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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.20 n.3 Brasília sep. 2011

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742011000300006 

ARTIGO ORIGINAL

 

Avaliação da qualidade do Sistema de Vigilância Epidemiológica de Doença de Chagas Aguda em Minas Gerais, 2005-2008

 

Evaluation of the quality System of Epidemiological Surveillance of Acute Chagas Disease in Minas Gerais, 2005-2008

 

 

Olinda Francisco MuguandeI; Marcela Lencine FerrazII; Elisabeth FrançaIII; Eliane Dias GontijoIII

IPrograma de Pós-Graduação em Saúde Pública, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil
IIDiretoria de Vigilância Ambiental, Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil
IIIFaculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: o estudo avaliou a qualidade das notificações de casos agudos de doença de Chagas registrados no sistema de informação utilizado pela vigilância epidemiológica da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, no período de 2005-2008.
METODOLOGIA: para avaliação dos registros do sistema de vigilância, adotaram-se as diretrizes do Center for Disease Control and Prevention dos Estados Unidos da América; e para definição e encerramento dos casos, os critérios preconizados pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério de Saúde.
RESULTADOS: o Sistema de Informação para a vigilância da doença de Chagas é complexo, pouco flexível, com baixa aceitabilidade e, de modo geral, com baixa qualidade dos dados; dos 992 casos notificados no período, 12 (1,2%) apresentavam exame parasitológico direto positivo, critério de confirmação de caso, porém foram descartados em análise posterior por se tratar de casos crônicos; a completitude de preenchimento da maioria dos campos das fichas analisadas foi qualificada entre regular e baixa.
CONCLUSÃO: é necessária a sensibilização e treinamento dos profissionais da saúde, além de maior integração dos setores responsáveis pelo fluxo de informações, para melhoria da qualidade do registro das notificações, possibilitando a definição de ações de vigilância e estratégias de controle da doença.

Palavras-chave: doença de Chagas; vigilância epidemiológica; avaliação; saúde pública.


SUMMARY

OBJECTIVE: this work aims to evaluate the quality in the registration of acute Chagas disease cases reported to the epidemiologic surveillance of the State of Minas Gerais, Brazil (2005-2008).
METHODOLOGY: to evaluate the surveillance system registers, the study followed guidance of the Center for Disease Control and Prevention/United States of America; and to define and conclude cases, criteria established by the Health Surveillance Secretariat/Ministry of Health of Brazil.
RESULTS: the surveillance system for Chagas disease is complex, inflexible, with low acceptance, and unsatisfying quality of data; from a total of 992 acute cases reported in our given timeframe, only 12 (1.2%) had a positive direct parasitological examination, the defined criteria which single the disease out; however, all the reported cases were, in fact, chronic cases; the majority of fields showed regular to low completeness.
CONCLUSION: it is recommended to invest on training and raising awareness of health professionals in order to improve quality in reports" registration, which makes possible to define strategies and actions for controlling the disease.

Key words: Chagas disease; epidemiological surveillance; evaluation; public health.


 

 

Introdução

A doença de Chagas, também conhecida como Tripanossomíase americana, uma doença de curso clínico bifásico (agudo e crônico), representa importante modelo para reflexão da determinação social do processo de adoecimento no contexto da América Latina.1,2 Embora a incidência da doença no continente americano tenha-se reduzido em cerca de 70,0% nos últimos 30 anos, estima-se que, nas Américas Central e do Sul, ainda existam cerca de oito a nove milhões de pessoas infectadas e 25 milhões sob risco de infecção.3,4 No Brasil, no ano de 2011, a doença de Chagas representa a quarta causa de morte entre as doenças infecto-parasitárias e estima-se a existência de três milhões de infectados, sendo a faixa etária acima de 45 anos a mais acometida.5 A endemia apresenta importante impacto econômico devido às complicações que causa à saúde do ser humano.1,6,7

A fase aguda da doença se estabelece logo após a infecção pelo Trypanossoma cruzi no homem e em vários mamíferos, que pode ou não ser identificada e evoluir para a cronificação se não for tratada com medicamentos específicos.8,9 Essa fase define-se, basicamente, pela alta parasitemia detectável por exame microscópico direto do sangue a fresco ou do creme leucocitário. Após a terceira semana de infecção, pode-se utilizar os métodos sorológicos indiretos, por diferentes técnicas, para detecção de anticorpos da classe IgG (imunidade a eventos crônicos).10,11 Deve-se considerar, entretanto, a possibilidade de reações cruzadas com outros agravos, produzindo resultados falso-positivos.11,12 A detecção isolada de IgM (imunidade a eventos agudos) não apresenta alta sensibilidade para a detecção de casos agudos; porém, quando associada a critérios clínico-epidemiológicos, pode auxiliar na confirmação da infecção.11

