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Epidemiologia e Serviços de Saúde
versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.21 n.1 Brasília mar. 2012
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742012000100003
ARTIGO ORIGINAL
Perfil das vítimas de violências e acidentes atendidas em serviços de urgência e emergência selecionados em capitais brasileiras: Vigilância de Violências e Acidentes, 2009
Profile of victims of violence and accidents treated in emergency departments selected among brazilian states capitals: Violence and Accidents Surveillance, 2009
Silvânia Suely Caribé de Araújo AndradeI; Naíza Nayla Bandeira de SáI; Mércia Gomes Oliveira de CarvalhoI; Cheila Marina LimaI; Marta Maria Alves da SilvaI; Otaliba Libânio Moraes NetoII; Deborah Carvalho MaltaIII
IDepartamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil
IIDepartamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília, Brasil. Universidade Federal de Goiás, Goiânia-GO, Brasil
IIIDepartamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília, Brasil. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil
RESUMO
OBJETIVO: descrever perfil das vítimas de violências/acidentes atendidas em serviços de urgência/emergência do Sistema Único de Saúde durante 2009.
MÉTODOS: estudo transversal com vítimas de violências/acidentes atendidas em 74 serviços de urgência/emergência no Distrito Federal e 23 capitais. Utilizou-se amostragem por conglomerados em único estágio. Os dados foram coletados em turnos de 12 horas, selecionados aleatoriamente, durante 30 dias consecutivos.
RESULTADOS: 89,9% dos atendimentos foram por acidentes. Os homens representaram 64,2 e 71,1% dentre as vítimas de acidentes e violências, respectivamente. 22,9% das vítimas atendidas por acidentes pertenciam a faixa etária de 20 a 29 anos, os adultos de 20 a 29 anos representaram 34,8% dos atendimentos devido a violências.
CONCLUSÃO: maiores proporções de atendimentos de vítimas de acidentes e violências foram: indivíduos do sexo masculino, com baixa escolaridade, raça/cor da pele parda, situações relacionadas ao consumo de álcool e como locais de ocorrência a residência e a via pública.
Palavras-chave: inquéritos epidemiológicos; vigilância; violência; acidentes; estudos transversais.
ABSTRACT
OBJECTIVE: to describe the profile of injuries victims treated at emergency department of Brazil's Unified National Health System in 2009.
METHODS: a cross-sectional study was conducted. The sample included 74 emergency departments located in Distrito Federal and23 Brazilian capitals, selected by one-stage cluster sampling. The data were collected during 30 consecutive days in an alternated 12-hour shift.
RESULTS: 89,9% of the cases were resultingfrom accidents. Among the victims of violence and accidents attended the selected services, men accounted for 64,2% in accidents and 71,1% in violence situations. 22.9% of the victims attended due to accidents in the age group 20-29 years, adults 20 to 29 years accountedfor 34.8% of visits because violence.
CONCLUSION: the largest proportions of visits werefor victims of accidents and violence: males with low education, race / skin color brown, situations related to alcohol consumption and with the sites of occurrence residence and the street.
Key words: health surveys; epidemiologic surveillance; violence; accidents; cross-sectional studies.
