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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.20 n.4 Brasília dic. 2011

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742011000400009 

ARTIGO ORIGINAL

 

Características clínico-epidemiológicas de pacientes idosos com aids em hospital de referência, Teresina-PI, 1996 a 2009

 

Clinical and epidemiological characteristics of elderly patients with aids in a reference hospital, Teresina-PI, 1996 to 2009

 

 

Helony Rodrigues da SilvaI; Maria Do Ó Cunha MarreirosI; Thiago Silveira FigueiredoII; Maria do Livramento Fortes FigueiredoIII

IMestranda em Enfermagem, Universidade Federal do Piauí, Teresina-PI, Brasil
IIGraduando em Enfermagem, Universidade Federal do Piauí, Teresina-PI, Brasil
IIIDepartamento de Enfermagem, Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Mulher e Relaçoes de Gênero, Universidade Federal do Piauí, Teresina-PI, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: investigar as características epidemiológicas de pacientes idosos com aids notificados em hospital de referência no município de Teresina, estado do Piauí, Brasil.
METODOLOGIA: foram revisadas as fichas de notificação de idosos com aids, no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde, de 1996 a 2009, em hospital de referência de Teresina-PI.
RESULTADOS: entre os casos notificados (n=69), a maioria era procedente do Piauí (68,1%), com idade entre 60 e 69 anos (88,8%), do sexo masculino (72,4%) e com baixa escolaridade (86,9%); a principal categoria de exposição foi a heterossexual (73,9%) e quase metade dos casos (44,9%) era de residentes em cidades com menos de 50 mil habitantes; as manifestações clínicas mais frequentes observadas foram caquexia, astenia, anemia, diarreia crônica, infecção por fungo e toxoplasmose cerebral; 27,5% dos indivíduos investigados haviam falecido.
CONCLUSÃO: os resultados apontam a aids entre idosos heterossexuais com baixa escolaridade.

Palavras-chave: idoso; aids; epidemiologia.


SUMMARY

OBJECTIVE: to investigate the epidemiological characteristics of elderly patients reported with AIDS in a referral hospital, in the Municipality of Teresina, State of Piauí, Brazil.
METHODOLOGY: review investigation of the compulsory AIDS notification forms of elderly people, in the Information System for Notifiable Diseases (Sinan) of the Brazilian Ministry of Health, from 1996 to 2009, in a referral hospital in Teresina-PI.
RESULTS: among the individuals investigated (n=69), 68.1% were from the State of Piauí, 72.4% were male, and 86.9% had less than eight years of scholarship; 73.9% were infected by heterosexual exposure, and 44.9% were residents in cities with less than 50 thousand inhabitants; the most frequent clinical manifestations were cachexia, asthenia, anemia, chronic diarrhea, yeast infection and cerebral toxoplasmosis; 27.5% of the individuals investigated had died.
CONCLUSION: results suggest heterosexual AIDS among elderly with low education.

Key words: elderly; aids; epidemiology.


 

 

Introdução

O envelhecimento da população no planeta é uma realidade. Estima-se que em 2050 existirão cerca de dois bilhões de pessoas com 60 anos e mais, e que os países em desenvolvimento albergarão a maioria delas. No Brasil, atualmente, existem cerca de 17,6 milhões de idosos. Esse envelhecimento é uma resposta à mudança de alguns indicadores de saúde, tais como a queda da fecundidade e da mortalidade e o aumento da expectativa de vida.1 Esse acelerado envelhecimento populacional, no entanto, passa a ser uma questão preocupante de Saúde Pública, uma situação que certamente desencadeará demandas sociais e assistenciais em breve espaço de tempo e exigirá a implantação e implementação de políticas públicas de assistência, educação e pesquisa, com consequente crescimento da produção de conhecimentos em todas as áreas.1,2

No Brasil, em menos de quatro décadas, passou-se de um panorama de morbimortalidade característico de países de população jovem para um quadro de morbidades complexas e dispendiosas, encontradas geralmente na população de pessoas com 60 anos e mais. Nesta faixa etária, identificam-se pessoas com doenças crônico-degenerativas de grandes diversidades, de longa duração, com demandas assistenciais igualmente diversas e ininterruptas, exigência de medicamentos contínuos, exames periódicos e atenção interdisciplinar envolvendo diferentes setores.3

Como agravante, soma-se a essas doenças crônico-degenerativas a ocorrência de HIV/aids em pessoas idosas, uma realidade em diversos países. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima a infecção de 40 milhões de pessoas no planeta. Deste total, 2.8 milhões de indivíduos têm idade acima de 50 anos, entre eles os idosos. São dados que se projetam de forma crescente, considerando-se a aceleração e ampliação da longevidade mundial.4

