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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.20 n.3 Brasília set. 2011

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742011000300008 

ARTIGO ORIGINAL

 

Prevalência de parasitoses intestinais em comunidade quilombola no Município de Bias Fortes, Estado de Minas Gerais, Brasil, 2008

 

Prevalence of parasitic intestinal diseases in a quilombola community, in the Municipality of Bias Fortes, State of Minas Gerais, Brazil, 2008

 

 

Elisabeth Campos de AndradeI; Isabel Cristina Gonçalves LeiteII; Marcel de Toledo VieiraIII; Clarice AbramoIV; Sandra Helena Cerrato TibiriçáIV; Priscila Lima SilvaV

IDepartamento de Parasitologia, Microbiologia e Imunologia, Instituto de Ciências Biológicas, Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora (Suprema), Juiz de Fora-MG, Brasil
IIFaculdade de Medicina, Universidade Federal de Juiz de Fora-MG, Brasil
IIIInstituto de Ciências Exatas, Departamento de Estatística, Universidade Federal de Juiz de Fora-MG, Brasil
IVInstituto de Ciências Biológicas, Departamento de Parasitologia, Microbiologia e Imunologia, Universidade Federal de Juiz de Fora-MG, Brasil
VResidente da Faculdade de Farmácia e Bioquímica, Universidade Federal de Juiz de Fora-MG, Brasil. Bolsista de Projeto de Extensão, Universidade Federal de Juiz de Fora-MG, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: investigar a prevalência e os fatores associados às parasitoses intestinais na população de Colônia do Paiol, comunidade quilombola na Zona da Mata de Minas Gerais, Brasil.
METODOLOGIA: procedeu-se um estudo de corte transversal por censo, sendo que dos 425 moradores, 391 (92%) foram avaliados mediante resposta a questionário estruturado e exame coproparasitológico.
RESULTADOS: a positividade para pelo menos uma espécie parasitária foi de 63,8%, sendo as espécies patogênicas mais frequentes Ascaris lumbricoides (22,4%) e Trichuris trichiura (17,9%); o poliparasitismo ocorreu em 36,5% dos investigados; predominaram casos no sexo feminino e na faixa etária de escolares de seis a 14 anos de idade.
CONCLUSÃO: observou-se associação entre a presença de parasitos intestinais e determinadas condições ambientais, confirmando a necessidade de melhoria das condições de saneamento básico e de acesso ao serviço de saúde, de utilização de medicações de fácil administração no tratamento das enteroparasitoses e de educação em saúde para os membros da comunidade.

Palavras-chave: parasitoses intestinais; estudos de corte transversal; fatores de risco; afrodescendentes.


SUMMARY

OBJECTIVE: the study aims to investigate prevalence and factors associated to intestinal parasitic diseases in the population of Colônia do Paiol, a quilombola community in the municipality of Bias Fortes, located in the Zona da Mata region of the State of Minas Gerais, Brazil.
METHODOLOGY: cross-sectional census study was conducted, and 391 (92%) of the 425 inhabitants were interviewed through a questionnaire and evaluated by means of a coproparasitologic test.
RESULTS: the test positivity rate for at least one parasite specie was of 63.8%, and the pathogenic species more often found were Ascaris lumbricoides (22.4%) and Trichuris trichiura (17.9%); multiparasitism was diagnosed in 36.5% of those who took part in the study; prevalence was higher for females compared to males, also for school children aged from 6 to 14 years old.
CONCLUSION: a significant association was observed between the presence of intestine parasites and a number of environment conditions such as sewage collection and disposal, access to basic health services, use of easily administered medicines for treatment of enteroparasitosis, and education policies on basic health knowledge among population members.

Key words: intestinal diseases; cross-sectional studies; risk factors; African-continental ancestry groups.


