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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.21 n.1 Brasília mar. 2012

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742012000100005 

ARTIGO ORIGINAL

 

Perfil epidemiológico da mortalidade por causas externas em crianças, adolescentes e jovens na capital do Estado de Mato Grosso, Brasil, 2009

 

Epidemiological profile of mortality by external causes in children, teenagers and young people in the capital of the State of Mato Grosso, Brazil, 2009

 

 

Karla Fonseca de MatosI; Christine Baccarat de Godoy MartinsII

IPrograma de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá-MT, Brasil - Bolsista CAPES
IIDepartamento de Enfermagem, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá-MT, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever e analisar os óbitos por causas externas entre menores de 24 anos de idade na capital do Estado de Mato Grosso, Brasil.
MÉTODOS: foi realizado estudo transversal, considerando os óbitos cujo local de residência e ocorrência foi o Município de Cuiabá-MT, em 2009; as fontes de dados foram a Declaração de Óbito e processos de investigação conduzidos pela Vigilância de Óbitos do município.
RESULTADOS: de 131 óbitos estudados, 61,1% foram por agressão, 16,8% por acidentes de transporte e 13,0% por outros acidentes; o coeficiente de mortalidade por causas externas foi mais expressivo entre homens de 20-24 anos de idade (252 óbitos por 100 mil habitantes); após a investigação, para 11,5% dos óbito, houve mudança na causa da morte, e quase metade delas passaram de causa 'ignorada' para 'intencional'.
CONCLUSÃO: os óbitos por causas externas foram decorrentes, principalmente, de violências; evidenciou-se a importância da Vigilância de Óbitos para a melhoria da informação sobre a intencionalidade das causas de óbito.

Palavras-chave: causas externas; pré-escolar; adolescente; adulto jovem; mortalidade; epidemiologia descritiva.


ABSTRACT

OBJECTIVE: describe and analyze deaths by external causes under 24 years old, in the capital of the State of Mato Grosso, Brazil.
METHODS: transversal study, considering the victims residence and the local of their death in the Municipality of Cuiabá-MT, in 2009; data source were Death Declaration, and investigation processes conducted by the Death Surveillance of the Municipality.
RESULTS: from 131 deaths studied, 61.1% were caused by aggression, 16.8% by transport accident and 13.0% by other accidents; the mortality coefficient by external causes was more expressive in male aged 20-24 years old (252 deaths per 100 thousand inhabitants); after the event investigation, 11.5% of causes of deaths had changed, and almost a half of them changed from 'ignored' to 'intentional' cause.
CONCLUSION: the most part of the studied deaths were caused by violence; it was evidenced the importance of the Death Surveillance to improve the quality of information about the intentionality of the death cause.

Key words: external causes; preschool; teenager, young adult; mortality; descriptive epidemiology.


 

 

Introdução

As causas externas - acidentes e violências - são, atualmente, um dos maiores problemas de Saúde Pública, atingindo praticamente todas as faixas etárias, com maior expressão nas mais jovens.1,2

A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10a Revisão (CID-10)3 - subdivide as causas externas em causas acidentais (que incluem os acidentes de transporte, de trabalho, quedas, envenenamentos, afogamentos e outros tipos de acidentes), causas intencionais relacionadas às agressões e lesões autoprovocadas, e eventos cuja intenção é indeterminada.

A população infanto-juvenil (zero a 24 anos) é muito susceptível às causas externas devido à imaturidade e curiosidade da criança e ao espírito de aventura, excesso de coragem, além do uso de álcool e drogas por parte dos adolescentes e jovens.4,5 Outro fator que pode favorecer essa susceptibilidade é o processo desestruturado de urbanização e aumento da desigualdade social, que contribuem para a violência urbana e a exclusão da população de baixa renda.6,7

No Brasil, em 2008, as causas externas foram a primeira causa de morte - em números de óbitos - na faixa etária de zero a 24 anos, à exceção dos menores de um ano.8 Esse panorama se repete no Centro-Oeste do país. O Estado de Mato Grosso é o segundo estado dessa macrorregião com maior número de mortes por causas externas. Na capital matogrossense, Cuiabá-MT, o quadro também é semelhante ao do Brasil, onde 27,0% dos óbitos por causas externas ocorreram na idade infanto-juvenil (zero a 24 anos).9-10

As características dos óbitos por causas externas podem variar conforme a idade da vítima, sexo, cor ou raça e outros fatores.4 Conhecer o perfil e as circunstâncias em que ocorrem os óbitos por causas externas pode fornecer subsídios para o planejamento de estratégias de prevenção e ações mais especificas, para reduzir os óbitos e as sequelas dos acidentes e violências.

