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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.20 n.4 Brasília dez. 2011

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742011000400014 

ARTIGO ORIGINAL

 

A Vigilância da fluoretação de águas nas capitais brasileiras

 

Water fluoridation surveillance in brazilian capitals

 

 

Kátia CesaI; Claídes AbeggI; Denise AertsII

IFaculdade de Odontologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil
IIPrograma de Pós Graduação em Saúde Coletiva, Universidade Luterana do Brasil, Canoas-RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: estudar a vigilância do fluoreto nas águas de abastecimento público nas capitais brasileiras, em 2005.
METODOLOGIA: os dados foram coletados por meio de questionário preenchido pelas coordenações locais do Programa de Vigilância em Saúde Ambiental relacionada à Qualidade da Água para Consumo Humano (Vigiagua) nas secretarias municipais de saúde, e da base de dados do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua) do Ministério da Saúde; foram analisados 1.911 registros do parâmetro fluoreto.
RESULTADOS: em 2005, 17 capitais brasileiras (62,9%) fluoretavam as águas de abastecimento público e, dessas, apenas cinco (29,4%) realizaram as etapas de coleta, análise e divulgação do parâmetro fluoreto; o maior índice de adequação dos teores foi em Porto Alegre-RS (80,0%) e o menor em Aracaju-SE (28,5%).
CONCLUSÃO: embora seja a fluoretação de águas a principal política pública de prevenção de cáries no país, na maior parte das capitais brasileiras, os níveis de fluoreto nas águas de abastecimento não foram monitorados pelo Vigiágua em 2005; evidencia-se a necessidade de um maior compromisso intersetorial para a qualificação da fluoretação de águas no país.

Palavras-chave: fluoretação de águas; qualidade da água; vigilância; saúde ambiental.


SUMMARY

OBJECTIVE: to study the fluoride surveillance in public water supplies in Brazilian capitals, in 2005.
METHODOLOGY: data was collected through a questionnaire completed by the local coordinations of the Surveillance Program on Environmental Health related with Quality of Water for Human Consumption (Vigiagua) in Municipal Health Secretariats, and from database of the Surveillance Information System of Quality of Water for Human Consumption (Sisagua), of the Brazilian Ministry of Health; 1,911 fluoride records were evaluated.
RESULTS: in 2005, 17 Brazilian capitals (62.9%) fluoridated their public water supply; of those, only five (29.4%) carried out the steps of collection, analysis, andpublishing of fluoride parameter; the highest rate of appropriateness of fluoride levels was found in Porto Alegre-RS (80.0%), and the lowest in Aracaju-SE (28.5%).
CONCLUSION: water fluoridation is the main public policy for prevention of caries in Brazil; even though, in most Brazilian capitals, levels of fluoride in water supplies were not monitored by Vigiagua in 2005; this shows the need of a greater intersectoral commitment to improve water fluoridation in the country.

Key words: water fluoride; water quality; surveillance; environmental health.


 

 

Introdução

No Brasil, a Vigilância em Saúde vem adquirindo um nível de especificidade que lhe confere importante papel, tanto na articulação de ações de promoção e proteção da saúde como na orientação de ações voltadas para o controle de eventos adversos à saúde.1

A Lei n° 8.080/1990, ao ampliar o conceito de saúde, passou a atribuir ao Sistema Único de Saúde (SUS) a responsabilidade pela execução das ações de vigilância em uma perspectiva mais abrangente, incorporando os condicionantes socioambientais como determinantes da saúde das populações.2 A integração entre o monitoramento de fatores ambientais que possam oferecer riscos à saúde e de agravos associados a esses fatores ambientais representa a essência das ações da Vigilância em Saúde Ambiental.3

