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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.20 n.4 Brasília dez. 2011

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742011000400013 

ARTIGO ORIGINAL

 

Caracterização clínica e epidemiológica dos casos confirmados de hantavirose com local provável de infecção no bioma Cerrado Brasileiro, 1996 a 2008

 

Clinical and epidemiological characterization of confirmed cases of hantavirus with suspected Infection site in the biome Brazilian Cerrado, 1996 to 2008

 

 

Marília Lavocat NunesI; Ana Nilce Silveira Maia-ElkhouryI; Daniele Maria PelissariI; Mauro da Rosa ElkhouryII

ICoordenação de Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil
IIFundação Nacional de Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever os aspectos clínicos/epidemiológicos dos casos de hantavirose em áreas do bioma Cerrado Brasileiro entre 1996 e 2008.
METODOLOGIA: estudo descritivo dos casos de hantavirose com Local Provável de Infecção, em município exclusivamente de cerrado; os casos de hantavirose foram provenientes do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde.
RESULTADOS: foram confirmados 320 casos, com letalidade média de 43,8%; Minas Gerais e São Paulo foram os estados que apresentaram os maiores números de casos; os casos ocorreram, predominantemente, em indivíduos do sexo masculino, na faixa etária de 20-29 anos, residentes em área urbana e com atividades em agropecuária; a epidemiologia caracterizou-se pelo contato com roedores e pela infecção no ambiente de trabalho e em área rural/silvestre; os principais sinais/sintomas foram febre, dispneia e cefaleia.
CONCLUSÃO: os achados mostraram-se, em sua maioria, similares aos descritos em outros estudos no Brasil, exceto no que se refere à sazonalidade e à letalidade.

Palavras-chave: hantavirose; epidemiologia descritiva; cerrado.


SUMMARY

OBJECTIVE: to describe the clinical/epidemiological cases of hantavirus in areas of biome Brazilian Cerrado, between 1996 and 2008.
METHODOLOGY: a descriptive study of cases of hantavirus disease with suspected infection site in a city of cerrado exclusively; cases of hantavirus are available by the Information System for Notifiable Diseases (Sinan) of the Brazilian Ministry of Health.
RESULTS: confirmed 320 cases, with a fatality rate averaged 43.8%; States of Minas Gerais and São Paulo showed higher record; cases occurred predominantly in males aged 20-29 years, living in urban areas, and occupied on agricultural activities; epidemiology has been characterized by contact with rodents, and infection in the workplace and in rural areas/wildlife; main signs and symptoms were fever, dyspnea and headache.
CONCLUSION: findings were similar to reported in other studies in Brazil, except those with reference to seasonality and lethality.

Key words: hantavirus; descriptive epidemiology; cerrado.


 

 

Introdução

A hantavirose é uma enfermidade aguda de caráter febril, causada por vírus da família Bunyaviridae, gênero Hantavirus que se apresenta sob duas síndromes distintas: a febre hemorrágica com síndrome renal (FHSR), que é endêmica na Europa e Ásia, e síndrome cardiopulmonar por hantavírus (SCPH), esta restrita às Américas.1 No continente americano, os reservatórios são roedores da subfamília Arvicolinae e Neotominae (América do Norte) e Sigmodontinae (América do Norte, Central e do Sul).2 A subfamília Murinae tem ao menos uma espécie-reservatório no continente americano, cujo hantavírus associado com essa espécie não é considerado, até o momento, patogênico para o ser humano.3

A transmissão da hantavirose, em ambas as síndromes, se dá pela inalação de partículas virais presente nas fezes, urina e saliva de roedores silvestres. Outras formas já foram descritas, porém pouco frequentes: a percutânea, o contato do vírus com as mucosas;4 e a transmissão entre pessoas, registrada na Argentina e Chile e associada à variante Andes.1

O Brasil teve os primeiros registros de hantavirose em novembro de 1993.5 Até 2008, foram confirmados 1.119 casos, sendo que 444 evoluíram para óbito, apresentando uma taxa de letalidade média de 39,1%.6

