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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.21 n.3 Brasília sep. 2012

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742012000300003 

ARTIGO ORIGINAL

 

Acompanhamento das condicionalidades da saúde do Programa Bolsa Família: estudo de caso no Município do Rio de Janeiro-RJ, Brasil, em 2008*

 

Monitoring health conditionalities of Bolsa Familia Program: a case study in the Municipality of Rio de Janeiro-RJ, Brazil, in 2008

 

 

Jorginete de Jesus Damião TrevisaniI; Patrícia Constante JaimeII

IInstituto de Nutrição Annes Dias, Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro-RJ, Brasil
IIDepartamento de Nutrição, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo-SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: avaliar o acompanhamento das condicionalidades de saúde do Programa Bolsa Família (PBF) no município do Rio de Janeiro, estado do Rio de Janeiro, Brasil, quanto a sua adequação à regulamentação federal e às diretrizes municipais.
MÉTODOS: estudo de avaliação foi realizado com dados de 128 unidades de saúde, obtidos a partir de levantamento realizado pela coordenação municipal do PBF em 2008; realizou-se análise descritiva e análise classificatória multivariada de agrupamento.
RESULTADOS: os dados demostraram a adesão das unidades às atividades básicas (95,2% realizavam pré-natal; 98,4% mediam peso/estatura; e 100,0% realizavam vacinação); outras ações oferecidas para crianças e mulheres apresentaram maior variação nas frequências de unidades que as realizavam (48,2% realizavam grupo educativo, enquanto 91,4% realizavam acompanhamento de crescimento e desenvolvimento); em 48,4% das unidades, não se priorizava a inserção das famílias nas ações oferecidas.
CONCLUSÃO: os resultados indicam a necessidade de estratégias para qualificação do acompanhamento das condicionalidades de saúde na cidade.

Palavras-chave: Programas e Políticas de Nutrição e Alimentação; Atenção Básica; Avaliação; Estudos Transversais.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to evaluate the monitoring of health conditionalities of the Bolsa Família Program (PBF) in the municipality of Rio de Janeiro-RJ, Brazil, concerning their suitability to federal regulations and municipal guidelines.
METHODS: an evaluation study was carried with data of 128 units, obtained from a survey conducted by the PBF health municipal coordination in 2008; descriptive analysis and multivariate cluster analysis grouping were conducted.
RESULTS: data showed compliance of units with basic activities (95.2% performed prenatal; 98.4% measured weight/height; and 100.0% performed vaccination); other actions offered for children and women had greater variation in the frequencies of the units that held them (48.2% held education group, while 91.4% performed monitoring of growth and development); in 48.4% of the units was not given priority to the inclusion of families in the actions offered.
CONCLUSION: the results indicate the needfor strategies to qualify health monitoring of conditionalities in the city.

Key words: Nutrition Programs and Policies; Primary Care; Evaluation; Cross-Sectional Studies.


 

 

Introdução

O Programa Bolsa Família (PBF) foi criado em 2003 como uma política pública intersetorial de combate à pobreza, baseado na conjugação de transferência de renda a condicionalidades relacionadas às áreas da Saúde e da Educação. Com a instituição do PBF, o governo federal reuniu os quatro programas de transferência de renda existentes - Bolsa-alimentação, Bolsa-escola, Auxílio Gás e Cartão Alimentação -, sob gestão única.

De acordo com o Censo de 2010, 16,2 milhões de brasileiros recebem renda familiar de até R$70 por pessoa, vivendo em situação de extrema pobreza. O desenho de transferência condicionada de renda (TCR) é considerado uma inovação na agenda pública, capaz de interferir no ciclo intergeracional da pobreza. Esse potencial é atribuído à compreensão de que as condicionalidades podem-se constituir em elemento fundamental para a melhoria das condições de vida e para a inclusão social sustentável das famílias, promovendo o acesso aos direitos sociais básicos à saúde e educação.1 No que diz respeito ao direito à saúde, à interação entre a pobreza e a desigualdade e à fragmentação do acesso aos serviços de saúde, o PBF coloca-se como um desafio. Nesse sentido, seu desenho pode ser visto como uma estratégia de promoção de equidade no acesso aos serviços de saúde. Contudo, a efetividade dessa função depende da organização dos municípios.