O Programa de Vigilância em Saúde Ambiental relacionada à Qualidade da Água para Consumo Humano - Vigiagua -, integrante do Subsistema Nacional de Vigilância Ambiental em Saúde, foi implantado no ano 2000.4 A partir de então, a fluoretação de águas, principal estratégia da prevenção de cáries dentárias no país, encontra um espaço institucional com legitimidade para garantir o cumprimento dos padrões estabelecidos na legislação vigente. Como apoio a esse programa, foi criado o Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano - Sisagua -, que inclui campos específicos para o registro das análises do fluoreto.5 No Brasil, estima-se que cerca de 100 milhões de pessoas, 53,0% da população, são abastecidas por sistemas públicos com fluoretação de águas,6,7 medida obrigatória desde 1974, por meio da Lei MS n° 6.050/1974.8

Atualmente, o padrão de potabilidade da água de consumo humano é estabelecido pela Portaria MS n° 518/2004, que determina o valor máximo permitido (VMP) de 1,5 partes por milhão (ppm) para o fluoreto.9 Porém, na maior parte do país, tendo em vista as médias de temperaturas máximas anuais, a concentração preconizada para maximizar a prevenção de cárie e limitar a ocorrência de fluorose do esmalte situa-se entre 0,6 e 0,8 ppm. A rigorosa observância desse limite deve-se ao fato de o fluoreto ser encontrado, além de nas águas de abastecimento público, em vários produtos, como águas minerais, chás, medicamentos, cremes dentais, suplementos nutricionais, sendo seu monitoramento de grande interesse para a vigilância em saúde.10,11 Porém, vários estudos alertam para a grande oscilação dos níveis de fluoreto nas águas de abastecimento, reforçando a necessidade da implementação de sistemas de vigilância.12-15

Novos sistemas de fluoretação de águas estão sendo implantados, incentivados pela Política de Saúde Bucal do Ministério da Saúde, 'Brasil Sorridente'. De 2003 a 2007, foram implantados 206 novos sistemas em oito estados brasileiros, beneficiando, aproximadamente, 2,4 milhões de pessoas.7

A ampliação da cobertura da fluoretação de águas no país reforça a necessidade do monitoramento desse parâmetro por parte das Secretarias Municipais de Saúde, responsáveis pela vigilância da água para consumo humano. O potencial dessa política pública tem sido pouco destacado, a despeito de sua importância para a adequação do processo de fluoretação. Nesse sentido, o presente estudo tem como objetivo investigar a situação da vigilância dos teores de fluoreto nas capitais do Brasil no ano de 2005.

 

Metodologia

Trata-se de um estudo descritivo de vigilância da qualidade da água para consumo humano nas capitais brasileiras. A escolha desse universo deve-se ao fato de o Programa Vigiagua estar implantado na totalidade dessas capitais.

O estudo utilizou duas fontes de dados referentes ao período de janeiro a dezembro de 2005. A primeira foi um questionário autoaplicável, do tipo estruturado, desenvolvido especialmente para a pesquisa e pré-testado em um estudo piloto. O questionário previa a coleta de dados referentes a: fluoretação de águas na capital; vigilância do fluoreto como rotina; consolidação dos resultados; emissão de relatórios; divulgação das informações; dificuldades para operacionalizar a vigilância do fluoreto na água de abastecimento; tempo de implantação do Programa Vigiagua; número e frequência das coletas de amostras para esse parâmetro; e base de dados utilizada.

Após contato telefônico informando o objetivo da pesquisa, os questionários foram enviados, via postal, às Secretarias Municipais de Saúde - Programa Vigiagua - das 27 capitais brasileiras. A primeira postagem data de 2006: juntamente com os questionários, foram enviados envelopes selados e endereçados, para retorno. No prazo de dez meses, todos os questionários haviam retornado à coordenação do estudo, preenchidos pelos responsáveis pela Vigilância da Qualidade da Água no município.