Os casos registrados no país estão distribuídos em todas as regiões, identificados em três dos seis grandes biomas brasileiros - Cerrado, Mata Atlântica e Floresta Amazônica - e em áreas de transição entre estes biomas. Estudos sobre a distribuição das variantes de hantavírus demonstram que, para cada bioma, há diferentes espécies de reservatórios, que albergam diferentes variantes do vírus e assim estabelecem uma associação-espécie específica, responsável pela manutenção da circulação do vírus em cada bioma.7

No bioma Cerrado, o roedor reservatório e variante viral envolvidos nos casos de hantavirose são o Necromys lasiurus e a variante Araraquara.8 No bioma Mata Atlântica, foram descritos dois reservatórios, e respectivas variantes: o roedor Oligoryzomys nigripes, que alberga a variante Juquitiba; e o roedor Akodon montensis, que alberga a variante Jaborá.8,9 Recentemente, foi identificada na Amazônia, no estado de Rondônia, a variante Rio Mamoré, sequenciada a partir do roedor Oligoryzomys microtis e todavia não identificada em casos humanos.10 Nas áreas de transição entre biomas, foram detectadas três variantes virais e seus respectivos reservatórios: em áreas do estado do Maranhão, os hantavírus Anajatuba e Rio Mearim, cujos reservatórios são roedores das espécies Oligoryzomys fornesi e Holochilus sciureus, respectivamente; em estudos realizados no estado do Mato Grosso, identificou-se o hantavírus Laguna Negra, e seu reservatório, o roedor Calomys callidus.11,12

Como a distribuição das diferentes variantes dos hantavírus e seus respectivos reservatórios está diretamente relacionada à biodiversidade dos biomas brasileiros, faz-se necessário realizar estudos sobre o perfil clínico e epidemiológico dos pacientes acometidos por hantavirose em cada bioma, com vistas a identificar diferenças regionais.

O objetivo do presente estudo foi descrever os aspectos clínicos e epidemiológicos dos pacientes com diagnóstico de hantavirose no período de 1996 a 2008, infectados em municípios cuja vegetação corresponda exclusivamente ao bioma Cerrado. A seleção desse bioma decorreu da ausência de estudos sobre o tema no ambiente, que apresenta o maior número de casos e a maior taxa de letalidade por hantavirose quando comparado aos demais biomas do Brasil.

 

Metodologia

Foi realizado um estudo descritivo retrospectivo dos casos de hantavirose cujo local provável de infecção foi um município do bioma Cerrado brasileiro, presente em 12 unidades da Federação: Distrito Federal; Mato Grosso; Mato Grosso do Sul; Goiás; Minas Gerais; São Paulo; Bahia; Piauí; Maranhão; Pará; Tocantins; e Paraná.

Os dados foram obtidos da ficha de investigação de hantavirose constante do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) no período de 1996 a 2008. Devido à necessidade de aprimorar o sistema e as informações específicas da doença, utilizou-se os dados das três diferentes versões disponíveis: 1996-2000 Sinan-DOS; 2001-2006 Sinan-Windows; e 2007 e 2008 SinanNET. Nesse período, as fichas de investigação também passaram por alterações, como inclusão e exclusão de variáveis, razão porque não foi possível analisar, no conjunto, todas as variáveis ao longo da série histórica. Para algumas, portanto, as análises foram realizadas separadamente.

De início, o banco foi verificado manualmente e foram retiradas as duplicidades e inconsistências. Para a realização das análises, os dados ignorados ou em branco não foram considerados. Foram utilizadas as variáveis demográficas, epidemiológicas, clínicas, laboratoriais, e de tratamento. Para essas três últimas variáveis, as análises foram realizadas conforme disponibilidade nas diferentes versões dos sistemas.

