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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.21 n.3 Brasília sep. 2012

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742012000300001 

EDITORIAL

 

Os 110 anos de Vigilância em Saúde no Brasil

 

 

Eliseu Alves Waldman

Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo

 

 

A Saúde Pública brasileira, nos últimos 110 anos, passou por alguns momentos especialmente exitosos, dos quais cabe ressaltar três importantes períodos: o primeiro deles permeia o início do século XX; o segundo é um momento posterior, que transcorre durante a década de 1970; já o terceiro tem início no correr dos anos 80 do século passado e chega aos dias atuais.

No princípio do primeiro período, o panorama sanitário era muito desfavorável, o saneamento era precário, a mortalidade infantil em importantes cidades brasileiras situava-se em torno de 150 óbitos por 1.000 nascidos vivos.1 O Brasil também enfrentava frequentes epidemias de doenças, como varíola e febre amarela, que determinavam elevadas taxas de mortalidade e um impacto negativo no desenvolvimento econômico.2

Fazer frente a tal conjuntura constituiu o desafio de uma brilhante geração de sanitaristas, da qual se destacam, entre outros, Oswaldo Cruz (1872-1917), Carlos Chagas (1878-1934), Emílio Ribas (1862-1925) e Adolfo Lutz (1855-1940). Para reverter essa situação, organizaram-se os serviços de Saúde Pública, foram criados vários laboratórios, elaboraram-se os primeiros códigos sanitários e o inédito elenco de doenças de notificação compulsória, assim como normas para diferentes procedimentos de controle de doenças infecciosas. Houve, também, nos principais centros do país, investimentos importantes no saneamento.2

As políticas sanitárias do início do século XX se distinguiam pelo incentivo à pesquisa biomédica e à incorporação de novas tecnologias para apoiar o controle de doenças infecciosas. Com essa finalidade, foram criadas importantes instituições, entre elas o Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, e o Instituto Bacteriológico, em São Paulo.3-5

A Saúde Pública brasileira dessa época, portanto, sustentava-se sobre o tripé representado pelas campanhas, pela polícia sanitária e pela pesquisa.3 Os resultados obtidos foram amplamente favoráveis, com expressiva queda da mortalidade geral e por doenças infecciosas, ainda que a mortalidade infantil se mantivesse em níveis muito elevados. O alto grau de efetividade alcançado pela Saúde no Brasil foi amplamente reconhecido e alguns autores chegam a afirmar que seu desempenho foi comparável ao de países desenvolvidos.1 O sucesso desse período constitui um marco importante da história da Saúde Pública brasileira.

No princípio da década de 1970, tivemos dois eventos relevantes: a certificação da erradicação da varíola em território nacional, anos antes de sua certificação global em 1980, sendo um dos mais memoráveis da Saúde no país; e a implantação do Programa Nacional de Imunizações (PNI), reconhecido como um dos mais bem sucedidos programas de vacinação em todo o mundo.

Por outro lado, na segunda metade daquela década, observamos um conjunto de medidas que marcaram a importância do período, ainda que seus resultados não tenham sido imediatos. Entre elas, destacam-se os primeiros passos para a reorganização de nosso sistema de saúde, o início da reformulação do setor regulatório da Saúde e, na área de controle de doenças, a implantação do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica, que reorganizou e padronizou o sistema de informação de doenças de notificação compulsória em âmbito nacional. No mesmo período, é criado o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Já em 1977, é implantado o Sistema Nacional de Laboratórios de Saúde Pública, que incluiu a criação de redes estaduais e o início da reorganização de Institutos de Pesquisa, criados no início da República. As medidas tomadas neste período, portanto, foram úteis para as importantes mudanças que se seguiram na organização sanitária brasileira.