Introdução
O número crescente de vítimas de violências e acidentes demonstra o impacto desses agravos como problema de relevância em Saúde Pública. Estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o período de 2002-2020 indicam aumento na mortalidade por causas externas, especificamente em decorrência de acidentes de trânsito e violências.1 No mundo, os acidentes de trânsito provocam, por ano, cerca de 1,3 milhões de óbitos e 20 a 30 milhões de pessoas vivem com sequelas decorrentes desse tipo de agravo.2
Em relação à mortalidade relacionada às violências, a estimativa da OMS para o ano 2000 foi de 1,6 milhões de óbitos no mundo, com uma taxa de mortalidade de 28,8 óbitos por 100 mil habitantes.3 No Brasil, as causas externas são a terceira causa de óbito, correspondendo à primeira causa na população de 1 a 39 anos de idade. Segundo dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), em 2008, ocorreram 133.644 óbitos por causas externas. Entre esses óbitos, as mais altas taxas de mortalidade foram decorrentes de violências (agressões e lesões autoprovocadas), 30 óbitos por 100 mil habitantes; e por acidentes de transporte terrestre, 19,8 óbitos por 100 mil habitantes.4
No ano de 2009, foram registradas no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) 884.665 internações referentes às causas externas, com um custo total de aproximadamente 860 milhões de reais. A primeira posição entre as internações por causas externas é ocupada por lesões acidentais, que incluem quedas, queimaduras e afogamentos, entre outros.5
Os acidentes de transporte terrestre e as causas externas sem classificação específica ocuparam a segunda e terceira colocações na lista de internações por causas externas em 2009, com 134.317 e 81.038 respectivamente. As taxas de internação por causas externas variam de 25 por 100 mil habitantes para as violências (agressões e lesões autoprovocadas) a 279 mil internações por 100 mil habitantes para as demais causas externas de lesões acidentais, no mesmo ano.5
O custo do tratamento das vítimas das violências e acidentes atendidas pelo sistema público de saúde no Brasil foi estimado em 2,2 bilhões de reais para o ano de 2004.6 Esses custos são, de fato, muito maiores se considerados os prejuízos econômicos decorrentes da ausência no trabalho, da perda de produtividade e de impactos sociais e psicológicos de difícil mensuração.7
Os dados sobre mortalidade refletem parte da magnitude das violências e acidentes que acometem a população brasileira e as informações sobre internações do SIH/SUS são registradas somente nos hospitais vinculados ao SUS. É de extrema relevância a identificação de grupos mais vulneráveis e fatores de risco para as violências e acidentes, para sua prevenção e controle.8 As violências e os acidentes apresentam complexidade e abrangência na população, uma diversidade de agravos e de fatores de risco a demandar ações específicas de prevenção.7
Para conhecer a magnitude das violências e acidentes no país e identificar os fatores associados a esses agravos, foi desenvolvido, em 2006, o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA).9 O VIVA é formado por dois componentes: a) VIVA Contínuo, que se refere à vigilância das violências doméstica, sexual e/ou outras violências; e b) VIVA Inquérito, vigilância-sentinela em serviços de urgência e emergência.10
A abordagem por inquérito pode ser percebida como um subsistema de inteligência epidemiológica.8 O VIVA Inquérito busca agregar novos conhecimentos sobre as violências e os acidentes, possibilitando o conhecimento mais aprofundado do problema e o planejamento adequado de medidas de prevenção e controle; além da obtenção de informações específicas sobre a vítima, provável autor(a) da violência, circunstâncias e local de ocorrência, não coletadas pelo SIH/SUS e SIM.11
A estratégia do VIVA Inquérito é fundamental, sobretudo para o conhecimento da magnitude das violências. Esse componente do sistema permite a visibilidade do problema, pois a emergência se configura, para a maioria das vítimas, na porta de entrada do sistema de saúde.12 O objetivo deste estudo foi descrever o perfil das vítimas de violências e acidentes atendidas em serviços-sentinela de urgência e emergência do SUS, participantes do VIVA Inquérito, durante o ano de 2009.
Métodos
Foi realizado um estudo transversal em 74 serviços de urgência e emergência localizados no Distrito Federal e 23 capitais. A seleção dos serviços foi realizada a partir de critérios de referência para atendimento de causas externas bem como sua importância local na área de urgência e emergência, número de atendimentos realizados, complexidade e resolutividade do serviço, considerando a consulta ao Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), aos registros do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde - SIH/SUS -, além da percepção da equipe técnica de cada Secretaria de estado da Saúde.
Os serviços selecionados integram a Rede de Serviços Sentinela de Vigilância de Violências e Acidentes - Rede VIVA -, implantada em 2006, que haviam participado dos inquéritos previamente.10 Os estados do Espírito Santo (ES), Mato Grosso (MT), Rio Grande do Sul (RS) e Santa Catarina (SC) foram incluídos no inquérito realizado em 2009, contemplando todas as unidades da Federação. Entretanto, questões locais de aspectos técnico-operacionais e de gestão não possibilitaram a inclusão de três capitais: Cuiabá-MT, Manaus-AM e São Paulo-SP.
A população-alvo deste estudo foi constituída das vítimas de violências e acidentes atendidas nos serviços de urgência e emergência selecionados. Os parâmetros considerados para o cálculo amostral foi o coeficiente de variação inferior a 30,0% e um erro-padrão menor que três.13 O tamanho da amostra foi de, no mínimo, 1.500 atendimentos decorrentes desses agravos em cada uma das capitais e no Distrito Federal.
