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Epidemiologia e Serviços de Saúde
versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.21 n.2 Brasília jun. 2012
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742012000200013
ARTIGO ORIGINAL
Mortalidade por causas externas na microrregião de São Mateus, estado do Espírito Santo, Brasil: tendências de 1999 a 2008*
Mortality due to external causes in the micro-Region of São Mateus, state of Espírito Santo, Brazil: trends from 1999 to 2008
Kamila Medani TristãoI; Franciéle Marabotti Costa LeiteII; Edilson Romais SchmildtIII; Esmeraldo Costa LeiteIV; Denise Silveira de CastroII; Ana Paula Martins VilelaV
ISecretaria Municipal de Saúde, Prefeitura Municipal de Serra-ES, Brasil
IIDepartamento de Enfermagem, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória-ES, Brasil
IIICentro Universitário Norte do Espírito Santo, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória-ES, Brasil
IVPolícia Militar do Estado do Espírito Santo, Vitória-ES, Brasil
VSecretaria Municipal de Saúde, Prefeitura Municipal, Santana do Paraíso-MG, Brasil
RESUMO
OBJETIVO: analisar as tendências da mortalidade por causas externas segundo variáveis sociodemográficas, na microrregião de São Mateus, estado do Espírito Santo, no período 1999-2008.
MÉTODOS: os dados foram obtidos do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Foram calculados coeficientes de mortalidade segundo sexo, faixa etária e cor da pele ou raça. Realizou-se análise de tendência usando o modelo de regressão polinomial melhor ajustado.
RESULTADOS: No período 1999-2008, o coeficiente de mortalidade por causas externas elevou-se 76,45 para 118,21 óbitos por 100 mil habitantes (p<0,001). Também houve aumento significativo (p<0,001) entre homens, (117,00; 204,22), adolescentes (10 a 19 anos) (51,93; 96,80), adultos (20 a 59 anos), (109,19; 158,79); indivíduos de cor da pele parda (40,59; 144,04) e negra (50,15; 145,66).
CONCLUSÃO: a mortalidade por causas externas foi maior na população masculina, jovem e negra. No período estudado, a microrregião apresentou forte tendência de aumento da mortalidade por causas externas.
Palavras-chave: Mortalidade; Coeficiente de Mortalidade; Causas Externas; Acidentes; Violências; Distribuição Temporal.
ABSTRACT
OBJECTIVE: to analyze trends in mortality due to external causes according to sociodemographic variables, in the microrregion of São Mateus, Espírito Santo state, in the period 1999-2008.
METHODS: data were obtainedfrom the Mortality Information System (SIM). Mortality rates by sex, age and skin color, and race were calculated. Trends were analyzed using adjusted polynomial regression models.
RESULTS: In the period 1999-2008, the mortality rate from external causes rose from 76.45 to 118.21 deaths per 100,000 inhabitants (p<0.001). There were also significant increases (p<0.001) among men, (117.00,204.22), adolescents (10 to 19 years) (51.93,96.80), adults (20 to 59 years) (109.19,158.79); and individuals with brown (40.59,144.04) and black (50.15,145.66) skin color.
CONCLUSION: the mortality from external causes was higher among the male, young and black individuals. In the studied period, there was a strong trend towards increase in the mortality from external causes.
Key words: Mortality; Mortality Rate; External Causes; Accidents; Violence; Temporal distribution.
