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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.21 n.2 Brasília jun. 2012

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742012000200011 

ARTIGO ORIGINAL

 

Acidentes de transporte envolvendo motocicletas: perfil epidemiológico das vítimas de três capitais de estados brasileiros, 2007

 

Traraffic accidents involving motorcycles: epidemiological profile of victims from three brazilian state capitals, 2007

 

 

Letícia Fortes LegayI; Simone Agadir SantosII; Giovanni Marcos LovisiI; Jeane Soares de AguiarII; José Carvalho BorgesII; Renata Martins MesquitaII; Lúcia AbelhaI

IInstituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
IIPrograma de Pós-graduação em Saúde Coletiva, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro-RJ, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: caracterizar as vítimas de acidentes de motocicletas em três capitais brasileiras, Rio Branco-AC, Vitória-ES e Palmas-TO.
MÉTODOS: estudo descritivo exploratório com dados do Inquérito Nacional sobre Acidentes e Violências (Projeto VIVA 2007).
RESULTADOS: os acidentes envolvendo motocicletas foram causa de 14,8% dos atendimentos de vítimas de acidentes e violências nos serviços de urgência e emergência participantes. Dentre as vítimas de acidentes de transporte, a proporção envolvendo motocicletas foi 52,0% em Rio Branco, 39,9% em Vitória e 27,2% em Palmas. O perfil sociodemográfico predominante das vítimas de acidentes com motocicletas era de adolescentes e adultos jovens, do sexo masculino e com média escolaridade. Os condutores foram as vítimas mais frequentes (75,0%). Em cerca de 20,0% das ocorrências, suspeitou-sede uso de álcool.
CONCLUSÃO: o cenário indica a necessidade de se manter o contínuo e efetivo monitoramento desses eventos e garantir medidas preventivas seguras.

Palavras-chave: Acidente de Transporte Terrestre; Trânsito; Motocicleta; Vigilância de Lesões e Agravos Não Transmissíveis; Serviço de Emergência.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to characterize victims of motorcycle accidents in three Brazilian capitals, Rio Branco-AC, Vitoria-ES and Palmas-TO.
METHODS: a descriptive study based on data of the National Inquiry of Accident Injuries and Violence (VIVA Project 2007), performed by the Brazilian Ministry of Health.
RESULTS: in 3,324 victims of accidents of all causes which occurred in September 2007, 46.0% were due to traffic accidents; the distribution of accidents involving motocycles was 52.0% in Rio Branco-AC, 39.9% in Vitoria-ES, and 27.2% in Palmas-TO; social-demographic pattern of adolescent and young adult males with average schooling and living in urban areas (in Vitoria-ES, victims were non-residents) has prevailed; drivers were preferential victims (75.0%), and alcohol consumption was suspected in 20.0% of events; the mostfrequent injuries involved legs - cut/perforation/laceration lesions (339%) -, and 20.7% exhibited broken bones.
CONCLUSION: the setting points to needs of effective continuous monitoring and guarantee of safe preventive measures.

Key words: Vehicle Accident; Traffic; Motorcycle; Surveillance of Trauma and Non-Transmissible Diseases; Emergency Service.


 

 

Introdução

Os acidentes de transporte (AT) estão relacionados a mais de um milhão de óbitos a cada ano, enquanto o número de vítimas que sofreram lesões e traumas pode ultrapassar 50 milhões, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS).1 De acordo com a OMS, muitos países emergentes, em desenvolvimento econômico, contaram com o crescimento de uma frota de motocicletas que representa entre 50,0 e 70,0% da frota total de veículos. O aumento no número de acidentes de trânsito, acentuado na primeira década do século XXI, vitimiza principalmente os adultos jovens, de 15 a 44 anos, dos quais 50,0% evoluem para óbito, na maioria pedestres, ciclistas e motociclistas, os mais vulneráveis a esse tipo de acidente.1

