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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.21 n.4 Brasília dic. 2012

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742012000400004 

ARTIGO ORIGINAL

 

Mortalidade por câncer de colo do útero no Estado de Minas Gerais, Brasil, 2004-2006: análise da magnitude e diferenciais regionais de óbitos corrigidos

 

Mortality from cervical cancer in the State of Minas Gerais, Brazil, 2004-2006: analysis of magnitude and regional differences of corrected cause-specific deaths

 

 

Renato Azeredo TeixeiraI; Joaquim Gonçalves ValenteII; Elisabeth Barboza FrançaIII

IPrograma de Avaliação e Vigilância do Câncer e seus fatores de riscos, Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil
IIInstituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
IIIPrograma de Pós-Graduação em Saúde Pública e Grupo de Pesquisas em Epidemiologia e Avaliação em Saúde, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: comparar taxas de mortalidade por câncer do colo do útero (CCU) nas macrorregiões de saúde do estado de Minas Gerais, Brasil, em 2004-2006, antes e após correção dos dados brutos.
MÉTODOS: correção dos dados brutos do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) considerando-se sub-registro estimado, causas inespecíficas dos cânceres, cânceres dos órgãos genitais femininos ou de porção não especificada do útero, além das causas mal definidas; utilizou-se a variação percentual relativa (VPR) para quantificar a diferença entre a taxa bruta de mortalidade e a taxa com os dados corrigidos, e, como indicador socioeconômico, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
RESULTADOS: verificou-se correção diferenciada no estado, sendo que macrorregiões com menor IDH apresentaram as maiores correções; a macrorregião Nordeste apresentou maior VPR, de 232%.
CONCLUSÃO: a magnitude da mortalidade corrigida por CCU em Minas Gerais apresentou valores maiores do que a observada com uso dos dados do SIM sem correção.

Palavras-chave: Neoplasias do Colo do Útero; Mortalidade; Sistemas de Informação; Sub-registro.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to compare mortality rates by cervical cancer (CC) in the health administrative macro-regions of the state of Minas Gerais, Brazil, in 2004-2006, before and after correction of mortality data.
METHODS: correction of raw data from the Brazilian Mortality Information System (MIS) considering estimated under-reporting of deaths, unspecified causes of cancer-related deaths, cancers on female genitalia or unspecified portions of the uterus, and ill-defined causes; relative percentage variation (RPV) was used to quantify the difference between cervical mortality rates before and after correction, and as socioeconomic indicator, the Human Development Index (HDI).
RESULTS: the differences varied through the State, showing the widest corrections related to the regions with the least HDI; Northeastern macro-region presented the highest RPV (232%).
CONCLUSION: corrected cause-specific mortality rates due to CC-related mortality in Minas Gerais were higher than the crude rates observed in MIS data.

Key words: Uterine Cervical Neoplasms; Mortality; Information Systems; Underregistration.


 

 

Introdução

O câncer do colo do útero (CCU) é uma doença de grande relevância mundial e chega a ser o câncer mais incidente em mulheres da África, Ásia e América Central. Nestas regiões, as taxas de incidência são superiores a 30 por 100 mil mulheres, o que resulta em aproximadamente 500 mil casos novos por ano no mundo. Esse tipo de câncer, que representa 12,0% dos tumores femininos, foi responsável por mais de 200 mil mortes no mundo, apenas em 2010.1-3 A maioria dessas mortes ocorreu nos países em desenvolvimento, onde os casos foram diagnosticados em fase avançada da doença, ou como doença metastática.4,5

Para o ano de 2012, estima-se que ocorram 17.540 casos novos de CCU no Brasil, correspondendo a uma taxa de 17 casos por 100 mil mulheres.6 O CCU representa o segundo tumor mais frequente entre brasileiras, à exceção dos tumores na pele não melanoma, e chega a ser primeiro na região Norte (taxa de incidência de 24/100 mil mulheres). No ano de 2009, 5.063 mulheres morreram por CCU no país, o que representou uma taxa bruta de mortalidade de 5,2 por 100 mil mulheres.7 Para o estado de Minas Gerais, estima-se que sejam 1.360 casos novos de CCU em 2012, o que corresponde a 4,9% dos casos de câncer em mulheres.6

