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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.21 n.1 Brasília mar. 2012

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742012000100011 

ARTIGO ORIGINAL

 

Condições de saúde bucal em crianças, adolescentes e adultos cadastrados em Unidades de Saúde da Família do Município de Salvador, Estado da Bahia, Brasil, em 2005

 

Oral health status of children, adolescents, and adults registered in Family Health Units Service in the Municipality of Salvador, State of Bahia, Brazil, in 2005

 

 

Tatiana Frederico de AlmeidaI; Maria Cristina Teixeira CangussuII; Sônia Cristina Lima ChavesII; Thaís Marques AmorimIII

ICurso de Odontologia da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador-BA, Brasil. Secretaria Municipal de Saúde de Salvador, Salvador-BA, Brasil
IIDepartamento de Odontologia Social e Pediátrica, Universidade Federal da Bahia, Salvador-BA, Brasil
IIIFaculdade de Odontologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador-BA, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever as condições de saúde bucal de crianças, adolescentes e adultos, residentes em áreas da Estratégia Saúde da Família no Município de Salvador, Estado da Bahia, Brasil, em 2005.
MÉTODOS: trata-se de estudo transversal, cuja população foi constituída por 1.258 crianças, 1.286 adolescentes e 1.249 adultos; os exames foram realizados em escolas e domicílios.
RESULTADOS: o percentual de indivíduos livres de cárie variou de 51,1 a 1,3%, de acordo com a idade; a gravidade da cárie aumentou da infância para a fase adulta (índice de dentes cariados, perdidos e obturados - índice CPO-D - médio de 1,4 e 14,10, respectivamente); a necessidade de prótese inferior e superior foi frequente na adolescência (13,8% e 6,2%, respectivamente) e entre adultos (79,7% e 70,1%, respectivamente); a prevalência de fluorose foi de 18,0% nas crianças e de 9,0% nos adolescentes.
CONCLUSÃO: verificou-se elevada prevalência e gravidade de problemas bucais; a epidemiologia aplicada aos serviços de saúde pode colaborar para o planejamento e monitoramento das ações de enfrentamento dos agravos identificados.

Palavras-chave: epidemiologia nos serviços de saúde; cárie dentária; fluorose dentária; prótese dentária; serviços de saúde; estudo transversal.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe oral health conditions of children, adolescents and adults residents in areas of the Family Health Strategy in the Municipality of Salvador, State of Bahia, Brazil, in 2005.
METHODS: cross sectional study in a population of 1.258 infants, 1.286 adolescents and 1.249 adults; the exams were carried out in schools and residences.
RESULTS: the percentage of caries free individuals variedfrom 51.1 to 1.3%, according to age; caries severity also increasedfrom childhood to adulthood (number of decayed, missing andfilled teeth - DMF-T index 1,4 and 14,1, respectively); lower and upper prosthesis need was frequent in adolescence (13.8% and 6.2%, respectively) and between adults (79.7% and 70.1%, respectively); the prevalence of fluorosis was 18.0% in children and 9.0% in adolescents.
CONCLUSION: it was observed high prevalence and severity of oral problems; epidemiology applied to health services can collaborate on planning and monitoring actions conduced to identify problems.

Key words: health services epidemiology; dental caries; dental fluorosis; dental prosthesis; health services; cross-sectional study.


 

 

Introdução

A Epidemiologia proporciona as bases para a análise da distribuição e magnitude dos problemas de saúde na população. Ela fornece dados essenciais ao planejamento estratégico situacional e valoriza as necessidades de saúde locais, na perspectiva da definição de ações e oferta de serviço. Inquéritos epidemiológicos em saúde bucal são utilizados com o objetivo de coletar informações sobre o perfil de saúde bucal de uma população, e assim avaliar a adequação e a efetividade dos serviços, possibilitando modificações em seu planejamento.1

Teixeira2 destaca o grande dinamismo da produção científica de "enfoque epidemiológico" no Brasil e a contribuição da Epidemiologia ao desenvolvimento teórico-metodológico do planejamento em saúde. A autora considera que a reorientação dos modelos de gestão, financiamento e organização, e de atenção em saúde, não podem prescindir da Epidemiologia enquanto saber científico e prática instrumental que revelam a especificidade dos objetos de conhecimento e de intervenção em saúde em sua dimensão populacional, ou seja, coletiva.