No Brasil, os acidentes envolvendo motocicleta têm provocado um forte impacto na morbimortalidade, predominantemente da população jovem. A produção brasileira de automóveis aumentou 81,2%, e a de motocicletas, 277%, no período de 2000 a agosto de 2010.2 O crescente uso desse tipo de veículo, mais econômico e mais rápido, pelo mercado de trabalho está entre os fatores determinantes de tantos acidentes. Em 1990, os valores das taxas de mortalidade por acidentes com motocicleta envolvendo adolescentes e adultos jovens não superavam o patamar de 0,5 óbito para cada 100 mil indivíduos dessa faixa etária. Dados nacionais mais recentes, de 2006, disponibilizados pelos sistemas oficiais de informação em saúde, mostram que no grupo de 20 a 39 anos de idade, a taxa de mortalidade por acidentes com motocicleta é de 7,3 por 100 mil, e que a proporção de óbitos pela mesma causa é de 19,8% de todos os óbitos por AT. As regiões com as maiores taxas de mortalidade por acidentes com motocicleta foram a Centro-Oeste (5,6 por 100 mil habitantes), a Sul (4,8 por 100 mil hab.) e a Nordeste (4,3 por 100 mil hab.), onde as faixas etárias de 15 a 39 anos são as mais vulneráveis. Isso coloca o adulto jovem e economicamente produtivo sob maior risco, ao mesmo tempo que evidencia a necessidade de estratégias especificas voltadas para esse grupo.3

Com relação à morbidade, 18,3% das hospitalizações por causas violentas no Brasil, em 2000, foram de vítimas de acidentes de transporte, com uma relação de quatro internações para cada óbito.4 Quanto à totalidade das internações por acidentes em 2006, 76,7% foram devidas aos acidentes de transporte, com predomínio da faixa etária de 20 a 39 anos. As internações de vítimas de acidentes envolvendo motocicleta representaram 28,2% das internações por AT, superando aquelas decorrentes de acidentes envolvendo automóvel (10,0%). Do total de internações naquele ano, as regiões que representaram as maiores proporções de internações foram a Norte (40,9%) e a Centro-Oeste (39,5%). As regiões Nordeste (5,2%), Centro-Oeste (3,9%) e Sudeste (3,8%) apresentaram o maior percentual de internados por causa de acidentes envolvendo motocicletas, com evolução para óbito.3

A Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências, do Ministério da Saúde5 coloca o acidente de trânsito como um evento evitável e aponta a articulação intersetorial e a participação social como estratégias para sua prevenção. Outras medidas políticas vêm sendo tomadas para fazer frente aos desafios da morbimortalidade por causas externas. Em 2004, estruturou-se a Rede Nacional de Prevenção das Violências e Promoção da Saúde (Portaria MS/GM no 936, de 18/05/04), visando à implantação/implementação dos Núcleos de Prevenção das Violências e Promoção da Saúde no nível local.6 A Agenda Nacional de Vigilância, Prevenção e Controle dos Acidentes e Violências (2005) contempla ações de aprimoramento e expansão da vigilância e do sistema de informação de violências e acidentes, com treinamento e capacitação de profissionais para gerenciamento e avaliação das intervenções propostas a partir das informações coletadas.7

Tendo em vista a importância dos acidentes de motocicleta no quadro de morbimortalidade brasileiro, especialmente no segmento jovem, este estudo descreve as características das vítimas de acidentes de motocicleta atendidas em serviços selecionados de três capitais, situadas em duas macrorregiões brasileiras.

 

Métodos

Contemplando a política implantada e tendo por objetivo estruturar o projeto de Vigilância de Violências e Acidentes em Serviços Sentinela - VIVA -, o Ministério da Saúde publicou, em 23 de junho de 2006, a Portaria GM/MS no 1.356; e em 12 de junho de 2007, a Portaria GM/MS no 1.384, que institui incentivo financeiro ao projeto, direcionado inicialmente a 39 municípios, distribuídos nas 27 unidades da Federação.8,9

O projeto VIVA conta com dois componentes: VIVA Contínuo; e VIVA Sentinela. Pelo VIVA Contínuo, são coletadas informações em serviços de referência para violências (doméstica, sexual e/ou outras). A vigilância do VIVA Sentinela é realizada por meio de pesquisas anuais, com base em informações coletadas no período de 30 dias, em hospitais de urgência e emergência selecionados a partir de pactuação entre os serviços e Secretarias de Estado e Municipais de Saúde. Essas pesquisas foram realizadas nos anos de 2006 e 2007. Em novembro de 2006 aconteceu o Seminário Nacional de Avaliação do Projeto de Vigilância de Violências e Acidentes - VIVA, no qual foi discutido e analisado o processo de implantação do VIVA nos municípios selecionados, apresentando-se as estratégias adotadas, fatores facilitadores e dificuldades encontradas. No seminário e a partir dele, decidiu-se que a vigilância sentinela por inquérito seria realizada bianualmente, e agendou-se o próximo inquérito para 2009, sobre serviços selecionados de todas as capitais de estados e no Distrito Federal, e em 12 municípios selecionados e que participaram da pesquisa VIVA em 2006 e 2007, nos estados do Espírito Santo, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, além de mais dois estudos piloto em Teresina-PI e Campinas-SP.