Sabe-se que as atuais taxas de neoplasias podem ser reduzidas em até 40,0% com a mudança de comportamentos relacionados à saúde e fatores de risco, como cessação do consumo de tabaco, melhoria da dieta, atividade física regular, redução do consumo de álcool, proteção contra agentes cancerígenos no local de trabalho, além da imunização contra o vírus da hepatite B e, sobremaneira, do controle do vírus do HPV.8 A ocorrência do CCU tem sido relacionada principalmente à infecção persistente por tipos oncogênicos do papilomavírus humano (HPV). A Agency for Research on Cancer (IARC) reconhece 13 tipos de vírus cancerígenos do HPV, sendo os mais comuns o HPV 16 e o HPV 18. Esses dois tipos são encontrados em 70,0% dos casos de câncer relatados.5 Atualmente, os programas de rastreamento são a abordagem mais eficaz para o controle do CCU. Independentemente do nível inicial de incidência da doença, os países que implantaram programas de rastreamento reduziram os casos novos para taxas mais baixas, de cerca de 10 casos por 100 mil mulheres/ano.9

Para a análise e monitoramento da situação das neoplasias e avaliação dos programas implantados, os dados de mortalidade são comumente utilizados. Isso acontece pela alta letalidade da maioria das afecções que compõem esse grupo de doenças e pela carência de informações relativas à morbidade.10 Apesar de os registros de câncer fazerem parte de um sistema de informações com cobertura e validade que vêm melhorando progressivamente no país, ainda não apresentam um fluxo tão bem estruturado como o do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), que já se encontra mais consolidado e tem cobertura universal.11

Por outro lado, um importante problema no Brasil são os óbitos não registrados, que não entram na composição das taxas brutas de mortalidade. Apesar do desenvolvimento de procedimentos que permitem a estimação da cobertura dos óbitos, há poucas pesquisas brasileiras nessa direção. Dimensionar esses óbitos significa medir o sub-registro, regionalmente diferenciado por sexo e idade,12,13 e requer procedimentos analíticos com metodologias variadas e muitas vezes complexas.14

Além disso, a heterogênea qualidade das declarações de óbito (DO) - a fonte do SIM -, com altas proporções de causas mal definidas registradas em alguns locais, pode comprometer a consistência e o uso adequado dos dados de mortalidade no país. Estados das regiões Norte e Nordeste apresentam níveis altos de sub-registros de óbitos e proporções mais elevadas de causas mal definidas, que diminuem a acurácia da distribuição da mortalidade por causas, sendo exatamente nessas regiões onde os indicadores de desenvolvimento são os mais precários no Brasil.12 No caso do CCU, óbitos codificados como de câncer da porção não especificada do útero devem ser analisados, visto que uma grande parte dos óbitos assim classificados pode ter como sítio de origem o colo do útero. Em estudo realizado na cidade do Recife-PE, a investigação das DO por meio de prontuários médicos de pacientes encontrou aproximadamente metade dos casos de CCU que haviam sido classificados como câncer do útero, como câncer em porção não especificada.15 Dessa forma, as taxas brutas de mortalidade por CCU, calculadas sobre dados oficiais, podem estar subestimadas, e a mortalidade real, ser maior do que a observada sobre os dados do SIM. Estudo feito com a correção da mortalidade por CCU observou que o maior acréscimo nos óbitos aconteceu na etapa de redistribuição dos óbitos por câncer do útero sem especificação de localização, resultando em um acréscimo de aproximadamente 55,0% nas taxas de mortalidade para o Brasil.16