As variáveis foram avaliadas quanto à completitude da informação calculando-se a proporção de campos sem registros (em branco) ou preenchidos como 'ignorado', em relação ao total de casos. Ambas as situações foram classificadas com 'sem informação'.

O estudo analisou o número de casos e não a incidência, uma vez que, para enfermidades que possuem ocorrências raras ou de baixa frequência na população, o número de casos absoluto é o melhor indicado.

Para esta análise, o tempo decorrido entre o inicio de sintomas e a notificação, considerado oportuno por estes autores, foi o período de 24 horas, conforme estabelecido pela Portaria n° 5, de 21 de fevereiro de 2006.

A identificação dos municípios segundo seus biomas foi realizada a partir dos dados da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).13 Neste estudo, foram incluídos os municípios que apresentaram casos de hantavirose e 100,0% de sua extensão geográfica composta exclusivamente de vegetação característica do bioma Cerrado.

As análises foram realizadas pelos softwares Excel, Tabwin, Epi Info versão 3.5 e ArcView.

Considerações éticas

Este estudo foi realizado com dados secundários, coletados e utilizados somente para o que se refere aos objetivos do estudo, com as informações apresentadas de forma coletiva e sem qualquer prejuízo para as pessoas envolvidas. Não foram acessadas informações nominais ou que pudessem identificar cada indivíduo.

 

Resultados

No período de 1996 a 2008, foram confirmados 320 casos de hantavirose, distribuídos em cinco unidades da Federação de abrangência do bioma Cerrado. O número médio foi de 26,6 casos por ano e a taxa de letalidade média, de 43,8% (Figura 1).

 

 

Do total de casos registrados, 49,0% (158/320) aconteceram em Minas Gerais, 21,0% (66/320) em São Paulo, 18,0% (58/320) no Distrito Federal, 10,0% (33/320) em Goiás e 2,0% (5/320) no Mato Grosso.

A extensão geográfica da doença foi limitada a 186 municípios de infecção, o que corresponde a 6,6% (186/2.815) do total de municípios do bioma Cerrado no Brasil (Figura 2).

 

 

Quanto à distribuição temporal, foram confirmados casos em todos os meses do ano, sendo 59,4% (190/320) registrados entre abril e agosto (Figura 3).

 

 

Do total de casos analisados, 76,9% (246/320) foram pessoas do sexo masculino, a faixa etária com maior ocorrência de casos foi a de 20 a 29 anos, com média de 31 e mediana de 34 anos, e o intervalo de idade variou de 9 meses a 72 anos.

Os óbitos ocorreram com maior frequência no sexo masculino (105/140); observou-se maior taxa de letalidade no sexo feminino (47,3%; 35/74), quando comparada à do sexo masculino (42,7%; 105/246). A taxa de letalidade por faixa etária variou de 38,5% (5/13) nos maiores de 60 anos a 53,3% (24/45) no grupo etário de 50 a 59 anos.

Em relação a raça/cor, 61,7% (166/269) dos casos eram brancos; e quanto à zona, 67,0% (204/305) dos pacientes residiam em área urbana.

Sobre sua escolaridade, 23,7% (59/248) tinham entre a 5a série e ensino médio completo. Vale destacar que em 22,5% (72/320) dessa variável, a informação foi ignorada ou estava em branco.

No que se refere ao perfil dos pacientes em relação à ocupação profissional, observou-se que aproximadamente 38,9% (95/244) exerciam atividades relacionadas à agropecuária.

Os principais sinais e sintomas verificados nos pacientes com hantavirose, comuns às diferentes versões do Sinan, foram: febre, 95,6% (306/320); dispneia, 86,6% (271/313); e cefaleia, 68,7% (209/304) (Figura 4).

 

 

Observou-se que nas manifestações clínicas disponíveis na versão SinanNET, que correspondem às análises dos casos de 2007 e 2008, 79,5% (58/73) dos pacientes apresentaram tosse seca e mialgia 75,0% (54/72).

