SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21 número2Vigilância de infecção de sítio cirúrgico pós-alta hospitalar em hospital de ensino do Distrito Federal, Brasil: estudo descritivo retrospectivo no período 2005-2010Internações por condições sensíveis à atenção primária no Espírito Santo: estudo ecológico descritivo no período 2005-2009 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

  • Não possue artigos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.21 n.2 Brasília jun. 2012

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742012000200009 

ARTIGO ORIGINAL

 

Mortalidade infantil na cidade de Pelotas, estado do Rio Grande do Sul, Brasil, no período 2005-2008: uso da investigação de óbitos na análise das causas evitáveis

 

Infant mortality in the city of Pelotas, state of Rio Grande do Sul, Brazil, in the period 2005-2008: use of death investigation in the analysis of avoidable causes

 

 

Vera Lucia Schmidt da SilvaI; Iná S. SantosI; Nélida Souza MedronhaII; Alicia MatijasevichI

IPrograma de Pós-graduação em Epidemiologia, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas-RS, Brasil
IIHospital São Francisco de Paula, Pelotas-RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: avaliar a evitabilidade dos óbitos infantis em Pelotas, no período 2005-2008, e comparar resultados da auditoria de óbito pós-investigação com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM).
MÉTODOS: as causas de óbito foram classificadas conforme a Classificação Internacional de Doenças, 10a Revisão; a evitabilidade foi classificada conforme a 'Lista de causas de mortes evitáveis por intervenções no âmbito do Sistema de Saúde do Brasil para menores de cinco anos de idade'.
RESULTADOS: segundo informação das auditorias, 43,6% dos óbitos eram redutíveis por adequada atenção à mulher na gestação e segundo os dados do SIM, 41,9% dos óbitos eram redutíveis por adequada atenção ao recém-nascido.
CONCLUSÃO: a evitabilidade se altera conforme a origem dos dados, auditorias de óbito ou SIM. A classificação de evitabilidade proposta na Lista de causas de mortes evitáveis somente pode ser usada quando se dispõe de minuciosa informação das causas que levaram ao óbito.

Palavras-chave: Mortalidade Infantil; Qualidade, Acesso e Avaliação da Assistência à Saúde; Avaliação de Serviços de Saúde.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to evaluate evitability of infant deaths in the municipality of Pelotas, Brazil 2005-2008, and compare results from the audit of post-investigation deaths using data from Mortality Information System (SIM).
METHODS: causes of death were classified according to the International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems, 10th Revision; evitability was classified according to the 'List of Avoidable Causes of Death Due to Interventions of the Brazilian Health System for Children Under Five'.
RESULTS: information from audits of deaths showed that 43.6% of those were reducible by providing proper carefor women during pregnancy; and using SIM data, 41.9% of deaths were reducible by providing adequate newborn care.
CONCLUSION: evitability changes with relation to the source of data, death audits or SIM. The classification of evitability proposed by the List of Avoidable Causes of Death should only be used when detailed information of cause of death is provided.

Key words: Infant Mortality; Quality, Access and Evaluation of Health Care; Health Services Evaluation.


 

 

Introdução

A taxa de mortalidade infantil (TMI) é um dos indicadores básicos de desenvolvimento humano e revela muito sobre as condições de vida e a assistência à saúde de uma população.1-3 O componente pós-neonatal da mortalidade infantil reflete as condições de vida, como também as condições de atenção à saúde e a qualidade dos recursos disponíveis para os cuidados de saúde preventivos e curativos.4 De maneira geral, a mortalidade no período neonatal é um reflexo das condições socioeconômicas e de saúde da mãe, da qualidade do atendimento prestado na assistência ao pré-natal, no momento do parto, e ao recém-nascido.5 Classicamente, eram reconhecidos quatro fatores fundamentais para os cuidados dos recém-nascidos, que influenciavam diretamente a probabilidade de sobrevivência neonatal, o ambiente, as técnicas alimentares, os perigos da infeção e o contato mãe-bebê.6 Atualmente, a introdução de novas tecnologias, como a administração do corticóide antenatal, o uso do surfactante neonatal e a ventilação de alta frequência, entre outras, tem importante influência nas taxas de mortalidade neonatal.7