O Inquérito Nacional sobre Acidentes e Violências - Projeto VIVA 2007 - foi realizado no decorrer de setembro de 2007, a partir das informações dos bancos de dados do projeto relacionadas às notificações sobre vítimas de acidentes de motocicleta. Promoveu-se um estudo descritivo exploratório das ocorrências atendidas em unidades de urgência e emergência nas capitais de Vitória-ES, Rio Branco-AC e Palmas-TO. As amostras utilizadas foram de conveniência, por facilidade de acesso, não sendo objetivo do estudo realizar comparações entre elas. As variáveis analisadas foram: a) sexo; b) faixa etária (de acordo com a classificação da OMS); c) anos de estudo [pela classificação da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)]; d) tipo de ocorrência; e) tipo de transporte; f) tipo de vítima; g) suspeita de uso de álcool; h) natureza da lesão; e i) evolução.

A capital Rio Branco-AC está localizada na Região Norte do país e concentra a maior rede hospitalar pública do Estado do Acre: oito hospitais, dois laboratórios de análises clínicas, 13 centros de saúde e 52 unidades de Saúde da Família. Vitória-ES é capital do Espírito Santo, Região Sudeste, e conta com a maior rede hospitalar pública (estadual e municipal) e privada do Estado: vários centros de referência, 28 unidades de saúde e dois prontos-atendimentos - para adultos e pediatria. Palmas-TO, capital e maior cidade do Estado do Tocantins, também Região Norte, possui 59 estabelecimentos públicos de saúde.

Das três capitais, Rio Branco-AC possui a maior frota de motocicletas; e Palmas-TO, a maior taxa de mortalidade por AT (por 100 mil hab.) (Figura 1). Considerando-se a frota acumulada no ano de 2007 e a proporção de motocicletas em relação ao total dos demais veículos, Vitória-ES apresentou 8,3% de motocicletas em 2007, Palmas-TO, 18,3%, e Rio Branco-AC, 31% de motocicletas sobre a frota de veículos. Foram analisadas informações referentes às vítimas de acidentes por motocicletas atendidas nos serviços de urgência e emergência estaduais: Hospital São Lucas (HSL) e Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória (HINSG), em Vitória-ES; Hospital de Urgência e Emergência (HUERB) do Acre, em Rio Branco-AC; e Hospital Geral de Palmas (HGP) e Hospital e Maternidade Dona Regina (HMDR), localizados em Palmas-TO. Essas instituições foram selecionadas para o Inquérito VIVA e sua clientela de vítimas por acidentes de motocicleta serviu de base e referência para este estudo.

 

 

A definição para os acidentes de transporte terrestre (ATT) foi a mesma utilizada no Inquérito VIVA: códigos V01 a V99 da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - Décima Revisão (CID-10)/OMS.10 Foram analisados, especificamente, os agravos sob os códigos V20 a V29 da CID-10, representativos dos acidentes envolvendo motocicletas. A análise dos dados consistiu no estudo da distribuição percentual e razão entre sexos. Para a tabulação dos dados, utilizou-se o programa Epi Info versão 6.04.

As bases de dados de Vitória-ES e Rio Branco-AC foram disponibilizadas pelas respectivas Secretarias Municipais de Saúde; e os dados de Palmas-TO, cedidos pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, em Brasília-DF.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro (Parecer no 16/2011), conforme recomendação da Resolução no 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde, sendo aprovado em maio de 2008.