 

 

Introdução

Em todo o mundo milhares de indivíduos estão impedidos de alcançar todo o seu potencial produtivo por não gozarem das condições mínimas de saúde. Entre os fatores responsáveis por essas deficiências, encontram-se as doenças parasitárias. As parasitoses intestinais, dentre elas, as geohelmintíases são as doenças infecciosas mais prevalentes em todo o mundo.1

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de um bilhão e 450 milhões de indivíduos estão afetados por Ascaris lumbricoides, um bilhão e 300 milhões por ancilostomídeos e um bilhão e 50 milhões por Trichuris trichiura2 Estimativas anteriores calculavam em torno de 200 milhões o número de pessoas parasitadas por Giardia lamblia.3

Diarreia, desnutrição, anorexia e dor abdominal são algumas das consequências das parasitoses intestinais. Essas doenças, muitas vezes, cursam de forma silenciosa, o que pode dificultar seu diagnóstico, tratamento adequado e profilaxia de uma possível reinfecção. Os quadros graves ocorrem em pacientes com maior carga parasitária e comprometimento imunológico.4

Os estudos brasileiros mais recentes sobre a prevalência de enteroparasitoses são escassos e dispersos. A maioria deles utiliza amostras de bases populacionais mal definidas. Soma-se a isso a dificuldade para realizar exames coproparasitológicos em maior escala. Prevalece a espécie A. lunbricoides, que, em geral, afeta de 20,0 a 30,0% da população das Américas.

O objetivo deste artigo foi investigar a prevalência e os fatores de risco associados às parasitoses intestinais na população de Colônia do Paiol, Município de Bias Fortes, região da Zona da Mata no Estado de Minas Gerais, Brasil, de forma a contribuir para o controle das parasitoses intestinais nessa região. A escolha dessa comunidade deveu-se a suas condições sanitárias precárias, descritas pela equipe de saúde local, pela particularidade histórica de uma aglomeração quilombola, e pelo interesse de nortear políticas públicas específicas para a população estudada no que toca a saneamento básico e condutas terapêuticas.

 

Metodologia

O Município de Bias Fortes localiza-se na microrregião do Município de Juiz de Fora, Zona da Mata, Estado de Minas Gerais. Sua população conta 4.392 indivíduos, dos quais 2.751 na área rural de acordo com o Censo Demográfico de 2000.5 Originalmente denominado como Arraial do Quilombo, o povoado recebia muitos escravos fugitivos que se concentravam nas proximidades dos rios Quilombo e Vermelho. Atualmente conhecida pelo nome de Colônia do Paiol, a comunidade quilombola teve início quando um fazendeiro da região doou uma área de terra a nove escravos alforriados.6

A Colônia do Paiol - S21o35.452' W43o43.508' a 840 metros de altitude - dista seis quilômetros da região central de Bias Fortes-MG e é uma das maiores aglomerações rurais do município. A comunidade conta com uma escola municipal que atende cerca de 150 alunos da pré-escola e ensino fundamental até a quarta série. A população conta com uma unidade de Atenção Primária à saúde, e atendimento médico e odontológico oferecidos pela equipe da Estratégia Saúde da Família (ESF).6

Em sua origem, a comunidade era acessível por trilhas, as casa eram rudimentarmente construídas com paredes de pau-a-pique rebocadas de tabatinga - tipo de barro amassado com os pés - e eram cobertas de capim. Ainda hoje, a maioria das casas é de pau-a-pique e possui água encanada, porém não tratada. A rede de esgoto é precária e em muitos locais da Colônia pode se observar esgoto a céu aberto ou destinado ao córrego que corta a região7 e é utilizado para inúmeros fins: da lavagem de roupas e utensílios domésticos até a obtenção de água para beber, limpeza de casa, banho e lazer.

A microárea três atendida pela ESF de Bias Fortes conta com 151 famílias e engloba os aglomerados populacionais de Pios, Eugênios, Carambola, Açude e Colônia do Paiol. Um estudo transversal por censo foi conduzido na comunidade quilombola de Colônia do Paiol, no período de junho a setembro de 2008.