Após a seleção das unidades de atendimento, foram sorteados dois turnos de 12 horas, durante 30 dias consecutivos, entre os meses de setembro e novembro de 2009, em cada serviço selecionado. O número de turnos a ser sorteado em cada serviço foi resultante da razão entre o tamanho amostral mínino de atendimentos devidos a violências e acidentes (2009) e a média de atendimentos decorrentes desses agravos realizados no mesmo serviço, nos anos anteriores.
Utilizou-se a amostragem por conglomerados em um único estágio, constituindo o turno como unidade primária de amostragem. Todos os atendimentos por violências e acidentes realizados no turno sorteado foram incluídos na amostra. Os turnos foram numerados de 1 a 60 e logo sorteados sistematicamente, de acordo com o número de turnos de cada município. Os dados foram coletados por meio de formulário padronizado, elaborado pela equipe técnica da Coordenação-Geral de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis (CGDANT) com a colaboração de outras áreas técnicas e pesquisadores do Ministério da Saúde e instituições que trabalham a temática de causas externas.
As entrevistas foram realizadas por acadêmicos dos cursos de enfermagem e medicina e por profissionais de saúde previamente treinados. Para o estudo, foram considerados os seguintes agrupamentos do Capítulo XX - Causas Externas de Morbidade e Mortalidade, da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, 10a Revisão (CID-10):14 causas acidentais - acidentes de transporte (V01-V99), quedas (W00-W19), queimaduras (W85-W99, X10-X19) e demais eventos acidentais, como cortes com objetos perfurocortantes, queda de objetos sobre pessoa, envenenamento acidental, sufocação, afogamento, entre outros. Os eventos violentos foram classificados em lesões autoprovocadas voluntariamente/tentativa de suicídio (X60-X84), agressões (X85-Y09), maus tratos (Y05-Y07) e intervenção legal (Y35).
Os softwares utilizados para processamento dos dados foram o Epi Info 3.5.1, Link Plus versão 2.0 (para remoção das duplicidades) e Stata versão 10.0 no módulo survey, para análise dos dados de acordo com o plano amostral.
O projeto de pesquisa foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde, de acordo com a Resolução no 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.15 Foram garantidos aos entrevistados, bem como aos serviços onde a pesquisa foi realizada, o anonimato, a privacidade e a liberdade para desistir de participar do estudo a qualquer momento. A coleta de dados faz parte de um sistema de vigilância nacional e, portanto, bastou a obtenção do consentimento verbal da vítima ou do responsável, não obstante a exigência de autorização dos serviços de saúde selecionados.
Resultados
Foram identificados 39.665 atendimentos nos 74 serviços de urgência e emergência de 23 capitais e do Distrito Federal. Desses atendimentos, 35.646 (89,9%) foram decorrentes de acidentes e 4.019 (10,1%) devidos à violência. A maior parte das vítimas atendidas era do sexo masculino, tanto nos acidentes (64,2%) quanto nas violências (71,1%). Do total de atendimentos por acidentes, o maior percentual por faixa etária coube à de 20-29 anos (22,9%), seguida das crianças de 0 a 9 anos (18,6%) (Tabela 1).
Em relação às violências, os adultos jovens - 20 a 29 anos (34,8%), e os adultos - 30 a 39 anos (20,6%) - representaram as maiores proporções dos atendimentos por essa causa. Idosos acima de 60 anos e crianças menores de 9 anos apresentaram maior proporção de atendimentos por acidentes (18,6 e 7,4%, respectivamente) do que por violências (6,1 e 2,5%). As maiores proporções observadas de atendimento, tanto para acidentes quanto para violências, corresponderam a indivíduos de raça/cor da pele parda (48,0 e 51,4%) e branca (34,6 e 26,2%) (Tabela 1).
Do total de vítimas atendidas em razão de acidentes, 28,6% referiram 9 a 11 anos de escolaridade, seguidas daquelas com 0 a 4 (28,3%) e 5 a 8 (25,3%) anos de estudo. Nas causas violentas, 30,2% das vítimas possuíam 5 a 8 anos de estudo, seguidas daquelas com 9 a 11 (27,7%) e 0 a 4 (23,8%) anos de estudo. As vítimas por acidentes e violências que possuíam 12 ou mais anos estudo representaram 5,5 e 4,5% dos atendimentos, respectivamente.