 

Resultados

Em setembro de 2007, um total de 3.324 casos de acidentes e violências foi notificado pelos hospitais de urgência e emergência dos municípios de Vitória-ES (N: 1.530), Rio Branco-AC (N: 1.264) e Palmas-TO (N: 530) (Tabela 1). Os acidentes de transporte foram em maior número na capital Rio Branco (n=405), seguida por Vitória (n=346) e Palmas-TO (n=244). O número de acidentes de transporte só foi superado por outros tipos de acidentes em Rio Branco-AC (n=409), e por queda (n=590) e outros acidentes (n=464) em Vitória-ES. Destaca-se também, como informação de interesse, que em Vitória-ES a maioria das vítimas não era residente, diferentemente do observado nas outras duas cidades. A zona de ocorrência do acidente foi, em cerca de 80,0% dos casos, urbana.

 

 

A motocicleta foi o principal tipo de transporte envolvido em acidentes de trânsito nos três municípios, contabilizando um total de 494 (14,8%) casos notificados, representando 52,0% das ocorrências em Rio Branco-AC, 39,9% em Vitória-ES e 27,2% em Palmas-TO. A bicicleta foi o segundo tipo de transporte mais envolvido nesses acidentes (Tabela 2).

 

 

Do total de vítimas dos acidentes com motocicleta, 79,3% eram do sexo masculino. Vitória-ES mostrou a maior razão entre homens e mulheres (7:1), seguida de Rio Branco-AC (5:1).

A faixa etária de 20 a 24 anos foi a mais atingida, com 28,4% dos casos, seguida por indivíduos de 30 a 39 anos de idade, estes responsáveis por 25,0% dos casos. Vitória-ES e Palmas-TO repetiram o mesmo padrão para as idades; apenas em Rio Branco-AC, o grupo mais atingido foi o de 30 a 39 anos (27,0%), embora próximo do grupo de 20 a 24 anos (24,5%). Destaca-se que nas categorias sexo e faixa etária, não houve perda de informação (Tabela 3).

 

 

Com relação à escolaridade, 49,0% das vítimas tinha 9-11 anos de estudo (49,0%): em Palmas, eram 55,5%; em Rio Branco, 49,5%; e em Vitória-ES, 40,6% das vítimas referiram a mesma escolaridade, 9-11 anos de estudo.

Em 76,0% dos casos, o condutor foi a vítima mais frequentemente envolvida nesse tipo de acidente, nos três municípios (Tabela 4). Registrou-se suspeita de uso de álcool em 18,1% dos acidentados, em sua maioria homens (89,9%): uma razão de 8,9 homens para cada mulher. Em Vitória-ES, observou-se 21,0% de casos suspeitos.

 

 

Quanto à natureza da lesão, as mais frequentes foram corte/perfuração/laceração em 33,9% dos casos, e fratura em 20,7%. Rio Branco-AC foi o único município com um número significativo de contundidos: 21,2% dos acidentados.

Como mais um resultado do Inquérito VIVA 2007, após o atendimento inicial nas unidades de urgência e emergência selecionadas nas capitais estudadas, 73,1% das vítimas receberam alta e 15,2% necessitaram internação. Apenas Vitória-ES apresentou registro de óbito (1,4%), levando a crer que as lesões foram de gravidade leve a moderada, embora a informação ignorada sobre a evolução hospitalar da vítima tenha sido registrada em 13,8% dos casos, nesse Município.

 

Discussão

Incialmente, os autores consideram oportuno mencionar as possíveis limitações do presente estudo. Inquéritos sentinelas, por serem localizados em unidades de saúde de urgência e emergência, não contabilizam os casos leves e/ou que resultem em óbitos imediatos, estes encaminhados ao Instituto Médico Legal. Neste estudo, 'outros tipos de acidentes' e 'outros acidentes' são aqueles que não puderam ser classificados, fato que prejudica a avaliação da dimensão real dos acidentes de transporte.

Modificações nos espaços urbanos vêm sendo realizadas para facilitar o fluxo e circulação de veículos, onde se observa uma tendência crescente da frota e o privilégio que o modelo de crescimento e planejamento urbano adotado concede ao automóvel.11 As transformações socioeconômicas e culturais não foram acompanhadas por medidas de prevenção à morbimortalidade provocada por acidentes de trânsito e outras violências.