No Brasil, apesar da queda importante na mortalidade infantil na última década, especialmente em função da redução da mortalidade pós-neonatal, as taxas ainda são consideradas elevadas. Observa-se uma estagnação na mortalidade neonatal - principal componente da mortalidade infantil - e uma concentração de altas taxas de mortalidade nas regiões e populações mais pobres, refletindo as desigualdades sociais e econômicas todavia bastante presentes no país.8,9 No município de Pelotas, estado do Rio Grande do Sul, entre 1995 e 2005, a TMI mantinha-se estagnada em torno de 20 óbitos em mil nascidos vivos, acima da média do Estado.10

No ano de 2004, como uma das iniciativas para redução da mortalidade infantil na cidade, foi implantado o Comitê Municipal de Investigação de Óbito Infantil, Fetal e Morte Materna (COMAI). Este comitê assumiu a responsabilidade da investigação de cada óbito ocorrido na cidade, procurando não apenas determinar sua evitabilidade como também especificar as respectivas medidas de prevenção.11 A análise das mortes infantis por sua evitabilidade é um importante indicador de efetividade dos serviços de saúde e seu monitoramento pode ser de grande relevância para a avaliação dos serviços de saúde.12

Em 2005, foram firmadas parcerias com diversos segmentos da saúde (Secretarias de Estado e Municipal de Saúde, 3a Coordenadoria Regional de Saúde, Universidades Federal e Católica de Pelotas-RS), buscando juntar esforços para a prevenção da mortalidade infantil.

O presente estudo teve como objetivos principais: a) realizar um diagnóstico da situação da mortalidade infantil na cidade de Pelotas-RS, no período de 2005 a 2008; b) classificar os óbitos ocorridos no período, segundo a 'Lista de mortes evitáveis por intervenções no âmbito do Sistema Único de Saúde do Brasil para menores de cinco anos de idade', proposta por Malta e colaboradores;13 e c) comparar os resultados dessa classificação usando informações da auditoria de óbito pós-investigação e dados disponíveis pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM).

 

Métodos

Este foi um estudo descritivo. O universo foi constituído por todos os óbitos infantis de filhos de mulheres residentes na cidade de Pelotas-RS, ocorridos no período de 2005 a 2008.

Os óbitos infantis (crianças que morreram antes de completar um ano de vida) foram classificados como óbitos neonatais precoces (óbitos ocorridos entre o nascimento e os seis dias completos de vida), óbitos neonatais tardios (óbitos ocorridos entre o 7o e os 27 dias completos de vida) e óbitos pós-neonatais (óbitos ocorridos entre o 28o e os 364 dias de vida).14

Sistematicamente, todos os óbitos infantis ocorridos no período passaram pelo processo de investigação das causas do óbito realizado pelo COMAI. Esse processo consistiu na análise das declarações de óbito (DO), realização de entrevista com a família e com o médico responsável e investigação dos prontuários hospitalar e ambulatorial, identificando-se todos os eventos ocorridos desde o aparecimento do primeiro sinal da doença até a consecução do óbito. Para coleta das informações, foram utilizados os formulários de investigação dos óbitos infantil e fetal sugeridos pelo 'Manual dos comitês de prevenção do óbito infantil e fetal', do Ministério da Saúde, publicado no ano de 2005.15

Concluído o processo de investigação (entrevista no domicílio e investigação de prontuários), as informações foram analisadas por um grupo técnico, composto por três integrantes do COMAI. O grupo analisou os óbitos, identificou os problemas surgidos no processo da atenção e classificou as causas básicas de óbitos infantis segundo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10a Revisão (CID-10), agrupando-as conforme a frequência: perinatais (P00 a P96); malformações (Q00 a Q99); infecções respiratórias (J10 a J18, J20 a J22); diarreia (A00 a A09); outras infecções (G00 a G06, A50, B20, M86); outras causas (C74, V87, X91); e causas mal definidas (R95 a R99).

Os problemas identificados nas auditorias de óbito foram agrupados em três categorias: problemas relacionados ao risco social; problemas relacionados com o acesso aos serviços de saúde; e problemas na qualidade do atendimento prestado.