No Brasil, a aids tem emergido como um problema de Saúde Pública pelo aumento da circulação do vírus na população geral. Dos casos registrados da doença, 2,1% são de idosos, um perfil de notificação que vem aumentando e tem como forma predominante de infecção a relação sexual. Alguns aspectos são apontados para o aumento dos casos encontrados nessa população: o incremento da notificação de infecção pelo HIV após os 60 anos de idade e o envelhecimento de pessoas que vivem com o vírus. No início da década de 1980, foram notificados 287 idosos. Até junho de 2005, contudo, o total de casos passou para 6.935, demonstrando um acelerado incremento da disseminação desse agravo.1

A problemática do envelhecimento da população brasileira é repleta de agravos sociais, econômicos e sanitários, somados à emergência das doenças sexualmente transmissíveis, incluindo a aids. Esta, por ser uma doença que tem sua transmissão ligada à sexualidade e, por isso, revestida de mitos e preconceitos, apresenta-se como um desafio para os profissionais de saúde, que todavia necessitam ser melhor preparados para o diálogo sobre a saúde sexual com os pacientes.1 Outro aspecto que amplia a problemática da aids refere-se a seu caráter pandêmico e sua letalidade, apesar de a mortalidade ter reduzido muito, inclusive no Brasil.5

No Estado do Piauí, o primeiro caso de aids registrado no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) data do ano de 1986. No que se refere a indivíduos com 60 anos e mais, o primeiro registro ocorreu naquele mesmo ano. Até 2009, o número acumulado de casos de aids entre idosos residentes no Piauí é de 41 registros, sendo que apenas a capital, Teresina, notificou 27 casos.6,7 Esses dados, provavelmente, não representam a realidade da doença devido à subnotificação nessa faixa etária, decorrente de vários fatores, entre os quais se destacam a assistência negligenciada a essa população. A falsa crença da assexualidade entre idosos, presente no imaginário sociocultural leva os profissionais de saúde a não abordarem a saúde sexual dessa clientela e, consequentemente, não investigarem a infecção pelo HIV na população idosa.8

Ainda é escasso o número de pesquisas que abordam pessoas na faixa etária de 60 anos e mais com aids, no Piauí. Nessa perspectiva, o presente estudo tem como objetivo descrever o perfil da população idosa notificada com aids em hospital de referência para a doença no estado do Piauí. Nessa instituição de saúde, são realizadas todas as notificações do agravo na capital, Teresina, o que representa mais de 60,0% dos registros do Sinan no estado.7,6

 

Metodologia

O local do estudo foi o hospital de referência em doenças transmissíveis no Piauí, situado em Teresina-PI, capital do Estado. A cidade conta com uma população estimada em 802.556 habitantes9 e, como pólo de referência em saúde do meio norte do Brasil, atende a clientela do próprio estado e pacientes proveniente de estados vizinhos. O hospital possui equipe multiprofissional no atendimento aos pacientes com aids e segue as diretrizes do Programa Nacional de DST/Aids. Escolheu-se esse serviço de saúde por ser o local onde está centralizado o registro de todas as notificações do Sinan para o agravo na capital do Estado, independentemente da unidade de saúde primária e/ou secundária que tenha diagnosticado a doença.7

Realizou-se um estudo descritivo, cuja população compreendeu os casos de aids entre idosos (≥60 anos) notificados no hospital. Os dados foram coletados no mês de julho de 2009, a partir das fichas de notificação e investigação do Sinan, disponíveis no Núcleo Hospitalar de Epidemiologia do hospital. Optou-se por essa fonte de informação porque o Sinan é o sistema oficial de registro de agravos em saúde no Brasil, acessível aos profissionais de saúde, gestores e pesquisadores,10 adequado para utilização como ferramenta assistencial, gerencial e de pesquisa.

Foram selecionadas as fichas referentes aos casos notificados em idosos no período de janeiro de 1996 a 2 de julho de 2009, excluídas aquelas do período anterior por apresentarem dados ilegíveis. Nessas notificações, foram consideradas as seguintes variáveis: número do registro; data da notificação e do diagnóstico; idade; sexo; raça; escolaridade; procedência; ocupação; provável via de infecção; evidência laboratorial; e manifestações clínicas mais frequentes da doença, segundo os dois critérios de definição de casos de aids, denominados de 'Rio de Janeiro/Caracas' e 'CDC Adaptado'. Considerou-se também o local de tratamento após confirmação do caso e a evolução do caso registrada no Núcleo de Epidemiologia.