A extensa área geográfica e a numerosa variedade cultural, socioeconômica, de estrutura e de acesso aos serviços de saúde faz de Minas Gerais um estado com grandes diferenciais, o que leva à necessidade de uma avaliação regionalizada da situação epidemiológica do CCU. No ano de 2009, a taxa de mortalidade bruta em Minas Gerais foi de 3,7 óbitos por 100 mil mulheres, enquanto, para o mesmo ano, essa taxa no estado de São Paulo foi de 3,8 óbitos por 100 mil mulheres. Apesar de os dois estados apresentarem taxas de mortalidade para o CCU com valores próximos, os indicadores de qualidade dos dados do SIM, como a razão entre óbitos informados e estimados e a proporção de causas mal definidas de óbitos, apresentaram valores mais adequados em São Paulo.7 Assim, as mulheres de Minas Gerais podem estar apresentando valor da taxa de mortalidade para o CCU mais subestimada que as de São Paulo.

Não obstante tratar-se de uma neoplasia cujos programas de rastreamento resultam em uma melhoria na assistência e controle, esses números dimensionam bem a gravidade do problema entre as mulheres mineiras. Entretanto, estudos com dados de mortalidade corrigidos são escassos e, para Minas Gerais, até o presente momento, apenas um estudo foi encontrado: um relatório de pesquisa no âmbito estadual.17

Este estudo objetivou estimar a mortalidade por câncer do colo do útero no estado de Minas Gerais e suas macrorregiões de saúde, no período de 2004 a 2006, levando-se em consideração, nesta análise, problemas de qualidade dos dados como o sub-registro de óbitos e as causas mal definidas.

 

Métodos

As informações sobre óbitos por CCU foram coletadas do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) para os residentes em Minas Gerais, no período de 2004 a 2006, discriminadas segundo as 13 macrorregiões de saúde do estado definidas pelo Plano Diretor de Regionalização de Minas Gerais (PDR-MG).18 Realizou-se correção dos dados brutos, levando-se em consideração o sub-registro e as causas mal definidas, segundo as macrorregiões de saúde do estado, ano de ocorrência, sexo e grupo etário, conforme descrito a seguir.

Primeiramente, para a correção da sub-notificação, foram utilizados os fatores de correção (FC) definidos pelo Projeto Carga Global de Doença no estado de Minas Gerais em 2005.17 Este estudo corrigiu, por técnicas demográficas indiretas, separadamente, os óbitos dos menores de um ano de idade e aqueles com um ano de idade ou mais. Para os menores de um ano, foi utilizada metodologia que envolve a estimativa do número de nascimentos e da taxa de mortalidade infantil. Os óbitos de um ano ou mais obtiveram grau de cobertura estimado pelos seguintes métodos demográficos: equação de balanço original; e equação de balanço geral. A equação de balanço mostra que, em uma população estável, a equação de balanço do crescimento pode-se expressar como uma relação linear entre a taxa de mortalidade e a taxa de natalidade para os diferentes grupos etários, cujo coeficiente angular especifica o fator de correção, ou seja, o sub-registro.

Em seguida, os óbitos por causas inespecíficas das neoplasias, codificados no capítulo II da Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10),19 e por causas mal definidas, em capítulo específico (capítulo XVIII), foram redistribuídos em quatro etapas consecutivas.

A primeira etapa consistiu em redistribuir proporcionalmente os códigos inespecíficos de câncer de órgãos genitais femininos (OGF), como a neoplasia maligna dos órgãos genitais femininos com lesão invasiva (C57.8) e a neoplasia maligna de órgão genital feminino, não especificado (C57.9) entre todos os cânceres de órgãos genitais femininos (códigos C51 a C58).

Na segunda etapa, os óbitos codificados como neoplasia maligna de outras localizações e de localizações mal definidas (C76), neoplasia maligna sem especificação de localização (C80) e neoplasias de localizações múltiplas independentes (C97) foram redistribuídos proporcionalmente entre todos os cânceres (C00 a C96).

Na terceira etapa, os óbitos por neoplasia de útero sem especificação (C55) foram distribuídos entre os cânceres do corpo do útero e do colo do útero (C53 e C54).