Foram considerados problemas relacionados ao risco social: mães sem companheiro; mães com baixa escolaridade (menos que 4 anos de estudo); mães com idade menor que 20 anos e maior que 35 anos; presença de moradia precária (locais com déficit de serviços urbanos básicos e/ou loteamentos clandestinos); baixa renda (renda inferior a um salário mínimo); história de óbito de outro filho; mães tabagistas; violência familiar (maus-tratos de algum membro da família contra a mãe registrados no prontuário de Unidade Básica de Saúde ou hospital); gravidez indesejada; óbito de outros filhos; ausência de pré-natal; mãe fumante e/ou usuária de drogas; e mãe sem companheiro.

Os problemas de acesso aos serviços de saúde incluíram: falta de captação para o pré-natal (ausência de pré-natal, pré-natal de início tardio e/ou pré-natal incompleto); negação de atendimento (no pré-natal ou à criança, nas Unidades Básicas de Saúde; ou no momento do parto, nas instituições hospitalares); e falta de leito em UTI e/ou maternidade.

Foram consideradas como atendimento inadequado (problemas na qualidade do atendimento prestado) algumas das seguintes situações: diagnóstico tardio e tratamento incorreto; alta do recém-nascido com menos de 24h de vida; não uso materno de corticóide antenatal em pré-termos menores de 34 semanas; trabalho de parto sem assistência no período expulsivo; parto realizado por médico residente sem supervisão direta do preceptor; atendimento do recém-nascido na sala de parto por médico residente sem supervisão direta do preceptor, ou por outro profissional médico que não pediatra; recém-nascido hipotérmico e/ou hipoglicêmico ao ingressar na UTI; e ocorrência de pneumotórax em recém-nascido sob assistência ventilatória mecânica. A única intervenção desnecessária possível de se avaliar no estudo foi a cesariana eletiva com erro na idade gestacional e consequente nascimento de criança pré-termo, situação que foi classificada como problema na qualidade do atendimento prestado.

Foi considerado atendimento pré-natal inadequado: atendimento realizado por estudantes sem supervisão direta do preceptor; não solicitação de exames laboratoriais complementares; gestante com relato de não haver sido examinada; diagnósticos tardios; não identificação de risco gestacional e/ou ausência de encaminhamento para a referência de risco; e não haver realizado vacinas.

Para a análise da evitabilidade dos óbitos infantis, foi utilizada a 'Lista de causas de mortes evitáveis por intervenções no âmbito do Sistema de Saúde do Brasil para menores de cinco anos de idade', proposta por Malta e colaboradores.13 Os óbitos infantis foram classificados como: evitáveis (quando reduzíveis por ações de imunoprevenção; por adequada atenção à mulher na gestação; por adequada atenção à mulher no parto; por adequada atenção ao recém-nascido; por ações adequadas de diagnóstico e tratamento; ou por ações adequadas de promoção à saúde); por causas de morte mal definidas; e por demais causas não claramente evitáveis.

Os óbitos de menores de um ano de mães residentes no município de Pelotas-RS, ocorridos nos anos 2005-2008, foram identificados no banco de dados do SIM. Extraiu-se a causa básica de morte codificada no Sistema e classificou-se a evitabilidade dos óbitos conforme a lista proposta por Malta e colaboradores.13 Compararam-se os resultados da classificação de evitabilidade entre as informações da auditoria de óbito pós-investigação e as informações obtidas na declaração de óbito original.

Foram realizadas análises descritivas. Para cada ano do período 2005-2008, foram calculadas as taxas de mortalidade infantil e de seus componentes, assim como as taxas de mortalidade infantil por causas específicas. As frequências de causas de óbito infantil evitáveis, causas de morte mal definidas e demais causas não claramente evitáveis foram calculadas para cada ano do período estudado. Verificaram-se tendências no período, mediante teste de χ2 de tendência linear.

Todas as informações obtidas das auditorias de óbito infantil para os anos de 2005 a 2008 foram digitadas em um banco de dados, criado pelo programa Epi Info versão 6.04. As análises foram realizadas pelo pacote estatístico Stata (Stata Statistical Software: Release 9.2. College Station, TX: Stata Corporation; 2003).