Quando diagnosticada e adequadamente tratada, a doença de Chagas aguda (DCA) pode atingir proporções de cura que variam entre 30,0 a 90,0%, nas casuísticas mais conhecidas.1,2,13,14 Em 2005, considerando o quadro epidemiológico atual da doença de Chagas no Brasil e os padrões de transmissão em cada área geográfica, o Consenso Brasileiro referendou a revisão da metodologia para a vigilância epidemiológica da doença.10 Dados da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS) apontam que, entre 2005 e 2007, um total de 330 casos agudos foi confirmado no país, com maior incidência na região da Amazônia Legal.5 No Estado de Minas Gerais, a análise dos dados disponibilizados pela Secretaria de Estado de Saúde (SES/MG) também revelou incremento dos casos notificados de DCA entre os anos de 2005 e 2008.15

A informação sobre casos de DCA é feita por notificação compulsória e imediata ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), a partir de dados clínicos e epidemiológicos sugestivos. Os casos devem ser comunicados no prazo de 24 horas após a suspeição inicial e deverão ser confirmados pelos procedimentos laboratoriais mencionados em epígrafe. Em 25 de janeiro de 2011, foi publicada a Portaria no 104, que define as terminologias adotadas pela Legislação nacional, a relação de doenças, agravos e eventos de notificação compulsória pela Saúde Pública em todo o território nacional e estabelece fluxo, critérios, responsabilidades e atribuições dos profissionais e serviços de saúde.5,9,6

O Sinan foi desenvolvido pelo Ministério da Saúde no início da década de 1990. Seu objetivo é padronizar os conceitos de definição de caso e a transmissão de dados a partir de organização hierárquica baseada nas três esferas de governo. O sistema veio possibilitar o acesso mais fácil à base de dados necessários à análise epidemiológica e a disseminação rápida dos dados gerados na rotina da vigilância epidemiológica pelo Sistema Único de Saúde (SUS).9,17,18 Atualmente, o Sinan constitui um instrumento relevante no auxílio ao planejamento das ações de saúde, definição das prioridades de intervenção e avaliação do impacto das medidas adotadas.18,19

Os sistemas de informações em saúde são essenciais para a modernização dos serviços.5 A avaliação da qualidade desses sistemas tem por finalidade assegurar que questões prioritárias de Saúde Pública sejam monitoradas eficiente e efetivamente, além de contribuir para o aprimoramento dos instrumentos de coleta dos dados.20

Segundo a SVS/MS, contudo, as informações obtidas e consolidadas pela vigilância epidemiológica por meio da notificação compulsória não têm permitido dimensionar a real situação da DCA no país. Somado a isso, reconhece-se a baixa qualidade das bases de dados de DCA no Sinan.21 Para o aprimoramento do sistema de vigilância da DCA, é necessário que os profissionais de saúde tenham a percepção da importância da qualidade dos registros.

Este estudo teve como objetivo avaliar a qualidade dos registros obtidos pelo sistema de vigilância epidemiológica dos casos de DCA no Estado de Minas Gerais, notificados pelo Sinan no período de 2005 a 2008. Até o momento da divulgação dos resultados e conclusões aqui apresentados, não há publicações sobre a avaliação da qualidade dos dados do Sinan no que se refere à doença de Chagas, o que justifica e torna relevante o presente estudo.

 

Metodologia

Trata-se de estudo descritivo das notificações de DCA no Estado de Minas Gerais, baseado em dados secundários obtidos pela SES/MG. Para avaliar a qualidade dos registros, foram consideradas as notificações de DCA realizadas no período de 2005 a 2008. No ano de 2007, houve um acréscimo de 59 para 70 no número de variáveis a serem preenchidas na ficha de investigação e, portanto, para algumas análises, foram considerados dois períodos separadamente: 2005 a 2006; e 2007 a 2008. Os dados foram obtidos a partir das fichas de investigação epidemiológica de casos de DCA notificados ao Sinan-DCA/MG. Para complementação das informações, foram obtidos resultados sobre exames realizados na Fundação Ezequiel Dias (Funed), que integra a rede de laboratórios de Saúde Pública e é referência nacional para sorologia da doença de Chagas.