Foi criado um banco de dados no programa estatístico Epi InfoTM, versão 6.04b, do Centers for Diseases Control and Prevention dos Estados Unidos da América (CDC/USA), em da OMS, 1996. Os resultados são apresentados na forma de tabelas e um gráfico, com seus respectivos valores absolutos e percentuais.

Considerações éticas

Os aspectos ético-legais foram resguardados, em conformidade com a Resolução n° 196/96, do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde (CNS/MS), uma vez que o estudo levantou informações sobre seres humanos. O projeto de pesquisa recebeu autorização da Comissão de Ética do hospital de referência em doenças transmissíveis no Estado do Piauí, para coleta de dados junto a seu Núcleo de Epidemiologia, bem como parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí (CEP/UFPI), mediante carta de aprovação n° 0094.0.045.00009.13, de 13/07/09.

 

Resultados

No período investigado, foram notificados 69 casos de aids entre pessoas idosas, dos quais 50 (72,5%) eram do sexo masculino e 19 (27,5%) do sexo feminino. Em relação à procedência, 47 (68,1%) eram residentes no estado do Piauí, dos quais 28 (40,6%) na capital, Teresina. Os demais eram provenientes, respectivamente, do vizinho estado do Maranhão, 20 (29,0%), e somente dois idosos (2,9%) eram do Pará. Observou-se elevado percentual (44,9%) de casos notificados entre indivíduos procedentes de cidades com menos de 50 mil habitantes (Tabela 1).

 

 

A idade dos idosos variou de 60 a 82 anos e o maior número de notificações foi no grupo etário entre 60 e 69 anos (88,5%).

No tocante à escolaridade, o percentual de analfabetos somados aos que possuíam o ensino fundamental foi de 86,9%. Apenas 4,3% dos idosos com aids havia cursado mais de oito anos de estudo. Em seis fichas analisadas (8,7%), não foi possível identificar a escolaridade dos indivíduos (Tabela 1).

Segundo a categoria de exposição, 51 (73,9%) eram heterossexuais e cinco (7,2%) homossexuais. Foi identificado um caso (1,4%) de infecção por uso de drogas injetáveis (UDI) (Tabela 1).

Nos anos 1996 e 1997, as notificações foram semelhantes, em número, para ambos os sexos. A partir de 1999, passou-se a observar um crescimento gradativo da doença em pacientes do sexo masculino, com maior número de notificações em 2007. Já 2008 - mesmo que elas não tenham superado o número de homens com aids - foi o ano com o maior crescimento da doença entre as mulheres (Figura 1).

 

 

Entre as ocupações mais frequentes, constam os lavradores, com 15 registros (21,7%), e ocupação do lar, com oito (11,7%). Destaca-se o número de aposentados, com 16 notificações (23,6%), (Tabela 2).

 

 

Quanto à procedência, o número de notificações da doença em cidades com menos de 50 mil habitantes foi de 31 casos, o que equivale a 44,9% dos registros no hospital.

Em relação às manifestações clínicas, de acordo com o primeiro critério de definição de casos de aids, 'Rio de Janeiro-Caracas', as mais frequentes foram a caquexia, presente em 62 idosos (89,8%), seguida de astenia (n=57; 82,6%). Outras manifestações foram observadas, em menores proporções: anemia (n=42; 60,8%), diarreia crônica (n=40; 57,9%) e manifestações fúngicas (n=37; 53,6%).

Quanto às manifestações clínicas segundo o critério 'CDC-adaptado', destacam-se a candidíase, a mais frequente, presente em 11 pacientes (15,9%), seguida de toxoplasmose cerebral em quatro casos (5,7%) e da pneumonia por Pneumocystis carinii, registrada em dois casos (2,8%). Dos 69 casos, 19 idosos evoluíram para óbito e mais de 90,0% dos pacientes deram seguimento ao tratamento, após o diagnóstico, no próprio hospital.