A segunda fonte de dados foi o Sisagua, disponibilizado online e alimentado pelas secretarias municipais de saúde, com acesso autorizado para a pesquisa no Sisagua. Foram obtidos o número de amostras e os teores de fluoreto encontrados nas amostras, em ppm. Os teores foram classificados em intervalos, com base na legislação específica:15 ausente (teor <0,1 ppm); abaixo (teor <0,6 ppm); adequado (teor entre 0,6 e 0,8 ppm); e acima (teor >0,8 ppm). Por se tratar de um estudo descritivo, os dados foram apresentados segundo suas frequências absolutas e relativas, nas variáveis de interesse.

Considerações éticas

Este projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e aprovado sob o n° 25/06. Termo de Consentimento Informado foi assinado pelos profissionais que participaram do estudo.

 

Resultados

Os dados obtidos a partir dos questionários demonstram que, em 2005, 17 (63,0%) capitais brasileiras fluoretaram as águas de abastecimento público e 10 (37,0%) não o fizeram. Destas últimas, nove localizavam-se no Norte e Nordeste do país. No Sul e no Sudeste, a fluoretação de águas foi realizada em todas as capitais (Figura 1). Cabe observar que o Programa Vigiagua estava implantado nas 27 capitais brasileiras.

 

 

Em relação às etapas de um sistema de vigilância, nove das 17 capitais com fluoretação de águas afirmaram monitorar o fluoreto como rotina integrante do Vigiagua. Porém, Rio de Janeiro-RJ e Brasília-DF faziam-no a partir dos relatórios recebidos das companhias de abastecimento, ou seja, sem realizar a coleta de amostras. Nas sete equipes que rotineiramente coletavam amostras para análise do fluoreto em seus municípios, a frequência mensal do número de amostras variou de 25, em Aracaju-SE, a 67, em Curitiba-PR.

Seis capitais sistematizaram, em meio eletrônico, os resultados referentes ao fluoreto: Aracaju-SE, Fortaleza-CE, Vitória-ES, São Paulo-SP, Curitiba-PR e Porto Alegre-RS. Dessas, apenas em São Paulo-SP não houve a alimentação do Sisagua no período do estudo, pois o município paulistano utiliza um banco de dados próprio para a sistematização das informações da qualidade da água.

Cinco capitais afirmaram emitir relatórios e divulgá-los para a população e outras instituições. Entre as instituições citadas, encontram-se o Conselho Municipal de Saúde (Porto Alegre-RS; Curitiba-PR), a Coordenação de Saúde Bucal da Secretaria Municipal de Saúde (Vitória-ES; Porto Alegre-RS), o Ministério da Saúde (São Paulo-SP; Porto Alegre-RS), a Vigilância Estadual (São Paulo-SP; Porto Alegre-RS), o Sindicato dos Odontólogos (Aracaju-SE) e Faculdades de Odontologia, Assembleia Legislativa e Câmara de Vereadores (Porto Alegre-RS).

Em Fortaleza-CE, embora tenham sido cumpridas as etapas de um sistema de vigilância - coleta, análise e sistematização dos resultados -, não houve a emissão de relatórios e divulgação dos resultados.

Das 17 capitais que informaram realizar a fluoretação de águas, cinco (29,0%) realizaram, no período do estudo, todas as etapas que constituem um sistema de vigilância: Curitiba-PR; Porto Alegre-RS; Aracaju-SE; Vitória-ES; e São Paulo-SP. Dificuldades relacionadas à vigilância do parâmetro fluoreto foram referidas pelas outras 12 capitais. Entre elas, a ausência de infraestrutura (veículo, recursos humanos, computadores) e de laboratório ou equipamentos para análise foram as principais razões apontadas.

O número de amostras preconizadas pelo plano de amostragem do Vigiagua, informadas no questionário e registradas no Sisagua, é apresentado na Tabela 1. Em Salvador-BA, as 256 amostras informadas corresponderam exclusivamente ao período de janeiro a julho de 2005, razão porque a média anual não foi calculada. Em Aracaju-SE e Fortaleza-CE, o número de amostras registradas no Sisagua foi inferior a 50,0% do número de amostras informadas.