A metodologia de avaliação foi baseada nas diretrizes do Center for Disease Control and Prevention dos Estados Unidos da América (CDC/USA), contemplando a) a descrição do sistema e seus componentes específicos e b) a análise de atributos qualitativos (simplicidade, flexibilidade e aceitabilidade) e quantitativos (sensibilidade, valor preditivo positivo, representatividade e oportunidade) relativos à qualidade dos dados.20 Variáveis demográficas, epidemiológicas, clínicas, laboratoriais e de conclusão dos casos foram selecionadas para compor a análise dos atributos dos casos de DCA notificados (suspeitos e confirmados). Foi realizada análise descritiva por meio das distribuições de frequências e proporções.

Casos confirmados de DCA, obtidos no Sinan-DCA/MG e referentes aos anos de 2005 e 2006 foram comparados com os dados disponíveis na base Sinan-DCA/MG para o mesmo período. Os anos de 2007 e 2008 ainda não estavam disponíveis no banco nacional, quando da realização desta pesquisa.

A classificação final da DCA informada na ficha digitada - Sinan-DCA/MG - foi refeita com base em critérios clínicos, epidemiológicos e laboratoriais preconizados pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério de Saúde (SVS/MS).

Inicialmente, foram classificados como casos de DCA aqueles que apresentavam exames parasitológicos diretos (gota espessa ou exame direto a fresco) positivos e/ou exame sorológico de marcador de fase aguda (anti-IgM) positivo, complementados pelos critérios descritos pelo Ministério de Saúde, a saber: a) Caso suspeito - paciente com quadro febril prolongado (mais de sete dias) e que apresente esplenomegalia ou acometimento cardíaco agudo, residente ou visitante de área com registros de triatomíneos, ou que tenha recebido transfusão de sangue -;11 b) Caso confirmado: paciente que apresente Trypanosoma cruzi circulante no sangue periférico, identificado por meio de exame parasitológico direto, com ou sem presença de sinais e sintomas, ou paciente com sorologia positiva para anticorpos IgM anti-T. cruzi na presença de evidências clínicas e epidemiológicas indicativas de DCA.11 Pela conferência de listas de notificações com os nomes dos pacientes ou de suas mães ordenados alfabeticamente, verificou-se a presença de possíveis duplicidades na base de dados.

No cumprimento dos parâmetros indicados pelo Sinan, a completitude dos dados foi definida pelo critério de preenchimento, a saber: Excelente - igual ou superior a 90,0% -; Regular - 70,0 a 89,0% -; e Baixo - abaixo de 70,0%, A base de dados utilizada encontrava-se atualizada: já haviam transcorrido 60 dias, tempo preconizado pelo Ministério de Saúde para o encerramento oportuno das investigações.

O programa computacional utilizado para consolidar e analisar os dados foi o SPSS, versão 17.0, de 2008.

Considerações éticas

O estudo foi aprovado pela Superintendência de Epidemiologia da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais e pela Câmara do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Foram utilizados somente dados secundários, garantindo o sigilo das informações individuais.

 

Resultados

Entre 2005 e 2008, 992 casos suspeitos de DCA foram notificados aos serviços de vigilância epidemiológica em 117 municípios de Minas Gerais, 13,7% do total de municípios mineiros. A distribuição dos casos notificados quanto ao sexo foi semelhante, foi constatada ligeira predominância (53,3%) da cor branca e a idade média foi de 36 anos; 60,0% dos casos eram maiores de 30 anos e 61,0% apresentavam nível fundamental de escolaridade.

Em relação aos fatores de risco para DCA, 51,0% das fichas informavam vestígios intradomiciliares do vetor e 61,0% negavam uso de sangue, hemoderivados ou manipulação de material contaminado. O provável mecanismo de transmissão foi registrado em 20,0% dos casos, sendo predominante a via vetorial. Observando-se o campo 'Evolução', embora estivesse preenchido em apenas 40,0% das fichas, verificou-se que 2,7% dos pacientes evoluíram para óbito.

A febre, principal sintoma para casos suspeitos de DCA, foi assinalada em 33,9% das notificações. Outros sinais e sintomas, como chagoma de inoculação, meningoencefalite, esplenomegalia e gânglios, foram observados em menos de 1,0% dos casos. A presença de arritmia, frequente na cardiopatia crônica, foi o item mais assinalado: 13,7%.