Introdução
Acidentes e violências são agrupados como causas externas, estas consideradas como ocorrências previsíveis, com base nas condições de vida das coletividades e em trajetórias individuais, não podendo ser consideradas pelos serviços de saúde como "castigo, penalidade ou obra do acaso".1
Nos últimos anos, as causas externas de morbimortalidade converteram-se em expressiva parcela dos problemas de saúde, ocupando lugar de destaque nas estatísticas de saúde da maioria dos países.2 Nos últimos dois séculos, o perfil epidemiológico brasileiro vem sofrendo mudanças, com a redução das doenças transmissíveis e aumento das doenças crônico-degenerativas e da violência. Se, por um lado, a transição epidemiológica tem aspectos positivos, por outro, esse aumento tem acarretado inúmeras consequências orgânicas, psicológicas, sociais, econômicas e culturais, trazendo prejuízos consideráveis a diferentes setores da sociedade.3,4
No Brasil, o crescimento da mortalidade por causas externas ocorreu, principalmente, a partir da década de 1980, passando do 4o para o 2o lugar no ordenamento dos grandes grupos de causas de óbitos, entre o início e o final dessa década.5-7 Dados do Ministério da Saúde informam que o coeficiente de mortalidade por causas externas (acidentes e violências) no país passou de 59,0 mortes por 100 mil habitantes, na década de 1980, para 72,5 por 100 mil habitantes, em 2002.8
Os estados brasileiros com as maiores taxas de mortalidade por causas externas são Porto Velho, Boa Vista, Macapá, Recife, Vitória, Rio de Janeiro e Cuiabá, todos com mais de 90 óbitos por 100 mil habitantes. O estado do Espírito Santo está localizado na região Sudeste do Brasil, compreendendo 78 municípios e uma população de cerca de 3,5 milhões e está dividido em 8 microrregiões, dentre essas a microrregião São Mateus, situada no norte do estado.9
As informações referentes ao nível de mortalidade por causas externas de uma população são bastante significativas quando se pretende fazer inferências sobre as condições de saúde dos grupos que a constituem. Essas informações possibilitam identificar os grupos da comunidade mais afetados por determinados agravos à saúde, definir problemas prioritários, planejar ações e alocar recursos para sua solução. As estatísticas de mortalidade alertam as autoridades públicas sobre problemas de maior magnitude, constituindo importante guia para a determinação das prioridades de investigação na área da saúde coletiva.10
Considerando-se a relevância da mortalidade por causas externas na saúde coletiva e a importância dos dados levantados para o desenvolvimento de políticas de controle e prevenção de acidentes e violências, melhor planejamento dos serviços, e ademais, diante da inexistência de investigações sobre causas externas na microrregião de São Mateus-ES, é justificável a realização deste estudo cujo objetivo é descrever a tendência da mortalidade por causas externas na microrregião de São Mateus-ES, no período de 1999 a 2008, e seus diferenciais quanto ao sexo, faixa etária e cor da pele ou raça.
Métodos
O estudo é caracterizado como ecológico de série temporal, descritivo e exploratório, realizado a partir de informações do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do banco de dados Tabnet disponibilizado pelo Ministério da Saúde, que apresenta informações obtidas das Declarações de Óbito.9 O estudo abarcou a microrregião de São Mateus-ES, composta por nove municípios situados no norte do Estado do Espírito Santo: Jaguaré; Boa Esperança; São Mateus; Pedro Canário; Conceição da Barra; Montanha; Pinheiros; Ponto Belo; e Mucurici. A população da pesquisa abrange todos os óbitos por causas externas ocorridos na microrregião, no período de 1999 a 2008.
As variáveis utilizadas para descrever a mortalidade foram sexo, faixa etária e cor da pele ou raça. As faixas etárias foram agrupadas em: menor de 1 ano; 1 a 4 anos; 5 a 9 anos; 10 a 19 anos; 20 a 59 anos; e 60 anos ou mais anos. Para a variável cor da pele ou raça, foram utilizadas as categorias branca, preta, parda e negra, por meio da soma da cor da pele ou raça preta e parda. Os indivíduos de cor da pele ou raça amarela e indígena foram excluídos devido ao baixo número de ocorrências nesses grupos.
Foram selecionados os óbitos classificados no Capítulo XIX (Lesões, envenenamento e algumas outras consequências de causas externas) e XX (Causas externas de morbidade e de mortalidade) da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, 10a Revisão (CID-10). Os coeficientes de mortalidade por causas externas foram calculados sobre o denominador 100 mil habitantes. As informações referentes à população residente, base de cálculo das taxas, correspondem aos dados estimados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), disponibilizados na home page do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), do Ministério da Saúde; à exceção dos cálculos das taxas referentes à cor da pele ou raça, para os quais se utilizou como população-padrão a referida no Censo 2000, para todos os anos, uma vez que não se encontra disponível a população estimada para cor da pele ou raça.
A partir dos coeficientes de mortalidade por causas externas encontrados, foi realizada análise de tendência utilizando o modelo de regressão polinomial, com auxílio do programa Genes,11 tendo como variáveis dependentes (y) os coeficientes de mortalidade por causas externas geral e específicos referentes ao sexo, faixa etária e cor da pele ou raça; e como variável independente (x), os anos de ocorrência dos óbitos. Inicialmente, um diagrama de dispersão foi elaborado pelo aplicativo Excel 2007, para correlacionar as variáveis dependentes com a variável independente. Posteriormente, realizou-se o teste de regressão polinomial individual, com seleção até o grau 3. O grau da linha de tendência de melhor ajuste foi identificado conforme o valor da probabilidade encontrado em cada grau, considerando-se 5% de significância. Finalmente, também com o auxílio do aplicativo Excel 2007, foram construídos os gráficos com linhas de tendência.