Em relação aos achados laboratoriais comuns aos casos, a trombocitopenia foi identificada em 70,5% (191/271) dos pacientes; e hematócrito >50,0% esteve presente em 63,4% (173/273) dos indivíduos.

Das informações disponíveis em 258 casos dos 320 confirmados, o tempo médio transcorrido entre o início de sintomas e o primeiro atendimento foi de 2,7 dias, com mediana de dois dias. Em 95,6% (246/258) dos pacientes, o primeiro atendimento ocorreu em até seis dias após o início dos sintomas.

Dos casos com informação sobre a necessidade de assistência hospitalar, 97,8% (305/312) foram internados. Desses, a data de internação estava disponível em 98,0% (299/305) dos casos, sendo possível verificar que o tempo transcorrido entre o início dos sintomas e a data de internação foi de 3,6 dias, com mediana de três dias. Em 94,6% (283/299) desses pacientes, a internação ocorreu até o 7° dia após os primeiros sintomas.

Em apenas 46,2% (141/305) dos pacientes internados foi possível obter informações sobre o período entre o início de sintomas e a alta hospitalar, que apresentou média de 13,1 dias (0 a 155 dias) e mediana de dez dias.

Para 133 pacientes com a data de óbito preenchida, o tempo médio de evolução entre o início de sintomas e o óbito foi de cinco dias, mediana de quatro e moda de três dias. Em relação ao intervalo entre a internação e o óbito, a média foi de 1,8 dias e a mediana de 0 dia. Em 95,5% (127/133), os óbitos ocorreram em até sete dias após a admissão hospitalar.

Dos 180 pacientes que evoluíram para cura, a informação sobre a data da alta estava disponível em 46,1% (83/180). O tempo médio de internação dos pacientes que receberam alta por cura foi de 8,8 dias, com mediana de sete dias. Aproximadamente 90,4% dos pacientes tiveram alta até o 14° dia.

Em relação ao tratamento, necessitaram de assistência respiratória mecânica 49,4% (116/235) dos casos; e no que se refere ao suporte terapêutico dos pacientes internados com SCPH (informação disponível nos anos de 2007 e 2008), 77,2% dos casos receberam antibioticoterapia e a utilização de drogas vasoativas foi observada em 39,7% (25/63) dos casos.

Dos 320 casos de hantavirose confirmados nesse período, 93,8% (300/320) foram por critério laboratorial, 1,6% (5/320) por critério clínico-epidemiológico; e em 4,6% (15/320) essa variável não se encontrava preenchida, embora, quando verificada a classificação final, estes casos apresentassem resultados confirmados para hantavirose.

Entre as principais atividades e exposições de risco determinadas pela investigação epidemiológica, 38,1% (122/320) estavam associadas ao contato com roedores e 36,3% (116/320) à limpeza de edificações como paióis, celeiros, casas abandonadas ou fechadas por qualquer tempo.

Quanto às características do LPI, 75,3% (213/320) dos pacientes infectaram-se em área rural ou silvestre e 45,7% (121/320) em atividades laborais.

O prazo médio decorrido entre a data de início de sintomas e a notificaçao foi de 8,6 dias (0-291 dias), sendo a mediana de 4 dias. Sobre as informações entre o primeiro atendimento e a notificação, a média foi de 5,6 dias (0 a 286 dias), sendo a mediana de 2 dias. Do total de casos, 42,4% foram notificados em até 24 horas após o primeiro atendimento.

Em relação à investigação epidemiológica, 84,3% (270/320) dos casos foram investigados no dia 0, ou seja, na mesma data da notificação, e 95,0% (304/320) tiveram a investigação iniciada até o quinto dia após a notificação. Em média, a investigação foi realizada em 1,8 dia após a notificação (mediana de 0 dia). O intervalo de tempo transcorrido entre a notificação e a investigação variou de 0 a 151 dias.