Finalmente, comentando as últimas três décadas, verificamos que as condições de vida e de saúde no Brasil evoluíram favoravelmente, não só em termos gerais para o país, como também na direção da diminuição dos diferenciais inter-regionais. Os indicadores de saúde da criança, como a desnutrição e a mortalidade infantil, caíram acentuadamente. Houve também ampliação expressiva da cobertura de serviços de saúde.6 As doenças infecciosas, especialmente a morbimortalidade associada às diarreias e às doenças imunopreníveis da infância, diminuíram significativamente, a erradicação da poliomielite foi atingida em 1989, enquanto observamos a eliminação da transmissão endêmica do sarampo a partir de 2001.7

Se, por um lado, é aceitável que essa trajetória favorável fosse influenciada pelo desenvolvimento econômico brasileiro, por outro, não se pode negar que a implantação do Sistema Único de Saúde - SUS -, a partir de 1988, contribuiu de forma substantiva, em função do fortalecimento da rede básica de saúde, mediante a integração das atividades de controle e prevenção de doenças com as de assistência médica individual, seguindo o princípio da saúde como um 'Direito de Todos e o Dever do Estado'.7,8

Outro ponto importante foi a criação e/ou aperfeiçoamento dos sistemas de informação de interesse da Saúde, entre os quais destacamos o SIM, já citado ao comentarmos o período anterior, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e a Rede Interagencial de Informação para a Saúde (Ripsa). O uso interligado de grandes bases de dados de saúde mediante técnicas de relacionamento é considerado, atualmente, como fundamental para a vigilância, especialmente quando se faz necessária uma resposta rápida.

Também assistimos ao fortalecimento da área regulatória de produtos e de serviços, ampliando as garantias do cidadão com a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A vigilância epidemiológica, em decorrência da melhor estruturação dos serviços de saúde, torna-se mais sensível e ágil; além disso, amplia sua abrangência com a inclusão da violência e das doenças crônicas não transmissíveis, e passa a aplicar novas estratégias, entre as quais se destaca a vigilância de fatores de risco, cujas informações tornam-se subsídios para o desenvolvimento de programas de saúde.

Devemos ainda salientar avanços recentes e relevantes da aplicação da vigilância para uma resposta rápida às emergências de saúde, como a criação do Epi-SUS, voltado à formação de epidemiologistas de campo, e mais recentemente, do Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (CIEVS). Todavia, não podemos deixar de mencionar o reflorescimento da pesquisa no interior do sistema de saúde, como um instrumento de garantia de sua autossustentação, permitindo que os antigos laboratórios de Saúde Pública reassumissem o importante o papel que detiveram nos primórdios do século XX. O fortalecimento do vínculo com as universidades também deve ser assinalado, pela destacada contribuição dessa parceria.

Por fim, devemos destacar o principal aspecto a distinguir este último período dos demais, ou seja, o papel do SUS como importante fator de indução da equidade em saúde.

 

Referências

1. Blount JA. A administração da saúde pública no Estado de São Paulo: o serviço sanitário 1892-1918. Revista de Administração de Empresas. 1972; 12:40-48.

2. Mascarenhas RS. Contribuição para o estudo da administração sanitária estadual em São Paulo. São Paulo; 1949. [Tese de Livre-Docência]. Faculdade de Higiene e Saúde Pública da USP; 1949

3. Mascarenhas RS. História da saúde pública no Estado de São Paulo. Revista de Saúde Pública. 1973; 7: 433-446.

4. Stepan N. Gênese e evolução da ciência brasileira: Oswaldo Cruz e a política de investigação científica e médica. Rio de Janeiro: Ed. Artenova; 1976.

5. Merhy EE. O capitalismo e a saúde pública. Campinas: Papirus; 1985.

6. Victora CG, Aquino EML, Leal MC, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Maternal and child health in Brazil: progress and challenges. Lancet 2011; 28;377(9780):1863-1876.

7. Barreto ML, Teixeira MG, Bastos FI, Ximenes RA, Barata RB, Rodrigues LC. Successes and failures in the control of infectious diseases in Brazil: social and environmental context, policies, interventions, and needs. Lancet. 2011; 377(9780):1877-1889.

8. Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet 2011; 21;377(9779):1778-1797.