Os meios de locomoção mais frequentemente utilizados pelos pacientes atendidos em decorrência de acidentes, para chegarem ao hospital, foram o veículo particular (48,8%) e o transporte coletivo (19,1%). A unidade de atendimento pré-hospitalar do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e a ambulância foram utilizadas, respectivamente, por 10,0 e 10,5% das vítimas de acidentes.
As vítimas de violência utilizaram, em maiores proporções, o veículo particular (37,5%), o SAMU e a ambulância (ambas com 14,0%) como meio de locomoção para chegar ao hospital. Entre as vítimas de violência, a utilização de viatura policial foi mais frequente (10,1%), em comparação com as vítimas de acidentes (Tabela 1).
A suspeita de consumo de bebida alcoólica pelo paciente foi registrada em 6,7% e em 31,3% dos atendimentos por acidentes e violências, respectivamente. Tal consumo foi declarado por 8,1% dos entrevistados atendidos por acidentes e por 35,7% das vítimas de violências. Entre as mulheres atendidas devido a acidentes, a suspeita de consumo de álcool foi observada em 2,7% delas, enquanto o relato foi realizado por 3,7%. Entre os atendimentos por violências no sexo feminino, 18,0% relataram e em 21,1% foi identificado consumo suspeito de bebida alcoólica. Tanto a suspeita quanto o relato de consumo de bebida alcoólica foram maiores entre os homens, nos casos de acidentes (8,9 e 10,6%, respectivamente) e nas situações de violência (36,7 e 41,6%, respectivamente).
A proporção de ocorrências de acidentes no período diurno foi maior, demonstrando aumento a partir das seis horas e atingindo um pico às 12h; e queda posterior, com um novo incremento por volta das 14h e um novo pico próximo das 18h. Entre as vítimas, a maior proporção de violências ocorreu durante a noite e madrugada (Figura 1). Os maiores percentuais de atendimentos, tanto para as violências quanto para os acidentes, foram observados aos finais de semana; salienta-se que as proporções de atendimentos por violências foram maiores que as por acidentes, nos fins de semana. Durante a semana propriamente, a partir de terça-feira, a frequência de atendimentos por acidentes superou a daqueles ocasionados pela violência.
As capitais com maior percentual de atendimentos por violências e acidentes nos quais as vítimas não residiam nos municípios de atendimento, foram: Vitória-ES (65,0%); Recife-PE (45,0%); Natal-RN (45,0%); e Aracaju-SE (42,0%). As capitais onde houve menor proporção de atendimentos de vítimas residentes fora do município foram: Porto Velho-RO (6,0%); Campo Grande-MS (7,0%); e Rio de Janeiro-RJ (8,0%) (Figura 2).
Com relação aos tipos de acidentes (n=35.646 atendimentos), as quedas foram o evento acidental predominante (37,0%), seguidas dos acidentes de transporte (26,0%), ferimentos por objeto perfurocortante (7,0%), choque contra objetos/pessoa (7,0%), entorse (5,0%), corpo estranho (5,0%), queda de objetos sobre pessoa (4,0%), acidentes com animais (3,0%) e queimaduras (2,0%). Os demais tipos de acidentes (sufocação, afogamento, envenenamentos, acidentes com arma de fogo, e aqueles não-especificados) corresponderam a 4,0% dos atendimentos (Figura 3). Do total de atendimentos por violências (n=4.019), houve predomínio dos atendimentos decorrentes de agressões/maus-tratos (89,5%), lesão autoprovocada (9,1%) e - uma menor frequência de - intervenção por agente legal público (1,4%).
O local de ocorrência do evento mais comumente relatado pelos pacientes atendidos por acidentes foi a residência (37,7%), seguido da via pública (35,5%). Nos casos de violência, a ordem foi inversa: a via pública foi o local mais referido pelas pessoas atendidas nos serviços selecionados (41,4%) e a residência ocupou segunda posição (33,7%) (Tabela 1). A maioria das vítimas de violências (89,5%) sofreu agressão/maus tratos, nas proporções de 91,8% para os homens e 84,0% para as mulheres.
