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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.21 n.3 Brasília sep. 2012

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742012000300013 

ARTIGO ORIGINAL

 

Coinfecção pelos vírus das hepatites B ou C e da imunodeficiência adquirida: estudo exploratório no Estado de São Paulo, Brasil, 2007 a 2010

 

Co-infection of hepatitis B or C and human immunodeficiency virus: an exploratory study in the State of São Paulo, Brazil, 2007 to 2010

 

 

Norma Farias; Iára de Souza; Débora Moraes Coelho; Umbeliana Barbosa de Oliveira; Claudia Afonso Binelli

Programa Estadual de Hepatites Virais, Centro de Vigilância Epidemiológica Alexandre Vranjac, Coordenadoria de Controle de Doenças, Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, São Paulo-SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever as características dos casos de coinfecção pelos vírus das hepatites B (VHB) e/ou C (VHC) e o vírus da imunodeficiência humana (HIV) no estado de São Paulo, Brasil.
MÉTODOS: estudo descritivo sobre casos notificados ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) entre 2007 e 2010; foram analisadas variáveis sociodemográficas, clínicas e comportamentais.
RESULTADOS: dos 46.969 casos notificados de hepatites virais, 1.318 (2,8%) corresponderam a casos de coinfecção HIV/VHB, 3.032 (6,45%) de coinfecção HIV/HCV e 201 (0,43%) de coinfecção HIV/VHB/VHC; o contato sexual com portadores do VHB ou VHC foi mais prevalente nas coinfecções HIV/VHB; uso de drogas apresentou maior proporção nos casos de coinfecção HIV/VHC e HIV/VHB/VHC, com maior frequência nos indivíduos com 40 anos de idade ou mais (p<0,001).
CONCLUSÃO: fatores de risco e mecanismos de transmissão comuns às hepatites virais e ao HIV podem explicar a frequência elevada de coinfecção.

Palavras-chave: Epidemiologia; Vírus da Hepatite B, Hepacivirus; HIV; Coinfecção.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe the characteristics of cases of co-infection by virus of hepatitis B (HBV) and/or C (HCV) and human immunodeficiency virus (HIV) in the state of São Paulo, Brazil.
METHODS: a descriptive study about cases reported to the Information System for Notifiable Diseases (Sinan) in the period 2007-2010; were analyzed socio-demographic, clinical and behavioral variables.
RESULTS: in 46,969 reported cases of viral hepatitis, 1,318 (2.8%) corresponded to cases of co-infection HIV/HBV, 3,032 (6.45%) of co-infection HIV/HCV and 201 (0.43%) of co-infection HIV/HBV/HCV; sexual contact with carriers of HBV or HCV was more prevalent in HIV/HBV co-infection; use of drugs showed a higher proportion in cases of co-infection HIV/HCV, most often in individuals aged 40 years or more (p<0.001).
CONCLUSION: risk factors and transmission mechanisms common to hepatitis viruses and HIV may explain the high frequency of co-infection.

Key words: Epidemiology; Hepatitis B Virus; Hepacivirus; HIV; Coinfection.


 

 

Introdução

As hepatites virais B e C continuam sendo um dos mais importantes problemas de Saúde Pública. A Organização Mundial da Saúde - OMS - estima que haja cerca de 370 milhões de portadores crônicos do vírus da hepatite B (VHB) e 170 milhões do vírus da hepatite C (VHC) na população mundial.1,2 Em áreas altamente endêmicas ou entre grupos com alto risco de transmissão parenteral, é comum a ocorrência de coinfecções; porém, em todo o mundo não se conhece a prevalência da comorbidade relativa às hepatites B e C, pela ausência de estudos de base populacional.3

A coinfecção entre os vírus da imunodeficiência humana (HIV) e das hepatites virais B ou C é explicada pelas vias comuns de infecção ao vírus, principalmente a sexual e a parenteral.4,5 Estima-se que 70,0-90,0% dos pacientes soropositivos para o HIV apresentam marcadores sorológicos de infecção pregressa pelo vírus da hepatite B.6 A infecção crônica pelo VHB ocorre em 5,0 a 10,0% dos indivíduos infectados pelo HIV, ou seja, uma proporção dez vezes aquela observada na população geral.7 Estudo realizado em um centro hospitalar da cidade de Ribeirão Preto-SP mostrou prevalência de HIV/HBV de 20,4%.5 Estudos epidemiológicos mostram associação entre a ocorrência de HIV/VHB em adultos jovens e homens homossexuais.8