O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética Médica em Pesquisa da Universidade Federal de Pelotas (Protocolo No 063/09).

 

Resultados

No Município de Pelotas-RS, a taxa de mortalidade infantil (TMI) caiu de 19,8 por mil nascidos vivos em 2005 para 12,2 por 1000 nascidos vivos em 2007, verificando-se um aumento para 16,3 por 1000 nascidos vivos no ano de 2008. Observou-se uma redução em torno de 20,0% da TMI entre os anos de 2005 e 2007; e um aumento da TMI de 33,0% no ano de 2008, em relação a 2007. O componente pós-neonatal apresentou maior redução que o componente neonatal, no período estudado (Tabela 1).

 

 

Em torno de 70,0% dos óbitos infantis ocorreram no período neonatal. Destes, aproximadamente 68,0% aconteceram antes dos 7 dias de vida (37, 38, 21 e 30 óbitos, respectivamente nos anos de 2005, 2006, 2007 e 2008) e 17,0% ocorreram nas primeiras 24h de vida (nove, nove, quatro e dez óbitos, para os respectivos anos estudados). As causas perinatais foram as mais frequentes de óbito infantil, em todo o período. As malformações congênitas ficaram em segundo lugar nos anos de 2005 e 2006; em terceiro lugar, no ano de 2007; e em quarto lugar, no ano de 2008. As causas mal definidas mantiveram-se como a segunda ou terceira causa mais frequente, no período. As infecções respiratórias foram a quarta causa de morte entre os anos de 2005 e 2007, e a terceira causa de morte no ano de 2008. Outras causas e outras infecções variaram de posição, ao longo do período. A diarréia ocupou sempre o último lugar como causa de óbito, em todo o período (Tabela 2).

 

 

Aplicando os critérios de evitabilidade propostos por Malta e colaboradores13 às informações obtidas com as auditorias de óbito, identificou-se que, dos 266 óbitos ocorridos no período, 194 entraram na classificação de evitáveis (72,9% ) (Tabela 3). A maior contribuição correspondeu aos óbitos infantis preveníveis por adequada atenção à mulher na gestação (n=110), representando 56,7% do total dos óbitos evitáveis no período (n=194). As causas reduzíveis por ações adequadas de diagnóstico e tratamento (n=34) ocuparam a segunda posição, com 17,5% dos óbitos evitáveis no período (n=194). As causas reduzíveis por ações adequadas de promoção à saúde diminuíram ao longo do período (χ2 de tendência linear p=0,037). Não se observou qualquer óbito infantil prevenível por ações de imunoprevenção, no período.

 

 

Quando aplicados os critérios de evitabilidade utilizando-se unicamente as informações do SIM, observou-se que a percentagem de óbitos evitáveis foi praticamente igual à obtida usando informações das auditorias de óbito pós-investigação (75,1%). A maior contribuição dos óbitos evitáveis, entretanto, correspondeu aos óbitos infantis preveníveis por adequada atenção ao recém-nascido (41,9%). A segunda posição foi ocupada pelos óbitos reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação (10,8%). Não foram observados óbitos reduzíveis por ações de imunoprevenção. (Tabela 4).

 

 

Entre os problemas identificados nas auditorias de óbito infantil no período, o risco social apresentou uma frequência de 72,0%; as dificuldades de acesso, 46,0%; e os problemas na qualidade do serviço prestado, 59,0% (Figura 1). A falta de captação para o pré-natal (ausência de pré-natal, pré-natal de início tardio e/ou pré-natal incompleto) foi o problema mais observado dentro da categoria de dificuldade de acesso. Negação de atendimento e falta de leito (leito de UTI ou leito em maternidade) foram causas menos frequentes a dificultar o acesso à atenção. Os problemas relacionados com a falta de leito de UTI ou de maternidade aumentaram no período: corresponderam a 3,5% no ano de 2005 e a 38,5% no ano de 2008 (χ2 de tendência linear p=0,009); e ocorreram, principalmente, nas gestantes em trabalho de parto prematuro. Nestes anos observou-se, também, aumento dos problemas relacionados à qualidade do atendimento prestado: de 31,3% para 76,2% (χ2 de tendência linear p<0,001).