 

Discussão

Os primeiros registros de hantavirose no Brasil datam de 1993, no Estado de São Paulo. A detecção de casos na região do Cerrado, entretanto, acontece desde 1996. No período de análise do estudo, verificou-se que 28,6% (320/1.119) dos casos ocorreram em municípios que compõem o bioma Cerrado brasileiro e correspondem a 54,0% (186/343) dos municípios com transmissão de hantavirose no país. Apesar de os estados de Mato Grosso do Sul e Tocantins contarem com áreas extensas desse bioma, não apresentaram registros de casos até o momento. Em Mato Grosso do Sul, porém, há evidências de circulação do vírus: em 2004, investigação eco-epidemiológica realizada pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) identificou um roedor-reservatório infectado e há registro de que pelo menos uma pessoa nativa, sem histórico de deslocamento para fora do estado, apresentou anticorpos da classe IgG reagentes para hantavírus. Em estudo realizado por Serra,14 também se identificou a circulação de hantavírus entre indígenas do estado.

A partir de 2000, observou-se um aumento no número de casos na área do Cerrado, com destaque para 2004, quando foi registrada a maior frequência de casos em função do surto ocorrido no Distrito Federal. A partir desse ano, observou-se uma redução de casos, embora a letalidade tenha-se mantido em torno dos 45,0%, o que demonstra a gravidade dessa enfermidade e a necessidade de implementar ações de vigilância e assistência, visando à detecção precoce do maior número de casos. Figueiredo e colaboradores15 sugerem que a letalidade em pacientes de hantavirose pode estar relacionada às variantes de hantavírus que apresentam diferentes tipos de virulência. Nesse mesmo estudo, os autores demonstraram que a letalidade de hantavirose no Planalto Central foi maior quando comparada à letalidade dos casos da região Sul (p=0,0051). A letalidade média no bioma Cerrado foi maior quando comparada à letalidade média no país (39,6%) e na Mata Atlântica (32,4%).

No que se refere à distribuição temporal, observou-se, na ocorrência mensal de casos, concentração entre os meses de abril a agosto, que correspondem ao período de seca, quando há maior densidade populacional de roedores dada a disponibilidade de alimentos.7 Essa concentração de casos de hantavirose no Cerrado difere da observada no bioma Mata Atlântica, onde os picos de registros ocorreram entre os meses de setembro e dezembro.7,15-17

O perfil dos pacientes foi semelhante aos descritos em outros estudos realizados no Brasil e em países das Américas, em que o sexo masculino e os adultos jovens foram os mais acometidos.18-21 Essas informações, associadas à ocupação dos pacientes, o local e o ambiente de infecção reforçam os resultados descritos em estudos anteriores sobre o perfil dos pacientes no Brasil, onde a hantavirose tem se mostrado associada às atividades relacionadas ao trabalho.13-15 Vale destacar que, embora a raça branca apresente maior proporção de casos, ela não está especificamente associada à doença.

Apesar da ocorrência de apenas 23,0% (74/320) dos casos de hantavirose no sexo feminino, a letalidade para esse sexo foi maior quando comparada à dos cacos do sexo masculino. Elkhoury20 encontrou resultados semelhantes quando analisou os casos de hantavirose no Brasil, no período de 1993 a 2006. Diante desses achados e das situações/exposições de risco dos pacientes em contato com roedores20 e/ou dedicados a atividades de limpeza, pode-se inferir que a mulher, por realizar atividades domésticas como varredura de ambientes considerados de risco, está exposta a uma maior concentração de carga viral, com possibilidade de agravamento do quadro clínico.

Em relação aos sinais e sintomas registrados neste estudo, observou-se que a febre tem grande importância na detecção de casos, pois foi encontrada em 95,6% deles. Este resultado é semelhante ao obtido por Elkhoury e Limongi e colaboradores, que revelaram a presença de febre em 95,3% e em 100,0% dos casos, respectivamente.19,20 Estudo realizado no bioma Mata Atlântica, no entanto, constatou registro de febre em 78,0% dos casos,10 o que difere dos achados deste estudo.