 

 

Na base de dados Sisagua foram encontrados 6.058 registros referentes a análises físico-químicas e bacteriológicas em amostras de água coletadas pelas equipes de vigilância das 17 capitais com fluoretação. Dessas, apenas em Porto Alegre-RS, Curitiba-PR, Vitória-ES, Aracaju-SE e Fortaleza-CE houve o registro dos valores referentes ao parâmetro fluoreto nas amostras, totalizando 1.911 registros válidos para a análise de sua adequação. A capital que apresentou o maior índice de adequação nas amostras foi Porto Alegre-RS, com 80,0% dos teores na faixa recomendada; o menor índice foi de 28,5%, em Aracaju-SE (Figura 2). Nas cidades de Curitiba-PR, Aracaju-SE e Fortaleza-CE, o número total de amostras inadequadas superou o de adequadas,16 sendo encontrado o maior índice de teores, acima de 0,8 ppm, em Fortaleza-CE (34,8%) e, em Aracaju-SE, abaixo de 0,6 ppm (65,0%).

 

 

Discussão

O Programa de Vigilância em Saúde Ambiental relacionado à Qualidade da Água para Consumo Humano já foi implantado em grande parte dos municípios brasileiros.17 O Vigiagua traz uma nova dinâmica para as ações de coleta, sistematização e análise dos dados referentes à fluoretação de águas no país. As informações geradas por esse sistema possibilitam a identificação de áreas onde são necessários esforços para a promoção da saúde e prevenção de agravos, além de contribuir para o aumento da percepção pública a respeito da importância dessa medida na prevenção de cáries.18

No Brasil, essas informações podem colaborar para o mapeamento das áreas de risco para fluorose dentária, identificando grupos populacionais expostos, sendo uma responsabilidade intersetorial, pois envolve a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) e a Coordenação Nacional de Saúde Bucal, do Ministério da Saúde. O monitoramento contínuo, a análise regular dos níveis de fluoreto encontrados na água de abastecimento e a permanente avaliação do impacto epidemiológico dessa medida devem orientar as estratégias adotadas pelos programas de saúde bucal e pelas equipes responsáveis pela vigilância da qualidade da água nos municípios.

Em Cuba, o Sistema Nacional de Vigilância da Fluoretação trouxe grande contribuição na tomada de decisões quanto às fontes de abastecimento naturalmente fluoretadas e com teores superiores a 1,5 ppm.19

Em 2005, a fluoretação de águas não foi realizada em 37,0% das capitais brasileiras, estando a sua maioria concentrada nas macrorregiões Norte e Nordeste. O levantamento nacional das condições de saúde bucal constatou que até os 12 anos a proporção de dentes cariados foi significativamente maior nessas regiões.20 Seguramente, além da ausência de fluoretação de águas, outros indicadores sociodemográficos contribuem para a ocorrência desse resultado. Entretanto, existem dados convincentes sugerindo que para essas populações poderia haver grandes benefícios com a implantação desse método coletivo de acesso ao fluoreto.21,22

A baixa cobertura da fluoretação de águas nessas regiões brasileiras é um exemplo concreto de omissão do poder público local, tendo em vista a obrigatoriedade dessa medida, regulamentada por legislação federal desde 1974. Burt, ao revisar as evidências de estudos nos Estados Unidos da América (EUA), Grã-Bretanha, Austrália e Nova Zelândia, indicou que a fluoretação de águas não somente reduz a alta prevalência e severidade de cáries como também as disparidades entre grupos socioeconómicos.23

Nas 17 cidades com fluoretação de águas, foram avaliadas as quatro etapas fundamentais de um sistema de vigilância: coleta de amostras, sistematização, análise dos resultados e indispensável divulgação para quem necessita conhecê-los.24

A coleta de água, etapa imprescindível para a confiabilidade dos resultados do sistema, foi realizada em apenas sete capitais, sendo observada grande variação no número de amostras para análise do fluoreto.