 

Discussão

A aids em idosos vem apresentado uma tendência parcialmente distinta, em relação à estabilização e/ou redução da incidência nos últimos anos, sinalizada em outras faixas etárias.11 A tendência de aumento da doença em idosos registrada no hospital de referência para aids, verificada nesta pesquisa (Figura 1), vem corroborar os números já identificados em estudos estatísticos do Ministério da Saúde1,12 e outros, realizados no Brasil.8,13,14

Nesta investigação, entre as variáveis analisadas, observa-se a relevância da provável categoria de exposição à doença - homo/heterossexual -, o que evidencia uma vida sexual ativa entre os idosos. Neste caso, o agravante é que o sexo, frequentemente, ocorre sem o uso de práticas sexuais seguras.15 Somado a isso, a falsa crença do consciente coletivo da assexualidade nessa faixa etária desencadeia graves consequências, haja vista a via sexual ser a forma que mais contribui para a disseminação do HIV nessa faixa etária.1 Ressalta-se que a infecção pelo ato sexual também se apresenta como o modo de transmissão mais importante em outras faixas etárias.16

A constatação de que os idosos têm vida sexual ativa e que os profissionais de saúde não abordam a prática sexual entre eles foi evidenciada por Brasileiro17 e Olivi.18 Essas autoras sugerem que a falta de investigação da aids nos idosos decorre do fato desses profissionais de saúde considerarem-nos assexuados, negligenciando, a abordagem da sexualidade desses indivíduos. Essas autoras apontam que o retardamento do diagnóstico da aids na população idosa ocorre em função de uma tríade de falsas informações: o idoso não se supõe ou não se imagina com a doença; o profissional de saúde não acredita que o idoso possa estar infectado com o HIV; e, por isso, não é pedido o exame imediatamente, diante dos primeiros sintomas.

O presente estudo chama atenção para o número de notificações da doença em cidades com menos de 50 mil habitantes (Tabela1) quando, até bem pouco tempo, a aids era considerada um agravo típico dos grandes centros urbanos. A consolidação do processo de interiorização da doença foi citada em um estudo exploratório sobre a mortalidade por aids no Brasil.19 Trata-se de um debate que todavia não chegou a um consenso, como demonstra recente artigo científico sobre essa particularidade.20

Entre os números apresentados, a maioria dos idosos era do sexo masculino, o que sinaliza a importância de serem consideradas as questões de gênero nessa problemática. A provável via de exposição heterossexual foi referida na maioria dos casos investigados, enquanto a apresentação da exposição homossexual foi pouco citada, diferenciando-se de estudo realizado no estado do Ceará, que registrou números maiores para a categoria de homo e bissexual.21

Na presente investigação, a categoria bissexual não foi referenciada. Porém, devem-se considerar os fatores socioculturais que, provavelmente, influenciaram para que essa categoria não fosse relatada entre os casos notificados. Declarar-se bissexual significa, muitas vezes, enfrentar-se com os diversos valores reproduzidos pelo senso comum do que seja ser 'homem', onde a bissexualidade ainda é vista como um desvio de normalidade e, portanto, vivida de forma fragmentada, entre a identidade sexual e a identidade de gênero.22

A forma como a sociedade lida com as questões de gênero possui raízes profundas, que tendem a confundir o conceito sobre sexualidade e dificultar sua expressão real, tanto no entendimento pessoal como no convívio coletivo. As escolhas que as pessoas fazem em relação à forma de manifestar-se sexualmente são fortemente influenciadas pelas questões de gênero, uma construção sociocultural com papeis sociais pré-estabelecidos, geralmente em uma abordagem binominal - homem ou mulher -, que desconsidera outras opções.23

A aids trouxe à tona a discussão de preconceitos arraigados na sociedade. Sabe-se que até bem pouco tempo, para as ciências da Saúde, ser homossexual era sofrer de uma patologia, ser doente. Na era da aids, a palavra homoerotismo teve lugar de destaque: nas práticas sexuais realizadas da forma não convencional, como parte da própria construção do masculino, ser o sujeito que penetra o outro é sinônimo de poder ligado à masculinidade, é ser forte, é ser macho.22,24

Além desse aspecto de construção do masculino, emerge o poder do 'Ser Homem' na decisão do uso ou não do preservativo, pois prevalece a ideia de que a esposa deve confiar no marido. Isto aponta para a necessidade de se considerar a importância das questões de gênero na transmissão do HIV.23,24 Fica evidente a importância do trabalho preventivo com ações educativas com ele (o parceiro), no controle da doença.

Entre as ações educativas divulgadas pelo Ministério da Saúde, o uso do preservativo é tido como o principal instrumento na prevenção do HIV/aids mas são inúmeras as dificuldades apontadas pelos homens para seu uso, como por exemplo: alto custo, mudança na cor do pênis, interrupção do "clima" durante a colocação do preservativo, dificuldade em manter a ereção, perda da sensibilidade, além da crença de que a camisinha só é necessária em relações extraconjugais ou com profissionais do sexo.24

Os idosos que viveram uma juventude culturalmente estimulada na manutenção de múltiplas parceiras como sinal de masculinidade, sem o apelo à utilização de preservativo por não incorporar a necessidade de seu uso, colocam inúmeras dificuldades para sua utilização.