A semelhança entre os mecanismos de transmissão do HIV e VHC (parenteral; sexual; vertical) explica a ocorrência de coinfecção HIV/VHC.9 A prevalência da coinfecção é altamente variável e depende da ocorrência do VHC, do HIV e dos usuários de drogas nas populações estudadas.10 No ensaio clínico EUROSIDA, que acompanhou pacientes HIV-positivos em centros da Europa, a prevalência da coinfecção HIV/VHC na linha de base variou de 5,2% em Israel a 71,3% na Ucrânia.11 No Brasil, existem poucos estudos que relatam essa prevalência. Estudo realizado na cidade de Santos-SP, em indivíduos soropositivos para o HIV, mostrou uma prevalência de HIV/VHC de 36,2% (IC95%: 31,9-40,4). Entre os usuários de drogas injetáveis (UDI) , o percentual atingiu 84,8% (IC95%: 78,2-91,3).12 Vários fatores explicam a maior frequência do VHC em indivíduos HIV-positivos, como uso de drogas ilícitas, compartilhamento de seringas e transfusão de sangue.13-15

As hepatites virais B e C constituem um agravo de notificação compulsória. Os registros representam, principalmente, a captação de casos e a adesão dos serviços de saúde ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), e vêm aumentando progressivamente, a partir da década de 2000.16,17 A adesão ao Sinan, bem como a exploração dos dados disponíveis nos sistemas oficiais de informações, é importante para a prevenção e o controle das hepatites virais, contribuindo também para o conhecimento sobre a distribuição dos diversos fenômenos ligados à população e aos serviços de saúde.

O objetivo do presente estudo foi descrever as características epidemiológicas dos casos de hepatites B e/ou C coinfectados pelo HIV no Estado de São Paulo, no período de 2007 a 2010.

 

Métodos

Foi realizado um estudo descritivo com as informações dos casos notificados no banco de hepatites virais do Sinan, no período de 1o de janeiro de 2007 a 31 de março de 2010.

Os casos de hepatite C foram diagnosticados por meio do marcador anti-HCV (hepatitis C virus) reagente pelo teste ELISA (enzyme-linked immunosorbent assay), confirmado pela presença de HCV RNA (hepatitis C virus ribonucleic acid) usando RT-PCR (reverse transcription-polymerase chain reaction). Os casos de hepatite B são aqueles nos quais é detectado antígeno de superfície contra o vírus da hepatite B (HbsAg) e/ou anticorpo IgM contra o vírus B (anti-HBc IgM) no soro.

No presente estudo, foram incluídos os casos de hepatites B e/ou C coinfectados pelo HIV. Para a definição da coinfecção, foi usada a variável 'HIV como agravo associado', referida pelo usuário ao serviço de saúde e registrada na ficha epidemiológica do Sinan.

As variáveis selecionadas a partir da ficha de investigação epidemiológica foram: sexo; idade; cor da pele; escolaridade; contato sexual, domiciliar ou ocupacional com portador do VHB ou VHC; histórico de doenças sexualmente transmissíveis (DST); número de parceiros sexuais; uso de drogas injetáveis, inalatórias ou crack; tatuagem ou piercing; acupuntura; transfusão de sangue ou hemoderivados; tratamento cirúrgico; tratamento dentário; uso de medicamentos injetáveis; hemodiálise, transplante; e acidente com material biológico.

Foi realizada análise de dados por meio da distribuição de frequências das comorbidades associadas ao VHB/VHC, HIV/VHB, HIV/VHC e HIV, segundo as variáveis de exposição, em dois estratos, <40 anos e ≥40 anos de idade, usando o teste de qui-quadrado de Yates com nível de significância de 5%. Os dados foram analisados com apoio do programa Stata 10.

O presente estudo atende aos requisitos da ética na pesquisa envolvendo seres humanos. Os dados foram obtidos a partir de banco de dados secundários adotado na rotina dos serviços de saúde. Foi constituído um segundo banco para o estudo, sem a identificação dos indivíduos, manipulado apenas pelos autores e exclusivamente para esse fim.