Os dados gerais do estudo nacional já haviam apontado os motociclistas como importante grupo de risco, entre as vítimas de acidente de transporte.3 Foram verificados e especificados diferentes aspectos sobre as vítimas dessas ocorrências nas capitais escolhidas para este estudo. A ocorrência de acidentes de trânsito, especialmente aqueles envolvendo motocicletas, é elevada nos municípios de Vitória-ES, Rio Branco-AC e Palmas-TO, é senso comum que se repitam e para tanto contribuem fatores determinantes, em combinação: aumento da frota de veículos; alta densidade populacional; condições da malha viária; intenso trafico urbano e regional; não cumprimento das leis de trânsito; falta de uma fiscalização efetiva do cumprimento dessas leis; educação do usuário; e medidas de proteção dirigidas aos motociclistas.4,11,12

As vítimas de acidentes envolvendo motocicletas aqui observadas foram, em sua grande maioria, do sexo masculino, como já fora apontado por inúmeros estudos realizados em diferentes cidades brasileiras.3,12,13 Eles se somam às vítimas de homicídios, agravando o cenário das violências para esse sexo. O perfil sociodemográfico mais frequentemente observado foi o de jovens adultos com escolaridade entre 9 e 11 anos de estudo.

A baixa frequência de internação e a elevada frequência de alta com resolubilidade sugerem lesões leves mas necessitadas de atenção médica, implicando custos e sobrecarga para os serviços de saúde. Para efeito de comparação, dados de outras capitais brasileiras são escassos e insuficientes. No estudo de Koizumi13 para a capital São Paulo-SP, são mencionadas frequências elevadas de alta hospitalar (95,0%) e 4,9% de óbitos indicando, igualmente, lesões leves. De qualquer maneira, muitas vítimas falecem antes de serem internadas, o que exige um monitoramento constante das taxas de mortalidade para esse tipo de acidente.12 O fato de não se chegar ao hospital não minora a magnitude do problema e sim indica: falha nos mecanismos de assistência de urgência; ou impossibilidade de socorro, dada a gravidade do acidente.

O predomínio dos acidentes no grupo jovem, possivelmente, está relacionado ao uso da motocicleta como veículo que responde a uma exigência de rapidez de locomoção no trabalho, obrigando os conhecidos motoboys a uma postura de risco no trânsito.14

Recentemente, foi regulamentado o exercício das atividades de mototaxistas e motoboys.15 Com a regulamentação da profissão, passou-se a exigir a idade mínima de 21 anos, posse de carteira de habilitação por, no mínimo, dois anos, ter curso especializado e usar vestimenta e acessórios de acordo com o modelo preconizado pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran), entre outras obrigações, além da previsão de inspeção semestral para verificação dos equipamentos obrigatórios e de segurança. A regulamentação da Lei visa reduzir o número de acidentes de trânsito envolvendo motocicletas. Silva, Soares & Andrade16 também enfatizam a necessidade da regulamentação da fiscalização das empresas que se utilizam desses profissionais.

Embora as taxas de mortalidade por ATT para a capital do estado do Tocantins tenham declinado de 45,9 óbitos por 100 mil habitantes em 2000, para 27,1/100 mil hab. em 2006,3,17,23 seus indicadores quanto aos acidentes envolvendo motocicleta são bastante preocupantes. Palmas-TO apresenta a maior proporção de acidentes envolvendo motocicletas, em relação ao total de AT, e se encontra no topo da lista das cidades com elevadas taxas de mortalidade e de vítimas não fatais por acidentes de transporte.17 De qualquer forma, a diminuição dos níveis de ATT pode ser considerada uma mudança positiva decorrente da implantação do Código de Trânsito Brasileiro a partir de 1997,18 de estratégias de maior fiscalização e da fixação de novos valores das multas, além da implementação da 'Redução da morbimortalidade por acidentes de trânsito: mobilizando a sociedade e promovendo a saúde',19 um programa que, para alcançar seus objetivos, investe na maior articulação entre ações governamentais e participação social.

Como último produto da pesquisa, tentou-se avaliar o uso de álcool. No Inquérito VIVA, não há avaliação sobre alcoolemia, investiga-se apenas a suspeita de uso de álcool no momento do preenchimento da ficha, sendo a única informação indicativa a baixa proporção das respostas afirmativas. Na literatura, há referências contundentes da associação entre acidentes de motocicleta e uso de álcool12,20 e embora esse fato não tenha sido objeto de estudo, torna-se importante reforçar ações voltadas à questão do uso do álcool, seus riscos e seu tratamento enquanto transtorno.