Finalizando, na quarta etapa, redistribuíram-se as causas inespecíficas e mal definidas, contidas no capítulo XVIII (Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não classificados em outra parte) pro-rata entre todas as causas de óbitos, exceto as causas externas, as quais supõe-se contarem com cobertura próxima de 100,0%, e as neoplasias, para as quais se utilizou o peso de 0,5 por serem consideradas mais bem declaradas que as demais doenças.17,20

Como variável socioeconômica, utilizou-se o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) referente ao ano 2000, para aferir o desenvolvimento das macrorregiões de saúde do estado. O IDH pressupõe que, para aferir o avanço de uma população, não se deve considerar apenas a dimensão econômica e sim, também, outras características sociais, culturais e políticas que influenciam a qualidade da vida humana. Os valores do IDH são obtidos diretamente do software 'Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil'.21 Como os dados estão disponíveis para os municípios, foi estimado o IDH para as macrorregiões de saúde de Minas Gerais utilizando-se os cálculos das médias ponderadas das três dimensões que resultam no índice final: longevidade; educação; e renda. A ponderação foi feita com base na população sobre a qual os índices parciais são baseados. A longevidade e a renda foram ponderadas pela população total dos municípios. Já a educação, que usa a taxa de alfabetização e a taxa de frequência à escola para gerar um índice parcial, teve esses índices ponderados pela população de 15 anos ou mais e pela população de 7 a 22 anos de idade, respectivamente.

Foram calculados os valores absolutos e as taxas brutas de óbitos por CCU. Para o cálculo das taxas, foram utilizadas as populações das macrorregiões de saúde, segundo o PDR-MG.18

A variação percentual relativa (VPR) foi usada para quantificar a proporção da diferença observada entre a taxa bruta de mortalidade e a taxa bruta com os dados corrigidos, tendo como referência a taxa bruta. Sua forma de cálculo constitui-se na subtração da razão entre a taxa corrigida e a taxa bruta e uma unidade. Este valor multiplicado por 100 resulta na proporção de acréscimo da taxa corrigida em relação à taxa bruta. As correlações entre as taxas de mortalidade por CCU, o IDH e a VPR nas macrorregiões foram testadas pela estatística de Pearson. Para quantificar as relações mais importantes entre as variáveis correlacionadas, foi ajustada uma regressão linear.

No que concerne aos aspectos éticos, o presente estudo foi elaborado com dados secundários, disponibilizados ao público,7 sem informações nominais ou outras que pudessem identificar os indivíduos envolvidos. Os dados foram utilizados de forma agregada, exclusivamente para a realização dos objetivos do estudo.

 

Resultados

Foram registrados 325.422 óbitos totais no estado de Minas Gerais entre os anos de 2004 e 2006. Como segunda causa de mortalidade, o câncer representou 13,5% dos óbitos em ambos os sexos, sendo o CCU responsável por 1.042 óbitos de mulheres, o que corresponde a 5,3% dos óbitos por câncer em mulheres.

As causas mal definidas representaram 11,9% dos óbitos ocorridos no estado, no global do período 20042006. A macrorregião Sudeste teve a menor proporção de causas mal definidas (8,1%), e a macrorregião Norte de Minas, a maior (29,4%), representando a variação máxima entre macrorregiões (262,0%). No geral, as maiores proporções de óbitos por causas mal definidas foram observadas nas regiões que compõem o norte do estado e as menores nas regiões do sul.

Diferentemente das causas mal definidas, a proporção dos óbitos classificados com códigos inespecíficos das neoplasias apresentaram valores espacialmente heterogêneos no estado. Nas macrorregiões Sul (10,4%) e Jequitinhonha (10,0%), foram observadas as maiores proporções das causas mal definidas, enquanto a Nordeste e Centro (ambas com 5,8%) tiveram as menores proporções.

Os óbitos atribuídos a causas inespecíficas por neoplasias dos cânceres de órgãos genitais femininos (OGF) apresentaram as mais altas proporções nas macrorregiões Nordeste (35,0%) e Leste (33,5%). Já as macrorregiões Triângulo do Norte (15,0%) e Norte de Minas (16,5%) apresentaram os menores valores para o indicador. Assim como as proporções dos códigos inespecíficos das neoplasias, as causas de óbitos classificadas como inespecíficas dos OGF apresentaram proporções espacialmente dispersas pelo estado mineiro.