Não foi necessária a submissão desta pesquisa à aprovação de um Comitê de Ética em Pesquisa, haja vista o procedimento de obtenção dos dados utilizar base de dados secundária, disponível na Internet e de acesso público.
Resultados
A Figura 1 apresenta os coeficientes de mortalidade por causas externas (por 100 mil habitantes) na Microrregião de São Mateus-ES, no período de 1999 a 2008. Verificou-se que os coeficientes de mortalidade apresentaram significativa tendência de aumento (p<0,001). No período estudado, a média dos coeficientes foi de 95,61 óbitos por 100 mil habitantes, variando de 76,45 óbitos por 100 mil habitantes, em 1999, para 118,21 óbitos por 100 mil habitantes, em 2008.
Em relação ao sexo, observou-se que os coeficientes de mortalidade por causas externas entre os homens foram superiores aos das mulheres (Figura 2). O coeficiente entre os homens variou de 117,00 óbitos por 100 mil habitantes, em 1999, para 204,22, em 2008; e entre as mulheres, de 35,19, em 1999, para 32,04, em 2008. Os coeficientes de mortalidade no sexo masculino apresentaram tendência de aumento estatisticamente significante (p<0,001); já os coeficientes de mortalidade no sexo feminino não apresentaram significância estatística (p=0,519).
Em relação à faixa etária, o comportamento do coeficiente de mortalidade por causas externas apresentou-se heterogêneo, como pode ser visualizado na Figura 3. Os coeficientes de mortalidade por causas externas em menores de um ano, na faixa de 1 a 4 anos e na de 5 a 9 anos de idade não apresentaram significância estatística: p>0,05. O coeficiente de mortalidade por causas externas médio para os menores de 1 ano foi de 45,17 óbitos por 100 mil habitantes, para a faixa de 1 a 4 anos, de 23,98 óbitos por 100 mil habitantes, e para a faixa de 5 a 9 anos, de 19,47 óbitos por 100 mil habitantes. Os adolescentes (10 a 19 anos de idade) apresentaram coeficientes de mortalidade por causas externas com tendência a aumento, no período do estudo (p=0,037). O coeficiente de mortalidade por causas externas variou de 51,93 óbitos por 100 mil habitantes, em 1999, para 96,80 por 100 mil habitantes, em 2008. A faixa etária de 20 a 59 anos (adultos) apresentou aumento dos coeficientes de mortalidade por causas externas, com tendência a aumento estatisticamente significante (p<0,001). O coeficiente de mortalidade por causas externas variou de 109,19 óbitos por 100 mil habitantes, em 1999, para 158,79 óbitos por 100 mil habitantes, em 2008. Em relação à faixa etária de 60 anos ou mais (idosos), os coeficientes de mortalidade por causas externas se apresentaram oscilantes no decorrer dos anos de estudo, tendendo a um descenso de significância estatística (p=0,049) nos últimos anos. O coeficiente de mortalidade por causas externas variou de 114,08 óbitos por 100 mil habitantes, em 1999, para 125,71 por 100 mil habitantes, em 2008.
Durante todo o período do estudo (1999-2008), a cor da pele ou raça amarela apresentou um total de 4 óbitos e a cor da pele ou raça indígena apenas 1 óbito, não sendo, portanto, considerados neste trabalho. Os coeficientes de mortalidade por causas externas entre os brancos, conforme a Figura 4, mostraram tendência a aumento, sem significância estatística (p=0,085). Na cor da pele ou raça preta, a tendência também foi crescente e sem significância (p=0,538). Os coeficientes entre a cor da pele ou raça parda e negra apresentaram tendências de aumento, ambas de significância estatística (p<0,001). Na cor da pele ou raça branca, o coeficiente de mortalidade por causas externas variou de 39,87 óbitos por 100 mil habitantes (1999) para 67,77 por 100 mil habitantes (2008); na cor da pele ou raça preta, essa variação foi de 110,62 para 150,84 óbitos/100 mil hab.; na cor da pele ou raça parda, de 40,59 para 144,04 óbitos/100 mil hab.; e na cor da pele ou raça negra, de 50,15 para 145,66 óbitos por 100 mil habitantes.