 

 

A qualidade do atendimento prestado esteve relacionada, principalmente, ao não uso de corticóide antenatal, a intervenções desnecessárias - como a cesariana eletiva, com erro na idade gestacional e, consequentemente, nascimento de criança pré-termo -, e a hipotermia do recém-nascido pré-termo ao ingressar na Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal. As intervenções desnecessárias, como a cesariana eletiva e ocorrência de nascimento de crianças pré-termo, foram classificadas como um problema relacionado ao parto.

Em 16,0% das auditorias realizadas no ano de 2005, não foi possível estabelecer a causa básica de óbito. Este problema aconteceu com frequência semelhante, em todo o período estudado.

 

Discussão

No presente estudo, observou-se uma redução da taxa de mortalidade infantil - TMI - de 18,0%, com flutuação durante o período. Essa diminuição deveu-se, fundamentalmente, à queda observada na mortalidade pós-neonatal. As causas mais importantes de óbito infantil foram as perinatais, seguidas (em frequência) pelas malformações congênitas e as mal definidas.

Quase três quartos dos óbitos infantis do período poderiam ser evitados. Porém, a classificação das categorias de evitabilidade mudava drasticamente, se os dados utilizados provinham das auditorias de óbito pós-investigação ou do banco do SIM.

No mundo, as TMI vêm caindo desde a década de 1990, embora esse fenômeno ocorra de forma desigual, de acordo com o nível de desenvolvimento de cada país, refletindo suas desigualdades sociais.16-18 Para o mundo como um todo, a TMI em 2005 foi estimada em 72 óbitos por 1000 nascidos vivos, com uma diferença marcada entre as regiões mais e menos desenvolvidas.16-18 A TMI de Pelotas-RS situou a cidade em posição intermediária, no Brasil e no mundo. O município apresentou taxa inferior ao Rio Grande do Sul apenas no ano de 2007: 12,3 versus 12,7 por 1000 nascidos vivos. No período estudado, embora condicionada a flutuações, foi observada uma diminuição da TMI na cidade, de acordo com dados disponíveis no nível federal que mostram para Pelotas-RS, no período entre 1998 e 2008, uma diminuição da TMI de 21,3 para 16,8 por 1000 nascidos vivos.19,20

No Brasil, até a década de 1990, o componente pós-neonatal foi o que mais predominou na mortalidade infantil. A ampliação do acesso a saneamento básico, a melhoria nas condições de vida da população e a queda da fecundidade são fatores relacionados com a diminuição da mortalidade no período pós-neonatal, principalmente a decorrente de causas infecciosas.21 A partir daquela década, prevaleceu o componente neonatal, intimamente ligado à qualidade da atenção prestada durante o pré-natal, no parto e ao recém-nascido.22 A preponderância do componente neonatal na mortalidade infantil, como também o aumento relativo da mortalidade neonatal precoce observado para o conjunto do Brasil,22 verificou-se na cidade de Pelotas-RS ao longo do período estudado. O fato de a mortalidade neonatal tornar-se o principal componente da mortalidade infantil aproxima o Brasil e a cidade de Pelotas-RS do perfil de mortalidade de países desenvolvidos.

As causas de mortalidade infantil no Brasil mudaram ao longo das últimas décadas. As doenças infecto-contagiosas deram lugar às causas perinatais como primeira causa de morte em todas as regiões do país.21 A mesma situação evidenciou-se em Pelotas-RS, onde as causas perinatais foram as primeiras causas de morte no período estudado, seguidas pelas malformações congênitas. Os óbitos por causas mal definidas avaliam o grau da qualidade da informação sobre causas de morte e percentuais elevados expressam tanto problemas de qualidade no preenchimento da declaração de óbito - DO - quanto problemas de acesso e disponibilidade de serviços de saúde.22,23 É preocupante a frequência de causas mal definidas na cidade de Pelotas-RS, com cifras superiores ao dobro da estimativa para o Brasil: 2,3 versus 1,0 por 1000 nascidos vivos, respectivamente.23 Estudos prévios observaram que a investigação dos casos classificados como de causa mal definida permitiu reduzir o número de óbitos por essa causa.24,25 A necropsia permite, também, um diagnóstico mais acurado e constitui um instrumento auxiliar à avaliação da qualidade da assistência médica.26 Não obstante, o número de necropsias vem diminuindo em diversos países,24,25 e o número de necropsias realizadas em Pelotas foi escasso no período. Os autores do presente estudo acreditam que um serviço de autópsia de qualidade poderia esclarecer os óbitos por causas mal definidas, como foi verificado em estudo realizado na cidade de São Paulo-SP.27