Este estudo teve como objetivo descrever e analisar os óbitos por causas externas entre vítimas de zero a 24 anos de idade, em Cuiabá-MT, no ano de 2009.

 

Métodos

Foi realizado estudo transversal. A população do estudo foi composta por crianças, adolescentes e jovens (zero a 24 anos de idade) residentes no município de Cuiabá-MT, que foram a óbito por causa externa (acidente ou violência) no período de 1o de janeiro a 31 de dezembro de 2009.

Os dados de mortalidade foram obtidos por meio da inspeção manual da Declaração de Óbito (DO), cujos critérios de seleção foram: idade de zero a 24 anos; ser residente em Cuiabá-MT, onde o óbito tenha ocorrido em 2009; e causa básica do óbito como causa externa [V01 a Y84 (códigos da CID-10)]. A inspeção das DO foi realizada no período de novembro de 2009 a janeiro de 2010. Os dados das DO foram transferidos para um formulário previamente elaborado e testado.

Foram estudadas as seguintes variáveis: subgrupos de causa externa (acidentes e violências), faixa etária (menor de um ano, de 1 a 4 anos, de 5 a 9 anos, de 10 a 14 anos, de 15 a 19 anos e de 20 a 24 anos de idade), sexo (masculino ou feminino), cor ou raça (branca ou negra), região de residência da vítima (norte, sul, leste, oeste), local do óbito (hospital, outro estabelecimento de saúde, via pública, no domicilio ou em outros lugares) e mês de sua ocorrência.

Foi verificado se houve ou não mudança no tipo de causa externa, após investigação. A análise foi possível uma vez que o processo de investigação se encontrava anexado à DO. Para os menores de um ano de idade, foram estudados o número de filhos, a idade e a escolaridade da mãe.

Os dados foram processados pelo programa Epi Info 3.5.1;12 e a análise, por meio de frequências absolutas e relativas (%). Foi utilizado o teste do qui-quadrado, para verificar a significância estatística de associações bivariadas. Foram consideradas estatisticamente significativas as associações em que o valor de p foi <0,05. Foi calculada a razão de sexos, como a divisão do número de óbitos entre homens pelo número de óbitos entre mulheres. Também foram calculados o coeficiente de mortalidade por causas externas e a mortalidade proporcional em relação às outras causas, nos diferentes grupos etários, utilizando-se como denominador os óbitos na mesma faixa etária e ano de ocorrência.12

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Muller, da Universidade Federal de Mato Grosso, sob o Protocolo no 929/CEP-HUJM/2010. A coleta de dados foi autorizada pela Vigilância de Óbitos em Cuiabá-MT.

 

Resultados

Foram estudados 131 óbitos por causas externas na faixa etária de 0 a 24 anos, ocorridos em Cuiabá-MT no ano de 2009, sendo 117 do sexo masculino (89,3%) e 14 do sexo feminino (10,7%).

Em relação à faixa etária das vítimas 3,1% tinham menos de 1 ano, 2,3% de 1 a 4 anos, 1,5% entre 5 e 9 anos, 3,1% entre 10 e 14, 37,4% estavam entre 15 a 19 anos e 52,7% se encontravam na faixa de 20 a 24 anos de idade.

Do total dos óbitos estudados, chamou a atenção o percentual de mortes por agressão (61,1%), seguindo-se os acidentes de transporte terrestre (16,8%) e outros acidentes (13,0%) (Tabela 1). Entre os óbitos por agressão, sobressaíram as mortes por arma de fogo (81,2%). As mortes de motociclistas destacaram-se entre os óbitos por acidente de transporte terrestre (40,9%), assim como os afogamentos (58,8%) entre outros acidentes. Apesar da pouca frequência, as mortes autoprovocadas preocupam, principalmente pelo mecanismo em que se deram: 85,7% por enforcamento e 14,3% por exposição a medicamentos. Há que se destacar a presença de intervenção legal (1,5%) e de mortes de cuja causa não foi possível determinar a intencionalidade (2,3%).