Na Tabela 1 e nas figuras 1 e 2, são apresentadas as taxas de mortalidade por CCU no estado e macrorregiões de saúde, a VPR e os valores do IDH. A taxa bruta de mortalidade foi de 3,6 óbitos por 100 mil mulheres em Minas Gerais. Após correção, esse valor aumentou para 6,8 por 100 mil mulheres, o que representou um incremento de 88,9%. As macrorregiões Nordeste (232,9%), Jequitinhonha (221,7%) e Leste (139,2%) apresentaram os maiores aumentos nas taxas após a correção dos óbitos. Com 43,3%, a macrorregião Triângulo do Norte teve o menor acréscimo nos óbitos depois da correção.

 

 

 

 

 

 

Os valores mais baixos do IDH foram observados nas macrorregiões Nordeste (0,66), Jequitinhonha (0,68) e Norte de Minas (0,70); ou seja, houve uma concentração dos piores índices ao norte do estado. As macrorregiões Triângulo do Norte (0,81), Triângulo do Sul (0,81) e Centro (0,80) apresentaram os maiores índices (Tabela 1).

Analisando-se as taxas de mortalidade por CCU segundo faixa etária, verificou-se que, na maioria das macrorregiões, o coeficiente de mortalidade foi maior nas faixas etárias mais avançadas. O Triângulo do Sul e o Leste do Sul apresentaram as maiores taxas entre adultos jovens (20 a 29 anos de idade). As faixas etárias de 70 a 79 anos e 80 e mais anos apresentaram os maiores coeficientes, conforme esperado.

Com relação aos resultados da análise das correlações de Pearson entre os dados de mortalidade, taxas e razões das taxas, e o IDH, não se verificou correlação significante entre o IDH e as taxas de mortalidade corrigidas. Entretanto, a correlação entre o IDH e a VPR das taxas de mortalidade por CCU referentes às macrorregiões de Minas Gerais antes e após a correção dos dados foi significativa (valor de p<0,001), de -0,92 (estatística de Pearson). Isso significa que quanto mais desenvolvida a macrorregião, menor a correção nas taxas de mortalidade por CCU. Também foi observada a correlação significativa entre o IDH, o VPR e as taxas de mortalidade por CCU sem correção.

Após a remoção de ponto discrepante relativo à macrorregião Nordeste, a regressão linear entre a taxa bruta de mortalidade por CCU e o IDH mostrou bom ajuste. Outrossim, verificou-se que quanto maior o IDH, maior foi a taxa de mortalidade observada (Figura 3). Também a relação entre a razão das taxas de mortalidade corrigidas e sem correção e o IDH ajustou-se muito bem em um modelo de regressão linear, com um R2 de 0,84 (Figura 4). A fórmula do modelo mostrou que, para um aumento de um centésimo de ponto do IDH em uma macrorregião, a correção das taxas de mortalidade diminuiu em aproximadamente 11,0%.

 

 

 

 

Discussão

Neste estudo, a correção da magnitude da mortalidade por CCU mostrou-se correlacionada com o desenvolvimento aferido pelo IDH: quanto mais desenvolvida a macrorregião, menor a correção nos dados de mortalidade notificados ao SIM. Sabe-se que o nível socioeconômico da região pode condicionar a qualidade dos serviços de saúde, inclusive a qualidade dos dados de óbitos coletados.22

A taxa de mortalidade por CCU após a correção nas macrorregiões do estado teve um aumento proporcional de até 233,0% no período 2004-2006, em relação à taxa bruta calculada, sem considerar a ocorrência de sub-registro de óbitos, de causas mal definidas e de causas inespecíficas das neoplasias. Em estudos feitos com correção dos óbitos por CCU para o Brasil e estados da região Nordeste do país, verificou-se variação superior a 340,0% no interior da Região; e acima de 500,0% para o interior do Maranhão e do Piauí.16,20 Ressalta-se que, da mesma forma que os estados do Maranhão e do Piauí apresentam os menores IDH do Brasil, a macrorregião Nordeste de Minas Gerais apresenta o menor IDH do estado.21