Colosimo, em estudo realizado para determinação estatística do número de amostras para a vigilância da qualidade da água de consumo humano, verificou que entre todos os parâmetros analisados o fluoreto foi o que apresentou a maior instabilidade de seus teores na série histórica estudada.25 Em função disso, o Plano Nacional de Amostragem do Vigiagua determinou um número mínimo de amostras mensais que varia desde cinco amostras/mês para municípios com menos de 50 mil habitantes até 68 amostras/mês para municípios com mais de 10 milhões de habitantes. Conforme a Tabela 1, com exceção de Fortaleza-CE e São Paulo-SP, todas as capitais com informações no Sisagua respeitaram a determinação do número de amostras mínimas proposto pelo Plano Nacional para o fluoreto.26

Em Salvador-BA não foi respeitada a distribuição uniforme das coletas de amostras ao longo de 2005, como preconiza os princípios de amostragem da Portaria MS no 518/2004.9 Esse fato compromete o diagnóstico e, consequentemente, a avaliação do risco e efetividade da medida, impedindo o dinamismo e a agilidade necessária para a execução de um sistema de vigilância. Castro e Câmara alertam para a necessidade do monitoramento do fluoreto nas águas de abastecimento público em Salvador, já que, com base em dados secundários, foi demonstrada uma grande inadequação desses teores.27 Em Aracaju-SE e Fortaleza-CE, menos de 50,0% do total de amostras coletadas foram registradas no Sisagua. Possivelmente, esse resultado está associado a problemas na infraestrutura laboratorial, uma vez que essa foi a dificuldade mais citada pelos gestores do Vigiagua na operacionalização da vigilância dos teores de fluoreto nas águas.

O presente estudo encontrou a utilização de dados provenientes dos relatórios enviados pelas companhias de abastecimento de água como única fonte de análise para a vigilância, em Brasflia-DF e no Rio de Janeiro-RJ. De acordo com diversas pesquisas realizadas no país, as informações repassadas pelas companhias são consideradas pouco confiáveis - não fidedignas -, tornando imprecisas as análises realizadas.12,14,28-30

O Sisagua, ao consolidar informações para avaliação da qualidade da água, desempenha papel fundamental para a vigilância epidemiológica da cárie dentária e fluorose. Cabe destacar que, sobre o total de amostras registradas no Sisagua, o fluoreto foi analisado em apenas 31,0% delas, referentes a cinco capitais brasileiras. Faz-se necessária uma participação mais ativa dos diferentes atores envolvidos na vigilância da qualidade da água, para a efetiva utilização dessa base de dados na tomada de decisão com relação à inadequação dos teores de fluoreto, amplamente relatadas na literatura.28-32

Quanto à etapa de divulgação dos teores encontrados, na maioria das capitais estudadas não houve o intercâmbio de informações entre o Programa Vigiagua e as diferentes instituições com interesse nessa medida, uma vez que os dados não foram repassados às Coordenações de Saúde Bucal, Conselhos de Saúde ou universidades. As equipes que realizam a vigilância da qualidade da água têm a responsabilidade de instrumentalizar as instâncias de gestão do SUS com dados indispensáveis para a definição de estratégias, para assegurar o benefício da fluoretação e prevenir a ocorrência de fluorose dentária.