No Brasil, foram realizados quatro estudos epidemiológicos nacionais de saúde bucal, o último deles finalizado em 2010;3 todavia, até o presente momento, seus resultados foram parcialmente divulgados pelo Ministério da Saúde. A cárie dentária ainda é a principal patologia a acometer a cavidade bucal. Resultados do Projeto Saúde Bucal Brasil 2010 (SB Brasil), último inquérito nacional, revelaram que quase 56,0% das crianças brasileiras de 12 anos de idade apresentam pelo menos um dente permanente com experiência de cárie dentária,3 enquanto no penúltimo levantamento nacional, a prevalência de cárie era de 70,0% no mesmo grupo etário.4 Trata-se de uma melhoria significante nessa realidade, embora os dados coletados também reflitam as dificuldades tanto na ampliação do acesso aos recursos de atenção à saúde bucal como na garantia de tratamento odontológico às pessoas afetadas.5

Um dos principais indicadores de risco para edentulismo é a perda dentária precoce. No Brasil, a faixa etária de 35 a 44 anos apresenta um índice de dentes cariados, perdidos e obturados - Índice CPO-D - médio de 16,3, segundo resultados do SB Brasil;3 o componente perdido é o grande responsável pela alta pontuação do CPO-D. Em regiões ou países onde uma proporção significativa da população não tem acesso regular a ações de promoção da saúde bucal e serviços odontológicos, o tratamento da cárie dentária é realizado em estágio tardio, com exodontia dos dentes afetados.6

Ainda em relação à cárie, os resultados nacionais apontam para uma distribuição heterogênea da doença nas idades de 12, 15 a 19 e 35 a 44 anos, com diferenças entre macrorregiões: maior proporção de cárie no Nordeste e menor proporção no Sul.4,5

Historicamente, a população adulta brasileira, especialmente a mais idosa, por ter acumulado ao longo da vida necessidades de atenção que, efetivamente, não foram oferecidas pelo setor Saúde, apresenta os piores indicadores de saúde bucal quando comparada a outras faixas etárias. O SB Brasil evidenciou acentuada necessidade de prótese entre adultos.3

Diante desse quadro, o edentulismo torna-se um problema de Saúde Pública para o qual se faz necessária - e de grande relevância - a implantação de uma atenção especializada pelo Sistema Único de Saúde (SUS).7 A fluorose dentária origina-se na exposição do germe dentário a altas concentrações do íon flúor durante seu processo de formação. A doença é mais frequente em dentes de mineralização tardia (dentição permanente), em crianças de baixo peso ou precário estado nutricional ou insuficiência renal crônica. As faixas etárias da primeira e segunda infância são consideradas as de maior risco à ingestão do flúor sistêmico e, consequentemente, mais vulneráveis a seus efeitos maléficos.8,9 O penúltimo SB Brasil revelou que a fluorose acometeu cerca de 9,0% das crianças de 12 anos e 5,0% dos adolescentes brasileiros entre 15 e 19 anos de idade.4

A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Salvador, capital do estado da Bahia, dada a necessidade de traçar o perfil de saúde bucal da população residente no município, realizou, em 2005, um inquérito epidemiológico de saúde bucal envolvendo indivíduos de diferentes faixas etárias. Aplicou-se a metodologia preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS)1 e pelo SB Brasil,4 adaptada à realidade do sistema de saúde local. Sua realização contou com a participação de profissionais da SMS de Salvador-BA, Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia e Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia.

O objetivo deste trabalho foi descrever as condições de saúde bucal de crianças, adolescentes e adultos residentes em áreas cobertas pela Estratégia Saúde da Família no município de Salvador-BA, a partir dos dados coletados por este inquérito. Vale ressaltar que, até então, inexistiam levantamentos das conduções bucais para esses grupos populacionais, o local e a região.

 

Métodos

Salvador está dividido em 12 distritos sanitários. A implantação da Estratégia Saúde da Família no município iniciou-se no final da década de 1990, no Distrito Sanitário (DS) Subúrbio Ferroviário, o qual apresentava as piores condições sanitárias e socioeconômicas.