Dada a ausência de informações cadastrais confiáveis, os habitantes da área foram recenseados. Na região, moram 425 pessoas distribuídas em 90 famílias, que constituíram a população-alvo investigada. Todos os moradores da comunidade quilombola foram convidados a participar do estudo.

Além da coleta de amostras fecais, aplicou-se um questionário sobre as condições socioambientais das famílias investigadas8 que levantou dados sobre número de membros da família, tipo de moradia, origem da água para consumo, destino do esgoto e do lixo, instalações sanitárias, hábitos alimentares, entre outras. O questionário, preferencialmente respondido pelo chefe da família, foi aplicado por um único entrevistador devidamente treinado.

Os potes secos e com conservante - mertiolato, iodo e formol (MIF) - para coleta das fezes foram deixados nos domicílios e recolhidos após três dias. Quando não eram devolvidos todos os potes, agendava-se nova coleta. O procedimento foi repetido mais uma vez, para os casos de não devolução na segunda tentativa. Foram realizados exames parasitológicos das fezes pelo método de Hoffman, Pons e Janer (HPJ) - método da sedimentação espontânea9 com conservação em MIF - e pelo método de Kato-Katz.10

Os dados foram compilados em um banco de dados pelo aplicativo estatístico SPSS versão 15.0.11 Para análise dos dados e estudo sobre a associação entre variáveis, adotou-se o teste qui-quadrado em nível de significância de 5,0% e o cálculo de resíduos ajustado para as células de tabelas de contingência.

Considerações éticas

O presente estudo atendeu aos requisitos da Declaração de Helsinque e às recomendações da Resolução no 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas em Seres Humanos da Pró-Reitoria de Pesquisa/Universidade Federal de Juiz de Fora (Propesq/UFJF), sob o parecer no 063/2007, e não apresenta qualquer tipo de conflito de interesses.

 

Resultados

A comunidade, em sua maioria, é negra: 94,4% dos entrevistados. Das 425 pessoas que moram no local, 391 (92,0%) foram entrevistadas, 195 do sexo feminino e 196 do sexo masculino. Dos 391 indivíduos, 79 (20,2%) não aceitaram se submeter aos exames parasitológicos.

Os indivíduos com idade inferior a 40 anos corresponderam a 79,8% do total. A maioria da população possui primeiro grau incompleto (66,8%). O percentual de crianças em idade pré-escolar foi de 11,4% e a taxa de analfabetismo em indivíduos com 15 anos ou mais foi de 19,9%.

A Tabela 1 compara os aspectos sociodemográficos e ambientais entre indivíduos submetidos e não submetidos aos exames parasitológicos, residentes na comunidade. Não houve diferença nos aspectos ambientais entre os grupos que fizeram ou não os exames coproparasitológicos.

 

 

O estudo de prevalência das parasitoses intestinais na comunidade abordou 73,4% de pessoas de origem quilombola. A positividade para ao menos uma espécie foi de 63,8% (em relação a espécies patogênicas ou não) nos 312 indivíduos que fizeram os exames parasitológicos. A prevalência de infecções por A. lumbricoides, T. trichiura e ancilostomídeos foi de 22,4%, 17,9% e 8% respectivamente. Quanto aos ancilostomídeos, a infecção foi causada pelas espécies Necator americanus ou Ancylostoma duodenale. O protozoário patogênico mais frequente foi a G. lamblia, com 10,6% de positividade. Das 312 amostras analisadas, 49 eram positivas para helmintos, 96 para protozoários e 54 continham parasitoses mistas (helmintos e protozoários). O número de amostras positivas para ao menos uma espécie patogênica foi de 143 (45,8 %). A prevalência de parasitos está descrita na Tabela 2.

 

 

A ocorrência de poliparasitismo (considerando-se a presença de duas ou mais espécies patogênicas ou não) foi de 36,5%. Foram observados 85 indivíduos com um único parasito por amostra, 69 com duas espécies por amostra e cinco apresentaram cinco tipos de parasito por amostra.