Discussão
O perfil epidemiológico das vítimas de violências e acidentes identificadas pelo VIVA Inquérito 2009 demonstrou maior proporção dos acidentes em relação às violências e os homens foram mais frequentemente atendidos em decorrência dos agravos referidos, em comparação com as mulheres. A morbidade diferenciada entre homens e mulheres pode ser explicada por comportamentos específicos de gênero, dependentes de fatores culturais e sociais.16
A faixa etária predominante nos atendimentos por violências e acidentes foi a de adultos jovens. O nível de escolaridade mais frequente foi de 9 a 11 anos de estudo para os pacientes atendidos devido a acidentes, e de 5 a 8 anos de estudo para vítimas de violências. O inquérito VIVA realizado em 2006 também demonstrou proporções maiores de violências e acidentes entre os homens e adultos jovens; e quanto à escolaridade, os mais atendidos contavam até 11 anos de estudo.17
Entre os atendimentos por violências e acidentes, a raça/cor da pele parda foi a mais referida. Comparando-se com dados sobre mortalidade e raça/cor da pele, para os pardos e negros, as causas externas apresentam maior impacto na mortalidade do que para os indivíduos brancos, representando a causa básica de óbito mais importante nos dois primeiros grupos; porém, os óbitos podem estar relacionados, de fato, às condições socioeconômicas subjacentes e não à cor da pele.18
O veículo particular e o transporte coletivo foram os meios de locomoção mais utilizados para se chegar aos serviços de urgência e emergência, nos atendimentos devidos a acidentes, enquanto as vítimas de violência utilizaram o veículo particular, o SAMU e a ambulância para serem atendido. Segundo o VIVA Inquérito 2006, em serviços de urgência e emergência, o veículo particular, as ambulâncias e o SAMU foram os meios de transporte mais relatados pelos pacientes de causas externas.19
De acordo com um estudo realizado pelo Centro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde, da Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Claves/Fiocruz) em parceria com instituições de pesquisa locais em cinco capitais (Recife-PE, Rio de Janeiro-RJ, Manaus- AM, Curitiba-PR e Brasília-DF), a implantação do SAMU representa melhoria no atendimento da população nas situações de acidentes e violências, apesar da necessidade de melhorias na implementação do serviço.20
No presente estudo, observou-se que a suspeita e o relato de uso de álcool foi predominante entre os homens. Uma pesquisa desenvolvida no município de São Paulo-SP, entre agosto de 1998 a agosto de 1999, descreveu uma prevalência de alcoolemia de 28,9% em vítimas de causas externas, com maior proporção entre as vítimas de agressões, no sexo masculino e na faixa etária de 25 a 44 anos de idade.21
Neste inquérito, foi identificado maior percentual de suspeita ou relato de uso de álcool nos atendimentos resultantes de situações de violências cujas vítimas eram do sexo masculino. Estudo realizado em hospital-escola de São José do Rio Preto-SP, no período de 2002 a 2008, verificou que a maioria dos traumas faciais era em homens adultos jovens, resultantes de violência e associados ao uso de álcool.22 Esses dados fundamentam ainda mais a associação entre consumo de bebidas alcoólicas e ocorrência de lesões decorrentes de causas externas.
Mudanças nas funções neuroquímicas e nas funções cognitivas de indivíduos que ingerem bebidas alcoólicas podem originar comportamentos violentos em ambos os sexos: para as mulheres, é maior a prevalência de lesões autoprovocadas, enquanto os homens apresentam maior frequência de comportamentos agressivos com outros.23 O consumo abusivo de bebidas alcoólicas, provavelmente, faz parte do comportamento masculino, de modo que programas de redução do alcoolismo devem considerar aspectos culturais e comportamentais para que sejam realmente efetivos.15
Quanto ao horário de atendimento das vítimas por causas externas, estudo realizado em dois hospitais de referência para o atendimento de emergências no estado do Rio de Janeiro apresentou maior número de atendimentos para causas externas no período diurno; exceto nos finais de semana, quando o período noturno foi o mais procurado, principalmente para atendimento das vítimas de acidentes e agressões.12
O presente estudo identificou em sete capitais (Florianópolis-SC, João Pessoa-PB, Goiânia-GO, Aracaju-SE, Natal-RN, Recife-PE e Vitória-ES), em grande parte dos atendimentos, o fato de o município de atendimento das vítimas de violências e acidentes diferir do município de residência, o que pode indicar a centralização dos serviços de referência em algumas localidades e, também, a falta de estrutura no interior dos estados, provocando o deslocamento dos usuários para receberem assistência de urgência e emergência nas capitais. Estudo realizado no Rio Grande do Sul evidenciou que aproximadamente 48,0% dos indivíduos atendidos pelo serviço avaliado eram procedentes de outros municípios.24
Dados indicam que a evolução nas primeiras 24 horas, em aproximadamente 77,0% dos atendimentos por acidentes e 67,0% daqueles decorrentes de violência nas urgências e emergências, é para alta hospitalar,25 evidenciando lesões sem maior gravidade, que poderiam ter resolubilidade local.