Nos EUA, o Sistema de Informações de Fluoretação de Águas, do Center for Disease Control and Prevention (CDC), disponibiliza relatórios online para os estados componentes do sistema e publica dados municipais com o objetivo de facilitar o conhecimento público sobre a fluoretação de água, em um esforço para promover os ajustes devidos.18 No Brasil, avanço nesse sentido constitui o Decreto Presidencial n° 5.440/2005, ao instituir mecanismos e instrumentos que favorecem a divulgação de informações sobre a qualidade da água para o consumidor, tanto nas contas mensais como em relatórios anuais, estimulando o controle social da medida.33

A possibilidade da ocorrência de fluorose dentária pela utilização difusa de produtos e soluções fluoretadas reforça a necessidade da divulgação desses dados pela vigilância, assim como de uma ampla comunicação interinstitucional.34

Nos questionários, foi frequente a referência a dificuldades para a operacionalização da vigilância do fluoreto nas águas, sendo as ausências de infraestrutura e de suporte laboratorial os problemas mais citados. Cabe referir que, em 1998, o Projeto Vigisus foi implantado pelo Ministério da Saúde visando à estruturação e fortalecimento do Sistema Nacional de Vigilância em Saúde no país. Esse projeto garantiu o repasse de recursos para ações de vigilância em saúde ambiental, incluindo a ampliação da capacidade instalada de laboratórios e, com isso, o fortalecimento da vigilância da qualidade da água.35 Porém, a aplicação de recursos do Ministério da Saúde para viabilizar as ações de vigilância continua sendo um enorme desafio, tendo em vista a falta de capacidade e o desinteresse de muitos gestores na utilização dos mesmos.1

Schneider e colaboradores afirmam que as dificuldades na implementação da vigilância do fluoreto estão associadas a conflitos de ordem jurídica, técnica e política, dificultando o cumprimento dos mecanismos legais para a execução da fluoretação de águas nos níveis adequados à legislação específica.14 Os conflitos jurídicos ocorrem por essa ser uma medida regulamentada por Lei federal, estando os infratores sujeitos às penalidades legais pelo seu descumprimento. Já na esfera política e técnica, os conflitos acontecem dada a pouca importância concedida pela agenda do poder público a essa medida coletiva, não obstante a comprovada redução da incidência de cáries dentárias na população. Embora o fluoreto seja um indicador utilizado em um programa nacional de vigilância da qualidade da água, implantado em todas as capitais estudadas, não houve a análise desse parâmetro em 71,0% dessas capitais. Desde 1989, é mister salientar, vem sendo apontada a constante oscilação dos níveis de fluoreto e a necessidade de vigilância sobre a fluoretação de águas no país.11,12,14,25,36

Em função disso, é necessário que as instituições odontológicas e a sociedade exerçam seu papel no controle dessa medida, no intuito de que as secretarias municipais de saúde realizem o monitoramento do fluoreto como parâmetro integrante do Vigiagua. Na esfera federal, a Coordenação Nacional de Saúde Bucal e o Conselho Nacional de Saúde podem requerer a obrigatoriedade da análise do fluoreto e sua pactuação. Assim, talvez possa ser exigido um maior comprometimento dos gestores com a qualidade da fluoretação das águas de abastecimento público.

Os resultados indicam, claramente, a necessidade de fortalecimento da vigilância do fluoreto no Vigiagua, responsabilidade institucional das secretarias municipais de saúde. A inexistência de coleta, análise e divulgação dos teores observada na maior parte das capitais estudadas, bem como a alta prevalência de amostras fora dos padrões no Sisagua, alerta para a grande tendência de inadequação no processo de fluoretação, quando não há o comprometimento das instituições públicas na realização das ações de vigilância. Resultados semelhantes foram encontrados por outros estudos, realizados em diferentes municípios brasileiros.11,12,28,29

Por fim, destaca-se que as ações relacionadas à adição ou a presença natural de fluoreto nas águas têm, necessariamente, um caráter intersetorial e interdisciplinar, fato que torna a integração das políticas de saúde bucal com a vigilância ambiental em saúde uma necessidade concreta.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Rua São Manoel, 2022, Apto 506,
Santana, Porto Alegre-RS.
CEP:90620-110
E-mail:katiacesa@hotmail.com

Recebido em 19/09/2010 I
Aprovado em 16/11/2011