A Figura 1 resume as características do Sinan-DCA/MG em relação aos atributos quantitativos e qualitativos analisados. Observou-se inconsistência e incoerência entre as categorias assinaladas: a proporção de casos sem realização de exames para diagnóstico laboratorial foi maior que a de casos confirmados por critério laboratorial adequado.

 

 

Em 2007, houve alteração da ficha de notificação padronizada, desde então designada SinanNET, disponibilizada pela SES/MG às secretarias municipais de saúde (SMS). Verificou-se que menos da metade das fichas analisadas apresentou percentuais de 100,0% de completitude para os campos de identificação, em todo o período analisado. As variáveis 'Bairro', 'CEP', 'Telefone', 'Numero de Cartão de SUS', 'Distrito', 'Logradouro' (Rua, Avenida) e 'Ponto de referência' foram as menos preenchidas. Observou-se uma variação de 0,0 a 20,0% na completitude dessas variáveis, apesar de serem consideradas essenciais para a entrada de dados no sistema.

Para as variáveis relacionadas aos possíveis vínculos com a DCA (antecedentes epidemiológicos e manifestações clínicas), os percentuais de preenchimento variaram de baixo a regular: de 30,0 a 97,0% para dados epidemiológicos; e de 25,0 a 44,0% para dados clínicos. A mais baixa percentagem de preenchimento para dados clínicos foi observada em 2008, quando menos de 30,0% dos campos referentes foram preenchidos - incluindo a resposta 'Ignorado', que indica ausência de informação sobre sinais e sintomas no caso notificado. Para o registro da presença ou ausência de febre, um dos critérios para a suspeita de DCA, esperava-se maior completitude dos dados, fato não observado.

Entre os itens fundamentais para a definição de DCA, como o exame parasitológico direto, também se observou baixo percentual de preenchimento: apesar de mais elevado no período de 2007 a 2008 - variando de 22,6 a 25,4% -, esse item ainda se configura como de baixa completitude. Um paradoxo encontrado foi o aumento do número de exames realizados entre 2007 e 2008, embora com baixa proporção de preenchimento completo - variando de 24,0 a 58,0% - e predomínio de respostas ignoradas. Não houve registro das datas de solicitação dos exames subsequentes. Para o campo relacionado com o modo provável de infecção, a proporção de completitude também foi baixa, principalmente no período 2007-2008, não ultrapassando 15,0% das fichas analisadas.

Na análise do banco de dados, constatou-se a presença de variáveis que não figuram na ficha do Sinan, totalizando, respectivamente, 99 e 122 para o período de 2005-2006 e 2007-2008, contra os 59 e 70 na ficha original. Exemplos das variáveis acrescidas no banco informatizado são: 'Regional de notificação'; 'Semana de notificação'; 'Semana dos primeiros sintomas'; 'Regional de residência'; 'Número de lote'; 'Fonética'; e 'Soundex'. A maioria destas variáveis não se encontrava preenchida.

Entre os 992 casos notificados no período, somente 126 (12,7%) pacientes realizaram a pesquisa direta do parasito, principal critério de confirmação do caso (Tabela 1).

 

 

Do total de casos analisados no Sinan-DCA/MG, apenas 12 (1,2%) cumpriram, a priori, os critérios de DCA e 12,3% dos casos notificados foram considerados inconclusivos/ignorados. Ressalte-se, que mesmo entre os 72 casos inicialmente confirmados no Sinan-DCA/MG, quatro (5,0%) tiveram exame parasitológico direto negativo e resultado sorológico positivo detectado apenas por anticorpos IgM anti-T. cruzi, além de febre (Tabela 1). Todos esses casos foram descartados por não apresentarem evidências clínicas e epidemiológicas de DCA.

Verificou-se que 866 (87,3%) fichas não permitiram avaliação conclusiva dos critérios definidores de caso. Dessas, 47,0% não preenchiam o critério estabelecido pelo Ministério da Saúde e em 53,0%, os itens necessários para a confirmação do caso estavam registrados como ignorados.

A revisão dos 12 casos inicialmente considerados como confirmados pela presença de exame parasitológico positivo foi realizada com base nas informações clínico-epidemiológicas para o período de estudo, e nos resultados fornecidos pela Funed. Verificou-se a ocorrência de erros de digitação de campo. Conclui-se, portanto, que não houve qualquer caso de DCA em Minas Gerais, no período.