Em 2004, foi publicada a Portaria Interministerial no 2.509, que dispõe sobre as atribuições e normas para a oferta e o monitoramento das ações de saúde no cumprimento das condicionalidades das famílias beneficiárias do PBF. A Portaria delega aos municípios a provisão das ações básicas de saúde que fazem parte das condicionalidades.2

Embora os objetivos e as ações das condicionalidades de saúde do PBF estejam explícitos nas legislações existentes, o modo de operacionalização dessas ações depende das características municipais da rede de atenção básica de saúde.

Desde sua criação, o número de famílias beneficiárias pelo PBF tem aumentado. Em julho de 2012, havia 10.322.561 famílias beneficiárias com perfil de acompanhamento das condicionalidades da saúde no Brasil e 150.522 no município do Rio de Janeiro-RJ. Passados nove anos da implementação do Programa Bolsa Família, poucos estudos foram realizados sobre como os municípios têm implementado ações na rede de saúde voltadas a essas famílias. É de grande relevância e interesse, portanto, para a gestão local dos serviços de saúde, a avaliação do acompanhamento das condicionalidades de saúde no programa. Avaliações que utilizam estudos de adequação têm-se mostrado úteis, pois são capazes de identificar se as atividades do programa vêm cumprindo os objetivos esperados.

O objetivo deste artigo é avaliar a adequação do acompanhamento das condicionalidades da saúde do Programa Bolsa Família no Município do Rio de Janeiro-RJ, a partir de um modelo teórico construído para o município. O modelo teórico utilizado baseou-se tanto na regulamentação federal do programa quanto nas diretrizes municipais para essa ação. Embora o PBF seja um programa federal, existem diferenças em sua implementação face às características dos serviços de saúde e de gestão, bem como de outras questões do contexto local.

 

Métodos

Trata-se de um estudo de avaliação. Os dados analisados foram obtidos a partir do levantamento de ações desenvolvidas para famílias do PBF na rede municipal de saúde do Rio de Janeiro-RJ, realizado pela coordenação da área da saúde do PBF no município, no ano de 2008.

A cidade do Rio de Janeiro-RJ possui população estimada em 6.186.710 (para 2009), assentada sobre área territorial de 1.224,561km,2 dividida em 160 bairros. Para o planejamento e gestão das ações de saúde, adota-se a divisão por Área Programática da Saúde (AP).

Em 2008, estimava-se que o município possuía 188.987 famílias pobres com perfil do PBF. Em junho de 2010, o número de famílias beneficiárias do PBF era de 163.747; destas, 141.562 possuíam perfil para o acompanhamento das condicionalidades de saúde por apresentarem crianças de até sete anos e mulheres de 14 a 44 anos de idade.3

O instrumento de coleta consistiu em questionário estruturado, a ser prenchido pelo gestor da unidade. Esse instrumento foi enviado pela Coordenação de Atenção Básica (responsável pela coordenação das condicionalidades da saúde do PBF) para todas as unidades básicas de saúde da rede municipal. Os questionários foram respondidos por unidades de todas as 10 AP, correspondendo a cerca de 71,0% das unidades de atenção primária (128).

O questionário apresentava questões fechadas e abertas contendo informações acerca das ações previstas nas orientações sobre o acompanhamento das condicionalidades de saúde - avaliação vacinal, acompanhamento do crescimento, inserção no prénatal, práticas educativas, outras ações prioritárias de Saúde Integral, fluxo para o acompanhamento das condicionalidades e o cuidado das famílias e opinião dos gestores sobre essa ação. Para as análises apresentadas neste artigo, utilizou-se apenas o bloco de questões fechadas. Algumas dessas ações foram abordadas por diferentes questões.

Foi avaliada a adequação da ação implantada nas unidades aos objetivos propostos pelo programa, tendo como base o modelo teórico das ações de acompanhamento das condicionalidades de saúde do PBF na cidade do Rio de Janeiro-RJ (Figura 1), construído, como foi dito, a partir da regulamentação e de documentos orientadores do governo federal para as ações que visam a atender as condicionalidades do PBF, assim como das diretrizes do município para a ação. Os elementos que compuseram o modelo foram divididos em três domínios: cuidado à saúde; gestão na coordenação das ações do PBF; e gestão de informação.