Em relação ao sexo, observou-se uma prevalência maior no sexo feminino, com 70,2%, em relação ao sexo masculino, com 56,3% (p=0,010). A faixa etária de 25 a 39 anos é o que apresenta maior positividade para o sexo feminino (81,3% contra 35,7%; p=0,006).

A positividade entre as faixas etárias é estatisticamente significativa, o que sugere uma diferença de prevalência entre elas, conforme visto na Tabela 3.

 

 

Ao se estudar a associação entre positividade e escolaridade, não foi encontrada uma associação significativa. Além disso, 72,4% dos indivíduos que utilizavam água proveniente de mina ou de torneira pública tiveram uma positividade para ao menos uma espécie, enquanto a prevalência foi de 62,9% entre aqueles que utilizavam água encanada. Não houve, entretanto, associação estatisticamente significativa entre as duas variáveis (p=0,310).

Pode-se observar a associação entre a presença de alguns parasitos intestinais e determinadas condições ambientais. Em relação ao tratamento dispensado à água utilizada para beber, os indivíduos que utilizavam água proveniente diretamente da coleção hídrica ou de torneira tiveram uma positividade de 27,9% para A. lumbricoides, comparativamente àqueles que utilizavam água coada, filtrada ou fervida, que tiveram uma positividade de 12,0% (p=0,001). Uma associação também foi observada para a espécie T. trichiura. A frequência de poliparasitismo também foi maior naqueles que ingeriram água sem qualquer tratamento - e menor quando a água ingerida havia sido coada, filtrada ou fervida (63,0% contra 45,3%; p=0,019). A ausência de caixa d'água esteve associada a uma maior positividade apenas para T. trichiura (p=0,049); e a ocorrência de falta de água no domicílio foi associada a uma maior positividade apenas para A. lumbricoides (p=0,002).

Houve uma maior prevalência de parasitos em indivíduos de famílias com mais de quatro membros (67,3%) do que em situações com menor número de indivíduos no ambiente domiciliar (55,1%; p=0,043). Uma associação significativa também foi identificada especificamente para alguns parasitos, como A. lumbricoides e T. trichiura. A frequência de indivíduos poliparasitados também foi maior nessa condição (62,0%), em comparação com 42,9% dos indivíduos de famílias com quatro membros ou menos (p=0,019).

Observou-se uma associação entre número insuficiente de pontos de água na casa (menor que cinco) e maior prevalência de parasitose intestinal (p=0,008). Na presença de menos de cinco pontos de água no domicílio, a positividade para A. lumbricoides e T. trichiura foi de 68,6% e 72,7%, uma associação estatisticamente significativa: p=0,001 e p=0,000, respectivamente. O percentual de poliparasitismo também foi maior nessa condição, embora insignificante estatisticamente (p=0,110).

Os portadores de parasitoses intestinais que frequentam coleções hídricas, como rios, lagos, córregos ou cachoeiras, tiveram uma prevalência de 74,3% em comparação com os que não frequentam esses locais (58,4%; p=0,005).

Na presença de moradia com número de cômodos menor ou igual a cinco, foi observada uma maior positividade para A. lumbricoides (p = 0,001) e S. stercoralis (p=0,043).

O descarte do lixo de maneira inadequada (queimado ou jogado no mato) mostrou uma associação com a presença de ancilostomídeos (p=0,0l4), A. lumbricóides (p=0,036), T. trichiura (p=0,013) e G. lamblia (p=0,006).

Na população estudada, a origem da água, o tipo de parede ou o piso da casa, o destino do esgoto e do lixo e a lavagem adequada ou não dos vegetais consumidos não apresentaram associação significativa com a frequência de poliparasitismo.