Discussão
No período-objeto deste estudo sobre a microrregião de São Mateus-ES, os dados disponibilizados pelo Datasus revelam que as causas externas, terceira causa de morte até 2002, passaram a ocupar o segundo lugar nesse ranking a partir de 2003. No Espírito Santo, as causas externas, que representavam a terceira causa de morte entre 1999 e 2000, passaram a ser a segunda causa de morte no Estado em 2001. No conjunto do país, em 1999, as causas externas se encontravam na terceira posição como causa de mortalidade, e entre o ano 2000 e 2003, ocuparam o quarto lugar nessa escala, voltando ao terceiro posto a partir de 2004.9
Vale pontuar as diferenças quanto ao tipo de causas externas, embora não se tenha analisado a mortalidade por acidentes e violências separadamente, uma vez que o grupo de causas não fez parte das variáveis da pesquisa. Assim, o agrupamento das causas externas constitui uma limitação à pesquisa, não sendo possível, aqui, apresentar a mortalidade por acidentes e violência ou analisar o comportamento das causas externas mal definidas, cujos resultados poderiam explicar, ao menos em parte, a elevação dos coeficientes de mortalidade por causas externas.
Outra limitação do estudo está relacionada à subnotificação, bem como à própria fonte de dados. O Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM - congrega dados de Declarações de Óbito, algumas inadequadamente preenchidas quando atribuem os respectivos óbitos a 'causas mal definidas'.
Na presente pesquisa sobre a microrregião de São Mateus-ES, evidenciou-se uma média de coeficientes de mortalidade igual a 95,61 óbitos por 100 mil habitantes, dado próximo ao do Estado do Espírito Santo onde, no mesmo período, foram registrados 100,89 óbitos por 100 mil habitantes. Na comparação com o Brasil, cuja média foi de 70,41 óbitos por 100 mil habitantes, a microrregião de São Mateus-ES e o estado do Espírito Santo revelam uma situação de mortes violentas mais expressiva que a situação nacional.9
O aumento nas taxas de morte por causas externas está atrelado à desigualdade, injustiça, corrupção, impunidade, deterioração institucional, violação dos direitos humanos, banalização e baixa valorização da vida.12 Eventos violentos ainda podem ser explicados como resultado de uma complexa interação de fatores sociais, econômicos, culturais, étnico-raciais, psicológicos e comportamentais. Estes, denominados pela saúde coletiva como 'Determinantes Sociais em Saúde', tanto influenciam na ocorrência de agravos à saúde como podem representar fatores de risco para violência.13 Compreender como esses fatores estão relacionados à violência é um dos passos importantes na abordagem da saúde coletiva para o controle e prevenção das causas externas. Além dos condicionantes biológicos e demográficos, outros fatores devem ser levados em consideração, como impulsividade, baixo nível educacional, abuso de substâncias químicas e histórico de agressão e abuso interpessoal/social. De igual modo, em comunidades onde há isolamento social generalizado (vizinhos não se relacionam, não há envolvimento comunitário), é maior a probabilidade de viver experiências violentas.14
A variável sexo estudada revelou que entre os homens da microrregião de São Mateus-ES, a mortalidade por causas externas foi cerca de cinco vezes superior à das mulheres. Em ambos sexos, as taxas tenderam a aumento, embora fosse observada significância estatística apenas no sexo masculino. Tais resultados assemelham-se aos de estudo realizado por Paes15 na última década, revelando tendência de crescimento da mortalidade por causas externas para ambos os sexos no país, ainda que esse percentual tenha se revelado maior entre os homens. Semelhante é o resultado de estudo realizado no mesmo Espírito Santo, em que a taxa de mortalidade foi maior para homens, de todas as idades.16
Souza17 rejeita qualquer afirmação universal sobre a relação do ser homem e a espontânea e instintiva inclinação a praticar atos de violência física. Entretanto, destaca nesse grupo a maior exposição do seu corpo a riscos pelos quais se desenvolve a violência e o enfrentamento como forma de obter respeito. Por conseguinte, morrem primeiro que a mulher e as causas de suas mortes refletem uma exposição deliberada de enfrentar riscos e perigos. O predomínio de homens entre as vítimas não pode ser justificado por um fator biológico específico, mas, talvez, pelos padrões socioculturais cristalizados na noção de gênero.18 A agressividade está associada ao sexo masculino e, em grande parte, vinculada ao uso abusivo de álcool, de drogas ilícitas e ao acesso às armas de fogo, que tendem a inibir a censura, e levam a pessoa a assumir condutas socialmente reprováveis. Além disso, as situações de violência envolvendo homens possuem maior visibilidade por ocorrer nos espaços públicos e não ter um caráter tão velado e silencioso como a maioria das situações de violência contra as mulheres, crianças e idosos.19
Em relação à idade, os maiores coeficientes de mortalidade por causas externas foram encontrados, em ordem decrescente, nas faixas de 20 a 59 anos, 60 anos ou mais, e 10 a 19 anos de idade: uma tendência crescente nos adolescentes e adultos, decrescente nos indivíduos de 60 anos ou mais ainda que estes tenham apresentado valores altos, nos últimos anos.