 

 

Os componentes relativos ao cuidado à saúde, domínio que constitui o objeto de estudo deste artigo, foram agrupados segundo categorização das ações de saúde no âmbito do PBF, quais sejam: atividades básicas - ações de saúde que são acompanhadas no sistema de informação do PBF na Saúde e estão explícitas na regulamentação federal como condicionalidades de saúde -; atividades essenciais - outras ações básicas de saúde, voltadas às crianças e às mulheres, grupos prioritários no acompanhamento das condicionalidades -; atividades voltadas à família - ações de cuidado da saúde voltadas aos demais membros da família, estratégias de inserção da família nas ações oferecidas pelas unidades -; e atividades voltadas à articulação intersetorial, tais como participar de fóruns de gestão local intersetorial do PBF ou realizar atividade em parceria com outras secretarias envolvidas no PBF. Para cada domínio do modelo, foram elencados recursos, atividades, produtos e resultados, conforme a teoria do programa.

A partir dos componentes do modelo teórico construído, foi proposto um conjunto de variáveis para a avaliação da adequação da ação implementada nas unidades, com foco no domínio de cuidado à saúde. Os indicadores de estudo corresponderam ao percentual de unidades que realizavam as atividades. Nesse sentido, foram construídas variáveis para diferentes componentes do modelo teórico (Figura 2).

 

 

A primeira etapa de análise consistiu na caracterização geral de como estão implementadas as condicionalidades de saúde no município do Rio de Janeiro-RJ, mediante análise descritiva, com frequências dos indicadores.

Na etapa seguinte, as unidades de saúde foram agrupadas segundo características de ações de cuidado à saúde voltadas às famílias do PBF, mediante análise classificatória multivariada de agrupamento denominada k-médias, que visa formar agrupamentos de forma a minimizar a variância intragrupos e maximizar a variança intergrupos.4 A técnica permite a formação de grupos com perfis distintos, com homogeneidade entre as unidades de cada grupo. Procurou-se, ainda, identificar a contribuição de cada variável na distinção dos grupos, demonstrada por meio da estatística F de variância. As variáveis usadas para a análise consistiram em: acompanhar e prover condicionalidades; realizar consultas individuais para crianças e mulheres; realizar consultas de outros membros da família; realizar grupo educativo; intervir no risco nutricional; promover ações voltadas à articulação intersetorial; e participar de fórum de gestão local.

A análise estatística foi realizada por meio dos softwares Epi Info 3.5.1., para análise univariada, e SPSS (versão 19), para a análise multivariada com o método K-means.

O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (Protocolo no 2032, aprovado em 6 de julho de 2010) e da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro (Protocolo no 144, aprovado em 24 de agosto de 2009).

 

Resultados

A Tabela 1 apresenta a frequência de ações desenvolvidas segundo as quatro categorias das atividades de cuidado à saúde, a saber: atividades básicas; atividades essenciais;atividades voltadas ao cuidado da família;e atividades voltadas à articulação intersetorial.

 

 

No que se refere às atividades básicas, todas as atividades dessa categoria têm grande frequência, variando de 95,2% para unidades que realizavam pré-natal até 100,0% para unidades que realizavam vacinação.

Em relação às atividades essenciais, observa-se grande variação na frequência de unidades por atividade, com intervalo entre 48,4% para unidades que realizavam grupo educativo e 92,1% para unidades que realizavam consulta individual para criança.

Embora a aferição de peso e estatura para crianças seja relatada por 98,4% das unidades e a realização de avaliação nutricional por 90,3%, observou-se que somente 65,6% referiram realizar intervenção no risco nutricional. No que diz respeito à avaliação antropométrica em mulheres, 73,4% das unidades relataram a aferição de peso e estatura.

Quanto às atividades voltadas ao cuidado da família, a inserção dos membros das famílias do PBF em ações de saúde foi relatada por um grande número de unidades, chegando a 84,3% para unidades que mencionaram inseri-los no Programa de Diabetes e Hipertensão e 79,7% para as que relataram realizar a vacinação de adolescentes. No entanto, aproximadamente metade das unidades - apenas 51,6% - afirmou ter algum mecanismo ou estratégia de priorização das famílias para inserção nessas ações. A consulta individual para outros membros da família foi relatada por 57,8% das unidades.