 

Discussão

No Brasil, é notória a existência de inúmeras desigualdades no que se refere ao estado de saúde da população, quando se compara as várias regiões do país. Maior desigualdade se observa quando são estudados os grupos minoritários, caso das comunidades afrodescendentes.12

A comunidade Colônia do Paiol é de difícil acesso, dista seis quilômetros - por estrada de chão - do centro da cidade de Bias Fortes, região montanhosa de Minas Gerais. As condições sanitárias também são extremamente precárias. A comunidade é atendida por uma equipe da ESF; porém, esse atendimento não é diário, tampouco regular, seja pela dificuldade de acesso da equipe ou pela extensão do território sob sua responsabilidade. São aspectos ou fatores favoráveis à aquisição e manutenção das parasitoses intestinais.

O índice de analfabetismo em indivíduos com 15 anos de idade ou mais foi de 19,9%: maior que o da zona rural da Região Sudeste, de 16,1%; e menor que o da zona rural do Brasil como um todo, de 24,1%. O índice de analfabetismo no país é de 11,1%.13 Não se constatou associação entre nível de escolaridade e presença de parasitismo.

Dos 312 indivíduos estudados, 199 apresentaram ao menos uma espécie de parasito intestinal, o que representa uma prevalência de parasitoses de 63,8% da população estudada. Estudos anteriores mostram uma prevalência menor, como é o caso de um levantamento na cidade de Assis, São Paulo, onde a prevalência geral foi de 20,3% no ano de 2001.14 O estudo de maior representatividade nacional ocorreu na década de 1950, quando foi realizado um levantamento em 11 Estados brasileiros, em escolares de sete a 14 anos de idade: analisadas 440.784 amostras de fezes, encontrou-se uma prevalência de 89,4% de helmintos intestinais para essa faixa etária no Estado de Minas Gerais.15

Os helmintos transmitidos pelo solo, A. lumbricoides, T. trichiura e ancilostomídeos, são considerados um importante questão de Saúde Pública. No presente estudo, essas espécies apresentaram alta frequência: A. lumbricoides, 22,4%; T. trichiura, 17,9%; e ancilostomídeos, 8,0%. A alta frequência de A. lumbricoides pode ser explicada pela viabilidade de seus ovos no solo durante meses ou anos, sob condições adequadas de temperatura e umidade.16 Essas condições foram observadas na localidade onde as condições de saneamento básico são muito precárias. A presença de esgoto a céu aberto e a ausência de instalações sanitárias facilitam também a infecção por este e outros parasitos, além de proverem um ciclo de reinfecção.

Dados recentes da literatura mostram uma frequência mais baixa para A. lumbricoides: 0,6%, 18%, 12,5% e 14,4%, respectivamente, em alguns estudos aqui referidos.14,17-19 Prevalência mais alta (47%) foi encontrada em Caxias do Sul, Rio grande do Sul, em um estudo sobre a variação da prevalência de enteroparasitoses ao longo de 35 anos.20

A frequência de T. trichiura também foi maior do que a encontrada na maioria dos estudos mais recentes: 17,9%.19,21 Está apenas aquém dos resultados alcançados no estudo de séries temporais no Rio Grande do Sul, que encontrou uma prevalência de 36,0%.20 Entre as infecções por protozoários, a mais prevalente foi a G. lamblia (10,6%). As espécies não patogênicas foram ainda mais frequentes: Escherichia nana, 27,6%; e Escherichia coli, 24,4%. Estudos nacionais mostram uma prevalência de 2,5% a 19,6% para E. nana17,19-21 e 20% a 33,2% para E. coli.17-20

A frequência de 36,5% de indivíduos poliparasitados com duas ou mais espécies de parasitos foi considerada alta em relação a outros estudos que apresentaram prevalência de 1,4 a 26,7%.14,18 Essa situação, possivelmente, é favorecida pelas condições de saneamento e higiene encontradas no local.