 

 

Calculando-se a razão dos sexos (Tabela 1), na qual está expresso o número de homens para cada mulher, chamaram a atenção os óbitos por armas (12,0) e por afogamento (9,0).

Calculando-se o coeficiente de mortalidade por causas externas em Cuiabá-MT no ano de 2009, com base na população da mesma faixa etária (0-24) e ano, observou-se semelhança no coeficiente entre o sexo masculino e o feminino até a faixa etária dos 5-9 anos. Contudo, a partir dos 10 anos de idade, as taxas do sexo masculino aumentaram expressivamente, com destaque para o grupo de 20 a 24 anos: 252 óbitos por 100 mil habitantes (Figura 1).

 

 

Entre as vítimas fatais de causas externas do sexo masculino, os acidentes foram mais expressivos nos mais jovens, a exemplo dos menores de 4 anos: 100,0% acidentais. Já a violência foi mais expressiva a partir dos 10 anos, elevando-se a cada faixa etária. No sexo feminino, as causas acidentais predominaram também nas faixas etárias mais jovens, com exceção de 1 a 4 anos. No sexo masculino, foram identificadas algumas DO com o item referente ao 'tipo de evento' em branco (Figura 2).

 

 

Ao se associar o tipo de causa externa com a cor da pele das vítimas, observou-se que a causa violenta predomina tanto na raça branca (52,0%) quanto na negra (69,8%). Pode-se identificar que, entre os indivíduos de cor branca, 44,0% foram vítimas de acidente e 4,0% de intervenção legal. Para os de cor negra, os acidentes foram responsáveis por 26,4% dos óbitos, a intervenção legal por 0,9%, 1,9% dos óbitos tiveram o tipo de evento 'ignorado' e em 0,9%, esse item se encontrava em branco. O valor de p não permitiu afirmar se há associação estatisticamente significativa entre as variáveis 'raça' e 'tipo de causa externa' (p=0,696).

Distribuindo-se os óbitos por causas externas segundo a região de residência das vítimas, 34,1% residiam na região sul, 29,5% na região leste, 18,6% na região norte e 17,8% na região oeste do município (Figura 3). Entre as vítimas, 39,7% foram a óbito no hospital (serviços de pronto-atendimento), 29,8% na via pública, 17,6% em outros lugares, 12,2% no domicilio e 0,8% em outro estabelecimento de saúde.

 

 

Analisando-se a região de residência da vítima e o local do óbito percebeu-se que, entre as vítimas que residiam na região norte, grande parte dos óbitos (35,7%) ocorreu no hospital, seguido da via pública (25,0%), do domicilio (16,7%) e de outros estabelecimentos (20,8%). Entre as vítimas que residiam na região leste, 55,3% delas foram a óbito no hospital, 26,3% em via pública, 10,5% em outros estabelecimentos, 5,3% no domicilio e 2,6% em outro estabelecimento de saúde. Na região oeste, 39,1% das vítimas foram a óbito no hospital, 30,4% em via pública, 17,4% no domicilio e 13,0% em outros estabelecimentos. Entre as vítimas da região sul, 34,1% dos óbitos ocorreu em via pública, 27,3% no hospital, 25,0% em outros estabelecimentos e 13,6% no domicilio. Considerando-se o valor de p=0,419, parece não haver associação estatisticamente significativa entre a região de residência da vítima e o local do óbito.

Distribuindo-se os óbitos de 0 a 24 anos segundo os subgrupos (tipos) de causas externas e a região de residência, percebeu-se que, entre as vítimas residentes na região norte, a maioria dos óbitos foi por violência (66,7%), seguindo-se acidentes (29,2%) e intervenção legal (4,2%). Na região sul, grande parte dos óbitos foi devida à violência (65,9%); e 34,1%, por acidentes. Na região leste, 65,8% dos óbitos foram devidos à violência, 28,9% foram por acidentes, 2,6% por intervenção legal e 2,6% estavam com essa informação em branco. Na região oeste, 65,2% das vítimas foram a óbito por evento violento, 26,1% por acidentes e para 8,7%, o tipo do evento foi registrado como 'ignorado'. O valor de p não permitiu afirmar se há uma associação positiva entre as variáveis (p=0,277).