A participação nas atividades voltadas à articulação intersetorial foi relatada por 53,1% das unidades. Por sua vez, a participação em fóruns descentralizados de gestão do programa foi relatada por apenas 17,2% das unidades. Esses fóruns são espaços no território de articulação dos profissionais responsáveis pelas ações do PBF das Secretarias de Saúde e Defesa Civil, Educação e Assistência Social.

Por meio da análise de agrupamento, foi possível identificar dois perfis de unidades em relação ao acompanhamento das condicionalidades, denominados Grupo A e Grupo B. A Tabela 2 apresenta as frequências de ações nos dois grupos de unidades de saúde formados e seus respectivos valores de variância (F). No Grupo A, foram alocadas 49 unidades, e no Grupo B, 79 unidades. As variáveis que mais contribuíram para separação dos grupos foram a realização de consultas individuais para outros membros da família e a realização de consultas individuais para crianças e mulheres.

 

 

O Grupo A apresentou maior frequência de unidades que participavam de grupos descentralizados, embora a frequência dessa atividade tenha sido muito baixa para os dois grupos. O Grupo B teve maiores frequências de unidades que faziam acompanhamento de condicionalidades, consultas individuais para crianças e mulheres e consultas individuais de outros membros das famílias que recebem PBF. O Grupo B também obteve maior frequência das atividades voltadas para a intervenção no risco nutricional e para a articulação intersetorial. Não houve diferença significativa entre os grupos A e B para a realização de grupos educativos, não sendo esse um atributo que tenha contribuído para a diferenciação entre os dois grupos. Em relação ao modelo de unidade, o Grupo B teve maior percentual de unidades da estratégia Saúde da Família em relação ao Grupo A (Figura 3).

 

 

Discussão

Foram identificadas diferenças entre o conjunto de atividades oferecidas no acompanhamento das condicionalidades do PBF pelas unidades de saúde no município do Rio de Janeiro-RJ.

Como limitação do estudo, é preciso considerar que a utilização de dados secundários produzidos por questionários respondidos pelo gestor da unidade de saúde pode representar possível viés de aferição. Outra limitação está relacionada à proporção de unidades que não responderam, de quase 30,0%. Possivelmente, estas unidades apresentavam menor frequência de realização das atividades de acompanhamento das condicionalidades do PBF, frente àquelas que foram incluídas no estudo. Cabe ressaltar que o presente artigo apresenta um estudo de caso na cidade do Rio de Janeiro-RJ. Embora não se pretenda generalizar os achados, os resultados permitem a reflexão sobre questões referentes à implementação das condicionalidades de saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde, o SUS.

Observou-se que as atividades básicas acompanhadas no sistema de informação do PBF na Saúde - vacinação, medição de peso e estatura e inserção no pré-natal - eram realizadas pela quase totalidade das unidades. Um estudo realizado no Semiárido brasileiro não encontrou diferenças na atualização do calendário vacinal entre crianças que pertenciam a famílias que recebiam PBF e famílias que não recebiam PBF.5 A avaliação de impacto do PBF, realizada pelo Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), encontrou resultados semelhantes, com diferenças, entretanto, na proporção de crianças vacinadas, desfavoráveis ou não significativas para as crianças de famílias beneficiárias. Isso ocorreu tanto quando comparadas às crianças de famílias beneficiárias de outros programas, quanto ao serem comparadas às crianças não beneficiárias de programas de transferência de renda. No relatório desse estudo, a residência em áreas de menor acesso aos serviços de saúde foi apresentada como possível hipótese para justificar essa diferença. Para o pré-natal, na mesma avaliação, não houve diferenças significativas entre os grupos estudados.6 Os dados do presente estudo demonstraram boa adesão das unidades na realização dessa ação para famílias do PBF.

A grande frequência de unidades com relato de realização das medidas de peso e estatura também representa um bom indicativo para o acompanhamento das condicionalidades PBF pelas unidades do município. Destaca-se que a ausência de informação de peso e estatura não era um impedimento para que a família fosse considerada como família acompanhada no sistema de informação do PBF na saúde, diferentemente das informações de vacinação e pré-natal. Frente a isso, a alta frequência observada do acompanhamento dos indicadores antropométricos (peso/estatura) assume maior relevância quanto à atenção das unidades ao estado nutricional dos beneficiários.