No ano de 2005, a Estratégia Saúde da Família já assistia a maioria da população desse distrito, enquanto se expandia para outras áreas da cidade. A cobertura do Programa de Saúde Bucal ainda era baixa, em relação à população total do município. Naquele ano, Salvador dispunha de 35 Unidades de Saúde da Família (USF), em que atuavam 79 equipes de profissionais de saúde bucal (ESB), representando uma cobertura de cerca de 30,0% desses serviços. O município também contava com um programa de Procedimentos Coletivos de Saúde Bucal, responsável pela realização de ações preventivas e educativas em escolas públicas de alguns distritos. Nos DS do Centro Histórico e da Boca do Rio, áreas não cobertas pelas ESB da Estratégia Saúde da Família, a seleção e o exame das crianças de 12 anos de idade para este inquérito foram realizados em três escolas assistidas pelo Programa de Procedimentos Coletivos de Saúde Bucal; as faixas etárias de 15 a 19 anos e 35 a 44 anos não foram avaliadas nesses distritos.

O cálculo da amostra e a seleção dos participantes foram efetuados com base na estratégia proposta pela OMS1 para levantamentos de saúde bucal em áreas com nível de prevalência de cárie e doença periodontal variando de baixo a moderado, uma vez que levantamentos anteriores de cárie dentária apontavam esses níveis de prevalência entre a população de Salvador.4,10 Dessa forma, o tamanho da amostra foi calculado em 40 indivíduos de cada faixa etária por área de abrangência de cada ESB e nas áreas cobertas pelo programa de Procedimentos Coletivos de Saúde Bucal. Os participantes foram selecionados mediante sorteio aleatório simples, com base em uma listagem prévia de todos os indivíduos com 12 anos completos e nas faixas etárias de 15 a 19 e 35 a 44 anos, cadastrados nos programas e assistidos pelas ESB. Para os casos de recusa, outros indivíduos foram sorteados de maneira a não haver perdas na amostra.

A coleta dos dados foi realizada por 35 ESB, cada uma constituída de um cirurgião-dentista, um auxiliar de saúde bucal (ASB) e seis agentes comunitários de saúde (ACS); além de três cirurgiões-dentistas e três ASB que atuavam no programa de Procedimentos Coletivos de Saúde Bucal e avaliaram apenas o grupo de 12 anos de idade. O cirurgião-dentista efetuou o exame clínico bucal; e um ASB ou um ACS de cada ESB, previamente treinado pelo cirurgião-dentista, realizou o registro dos dados. A coleta aconteceu no decorrer do desenvolvimento das atividades coletivas das equipes, quais foram: atividades educativas, visitas domiciliares ou procedimentos coletivos.

Padronizou-se os procedimentos clínicos e os critérios diagnósticos do exame (via calibração do exame antes do início do inquérito) de 100 alunos de escolas públicas municipais. Obteve-se uma concordância geral inter-examinador de 95,0% para o diagnóstico da cárie dentária e de cerca de 80,0% para as outras condições. A concordância intra-examinador não foi avaliada.

Nos grupos de 15 a 19 e 35 a 44 anos, o exame clínico visual foi realizado à luz natural, em ambiente domiciliar; e para as crianças de 12 anos de idade, nas escolas. Espátulas de madeira descartáveis foram utilizadas para afastamento dos tecidos bucais; e gaze, para secagem. Em todas as faixas etárias, avaliou-se a condição de cárie dentária de acordo com os critérios do Índice CPO-D; a fluorose dentária foi mensurada nos indivíduos de 12 e 15 a 19 anos de idade, conforme o Índice de Dean; e para a avaliação do uso e da necessidade de prótese dentária nos indivíduos de 15 a 19 e 35 a 44 anos de idade, utilizou-se a metodologia proposta pela OMS,1 utilizada no SB Brasil.4

A análise de consistência do banco de dados e a análise descritiva dos dados foram realizadas pelo programa Epi Info versão 6.04.11

Aos pais ou responsáveis pelos participantes de 12 anos de idade, foram informados os objetivos do estudo e as técnicas a serem adotadas durante o exame bucal, solicitando-se sua autorização por escrito. Os indivíduos selecionados entre os demais grupos etários também foram informados sobre os termos do estudo antes de concordarem e se submeterem ao exame bucal. Quando necessário, os participantes foram encaminhados para atendimento odontológico na USF ou em unidades básicas de saúde (UBS).

O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Professor Edgard Santos, da Universidade Federal da Bahia (Processo no 17/2005).

 

Resultados

Participaram deste inquérito 1.258 indivíduos na idade de 12 anos (50,6% ao sexo masculino), 1.286 da faixa etária de 15 a 19 anos (56,6% do sexo feminino) e 1.249 da faixa etária de 35 a 44 anos (70,0% do sexo feminino).