A classificação de evitabilidade proposta por Malta e colaboradores13 foi uma ferramenta de fácil aplicação durante o estudo. As informações procedentes das auditorias de óbito, especialmente as informações coletadas dos prontuários hospitalares e das entrevistas realizadas com os médicos e as famílias, permitiram classificar a evitabilidade dos óbitos infantis. Durante o estudo, entretanto, ficou evidente que essa ferramenta somente pode ser usada no caso de se dispor de minuciosa informação das causas do óbito. Classificar a evitabilidade dos óbitos infantis baseando-se unicamente nos dados das DO pode levar a conclusões erradas. Por exemplo: se na DO consta como causa básica 'dificuldade respiratória', pela classificação de Malta e cols. ela será categorizada como 'reduzível por ações adequadas ao recém-nascido';13 porém, se a mesma DO corresponder a um recém-nascido de 900 gramas, o óbito será classificado como 'reduzível por adequada atenção à mulher na gestação' pela auditoria de óbito pós-investigação. Esta divergência pode ter graves consequências no planejamento das ações para diminuir a mortalidade infantil, levando os gestores a fazer investimentos de alto custo em tecnologia quando o problema principal se encontra na atenção ao pré-natal.

A mortalidade infantil ocorre por influência de uma combinação de fatores biológicos, sociais, culturais, e por falhas do sistema de saúde.28 A identificação e o monitoramento dos determinantes de saúde e das estratégias de atenção à saúde foram e continuam sendo de grande valia para a redução da mortalidade infantil. Sobretudo, deve-se destacar a qualidade da assistência como importante fator na redução desse indicador.12,29,30 O sentido de responsabilidade e o compromisso público dos serviços de saúde devem fazer parte de seu cotidiano. O conhecimento do risco existente e um atendimento qualificado e resolutivo à gestante e à criança são ações básicas para a redução de óbitos evitáveis.15,26

Neste estudo, foram detectados problemas de acesso - em tempo oportuno - a serviços de saúde qualificados, em dois terços dos óbitos infantis investigados. O acesso aos serviços de saúde ainda é um problema no país, sendo frequente a peregrinação das gestantes até sua internação definitiva, reduzindo as chances de intervenções clínicas eficazes.31 Vale ressaltar que, em situações de urgência obstétrica, a proximidade do serviço de saúde e o acesso facilitado determinam o desfecho materno-fetal. O acesso a serviços de saúde qualificados reduz, de forma relevante, a mortalidade infantil e deve ser considerado na análise de evitabilidade desses óbitos.32

Estudos demonstraram que o uso de corticóide antenatal é um fator de proteção contra a mortalidade neonatal, reduz significativamente a incidência de síndrome de dificuldade respiratória, a ocorrência de hemorragia intracraniana e a mortalidade em recém-nascidos pré-termos.33,34 Dados não publicados da coorte de nascimentos de 2004, de Pelotas-RS, evidenciaram que quase 30,0% dos recém-nascidos pré-termo não receberam corticóide antenatal. Um estudo inglês sugere que o uso de corticóide antenatal profilático em cesarianas eletivas reduz a incidência de problemas respiratórios no recém-nascido, mesmo para idades gestacionais de 37 e 38 semanas. O mesmo estudo salienta, no entanto, que o ideal é esperar até 38 semanas para realizar cesarianas eletivas.