Já as outras ações oferecidas pelas unidades de atenção primária de saúde para crianças e mulheres, grupos priorizados pelo desenho das condicionalidades de saúde, agrupadas aqui como atividades essenciais, apresentaram maior variação nas frequências de unidades que as realizavam.

Em contraposição à alta frequência identificada na aferição de peso e estatura, a intervenção em situações de risco nutricional foi observada em menor frequência nas unidades (98,4% versus 65,6%). Esse fato corrobora os resultados de pesquisas anteriores, que sinalizaram impacto modesto, ou restrito a determinados grupos etários, dos programas de transferência de renda condicionada (PTCR) no Brasil, para melhoria das condições nutricionais de crianças.6-9 Outros PTCR na América Latina têm demonstrado aumento na utilização de serviços de saúde, sobretudo para monitoramento da vacinação e das condições nutricionais, como em Honduras e no México.10

Os achados encontrados para o terceiro grupo de atividades - atividades voltadas ao cuidado da família - levam a outros questionamentos sobre a ação da Saúde no PBF. Primeiramente, constatou-se alguma articulação entre outros programas instituídos na atenção primária em saúde, como por exemplo, entre o Programa de Diabetes e Hipertensão e o cuidado das famílias beneficiárias, apesar de metade das unidades terem relatado que não existiam mecanismos de priorização para inserção dos membros das famílias nessas ações. É possível que o achado refletisse apenas a demanda natural dos usuários. Ou seja, em parte das unidades, não é dada prioridade para membros de famílias de PBF mas eles podem acessar as ações e programas das unidades, da mesma forma que outros usuários. Draibe11 afirma que, no contexto de sociedades desiguais, a focalização estratégica de políticas universais - não em oposição a elas - visa a impedir que desigualdades sociais reproduzam-se "sob o manto" dos programas universais. Famílias de menor renda estão mais vulneráveis a diversas situações de insegurança alimentar e de saúde. Nesse sentido, a lógica das políticas de combate à pobreza, incluídos os PTCR, é de uma discriminação positiva, atuando em manifestações crônicas de privações.12 Desta forma, está na pauta a possibilidade de equidade no acesso aos serviços de saúde. Tal entendimento aponta que a maior priorização das famílias do PBF nas ações de atenção primária possibilitaria qualificação do cuidado à saúde desse grupo e melhorias dos indicadores do terceiro bloco de atividades.

Outra questão explicitada pelos resultados foi a maior frequência de atividades voltadas ao grupo materno-infantil, tradicionalmente priorizado nas ações de atenção primária em saúde.13 Observaram-se baixas frequências de unidades que relataram realizar consultas individuais para os adolescentes e para outros membros da família. Contudo, como no modelo teórico do programa, a abordagem familiar é pretendida e seria esperado um foco maior nas atividades voltadas para as necessidades da família e não somente das crianças e das mulheres. A complexidade do perfil de saúde da população requer estratégias que incluam o homem e outras fases do curso de vida.

A identificação dos dois perfis distintos de unidades reforçou as diferenças nos níveis de implantação das condicionalidades de saúde do PBF na cidade. O Grupo A, que incluiu em torno de um terço das unidades estudadas, demonstrou a implementação fragmentada, não sendo relatadas atividades complementares às atividades básicas desenvolvidas pela maioria de suas unidades. Nesse grupo, mesmo as atividades básicas não foram referidas por 15,0% das unidades. Os indicadores que tiveram maiores variâncias e, por conseguinte, melhor definiram a discriminação dos dois perfis de unidades, foram: realizar consultas individuais para crianças e mulheres; e realizar consultas individuais para outros membros da família.

Fonseca e Viana13 alertam que as condicionalidades previstas para acompanhamento não introduzem compromissos com o cuidado integral à saúde e não funcionam como porta de entrada para outros níveis de atenção. Sua implementação, por meio de ações específicas, não garantiria melhoria de indicadores de saúde.