Na Figura 1, observa-se a gravidade da cárie dentária, conforme a distribuição do CPO-D nas diferentes faixas etárias. O CPO-D aos 12 anos de idade, de 1,4, aumentou para 3,3 entre 15 e 19 anos; na faixa etária de 35 a 44 anos, esse índice foi igual a 14,1.

 

 

A Figura 2 apresenta a distribuição percentual dos componentes do CPO-D. Na faixa etária de 12 anos, o componente 'cariado' representou uma importante parcela na composição do CPO-D (60,7%), seguido dos componentes 'obturado' (30,6%) e 'perdido' (8,7%). Na faixa etária de 15 a 19 anos, o componente 'cariado' manteve o CPO-D elevado (54,0%); porém, houve um aumento do percentual de dentes perdidos em relação ao grupo de 12 anos de idade (13,4%) e o componente 'obturado' representou 32,6% dos dentes acometidos pela cárie. Dos 35 aos 44 anos, destacou-se o componente 'perdido' (60,0%), seguido dos componentes 'obturado' (21,0%) e 'cariado' (19,0%).

 

 

Em relação aos indivíduos livres de cárie (Figura 3), a idade de 12 anos apresentou 51,1% dos indivíduos livres de cárie, percentual que se viu reduzido à metade nos indivíduos de 15 a 19 anos (24,7%) sob a mesma condição de saúde bucal. Daqueles entre os 35 e os 44 anos de idade, apenas 1,3% se encontrava livre de cárie.

 

 

Não se observou fluorose dentária (condição avaliada a partir das categorias 'Normal' e 'Questionável' do Índice de Dean) em 69,6% dos indivíduos de 12 anos de idade e em 65,3% dos indivíduos na faixa etária de 15 a 19 anos. Quando presente, a fluorose se expressou com maior frequência na categoria muito leve do Índice de Dean (12,9% e 6,2% para as idades de 12 e 15 a 19 anos, respectivamente) e leve (4,6% e 2,1% para as idades de 12 e 15 a 19 anos, respectivamente), havendo baixa prevalência de fluorose moderada e severa em ambas as faixas etárias (Tabela 1).

 

 

Quanto ao uso de prótese, o indicador mostrou-se praticamente inexistente entre os indivíduos de 15 a 19 anos (0,5%), aumentando para 23,0% na faixa etária de 35 a 44 anos. A Tabela 2 apresenta a necessidade de prótese nas faixas etárias de 15 a 19 anos e 35 a 44 anos. No grupo de 15 a 19 anos, 6,2% dos indivíduos necessitavam de prótese superior enquanto 13,8% dos indivíduos necessitavam de prótese inferior. A prótese fixa (PF) ou prótese parcial removível (PPR) para substituição de um elemento dentário foi o tipo de prótese mais necessário. Esse indicador sofreu considerável aumento entre os indivíduos de 35 a 44 anos: 70,1% necessitavam de alguma prótese superior e 79,7% de prótese inferior, sendo mais prevalente a necessidade de uma PF ou uma PPR com mais de um elemento (Tabela 2).

 

 

Discussão

Embora se tenha observado declínio da cárie dentária no Brasil nas últimas décadas, o agravo persiste como o maior problema de saúde bucal para a maioria - afeta 60,0 a 90,0% - da população mundial. No Brasil em geral, nas últimas décadas, houve avanços na situação epidemiológica dos escolares, decorrentes de melhorias no acesso aos serviços de atenção primária à saúde, da obrigatoriedade de dentifrícios e água de abastecimento fluoretados; e de ações coletivas de prevenção realizadas em escolas de todo o país, coordenadas, principalmente, pelo setor público.12

No presente estudo, observou-se o aumento da ocorrência e gravidade da cárie dentária no período da infância à adolescência. O SB Brasil também revelou índices de cárie mais elevados na adolescência, comparativamente à infância (CPO-D aos 12 anos de idade igual a 2,10; e entre os 15 e os 19 anos, igual a 4,2).3 Estudo realizado no estado de São Paulo em 200213 apresentou um CPO-D igual a 2,5 aos 12 anos e de 7,1 aos 18 anos de idade. Outro estudo realizado no mesmo estado, em 2005,14 verificou um CPO-D igual a 6,4 em adolescentes de 15 a 19 anos.