As quedas e os acidentes de transporte foram os eventos acidentais de maior frequência entre os atendimentos estudados no VIVA Inquérito 2009, e os principais locais de ocorrência para as violências e os acidentes foram a residência e a via pública. No VIVA Inquérito 2006, as quedas também foram o evento mais frequente entre os atendimentos devidos a acidentes, nos serviços de urgência e emergência selecionados.17 Estudo transversal realizado em três hospitais de grande porte do estado de São Paulo revelou que as quedas ocuparam a segunda posição em número de ocorrências, de um total de 35.107 atendimentos decorrentes de causas externas.11
A residência e os espaços públicos foram os ambientes que apresentaram maior número de eventos acidentais e violentos.11,19,25 Questões relacionadas a arquitetura e cuidados na disposição de objetos e tapetes nas residências, bem como investimentos na adequação e manutenção dos espaços públicos, podem contribuir para minimizar a ocorrência de quedas e prevenir esses agravos.
O tipo de violência mais frequente foi a agressão/maus-tratos, independentemente do sexo. Um estudo realizado em 2007, no Município de Lajes-SC, mostrou que entre casais, a prevalência de violência contra mulheres foi de 79,0% para agressão verbal, 14,9% para agressão física menor e 9,3% para agressão física grave.26 Há sobremortalidade masculina para a maioria das causas de óbito, com ênfase nas causas externas, particularmente as causas violentas. No Brasil, os adolescentes e adultos jovens do sexo masculino representaram as maiores proporções de internações decorrentes de lesão por agressões.16
Reconhece-se uma limitação deste estudo na baixa validade externa, dada a inclusão apenas de serviços selecionados do SUS (não incluiu atendimentos fora do SUS, tampouco vítimas que não procuraram por atendimento). Logo, os resultados representam apenas a amostra estudada, mas os procedimentos padronizados de coleta de dados, bem como o treinamento dos entrevistadores garantem boa validade interna. Entretanto, a seleção amostral obedeceu critérios como referência do serviço para atendimento às causas externas e importância local na área de urgência e emergência, número de atendimentos realizados, complexidade e resolubilidade do serviço. Este artigo apresenta informações relevantes sobre as violências e os acidentes que podem ser identificadas e compartilhadas por serviços de atendimento às vítimas de causas externas.
As violências e os acidentes são reconhecidos como problema de Saúde Pública e contribuem para um perfil epidemiológico de morbimortalidade mais complexo, comparado com aquele perfil em que as doenças infecciosas eram predominante no país e no mundo.27 A Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências,28 implantada em 2001, é reflexo de um esforço no enfrentamento dos determinantes e condicionantes das violências e acidentes de modo intersetorial, para garantir a atenção integral, promover a saúde e a cultura de paz.
O VIVA é uma ferramenta essencial de vigilância para tomada de decisão e ação em Saúde Pública. O sistema possibilita conhecimentos mais detalhados sobre a magnitude e os fatores associados a esses eventos, a atuação imediata e preventivamente para sua detecção e cuidado, principalmente nos grupos mais vulneráveis.10 As maiores proporções de atendimentos foram para vítimas de acidentes e violências, de modo geral, com o seguinte perfil: indivíduos do sexo masculino, de baixa escolaridade, raça/cor da pele parda, em situações relacionadas ao consumo de álcool e tendo como locais de ocorrência a residência e a via pública.
Contribuição dos autores
Todos os autores contribuíram para elaboração, análise e revisão final do manuscrito.
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Endereço para correspondência:
Ministério da Saúde,
Secretaria de Vigilância em Saúde,
Coordenação-Geral de Doenças e
Agravos Não Transmissíveis, SAF SUL,
Trecho 2, Lotes 5/6, Bloco F, Torre 1,
Edifício Premium, Térreo, Sala 14,
Brasília-DF, Brasil.
CEP: 70070-600
E-mail: silvania.andrade@usp.br, silvaniasuely@yahoo.com.br
Recebido em 19/01/2011
Aprovado em 04/01/2012