 

Resultados

Foram estudados 46.969 casos notificados no banco de hepatites virais, dos quais 20.710 (44,0%) eram do sexo feminino e 26.259 (56,0% do sexo masculino), 18.472 (39,0%) tinham idade menor de 40 anos e 28.497 (61,0%) tinham idade igual ou superior a 40 anos. Do total de casos, 1.318 (2,8%) apresentavam coinfecção HIV/VHB, 3.032 (6,0%) coinfecção HIV/ HCV e 201 (0,4%) coinfecção HIV/VHB/VHC.

A Tabela 1 mostra a distribuição de casos de coinfecção HIV/VHB segundo as variáveis de exposição. Entre os 1.318 coinfectados, a maioria era do sexo masculino (aproximadamente 88,0%), de cor da pele branca (aproximadamente 63,0%), e cerca de 83,0% tinham escolaridade até o 1o ou o 2o grau completo.

 

 

Entre os 327 casos notificados com informação conhecida para a variável 'Contato sexual com portador de VHB ou VHC', cerca de 55,0% com resposta 'Sim' tinham menos de 40 anos de idade e 26,0% pertenciam ao grupo acima de 40 anos (p<0,001).

O contato domiciliar e ocupacional com portador foi registrado em cerca de 6,0% (24/430) e 8,0% (42/517) dos casos, respectivamente, entre aqueles cuja informação era conhecida para essas variáveis.

A ocorrência de DST foi registrada para 40,0% (339/848) dos coinfectados e 71,0% (671/951) tinham três ou mais parceiros sexuais, do total de casos com essas informações registradas. O uso de drogas injetáveis foi referido por cerca de 15,0% dos casos para os quais a informação era conhecida (n=1.017); e o uso de drogas inaláveis ou crack, por aproximadamente 27,0% daqueles que contavam com essa informação (n=952).

O uso de tatuagem ou piercing foi mais frequente entre os mais jovens, com 28,0% (115/403) dos casos com informação conhecida, frente ao grupo acima de 40 anos, com a respectiva proporção de 13,0% (37/280) (p=0,000). A acupuntura apresentou cerca de 3,0% (18/666) do total de casos onde a variável foi informada. Em relação à transfusão de sangue/ hemoderivados, este quesito foi registrado por cerca de 2,0% (14/623) entre os casos com menos de 40 anos de idade e de 5,0% (18/360) entre aqueles com 40 anos ou mais, considerando-se os casos que apresentaram registro da variável.

O tratamento cirúrgico foi relatado em aproximadamente 27,0% (188/699) dos casos, tratamento dentário em 50,0% (313/624) e uso de medicamentos injetáveis em 29,0% (202/686). A hemodiálise foi referida em 10 casos, os transplantes em 2 e os acidentes com material biológico em 4 casos.

A Tabela 2 apresenta a distribuição dos casos de coinfecção HIV/VHC de acordo com as variáveis de exposição. A ocorrência dessa comorbidade foi mais frequente no sexo masculino (73,0%=2.200/3.032)) e na cor da pele branca (34,0%=1.816/2.805).

 

 

Cerca de 16,0% dos indivíduos tiveram contato sexual com portador do VHB ou do VHC, entre aqueles com informação conhecida para essa variável (n=1.037). Para o contato domiciliar ou ocupacional, essa proporção foi de cerca de 6,0% (75/1293) e 2,0% (31/1502), respectivamente, considerando-se o total de casos com informação registrada para essas variáveis. A ocorrência de DST teve distribuição igual entre ambos os grupos etários, com cerca de 21,0% (501/2325) do total dos casos registrados. Não houve diferença entre os dois grupos quanto ao número de parceiros sexuais, com registro de três ou mais parceiros em 62,0% (1.405/2270) do total de casos que apresentaram registro dessa variável.

Quando a informação era conhecida, observou-se que o uso de drogas injetáveis foi mais frequente entre os indivíduos de 40 anos de idade ou mais (51,0%=665/1293), comparativamente ao grupo com menos de 40 anos (44,0%=532/1196) (p<0,001). O uso de drogas inaláveis ou crack representou cerca de 53,0% do total de casos informados (1.255/2.375).

Os mais jovens tiveram proporção maior de uso de tatuagem, com cerca de 33,0% (326/983) dos casos informados versus 22,0% (231/1056) para o grupo acima dos 40 anos (p<0,001). O uso de acupuntura foi referido em 3,0% (51/2011) dos casos com informação para a variável. A transfusão de sangue foi registrada em cerca de 6,0% (157/2491), tratamento cirúrgico em 32,0% (692/2164), tratamento dentário em 48,0% (939/1959) e uso de medicamentos injetáveis em 39,0% (827/2100), quando as informações para essas variáveis encontravam-se disponíveis.