A implementação da Lei no 11.705/2008, popularmente conhecida como 'Lei Seca', provocou uma mudança da estatística brasileira no quantitativo dos acidentes de trânsito.21 Malta e colaboradores22 registraram os resultados preliminares da avaliação do impacto dessa medida legislativa de restrição do álcool na morbimortalidade por AT no Brasil. Houve uma redução das internações por AT em todas as capitais brasileiras e no Distrito Federal, e quanto à mortalidade, a Região Sul foi a única a apresentar aumento no número de óbitos por essa causa após a vigência da 'Lei Seca'. Para os autores desses estudos, se a Lei é uma medida importante para a prevenção do AT, igualmente importante é a manutenção e ampliação de medidas como fiscalização, comunicação e educação de forma continuada e sistemática, evitando-se, dessa maneira, retrocessos nos avanços alcançados.

Evidencia-se, nos debates sobre o assunto, que a redução dos acidentes de transporte envolvendo motocicletas depende de ações articuladas entre setores governamentais, não-governamentais e a própria população mobilizada no desenvolvimento de estratégias e programas de ação que se reflitam na conduta dos usuários de moto e de outros veículos motorizados, além de pedestres; e que também se deve investir na melhoria das condições das estradas e vias públicas e em sua sinalização, da mesma forma que na fiscalização e outros procedimentos. Essas estratégias estão regulamentadas no Código Nacional do Trânsito e é necessário garanti-las. Soma-se a elas a demanda por um maior conhecimento sobre a realidade dos municípios brasileiros, devendo-se buscar outras fontes de informações. Não é o objetivo, tampouco possível para o Inquérito VIVA, projeto desenvolvido em nível nacional, abordar e aprofundar a questão em toda sua complexidade e especificidades.

A análise das informações obtidas pelo Inquérito VIVA nas três capitais de estados situados em duas macrorregiões do país indicou aspectos diversos e a necessidade de novos estudos. A continuidade desse monitoramento, a avaliação periódica das ações de saúde, sejam na prevenção como na assistência, já oficializadas pela legislação e implementadas, podem transformar a realidade desses eventos.

 

Agradecimentos

À Coordenação-Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis do Departamento de Análise de Situação de Saúde/Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde (CGDANT/DASIS/SVS/MS) pelo apoio à realização do I Curso de Especialização em Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, do qual se originou o estudo.

Às Secretarias Municipais de Saúde de Vitória-ES e Rio Branco-AC, e à SVS/MS, pela disponibilização dos bancos de dados do Inquérito Nacional sobre Acidentes e Violências - Projeto VIVA 2007.

 

Contribuição do autores

Legay LF e Abelha L foram responsáveis pela concepção do trabalho, definição da metodologia e ajuda nas análises.

Agadir S foi responsável pela organização do banco de Palmas-TO, adequação e análises dos resultados.

Lovisi G contribuiu na orientação da organização do trabalho de campo e análises.

Aguiar JS e Borges JC foram responsáveis pela organização dos bancos de dados e produção de relatórios com resultados.

Mesquita R participou da redação dos textos e apresentação dos dados.

 

Referências

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9. Portaria GM/MS no 1.324, de 12 de junho de 2007. Institui incentivo aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para a Vigilância de Violências e Acidentes em Serviços Sentinela, com recursos da Secretaria de Vigilância em Saúde. Diário Oficial da União, Brasília, p. 43, 13 junho 2007. Seção 1.

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21. Brasil. Lei No 11.705/2008, de 19 de junho de 2008. Altera a Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, que 'institui o Código de Trânsito Brasileiro', e a Lei no 9.294, de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4o do art. 220 da Constituição Federal, para inibir o consumo de bebida alcoólica por condutor de veículo automotor, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, p. 1, 20 jun. 2008.

22. Malta DC, Silva MMA, Lima CM, Soares Filho AM, Montenegro MMS, Mascarenhas MDM, et al. Impacto da legislação restritiva do álcool na morbimortalidade por acidentes de transporte terrestre - Brasil, 2008. Epidemiologia e Serviços de Saúde. 2010; 19(1):77-78.

23. Duarte EC, Duarte E, Sousa MC, Tauil PL, Monteiro RA. Mortalidade por acidentes de transporte terrestre e homicídios em homens jovens das capitais das Regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil, 1980-2005. Epidemiologia e Serviços de Saúde. 2008; 17(1):7-20.

 

 

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Recebido em 21/06/2010
Aprovado em 18/05/2012