 

Discussão

Nos últimos quatro anos, segundo a SVS/MS, não houve comprovação da ocorrência de DCA no Estado de Minas Gerais. Da mesma forma, o presente estudo constatou que, após revisão dos casos notificados no período analisado (n=992), em nenhum deles foi confirmado o diagnóstico de DCA, o que corrobora a informação disponível no Portal Nacional de Saúde.5

Dados recentes estimam que a incidência da DCA no Brasil foi menor do que 0,5% por 100.000 habitantes,22 demonstrando que o risco representado pela doença de Chagas foi reduzido.1 Não obstante, tem-se afirmado que a falta de diagnóstico de casos de DCA pela vigilância epidemiológica pode refletir não uma situação de controle e sim baixa sensibilidade para identificação de novos casos, exacerbada pela história natural da doença em que predomina a fase aguda oligo ou assintomática.13 Nesse caso, poderia haver uma subestimativa da magnitude e ônus da endemia, com sublocação de recursos e planejamento inadequado de ações para seu enfrentamento.9

Com relação aos casos analisados neste estudo, os resultados obtidos conflituam com o preconizado para suspeição e encerramento dos casos de DCA. Um exemplo disso é a pequena proporção de referências à ocorrência de febre. De acordo com a literatura, em casos descritos de DCA aparentes ou inaparentes, a febre seria um achado constante, especialmente de quadros febris prolongados.22-24 No presente estudo, entretanto, esse sintoma não foi relatado na maior parte dos casos notificados, os quais, marcadamente, revelaram o predomínio de arritmias e sinais de insuficiência cardíaca congestiva (ICC) típicos da fase crônica.5 A baixa frequência de febre nos casos revistos reforça a importância do correto diagnóstico, fator diferencial dos casos de outras endemias prevalentes da região que apresentem manifestações similares às da DCA, como leishmaniose visceral, malária, toxoplasmose, mononucleose infecciosa e esquistossomose aguda. O resultado do diagnóstico final é digitado no Sinan sem qualquer mecanismo de validação interna por parte do sistema, principalmente quanto à inconsistência das variáveis clínicas e laboratoriais presentes no próprio banco de dados.

O grau de completitude dos dados de notificação pode ser influenciado pelos serviços de diagnóstico disponíveis, medidas de controle em funcionamento, além dos interesses, recursos e prioridades das autoridades responsáveis pelo controle da doença e pela vigilância em Saúde Pública.25 Um importante achado foi a reduzida completitude das fichas de investigação epidemiológica da DCA, cuja classificação, baixa para a maioria dos campos, e digitação errônea dos dados comprometeram a análise. A proporção de respostas desconhecidas ou em branco nas fichas analisadas pode ser considerada uma medida direta da qualidade dos dados; e indireta, da capacitação técnica dos profissionais responsáveis pelo preenchimento. Observou-se completitude regular a excelente dos dados apenas para algumas variáveis relacionadas à identificação. Paradoxalmente, a grande maioria dos profissionais de saúde considerou a ficha de investigação clara e de preenchimento simples. Concorda-se com Laguardia e colaboradores, que apontam a deficiência na abrangência e qualidade dos dados decorrente do fato de a maioria dos profissionais de saúde no país considerar o preenchimento dos instrumentos de coleta de dados uma atividade meramente burocrática, de importância secundária.26 A ausência de informações laboratoriais adequadas no Sinan pode traduzir tanto a inadequação na realização do exame como possíveis falhas na coleta de dados por parte dos profissionais de saúde durante o registro de atendimento, na investigação ou, ainda, no momento da digitação no sistema.18

A ausência de registros sobre dados epidemiológicos, clínicos e de respostas laboratoriais interfere negativamente na avaliação adequada dos dados, de acordo com critérios preconizados pelo Ministério da Saúde para confirmação. Essa situação pode gerar a não detecção oportuna de surtos, como aconteceu no Estado de Santa Catarina, e também de casos agudos, a exemplo do ocorrido na região Norte do país.5 No período de 2005 a 2008, segundo informações da Gerência Estadual do Programa de Controle da Doença de Chagas, as Gerências Regionais de Saúde - GRS - não possuíam profissionais habilitados para a realização do diagnóstico parasitológico em nível local. O primeiro treinamento foi realizado pela Funed no ano de 200915 e, muito provavelmente, os registros de exames parasitológicos positivos no banco de Sinan-DCA/MG podem ser decorrentes do preenchimento equivocado das fichas. É fundamental, portanto, que os profissionais de saúde entendam que a ausência de registros referentes aos exames laboratoriais específicos para DCA compromete o encerramento oportuno dos casos.25