Os resultados encontrados para a microrregião de São Mateus-ES são semelhantes aos do país, o que revela uma realidade preocupante desde que as causas externas têm atingido adolescentes e adultos jovens, população economicamente ativa em sua grande maioria.4 Pesquisas apontam que a vulnerabilidade desse grupo etário também está relacionada a determinados comportamentos, como a busca de emoções, o prazer em experimentar situações de risco, a impulsividade e o abuso de substâncias psicoativas.19 Souza17 assinala que na fase da adolescência e a partir dela, os jovens se abrem para o mundo, tornam-se mais expostos - e vulneráveis - aos riscos de serem vítimas de violências.
A mortalidade por causas externas em relação à cor da pele ou raça revelou as maiores taxas para pretos, pardos e negros. Especificamente entre pardos e negros, a tendência dessas taxas é fortemente crescente. Conforme o Censo 2000,20 a população negra (parda e preta) representou 65,3% da população da microrregião de São Mateus-ES no período de 1999 a 2008, frente a 50,18% da população do Espírito Santo e 44,66% da população brasileira. São dados reveladores de uma grande concentração de negros no município de São Mateus-ES, o mais populoso da microrregião e local onde ocorreu o último carregamento de escravos negros apreendido na costa brasileira.21 Os estudos de mortalidade por causas externas no Brasil têm apontado maior vitimização da população negra, refletida na microrregião aqui estudada. A cor da pele ou raça negra é apresentada como a mais vulnerável para todos os tipos de violência, principalmente nos casos de agressões, com um número de vítimas de homicídios quase duas vezes mais que o dessas vítimas cuja cor da pele é branca.19,22,23 Em estudo realizado por Araújo e colaboradores, negros apresentaram maior perda de anos potenciais de vida e maior número médio de anos não vividos, além de morrerem - em média - mais precocemente, por todas as causas externas.24
Os negros e negras brasileiros, majoritariamente, encontram-se nas camadas sociais mais pobres, em situação de desigualdade crônica, cotidiana, agravada pelo racismo e suas diversas formas de discriminação, o que os torna mais vulneráveis ao sofrimento por violências.19 O país ainda presencia a segregação racial de segmentos com altas taxas de pobreza, o que contribui para o acirramento das diferenças raciais entre esses grupos, seja na educação, emprego, renda, saúde, oportunidades de ascensão social, seja na vitimização por crimes, principalmente homicídios e uso de drogas.25
Os resultados desta pesquisa demonstram que, durante o período de 1999 a 2008, a microrregião São Mateus apresentou tendência crescente para a mortalidade por causas externas. Em relação às variáveis estudadas, as principais vítimas por essas causas de morte foram os homens, na faixa etária de 20 a 59 anos e negros.
Sugere-se que as variáveis sexo, faixa etária e raça/ cor estão amplamente associadas aos acidentes e violências e apresentam causas multifatoriais. Acredita-se que são necessárias investigações que dêem conta de especificar mais detalhadamente os diferenciais que têm contribuído para o crescimento da mortalidade por causas externas, assim como buscar explicações para a maior vitimização de populações específicas na microrregião do estudo.
Políticas públicas devem ser elaboradas e implementadas a partir de evidências epidemiológicas, orientadas pelo princípio e objetivo da equidade social. É fundamental a implantação de estratégias de prevenção desses agravos e a construção de redes de apoio à redução da morbimortalidade por causas externas, na região estudada. A efetiva implantação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, na medida em que propõe o combate à violência e aos acidentes, deverá fortalecer essas ações na microrregião de São Mateus-ES.
Contribuição dos autores
Todos os autores participaram na elaboração do conteúdo intelectual, desenho e execução do projeto, análise e interpretação dos dados, redação crítica e aprovação da versão final do artigo.
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Endereço para correspondência:
Prefeitura Municipal da Serra,
Secretaria Municipal de Saúde,
Av. Talma Rodrigues Ribeiro, 5416,
Portal de Jacaraípe, Serra-ES,
Brasil. CEP: 29173-795
E-mail: kamila.medani@gmail.com
Recebido em 02/12/2011
Aprovado em 18/06/2012
*Artigo baseado em monografia defendida no ano de 2010, na Universidade Federal do Espírito Santo.