Em relação ao mês de ocorrência dos óbitos, a violência foi responsável pela grande maioria deles, independentemente do mês analisado - expressão acima de 40,0%, de modo geral. Aqui também, o valor de p não permitiu concluir associação entre o mês de ocorrência e o tipo de causa externa (p=0,3001).

Calculando-se a mortalidade proporcional por causas externas em relação a outras causas de óbito, na mesma faixa etária e ano, observou-se que essa proporção foi maior e progressiva a partir dos 15 anos de idade, com pouco mais de 15,0% na faixa etária de 1 a 4 anos (Figura 4).

 

 

Distribuindo-se os óbitos por causas externas em menores de 1 ano, segundo a faixa etária da mãe das vítimas, a grande maioria das mães foi identificada entre os 25 e os 29 anos (75,0%), e 25,0% na faixa etária dos 20 aos 24 anos.

Ao distribuir os óbitos por causas externas em menores de 1 ano, segundo o número de filhos nascidos vivos das mães das vítimas, foi possivel identificar que grande parte delas (50,0%) tinha 3 filhos, 25,0% 2 filhos e 25,0% nenhum filho.

Ainda em relaçào à vítimas menores de 1 ano, segundo a escolaridade da mãe, percebeu-se uma distribuição uniforme, de 25,0% em cada uma das seguintes categorias: 1 a 3 anos de estudos; 4 a 7; 8 a 11; e 12 ou mais anos de estudo.

Em 11,5% dos óbitos, observou-se mudança no tipo de causa após a investigação do evento pela Vigilância de Óbitos. Chama a atenção o fato de haver mudança de intencionalidade após a investigação, principalmente quando passa de causa 'acidental' para 'intencional' (6,7%). A maioria dos casos (46,7%) mudou de 'ignorado' para 'intencional'; 26,7% mudaram de 'outra' (intervenção legal) para 'acidental'; 6,7% passaram de 'intencional' para 'acidental'; 6,7% mudaram de 'ignorado' para 'acidental'; e 6,7%, de 'ignorado' para 'outros'.

 

Discussão

O perfil verificado coincide com vários outros estudos em que os óbitos por causas externas, na população infanto-juvenil, são decorrentes principalmente de agressão por arma de fogo (entre as causas intencionais) e acidentes de transporte terrestre (entre as causas acidentais).13,14 Um dos fatores que podem estar influenciando nos óbitos por arma de fogo, possivelmente, é o envolvimento dos adolescentes e jovens em atividades ilegais como o tráfico e uso de drogas ilícitas e o acesso facilitado a armas. Já nas causas acidentais, o uso abusivo do álcool e o desrespeito às leis de trânsito são apontados como fatores diretamente relacionados aos acidentes de transporte.15,16

A problemática do envolvimento dos jovens com o uso e tráfico de drogas, e consequentes mortes, vem sendo discutida por muitos autores,4,17 os quais apontam como primordial a tomada de medidas urgentes, entre elas oferta de oportunidades de trabalho para os jovens, fortalecimento e aprimoramento do vínculo entre pais e filhos e uma perspectiva positiva para o futuro de crianças e jovens.

Quanto às mortes por acidente de transporte terrestre, estudiosos18 ressaltam que elas poderiam ser evitadas com o aumento na fiscalização das leis de trânsito, principalmente sobre dirigir alcoolizado.

O maior risco de morrer por causas externas no sexo masculino também foi verificado em outras casuísticas. O Relatório de Desenvolvimento Juvenil19 retrata as mortes no Brasil, de 2001 a 2005, onde praticamente 90,0% dos óbitos juvenis foram por causas violentas e entre homens. Estudo20 que analisou a mortalidade por causas externas em três cidades da América Latina - Córdoba, na Argentina; Campinas-SP, Brasil; e Medellín, na Colômbia -, entre 1982 e 2005, também verificou maior mortalidade por causas externas no sexo masculino. A maior vulnerabilidade dos homens em relação a esses agravos pode ser explicada, em grande parte, por um processo cultural que se inicia na infância, quando aos meninos é oferecida maior liberdade, enquanto para as meninas, há uma maior vigilância.16 Na adolescência e na vida adulta, a maior exposição masculina a agressões e o maior envolvimento em acidentes de transporte podem significar um contribuição a mais para o fato de os homens serem as principais vítimas desses eventos.21