A transição de uma fase da vida para outra representa um período de risco para a evolução desse agravo. O componente 'cariado' do CPD-O tem representação importante na CPO-D, em ambas as idades, conforme demonstra este estudo. Ademais, revela a precária assistência a essa população pelos serviços de saúde locais.15 Bastos e colaboradores16 verificaram que o componente 'cariado' aos 12 anos de idade foi igual a 46,8%; e Gushi13 identificou que o mesmo componente do CPO-D representou 21,5% do total de dentes atacados pela cárie em adolescentes de 15 a 19 anos. O penúltimo SB Brasil também identificou elevados percentuais do componente 'cariado' aos 12 anos e na faixa etária de 15 a 19 anos (58,7% e 42,2%, respectivamente).4 Tal situação acaba progredindo para o aumento de perda dentária precoce na faixa de 15 a 19 anos (13,4% dos dentes atacados pela cárie haviam sido extraídos nesse grupo, de acordo com os resultados apresentados); a mesma faixa etária também apresentou aumento percentual do componente 'obturado', revelando a predominância de procedimentos cirúrgico-restauradores - de efetividade limitada, no contexto vigente - em detrimento de práticas preventivas, estas de maior efetividade.14,15,17

Ainda que este estudo não se tenha debruçado sobre os determinantes sociais da saúde, segundo Frias,5 "identificar os determinantes sociais e individuais da cárie dentária entre os adolescentes pode contribuir para a prevenção da cárie e para a promoção da saúde bucal."

A população adulta brasileira ainda apresenta um quadro epidemiológico de saúde bucal bastante grave. Neste inquérito, verificou-se elevado CPO-D no grupo de indivíduos de 35 a 44 anos: somente 1,3% destes não possuía história de cárie. Chama a atenção o elevado percentual de dentes perdidos, encontrado na análise da respectiva composição percentual do CPO-D. Em adultos da mesma faixa etária, Frazão6 observou percentual de 51,7% no componente 'perdido' do índice. O penúltimo SB Brasil4 verificou que o componente 'perdido' representou 65,7% do total de dentes acometidos pela cárie entre os adultos brasileiros.

Sobre os fatores responsáveis pela alta prevalência de cárie na população adulta no país, tem-se debatido sobre essa faixa de idade não ter recebido os benefícios do flúor, no curso da vida. Apenas recentemente, medidas preventivas mais efetivas foram adotadas em nível nacional, como o abastecimento de água fluoretada e a disponibilidade dos dentifrícios fluoretados, em um estágio da vida quando a população já teria acumulado a doença cárie e suas sequelas.18,19 Partindo desse pressuposto, evidencia-se a necessidade de reorientar os serviços públicos de saúde no sentido da implementação de práticas que previnam novas perdas dentárias, proporcionando uma condição de saúde bucal que não comprometa o sistema estomatognático e o desenvolvimento físico e emocional da população.18,20

O percentual de indivíduos livres de cárie, encontrado por este estudo, foi inversamente proporcional ao avanço das faixas etárias. Para Petry e colaboradores,21 isso ocorre em função das desigualdades sociais e da má distribuição de renda, fatores determinantes de dificuldades no acesso a serviços odontológicos e produtos de higiene bucal, gerando, consequentemente, acúmulo de problemas bucais. É mister desenvolver estudos epidemiológicos com o objetivo de conhecer e monitorar as tendências de cárie na população e, a partir de suas conclusões, formular políticas, estratégias de ação e metas, em conjunto com os serviços de saúde visando à prevenção e controle desse agravo. Dessa forma, é possível a promoção de saúde, com indicações específicas, e de suas ações para cada faixa etária, focadas em todos os níveis de complexidade da doença.22,23

Em relação à fluorose dentária, quando presente, manifestou nas condições leve e muito leve, nos grupos etários avaliados: 12 e 15 a 19 anos de idade. Em 1999, estudo realizado no estado de Santa Catarina24 com indivíduos de 12 anos de idade apresentou alta prevalência de indivíduos normais (72,2%) e predominância de fluorose leve (5,6%) e muito leve (17,3%). Comparativamente, em 2004, um estudo realizado em Salvador25 com adolescentes de 12 e 15 anos verificou uma prevalência de indivíduos normais de 78,8%, enquanto a fluorose, aqui também, foi predominante nas categorias leve (3,1%) e muito leve (13,1%). São resultados similares aos encontrados pelo SB Brasil.4