O tipo de parto também tem papel fundamental na redução da mortalidade neonatal. O parto cesariano está associado à prematuridade, principalmente em cesariana eletivas, por erro na idade gestacional estimada em exames de ultrassom. Estes exames possuem uma margem de erro que pode superestimar a idade gestacional e levar à interrupção da gestação de um bebê considerado a termo, e o nascimento desse bebê prematuro.35,36

A hipotermia é uma situação frequente nos recém-nascidos, principalmente naqueles com baixo peso ao nascer e pré-termos. Estes bebês apresentam maior risco de hipotermia devido à inadequada termorregulação. A hipotermia é considerada um importante e independente fator de risco para a mortalidade neonatal.37

As estratégias de intervenção para a redução da mortalidade infantil devem ser planejadas e apoiadas no diagnóstico da situação e na análise de seus fatores determinantes. A estruturação de comitês de mortalidade infantil é uma estratégia importante para a redução desse indicador, colaborando para o esclarecimento das circunstâncias de ocorrência desses óbitos, identificação dos fatores de risco, planejamento e definição das políticas de saúde.15,38 A disponibilzação dos profissionais para a realização das investigações de óbito, de acordo com a realidade e condição de operacionalização de cada local, torna possível investigar cada óbito de forma sistematizada, procurando determinar a evitabilidade e, dessa forma, estabelecer medidas de prevenção.12,13

No momento, é consenso entre gestores, pesquisadores e profissionais da saúde que a redução da mortalidade infantil em Pelotas-RS requererá um grande investimento na prevenção da mortalidade neonatal. Um sistema de saúde mais acessível e efetivo, com ênfase na equidade, contribuirá para a redução das atuais taxas de mortalidade infantil no município riograndense.

 

Agradecimentos

A todos os colegas do Comitê Municipal de Investigação de Óbito Infantil, Fetal e Morte Materna, pela disponibilidade das informações sobre os óbitos infantis.

À Secretaria Municipal de Saúde de Pelotas-RS, pelo apoio e liberação dos bancos de dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade Infantil e do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos, ambos necessários à realização deste trabalho.

E um agradecimento especial aos professores Dr. César Victora e Dr. Fernando Barros, pelo incentivo, apoio e aprendizado para estas autoras.

 

Contribuição das autoras

Silva VLS e Matijasevich A identificaram as perguntas da pesquisa, conduziram as análises e escreveram o primeiro rascunho do artigo.

Santos IS e Medronha NS contribuíram na análise, interpretação e edição do artigo.

 

Referências

1. World Health Organization. The world oral health report 2003: continuous improvement of oral health in the 21st century - the approach of the WHO Global Oral Health Programme. Geneva: World Health Organization; 2003.

2. Nickel DA, Lima FG, Bidigaray da Silva B. Modelos assistenciais em saúde bucal no Brasil. Cadernos de Saúde Pública. 2008; 24(2):241-246.

3. Barbato PR, Nagano HCM, Zanchet FN, Boing AF, Peres MA. Perdas dentárias e fatores sociais, demográficos e de serviços associados em adultos brasileiros: uma análise dos dados do Estudo Epidemiológico Nacional (Projeto SB Brasil 2002-2003). Cadernos de Saúde Pública. 2007; 23(8):1803-1814.

4. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Diretrizes da política nacional de saúde bucal. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.

5. Antunes JLF, Narvai PC. Políticas de saúde bucal no Brasil e seu impacto sobre as desigualdades em saúde. Revista de Saúde Pública. 2010; 44(2):360-365.

6. Frazão P, Narvai PC. Saúde bucal no Sistema Único de Saúde: 20 anos de lutas por uma política pública. Saúde em Debate. 2009; 33(81):64-71.

7. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Números da Saúde da Família [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2011 [acessado durante o ano de 2011]. Disponível em http://dab.saude.gov.br/abnumeros.php#numeros.

8. Pinheiro RS, Torres TGZ. Uso de serviços odontológicos entre os Estados do Brasil. Ciência & Saúde Coletiva. 2006; 11(4):999-1010.

9. Barros SG, Chaves SCL. A utilização do Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA-SUS) como instrumento para caracterização das ações de saúde bucal. Epidemiologia e Serviços de Saúde. 2003; 12(1):41-51.

10. Barros AJD, Bertoldi AD. Desigualdades na utilização e no acesso a serviços odontológicos: uma avaliação em nível nacional. Ciência & Saúde Coletiva. 2002; 7(4):709-717.

11. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo brasileiro de 2010 [Internet]. Rio de janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2011 [acessado durante o ano de 2011]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?codmun=431440

12. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Projeto SB Brasil 2003: condições de saúde bucal da população brasileira 2002-2003: resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2004. (Série C. Projetos, Programas e Relatórios).

13. Sheiham A, Netuveli GS. Periodontal diseases in Europe. Periodontology 2000. 2002; 29:104-121.

14. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Dados e indicadores do setor. Taxa de cobertura de serviços [ Internet]. Brasília: Agencia Nacional de Saúde Suplementar; 2009 [acessado durante o ano de 2009]. Disponível em: http://anstabnet.ans.gov.br/tabcgi.exe?dados/TABNET_TX.def

15. Royston P, Sauerbrei W. Multivariable model-building: a pragmatic approach to regression analysis based on fractional polynomials for modelling continuous variables. New York: Jon Wiley & Sons; 2008.

16. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sistema IBGE de Recuperação Automática. Demográfico e contagem [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [acessado durante o ano de 2009]. Disponível em http://www.sidra.ibge.gov.br/.

17. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde do Brasil. Relatórios e consultas [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2009 [acessado durante o ano de 2009]. Disponível em: http://cnes.datasus.gov.br/.

18. Ministério da Saúde. Departamento Nacional de auditoria do SUS. Orientações para proceder auditoria na Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.

19. Barros AJ, Cascaes AM, Wehrmeister FC, Martinez-Mesa J, Menezes AM. Tabagismo no Brasil: desigualdades regionais e prevalência segundo características ocupacionais. Ciência e Saúde Coletiva. 2011; 16(9):3707-3716.

20. Vinholes DB, Assuncao MC, Neutzling MB. Frequência de hábitos saudáveis de alimentação medidos a partir dos 10 Passos da alimentação saudável do Ministério da Saúde: Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Cadernos de Saúde Pública. 2009; 25(4):791-799.

21. Peres KG, Peres MA, Demarco FF, Tarquinio SB, Horta BL, Gigante DP. Oral health studies in the 1982 Pelotas (Brazil) birth cohort: methodology and principal results at 15 and 24 years of age. Cadernos de Saúde Pública. 2011; 27(8):1569-1580.

22. Peres MA, Peres KG, Thomson WM, Broadbent JM, Gigante DP, Horta BL. The influence of family income trajectories from birth to adulthood on adult oral health: findings from the 1982 Pelotas birth cohort. American Journal of Public Health. 2011; 101(4):730-736.

23. Camargo MBJ, Dumith SC, Barros AJD. Uso regular de serviços odontológicos entre adultos: padrões de utilização e tipos de serviços. Cadernos de Saúde Pública. 2009; 25(9):1894-1906.

24. Pinto RS, Matos DL, Loyola Filho AI. Características associadas ao uso de serviços odontológicos públicos pela população adulta brasileira. Ciência & Saúde Coletiva. 2012; 17(2):531-544.

25. Celeste RK, Nadanovsky P, Leon AP. Associação entre procedimentos preventivos no servico público de odontologia e a prevalência de cárie dentária. Rev Saude Publica. 2007; 41(5):830-838.

26. Peres MA, Antunes JL, Peres KG. Is water fluoridation effective in reducing inequalities in dental caries distribution in developing countries? Recent findings from Brazil. Sozial-und Präventivmedizin. 2006; 51(5):302-310.

27. Narvai PC, Frazao P, Roncalli AG, Antunes JL. Carie dentária no Brasil: declínio, polarização, iniquidade e exclusão social. Revista Panamericana de Salud Publica. 2006; 19(6):385-393.

28. Barbato PR, Peres MA. Perdas dentárias em adolescentes brasileiros e fatores associados: estudo de base populacional. Revista de Saúde Pública. 2009; 43(1):13-25.

29. Narvai PC. Odontologia e saúde bucal coletiva. São Paulo: Hucitec; 1994.

 

 

Endereço para correspondência:
Universidade Federal de Pelotas,
Programa de Pós-graduação em Epidemiologia,
Rua Marechal Deodoro, 1160, 3o Andar,
Pelotas-RS, Brasil.
CEP: 96020-220
E-mail: amatija@yahoo.com

Recebido em 05/01/2011
Aprovado em 18/05/2012