Quanto ao fato da intencionalidade modificar-se conforme a idade, com predomínio dos acidentes entre as menores idades e da violência entre as maiores, há que se considerar que as crianças estão mais expostas aos acidentes por sua própria imaturidade, curiosidade, intenso crescimento e desenvolvimento, resultando em maior proporção de causa acidental, principalmente no ambiente doméstico.4,5 Já entre os adolescentes e jovens, estes estão mais vulneráveis à violência em decorrência da marginalidade e da exposição a drogas, entre outros eventos negativos.22,23 Contudo, chama a atenção que este estudo tenha encontrado um caso fatal de violência na faixa etária de 1 a 4 anos (agressão por arma de fogo), mostrando que a violência também vitimiza crianças e despertando a sociedade para a necessidade de prevenção e medidas de vigilância sobre essa população mais suscetível.

Apesar de, na presente investigação, não ter sido encontrada associação estatisticamente significativa entre o tipo de causa externa e a cor ou raça das vítimas, estudos mostram que indivíduos de cor ou raça negra são mais vulneráveis às causas externas, principalmente a violência. Entretanto, autores afirmam que a cor ou raça em si não é considerada um fator de risco mas a inserção social adversa de um grupo racial, esta sim, constitui uma característica de vulnerabilidade.8,24-25 Estudos têm apontado que a violência se relaciona com o processo desorganizado e excludente de urbanização, o aumento da pobreza e da miséria urbana, o narcotráfico, o acesso e disponibilidade de armas entre a população, entre outros fatores.6,7 Na presente investigação, o fato de a cor ou raça branca estar mais propicia ao óbito por acidentes talvez se explique pelo maior acesso aos veículos automotivos e ao lazer em piscinas e rios.26

Quanto à região de residência, a falta de dados - número da população da faixa etária segundo a divisão adotada por este estudo - não permitiu calcular o coeficiente de mortalidade específico, que estimaria o risco de morrer em cada região. Assim, não é possível afirmar em qual região o risco de morrer por causas externas é maior. Destaca-se a importância de dados que auxiliem nesses cálculos, para auxiliar nos estudos e na formulação de projetos e ações específicos para cada região.

Em relação ao local do óbito, o fato de a maioria ocorrer no hospital (serviços de pronto-atendimento) suscita duas hipóteses: a primeira, de que o socorro tem sido acessível, na maioria das vezes; e a segunda hipótese, da gravidade dos eventos em que a vítima, necessitada de atendimento de urgência ou mesmo de emergência, é encaminhada a um serviço terciário. Torna-se evidente a necessidade de se trabalhar a prevenção primária, em que a prevenção se antecipa ao evento, para tentar reduzir o número de óbitos por causas externas, seus custos financeiros e emocionais resultantes.4,5

Quanto à sazonalidade, o resultado encontrado sobre a repetição continuada do evento sem um mês específico de maior frequência, somado à maior proporção de violência em todos os meses, demonstra a necessidade de medidas preventivas e de atendimento urgentes não apenas para evitar sua ocorrência como também suas consequências, principalmente do óbito em uma população cujas mortes prematuras são consideradas pelos autores como uma significativa perda de anos potenciais de vida na população.4

Quanto à mortalidade proporcional por causas externas diante das demais causas, pesquisa realizada no Estado do Ceará27 mostrou que, no ano 2000, 56,6% dos adolescentes morreram por causas externas. Já em Fortaleza-CE, essa proporção era maior (63,8%). Corroborando com esses achados, outro estudo mostrou que, no Brasil, no ano de 2006, 70,7% dos óbitos de adolescentes foram decorrentes de causas externas.28 No entanto, a presente investigação revelou proporções ainda maiores.