Apesar de a mialgia ser um dos sinais clínicos para a identificação de suspeitos, conforme definição de casos normatizada pela vigilância da hantavirose no Brasil, não foi possível mensurá-la no período de análise, de 1996 até 2006, pois a variável era de preenchimento "aberto". Chama a atenção que, a partir de 2007, quando a ficha de investigação de hantavirose foi reestruturada, esse sintoma passou a ter importância clínica, registrado em 75,0% dos casos.

No presente estudo, 97,8% dos pacientes necessitaram de assistência hospitalar. O tempo médio entre o início de sintomas e o primeiro atendimento foi de 2,7 dias; e entre o início de sintomas e a internação, 3,6 dias. Apesar de o paciente procurar assistência precocemente, 70,0% dos óbitos ocorreram até o 5° dia de doença, o que pode estar associado à rápida evolução clínica, da fase prodrômica para a fase cardiopulmonar. Ademais, considerando-se que 97,8% dos pacientes foram hospitalizados, e devido à gravidade da doença e aos resultados observados, infere-se que o sistema de vigilância da hantavirose é deficiente para a detecção de formas clínicas leves ou inespecíficas, quer pela falta de informação da população e de profissionais de saúde sobre a doença, quer pelo próprio acesso do usuário a serviços assistenciais.

A hantavirose é um agravo de notificação imediata. Sua investigação deve ser realizada em até 48 horas, conforme descrito na Portaria n° 5/2006.22 Não obstante, o tempo transcorrido entre a notificação e o primeiro atendimento foi, em média, de 8,6 dias, e entre a notificação e investigação dos casos, em média, de 2 dias - em um intervalo de registro de 0-151 dias.

Entre as limitações deste estudo, pode-se citar as alterações do sistema de informação - Sinan - e da ficha de investigação, o número de variáveis em branco ou 'ignorada', as limitações inerentes a uma análise de dados secundários, especialmente quanto à qualidade da informação, e ainda, o não sequenciamento da variante de hantavírus em todos os pacientes acometidos pela doença na região do Cerrado, o que impossibilitou análises entre manifestações clínicas e letalidade com a espécie de hantavírus circulante.

Apesar das limitações encontradas, nos últimos anos, tem-se observado uma melhora gradativa, tênue, no sistema de vigilância epidemiológica da hantavirose. É mister adotar várias medidas visando à melhoria dos componentes e características desse sistema, entre eles: fluxo de informação da notificação compulsória imediata, dos serviços assistenciais para o serviço local de vigilância epidemiológica; qualidade da investigação; disponibilidade de metodologias diagnósticas que permitam identificar as variantes associadas à doença; comunicação em saúde; capacitação de profissionais das áreas de vigilância epidemiológica e assistencial; e monitoramento da qualidade das informações coletadas e disponibilizadas.

Estudos da hantavirose e seu comportamento epidemiológico nos demais biomas brasileiros onde esse agravo ocorre, sob a forma de casos isolados ou de endemia, devem ser alvo de nossa atenção imediata. A análise comparativa entre os resultados permitirá ampliar e aprofundar o conhecimento da hantavirose no Brasil.

Não obstante, as atividades de informação e educação para a população sob risco devem ser contínuas e permanentes, respeitadas as identidades da epidemiologia da hantavirose em cada área. A realização de estudos eco-epidemiológicos sobre as áreas consideradas - epidemiologicamente - 'silenciosas' permitirão conhecer e definir as características e a extensão geográfica real das áreas de risco para a hantavirose no Brasil.

 

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Endereço para correspondência:
Coordenação de Vigilância de Doenças
Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses
(COVEV/CGDT/DEVEP/SVS/MS), SCS, Quadra 4,
Bloco A, Edifício Principal, 2° andar, Asa Sul, Brasília-DF.
CEP:70304-000
E-mail:marilia.lavocat@saude.gov.br; marilia.lavocat@gmail.com

Recebido em 19/04/2010
Aprovado em 15/12/2011