Para Frazão e colaboradores,26 em locais com adequados teores de flúor na água de abastecimento e o devido monitoramento - regular e periódico - de sua concentração, não se espera encontrar elevadas manifestações de fluorose nas formas mais leves, esteticamente aceitáveis. Não obstante, é sugestivo que haja risco de agravamento dessa situação pela difusão dos dentifrícios fluoretados cujo uso foi regulamentado e difundido neste país, na década de 1990, sendo necessário acompanhar a tendência de prevalência e gravidade da doença, mediante estudos longitudinais.8,25,27

Quanto ao uso e necessidade de prótese dentária em adolescentes e adultos, em ambas as faixas etárias avaliadas, o percentual de uso de prótese sempre foi inferior à necessidade. O último SB Brasil3 verificou, na faixa de 15 a 19 anos de idade, um percentual de necessidade de prótese de 13,0%. O mesmo estudo também identificou, na faixa etária de 35 a 44 anos, uma necessidade de prótese da ordem de 69,0%. Moimaz20 observou, em indivíduos de 18 anos, que 1,0% deles usava prótese, enquanto a necessidade de prótese para a mesma idade era de 9,3%. Segundo a mesma investigação, no grupo etário de 35 a 44 anos, a frequência de uso de prótese foi de 48,7%, situação reveladora da baixa resolubilidade dos serviços de saúde bucal que todavia, por não absorverem essa grande demanda, permitem o acúmulo da demanda por tratamento.18,28

Algumas limitações metodológicas desta investigação devem ser consideradas: a não realização de um cálculo amostral probabilístico para a cidade de Salvador, impossibilitando inferências dos resultados para a capital baiana; e a não realização da calibração intraexaminador (realizou-se apenas a calibração inter-examinador), o que pode ter comprometido a validade interna dos achados. Os resultados do último levantamento nacional de saúde bucal ainda não foram divulgados em sua íntegra, razão porque alguns resultados deste estudo tiveram de ser comparados com os do penúltimo levantamento.

O presente trabalho permitiu o uso da Epidemiologia descritiva nos serviços de saúde do município de Salvador. Todos os profissionais participantes foram treinados pelos coordenadores operacionais deste inquérito, tanto na realização como na análise e interpretação dos resultados obtidos em suas áreas, o que possibilitou, além do planejamento de ações locais de saúde bucal mais efetivas, voltadas às reais necessidades de saúde da população, a aproximação de cirurgiões-dentistas dos instrumentos metodológicos da Epidemiologia enquanto ciência da Saúde Coletiva. Realizou-se uma análise da situação de saúde bucal, prática relevante no enfoque do planejamento estratégico situacional,29 principalmente da população de moradores em áreas cobertas pela Estratégia Saúde da Família. Seu intuito foi descrever as condições de saúde bucal, possibilitando futuras intervenções, além de avaliar o impacto de programas, serviços e tecnologias, o que faz deste inquérito um exemplo prático da utilização da Epidemiologia como instrumento de trabalho no serviço público de saúde municipal.

Paim30 afirma que uma Epidemiologia que colabore na conformação de sujeitos sociais comprometidos com uma prática sanitária voltada para a generosidade, a solidariedade e a ética na luta pela saúde e qualidade de vida, é uma aposta na planificação e gestão de um sistema de serviços de saúde que se pretende efetivo, democrático, equânime e humanizado. Conforme ressalta Teixeira:31

"A utilização de conhecimentos, técnicas e instrumentos epidemiológicos nos diversos momentos do processo de formulação de políticas, planejamento, programação e avaliação constitui hoje um campo aberto à experimentação e reflexão crítica que certamente contribuirá para o avanço conceitual, metodológico e operacional da Saúde Coletiva, bem como para a introdução de mudanças na gestão dos sistemas e a organização e operacionalização das práticas de saúde."

Os resultados deste estudo, do efeito cumulativo da cárie nas diferentes faixas etárias, refletem a necessidade de reorientação dos serviços públicos de saúde locais. No que se refere à cobertura e acesso a serviços de prevenção de base coletiva e tratamento odontológico restaurador, fazem-se necessários inquéritos epidemiológicos focados no monitoramento das tendências de cárie dentária e fluorose na população, capazes de orientar a formulação de políticas públicas de saúde bucal mais efetivas para toda a sociedade.

 

Contribuição dos autores

Almeida TF, Cangussu MCT, Chaves SCL e Amorim TM participaram do planejamento da pesquisa, metodologia, análise dos dados e redação final do artigo.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
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Recebido em 02/06/2010
Aprovado em 19/03/2012