Considerando-se que as causas externas são causas previsíveis e preveníveis, é inaceitável que, atualmente, os jovens venham a perder suas vidas por essas causas. A etiologia das mortes por causas externas é multifatorial, tem raízes biológicas, psicológicas, sociais e ambientais e deve ser enfrentada, concomitantemente, por vários seguimentos da sociedade.14

Nos menores de um ano de idade, as causas externas apresentam características especiais, bastante relacionadas com o cuidador da criança, muitas vezes a própria mãe. Alguns dados são interessantes para entender a mortalidade por causas externas em menores de um ano. Por exemplo, a idade da mãe: quanto mais nova, maior sua inexperiência e risco da mortalidade por causa externa para o filho.2 O número de filhos, por sua vez, determina o maior número de crianças a serem supervisionadas e, consequentemente, o maior risco de acidente ou violência decorrente do déficit ou dificuldade nessa supervisão.2 O grau de instrução da mãe de crianças menores de um ano também pode ser considerado um fator de risco para mortalidade por causas externas: sua baixa instrução pode contribuir para o desconhecimento dos cuidados que viriam a reduzir o risco de acidentes com seus filhos.29 Nessa casuística, encontrou-se a mesma proporção para cada ano de estudo. Tendo em vista que, entre os óbitos menores de 1 ano de idade, a maioria das mães era adulta jovem e seu grau de instrução apresentava uma distribuição homogênea, há que se refletir sobre a real influência desses fatores nas mortes por causas externas, principalmente pelo número reduzido de mortes de menores de 1 ano encontradas aqui.

Quanto ao preenchimento da Declaração de Óbito (DO), autores28 relatam que no Brasil, culturalmente, alguns dados da DO são desvalorizados, seus campos não são preenchidos ou não constituem dados fidedignos. O preenchimento correto da DO auxilia no conhecimento real da situação da mortalidade - especialmente da mortalidade por causas externas, cujos óbitos são preveníveis - e, consequentemente, no planejamento de ações de promoção e prevenção.28

No presente estudo, houve vários casos em que o evento relatado na DO não permitia que o óbito tivesse ocorrido como acidente de trabalho; contudo, o item foi marcado como 'ignorado'.

Em relação à intencionalidade do evento, foi possível perceber que em aproximadamente 12,0% dos casos, houve mudança na intencionalidade após a investigação da Vigilância de Óbitos da Secretaria Municipal de Saúde de Cuiabá-MT, demonstrando que, algumas vezes, o preenchimento da DO não é fidedigno. Esta investigação chama a atenção, principalmente, para essas mudanças no registro da causa de morte na DO, de 'acidental' para 'intencional'. Essa modificação, possivelmente, revela o mascaramento inicial da violência. Não obstante todas as falhas no preenchimento da DO, ao longo da última década, têm ocorrido melhoras no preenchimento do documento, perceptíveis na redução do número de causas cuja intenção é indeterminada.28

O perfil epidemiológico das mortes por causas externas em Cuiabá-MT é semelhante ao do Brasil: a maioria dos óbitos resulta de agressão, em que prevalece a arma de fogo e são mais acometidos os indivíduos do sexo masculino, de cor ou raça negra e na fase juvenil.

As causas externas constituem um problema multifatorial. É necessário que haja uma combinação de medidas preventivas desses eventos, incluindo leis, esforços educativos, produtos de segurança, acesso a melhores condições socioeconômicas, além de avanços no atendimento ao trauma para minimizar as sequelas e aumentar a sobrevida das vítimas.

Também é necessário trabalhar a prevenção das causas externas para evitar mortes precoces, reduzindo o impacto econômico dos gastos com internações e das perdas de vida produtiva, além das consequências emocionais e psicológicas para as famílias que perdem seus entes queridos, sobretudo crianças, adolescentes e jovens.

A qualidade das informações sobre a mortalidade por causas externas também deve ser melhorada, com o preenchimento correto da Declaração de Óbito. A disponibilidade de dados mais fidedignos e um melhor conhecimento do perfil epidemiológico das causas externas deve fundamentar ações específicas para a redução dessas mortes, além de otimizar o trabalho da Vigilância de Óbitos no município de Cuiabá-MT.

 

Agradecimentos

Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES -, pela concessão de bolsa de Mestrado e à Secretaria Municipal de Saúde de Cuiabá-MT, pela disponibilização dos dados.

 

Contribuição dos autores

Todos os autores contribuíram substancialmente para a concepção e planejamento do projeto, obtenção ou análise e interpretação dos dados, elaboração ou revisão crítica do conteúdo e participação na aprovação da versão final do manuscrito.

 

Referências

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Recebido em 08/11/2011
Aprovado em 13/03/2012