Somado a essa dificuldade no manuseio na realidade de relações estáveis, para o homem é muito comprometedor propor o uso do condom; para muitos, esse pedido configura uma declaração da infidelidade entre o casal e pode assumir dimensões dramáticas.24

Além do uso do preservativo, Janssen25 refere que uma estratégia importante na prevenção da infecção pelo HIV é aumentar o número de indivíduos que realizam o teste anti-HIV, pois mais da metade das infecções são transmitidas por pessoas que não conhecem seu status sorológico. Normalmente, ao conhecerem sua condição sorológica para o HIV, muitos procuram medidas para proteger seus parceiros.25 Confirmando o exposto pelo autor, pesquisa realizada nos Estados Unidos da América estimou um milhão de pessoas infectadas, das quais um terço desconhece essa condição.4

Um indicador importante para o aumento das taxas de idosos infectados é o baixo nível de escolaridade. Na presente investigação, apesar de o número final de notificações encontradas não caracterizar uma população, a baixa escolaridade foi predominante entre os casos registrados. Pessoas com menos tempo de estudo tendem a assimilar as informações de forma inadequada e sabe-se que o aumento da doença pode ser maior pela falta de informações tecnicamente fundamentadas.26

A baixa escolaridade também influencia nas opções de ocupação profissional. Baixos salários e uma condição socioeconómica relativamente precária influenciam o acesso a uma maior qualidade na prevenção e na assistência aos idosos com HIV/aids.8

Observou-se, em algumas fichas investigadas, o item sobre anos de estudo com o registro 'Ignorado', sinalizando o pouco cuidado do profissional no momento do preenchimento. Essa lacuna ressalta a importância do investimento em educação permanente para os profissionais de saúde no sentido de valorizarem esse instrumento, imprescindível para o real conhecimento da situação epidemiológica da aids e posterior planejamento das ações de prevenção e controle pelos serviços de saúde.

Em relação às limitações desta investigação, aponta-se que o uso de dados secundários não permite ao pesquisador controlar possíveis erros decorrentes do registro nas fichas do Sinan, além de prováveis subnotificações. Acredita-se, no entanto, que, por ser tratar de dados locais oficiais e de preenchimento obrigatório, seus resultados permitiram alcançar o objetivo proposto: caracterizar os idosos notificados com aids em um hospital de referência para a doença no estado do Piauí.

Estudos complementares a este são necessários, para traçar um perfil epidemiológico do idoso com aids mais completo e abrangente, em todo o Piauí, dada a relevância da questão para o estado, haja vista essa investigação ter se restringido à população idosa notificada em um hospital de referência para a doença.

Outras investigações também são imprescindíveis porque, até o momento atual, a notificação de aids na maior parte do país é baseada em casos da doença, sem considerar o número de pessoas infectadas pelo HIV. Como o período de incubação do vírus é longo, provavelmente, a maioria de idosos notificados no Sinan adquiriu a infecção antes dos 60 anos.

Alerta-se para a necessidade de a rede de saúde considerar a importância da investigação e do diagnóstico da infecção pelo HIV/aids em populações pertencentes a grupos de faixa etária mais elevada.

Espera-se que a divulgação deste estudo estimule a produção de próximas investigações com o objetivo de auxiliar e orientar os profissionais de saúde que prestam atendimento a essa clientela, e contribua para informar os gestores sobre a necessidade de implementar políticas públicas de educação para pessoas com 60 anos e mais, voltadas para uma sexualidade saudável e para a prevenção da aids, contendo a crescente disseminação do HIV nessa faixa etária.

 

Agradecimentos

À equipe do Núcleo Hospitalar de Epidemiologia, pelo acesso aos documentos essenciais para a realização desta pesquisa.

Ao Prof° Márcio Dênis Medeiros Mascarenhas/SVS/MS, SMS/Teresina-Pi, pelas críticas e sugestões.

 

Referências

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 Endereço para correspondência:
Condomínio Jardins São Cristovão,
Bloco B, Apto 204, Santa Isabel,
Teresina-PI, Brasil.
64055-100
E-mail:helonyrs@hotmail.com

Recebido em 06/10/2010
Aprovado em 27/12/2011