Existiu associação entre a variável 'faixa etária' e a positividade para o exame parasitológico. Tal associação foi evidenciada pelos valores dos resíduos ajustados das seguintes faixas etárias: seis a 14; e 40 a 59 anos. No caso da primeira faixa etária, observou-se maior prevalência, possivelmente justificada pela maior exposição desses indivíduos ao meio ambiente;22 e na faixa de 40 a 59 anos, menor prevalência por estarem menos expostas por provável defesa imunológica adquirida ao longo dos anos de contato com diversos parasitos.23

Segundo Buschini, a população menor de cinco anos de idade, dada sua baixa mobilidade e maior vulnerabilidade, foi um bom indicador da contaminação local.18 Neste estudo, os indivíduos menores de seis anos tiveram uma prevalência de 54,3%, confirmatória de alta taxa de contaminação.

A presença de um maior número de infecções no sexo feminino, principalmente observada na faixa etária de 25 a 39 anos, pode ser atribuída à maior exposição ao meio favorecedor de infeção parasitária durante o trabalho doméstico com utilização - bastante frequente - de água para limpeza da casa, cozimento dos alimentos, lavagem de utensílios e para a própria ingestão, proveniente da coleção hídrica mais próxima da comunidade analisada: um córrego.17 A maioria dos homens trabalha fora da comunidade e tem menor contato com o meio infectante.

Apesar de a maioria da população receber água encanada, esta não é adequadamente tratada. Isso talvez explique o fato de não ter sido encontrada significância estatística entre a variável 'procedência da água' e a positividade para o exame parasitológico.

Comparando os resultados deste estudo com os de trabalhos anteriores, alguns fatores estiveram associados à maior prevalência para A. lumbricoides e T. Trichiura, como a) a utilização de água diretamente da coleção hídrica ou de torneira, em comparação com aqueles que coavam, ferviam ou filtravam a água,18,24 b) famílias com número maior de moradores (mais de quatro membros)24 e c) moradores de domicílios com menor número de pontos de água.25 Isso indica que o tratamento da água diminui, de alguma maneira, a contaminação por esses parasitos.18 A precariedade dos domicílios com número de pontos de água insuficientes facilita a aquisição de algumas parasitoses.23

Foi observado que moradores de domicílios com menor número de cômodos apresentaram maior positividade para A. lumbricoides e strongyloides stercoralis, especificamente. Nas famílias menores, foi mais frequente a presença de monoparasitismo; e nas famílias maiores, com mais de quatro membros, predominou o poliparasitismo.24

Os resultados deste estudo demonstram as condições precárias de vida de uma comunidade formada por uma população minoritária, cujas condições de saneamento são muito deficientes, onde inexiste serviço público de tratamento da água e as condições de habitabilidade dos domicílios são inadequadas do ponto de vista de higiene e qualidade de vida.

Neste país, condições adequadas de saneamento básico e utilização de medicações de fácil administração para o tratamento das enteroparasitoses, sem dúvida, são fundamentais para todas as comunidades em que se pretende diminuir a prevalência do parasitismo. Não menos importantes são os esforços pela melhoria do acesso ao serviço de saúde e participação da comunidade em projetos de educação em saúde. De acordo com a Constituição Federal de 1988, 'a saúde é um direito de todos'. É dever do Estado, portanto, prover recursos para uma atenção integral à saúde dos cidadãos, mediante a prática de uma medicina não só curativa como também preventiva, de acesso universal e respeito à equidade.

 

Agradecimentos

Aos técnicos da Gerência Regional de Saúde de Juiz de Fora responsáveis pela leitura das lâminas, nosso reconhecimento a seu esforço e dedicação para o bom andamento e consecução dos trabalhos de campo.

À prefeitura municipal de Bias Fortes, pelo apoio à realização deste estudo.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Rua Silva Jardim, 227/202,
Centro, Juiz de Fora-MG, Brasil.
CEP:36015-390
E-mail:isabel.leite@ufjf.edu.br; priscilalima_jf@hotmail.com
Recebido em 28/07/2010
Aprovado em 05/09/2011

 

 

*Estudo parcialmente financiado pelo Projeto FAPEMIG-SUS/2006 (processo no EDT - 3323/06)