Entre os co-infectados HIV/VHC, 20 casos registraram hemodiálise, 9 casos referiram tansplante e 12 casos sofreram acidente com material biológico.

A Tabela 3 mostra a distribuição dos 201 casos de coinfecção HIV/VHB/VHC, segundo as variáveis de exposição. Nota-se que o sexo masculino foi predominante entre os indivíduos de 40 anos ou mais (91,0%=97/107), comparado com a proporção equivalente para aqueles com menos de 40 anos (54,0%=51/94) (p=<0,001). A cor da pele branca foi predominante, com cerca de 62,0% (115/185), e o 2o grau foi o nível de escolaridade mais frequente, com cerca de 21,0% do total de casos.

 

 

A informação para contato sexual com portador de hepatite C ou B era conhecida em 65 casos notificados, sendo mais importante entre os mais jovens (73,0%=36/49). O percentual de casos que tiveram contato domiciliar foi de 41,0% entre aqueles nos quais essa informação foi registrada (n=85). Em 36,0% dos casos houve contato ocupacional, dos 89 casos com a informação conhecida.

Cerca de 19,0% dos casos tiveram histórico de DST, do total em que essa variável foi registrada (n=109). Não houve diferença estatisticamente significativa em relação ao número de parceiros sexuais por grupo etário. Quando a informação era conhecida, o uso de drogas injetáveis foi predominante nos casos de faixa etária acima de 40 anos de idade ou mais (64,0%=60/93), em relação àqueles com menos de 40 anos (30,0%=26/86) (p<0,001). O uso de drogas inaláveis ou crack correspondeu a cerca de 43,0% (63/147) dos casos.

O uso de tatuagem ou piercing correspondeu a cerca de 53,0% (84/158) dos casos com informação conhecida. O tratamento cirúrgico foi de 45,0% (61/134), o tratamento dentário de 56,0% (72/129) e o uso de medicamentos injetáveis de 48,0% (86/179) entre os casos com informações para essas variáveis.

Acupuntura foi referida em apenas 3 casos, transfusão de sangue em 10 casos, hemodiálise em 3 casos, e transplantes e acidentes com material biológico em 1 caso, entre os registros onde se encontrou a respectiva informação.

 

Discussão

O estudo mostrou as características epidemiológicas dos casos de hepatites B e/ou C coinfectados pelo HIV entre residentes no estado de São Paulo notificados no Sinan. Para todas as coinfecções (HIV/VHB, HIV/VHC, HIV/VHB/VHC), os casos eram predominantemente do sexo masculino, com 40 anos de idade ou mais, de cor da pele branca e com 1o ou 2o grau completo.

O contato sexual com um portador de vírus B ou C foi predominante nas coinfecções HIV/VHB e HIV/VHB/VHC. Da mesma forma, a ocorrência de DST e o número de parceiros sexuais teve maior frequência na coinfecção HIV/VHB. No entanto, as variáveis sexuais (histórico de DST e número de parceiros sexuais) também aparecem de forma relevante na coinfecção HIV/VHC.

Os mecanismos comuns à transmissão do VHB e do HIV e os fatores de risco justificam a frequência elevada de coinfecção.1,4 O VHB circula em altas concentrações no sangue e também pode ser encontrado em outros fluidos corporais, como sêmen e secreção vaginal, sendo 50 a 100 vezes mais infectante que o HIV.4,18 A literatura registra que a hepatite B crônica ocorre em 5,0 a 10,0% dos indivíduos soropositivos para o HIV, taxa dez vezes maior que a da população geral.7 No Brasil, a proporção de casos de coinfecção HIV/VHB em relação aos casos de hepatite B, registrados no Sinan entre 2007 e 2010, foi de 5,4% (2.799/51.364).17

Em relação à transmissão sexual do VHC, os estudos relatam um percentual desse modo de transmissão que varia de zero a 27,0% dos casos de hepatite C na população geral, sendo a maioria entre zero e 3,0%.19 Em populações específicas, como usuários de drogas injetáveis (UDI), homossexuais e trabalhadores do sexo, o risco de infecção pelo VHC pelo mesmo modo de transmissão mostra-se aumentado em relação ao da população geral.19-21 O VHC e o HIV compartilham vias semelhantes de transmissão e cerca de um quarto das pessoas vivendo com HIV são também portadoras do VHC.18 No Brasil, a proporção de coinfecção VHC/HIV no período de 2007 a 2010 foi de 11,4% (4.366/38.396) em relação aos casos de hepatite C confirmados.17 Entre 1999 e 2010, a via sexual apresenta-se como o terceiro modo de transmissão mais frequente da hepatite C, depois da via transfusional e do uso de drogas, representando 9,8% dos casos (6.358/69.952).17