A baixa completitude nas variáveis acrescentadas na ficha de investigação do agravo adotada a partir de 2007 (SinanNET) pode ser devida ao volume expressivo de campos, o que acarreta o não preenchimento das respectivas variáveis, ou sua substituição pela categoria 'Sem informação'.25 Laguardia e colaboradores observaram que a carência de estudos qualitativos e quantitativos de avaliação do Sinan, possivelmente, contribui para o acréscimo de variáveis nas fichas de investigação dos agravos. Ainda segundo esse autor, os avanços alcançados pelo sistema de informações de saúde informatizado não foram antecedidos por discussões técnicas mais profundas que pudessem orientar os gestores sobre estratégias de manejo.26

As principais falhas observadas foram a ausência de preenchimento de variáveis essenciais para a definição de caso e a presença de inconsistências que comprometem o encerramento oportuno e correto dos casos. Um exemplo são as notificações sem registro do resultado laboratorial e dos sinais e sintomas sugestivos de DCA, a despeito do critério de confirmação registrado. O estudo permite inferir o desconhecimento dos profissionais em relação ao agravo e certo descaso no preenchimento dos instrumentos de notificação. Contudo, qualquer que seja a explicação, os achados não deixam dúvidas: é mister melhorar a qualidade dos registros da vigilância epidemiológica da DCA como instrumento de apoio ao planejamento das ações.26

O Sinan dispõe de rotinas específicas para alteração de registros de casos de DCA notificados, além de ferramentas que facilitam a identificação e correção de possíveis duplicidades, de acordo com as normas da vigilância epidemiológica.21 Esses procedimentos não foram executados com a devida freqüência pelos usuários do sistema nos diferentes níveis informatizados, nos anos de 2005 e 2006. Pressupõe-se, entretanto, que essas rotinas vêm sendo executadas atualmente, de maneira regular e adequada, visto o reduzido número ou ausência de duplicidades observadas em 2007 e 2008, especialmente na esfera municipal.5,21

Este estudo mostrou certo descaso dos profissionais de saúde com o preenchimento das fichas de notificação de DCA, o que pode ser parcialmente explicado pela baixa valorização e retroalimentação das informações registradas no sistema.25 A maior integração entre as diferentes esferas da Saúde Pública poderia aumentar o fluxo de informações e, assim, auxiliar na solução de problemas como duplicidade de registros e encerramento inadequado dos casos.9

Os resultados aqui apresentados indicam que, apesar de ter sido criado para orientar as ações de controle das doenças nos diferentes níveis do SUS, o Sinan tem se limitado a ser um sistema de registro, fluxo de informações e tabulação de dados sobre doenças de notificação obrigatória, como a DCA. Não obstante a ocorrência de novos casos de DCA ter diminuído no Estado de Minas Gerais, evidenciaram-se dificuldades por parte dos profissionais de saúde para o diagnóstico de caso suspeito da DCA por desconhecimento dos critérios mínimos para iniciar a investigação.

Com o propósito de aprimorar a qualidade e a confiabilidade da vigilância epidemiológica da DCA, é fundamental investir na capacitação dos profissionais responsáveis pelo preenchimento das fichas de notificação. A ausência dessa qualidade e confiabilidade do sistema foi um fator limitante para a análise mais adequada dos dados considerados neste estudo. A obtenção de dados com qualidade é condição essencial para que o sistema de saúde detecte falhas e formule propostas de intervenção, pela continuidade do controle do agravo e aperfeiçoamento da vigilância.

Novos estudos são necessários para entender as possíveis causas associadas à baixa qualidade das bases de dados e identificar as ferramentas mais adequadas a sua correção, de modo a garantir que as informações utilizadas pelos gestores possibilitem a definição de políticas públicas e planejamento de ações de maneira eficiente.

A vigilância epidemiológica tem, como pressuposto, que os dados de notificação forneçam informações sobre morbidade próximas à realidade vivida pela população.17,21 Conclui-se pela necessidade de melhorar a qualidade da informação que é repassada para a base de dados nacional do Sinan, para subsidiar as ações de controle e prevenção da doença de Chagas aguda.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Universidade Federal de Minas Gerais ,
Av. Professor Alfredo Balena, 190, Sala 825,
Santa Efigênia, Belo Horizonte-MG, Brasil.
CEP:30130-100
E-mail:egontijo@medicina.ufmg.br

Recebido em 14/07/2010
Aprovado em 14/09/2011