A maior presença de unidades da Estratégia Saúde da Família no agrupamento de melhor implementação das ações para as famílias PBF (Grupo B) expressa a afinidade do modelo teórico do acompanhamento das condicionalidades na cidade do Rio de Janeiro-RJ com a lógica da estratégia, sobretudo no que diz respeito à integralidade das ações e às abordagens com foco na família, como de território.14

A importância da provisão adequada e da qualidade dos serviços de saúde é sinalizada como um aspecto importante para a melhoria dos efeitos dos PTCR na saúde, conforme foi destacado por recente revisão sistemática que encontrou resultados pouco claros.15 O potencial em promover o acesso das famílias beneficiárias aos serviços de saúde dependerá da organização dos municípios e dos serviços.16 Em pesquisa de opinião realizada pelo Instituto Pólis junto aos beneficiários do PBF, 39,5% acharam difícil e 17,8% disseram ser muito difícil ter acesso a atendimento em serviços públicos de saúde.17 Tomando a definição de Donabedian que considera a acessibilidade como a capacidade de produzir serviços e responder às demandas de saúde de uma determinada população, os resultados do referido estudo apresentam desafios à otimização do PBF na Saúde, para promover o acesso.18,19 Ir à unidade para acompanhar condicionalidades do Bolsa Família não necessariamente significa inserção nas ações de cuidado oferecidas pelas unidades.

A pobreza está implicada com as iniquidades de saúde, por diferentes mecanismos que dizem respeito não somente à maior exposição a esses riscos de saúde, como também à maior vulnerabilidade a eles e ao menor acesso aos cuidados de saúde.20 Ações e programas de saúde isolados não conseguiriam levar à melhoria das condições de saúde desse grupo. Antes sim, programas e ações que pretendam sinergia entre estratégias de combate à pobreza e acesso às ações da política de saúde para os grupos de maior vulnerabilidade social, apresentam potencial na diminuição das iniquidades de saúde. Esse potencial só pode ser alcançado se houver integração das ações referentes às duas políticas em questão.

Apesar de o desenho do acompanhamento das condicionalidades ser de regulamentação federal e, explicitamente, não existirem componentes que demandem propostas municipais para definição de ações, observam-se especificidades na maneira como as unidades de saúde do Rio de Janeiro-RJ operacionalizam o programa. Os municípios implantam programas federais na rede de saúde de acordo com a organização da assistência local, podendo dispor de componentes particulares que deem conta de suas especificidades locais.

Observaram-se, outrossim, diferenças entre as características, conforme a implantação do programa na rede e as diretrizes municipais, sistematizadas no modelo teórico utilizado. Questões explícitas nos documentos de referência federal e, sobretudo, nos instrumentos de acompanhamento do programa estão mais presentes nas ações oferecidas nas unidades. Este é o caso de acompanhamento de pré-natal, vacinação e medidas de peso e estatura. Os resultados indicam necessidade de estratégias para qualificação do acompanhamento das condicionalidades de saúde na cidade, envolvendo discussão do processo de trabalho no contexto dessa ação com os profissionais de saúde e gestores das unidades de atenção primária de saúde.

 

Contribuição dos autores

Trevisani JJD participou de todas as etapas do estudo, incluindo elaboração do projeto, análise, interpretação e redação dos resultados.

Jaime PC participou da análise, interpretação e redação dos resultados.

 

Referências

1. Portaria no 551, de 09 de novembro de 2005. Regulamenta a gestão das condicionalidades do Programa Bolsa Família. Diário Oficial da União, Brasília, p. 117, 11 nov. 2005. Seção 1.

2. Portaria no 2.509, de 18 de novembro de 2004. Dispõe sobre as atribuições e normas para a oferta e o monitoramento das ações de saúde relativas ao cumprimento das condicionalidades das famílias beneficiárias do Programa. Diário Oficial da União, Brasília, p.58, 22 nov. 2004. Seção 1.

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Endereço para correspondência:
Instituto de Nutrição
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Avenida Pasteur, 44, Botafogo,
Rio de Janeiro-RJ, Brasil.
CEP: 22290-240
E-mail: jjdamiao@usp.br

Recebido em 16/07/2012
Aprovado em 03/09/2012

 

 

*O artigo integra a tese "Avaliação da implementação das condicionalidades de saúde do Programa Bolsa Família e seu papel no cuidado à saúde - estudo de caso do município do Rio de Janeiro"; apresentada para obtenção do título de doutor em Nutrição em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP, em 2012.