Entre HIV-positivos, alguns estudos mostram que a hepatite C adquirida por transmissão sexual atinge principalmente a população de homens homos-sexuais.22

No presente estudo, o uso de drogas injetáveis, drogas inaláveis ou crack, apresentou maior proporção nos casos de coinfecções HIV/VHB/VHC e HIV/VHC. Na literatura, a maioria dos casos de coinfectados HIV/VHC são UDI.15,23 Nos Estados Unidos da América, 50,0 a 90,0% dos indivíduos UDI soropositivos para o HIV são coinfectados pelo VHC.23 Alguns estudos sugerem que o compartilhamento de objetos pessoais pode explicar, em parte, a transmissão do VHC em parceiros sexuais.15,19

A transfusão de sangue/hemoderivados apresentou menor proporção que as variáveis de comportamento sexual e o uso de drogas, sendo mais relatada entre os casos de coinfecção VHB/VHC do que nos casos de coinfecção com o HIV. Um estudo realizado em Hospital Universitário na cidade de Recife-PE mostrou que a transfusão sanguínea foi um fator de risco para a coinfecção HIV/VHC, independentemente de outros fatores.14 No Brasil, a hemovigilância foi reforçada pela normatização da coleta, processamento e transfusões de sangue e hemoderivados, por meio de Portaria do Ministério da Saúde publicada em 1993.24

O uso de medicamentos injetáveis apresentou percentual mais elevado nas coinfecções VHB/VHC e HIV/VHB/VHC comparado com as coinfecções HIV/VHB e HIV/VHC. O percentual de indivíduos que referiu tratamento dentário aproximou-se ou ultrapassou o percentual de 50,0% nos diversos segmentos. Comparando com os dados de hepatite C (sem presença de hepatite B ou HIV) para o mesmo período,25 tanto o uso de medicamentos injetáveis como o tratamento dentário apresentaram distribuição semelhante, com percentuais de 44,0 e de 60,0% respectivamente.

O uso de tatuagem aparece com maior frequência entre os mais jovens e teve maior percentual de registros na coinfecção HIV/VHB/VHC. Acupuntura, hemodiálise, transplantes e acidente com material biológico tiveram poucos relatos na comorbidade. Há evidências na literatura de que a coinfecção pela realização de tatuagens sem material estéril aumenta o risco de hepatite C.26 A tatuagem tem sido também relatada como fator de exposição ao VHB, embora tenha sido raramente relatada.23 Na maioria dos casos de transmissão do VHB ou VHC em procedimentos médico-cirúrgicos, a transmissão resulta da não adesão às técnicas de biossegurança e às recomendações para a adoção de práticas de prevenção e controle de infecção hospitalar.24

As limitações do estudo correspondem àquelas apresentadas por estudos com dados secundários, que podem comprometer a validade de seus resultados e conclusões. Há subnotificação de casos no Sinan: o número de registros 'Sem informação' todavia é alto para a maioria das variáveis e os dados não podem ser generalizados para a população do estado de São Paulo. No entanto, os achados do presente estudo constituem informações importantes para acrescentar conhecimento sobre o problema e para a elaboração de estratégias de prevenção e controle das hepatites virais.

 

Contribuição dos autores

Farias N foi responsável pela concepção do estudo, conduziu a redação do manuscrito e participou em todas as etapas de trabalho.

Sousa I participou da revisão dos dados e da discussão do estudo.

Coelho DM participou da revisão final do texto.

Oliveira UB e Binelli CA participaram da revisão final do texto.

 

Referências

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24. Portaria no 1.376, de 19 de novembro de 1993. Regulamenta as normas técnicas para coleta, processamento e transfusões de sangue, componentes e derivados, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, p. 61, 2 dez. 1993.

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Endereço para correspondência:
Av. Dr. Arnaldo, 351, Pacaembu,
São Paulo-SP, Brasil.
CEP: 01246-000
E-mail: nfarias@saude.sp.gov.br

Recebido em 10/02/2012
Aprovado em 03/08/2012