No presente trabalho, as macrorregiões Leste do Sul e Sul apresentaram as taxas de mortalidade mais baixas, enquanto a macrorregião Nordeste, a maior taxa de mortalidade por CCU após correção: 12,3 óbitos/100 mil mulheres. Este resultado é condizente com a literatura que relata uma tendência, de a mortalidade por câncer do colo do útero ser mais alta em populações de mais baixo nível socioeconômico.3,23 As falhas que podem ocorrer nos sistemas de saúde, como o tempo entre o diagnóstico e o início do tratamento, a baixa cobertura do exame de Papanicolau e a falta de informação das mulheres, são problemas fundamentais para um melhor controle do CCU.24 Em relação ao perfil de produção do exame citopatológico em Minas Gerais, verificou-se uma concentração geográfica de 70,0% dos municípios do grupo com melhor qualidade do exame no centro e sul do estado; e 80,0% dos municípios do grupo com os piores resultados, concentrados ao norte e leste do estado.25 Dessa forma, fica claro que dentro de um mesmo estado, existem desigualdades no acesso às ações de rastreamento para a doença.

O resultado inesperado ficou com o Triângulo do Norte que, a despeito de contar com o maior IDH entre todas as macrorregiões de saúde do estado, apresentou a maior taxa de mortalidade por CCU antes da correção (5,5 óbitos por 100 mil mulheres); e que, apesar do menor VPR observado, manteve-se no posto da segunda maior taxa após a correção, de 7,9 por 100 mil mulheres. Este resultado poderia ser considerado inconsistente, uma vez que os serviços de saúde disponíveis costumam incluir desde a atenção primária até a assistência aos pacientes com diagnóstico confirmado, além de serem melhores em regiões mais desenvolvidas.3 Uma possível explicação seria um melhor preparo dos recursos humanos dessa região no que diz respeito ao preenchimento e codificação das DO, minimizando erros do processo de coleta de dados. Novos estudos são necessários para esclarecimento dessa hipótese e outros possíveis determinantes relacionados com as altas taxas observadas.

Ao se considerar as taxas brutas de mortalidade por CCU sem correção, verificou-se correlação significativa positiva entre o IDH e as taxas; ou seja, quanto maior o IDH, maior a taxa de mortalidade por CCU, o que representa um achado inconsistente. Também foi observada altíssima correlação negativa - valor próximo de -1,0 - entre a razão das taxas brutas de mortalidade, corrigidas e sem correção, e o IDH. Estes resultados reforçam a necessidade de correção nos dados de mortalidade para o CCU, visto que altas taxas de mortalidade são, na verdade, observadas em regiões com baixo desenvolvimento.3,22 Ou seja, o uso direto dos dados de mortalidade com o objetivo de comparação entre regiões com qualidade heterogênea de informações deve ser evitado, pois os resultados gerados podem estar enviesados, conforme já destacado no caso do Brasil.26-29

Em relação às limitações deste estudo, o fato de não haver consenso sobre os métodos de correção a serem utilizados faz com que a redistribuição proporcional das mortes por causas mal definidas segundo causas definidas venha sendo questionada.25,28 Neste estudo, procurou-se minimizar possível viés de superestimação dos cânceres na redistribuição das causas mal definidas aplicando-se - conforme citado anteriormente - um peso de 0,5.16,20 De toda forma, o método direto representa o método ideal, menos sujeito a erros de estimação e, portanto, digno de prioridade em ações que pretendam melhorar a qualidade do SIM e permitam o cálculo direto das taxas.29

A desigualdade de acesso a determinados bens e serviços, especialmente os que dizem respeito à Saúde, além de fatores culturais e socioeconômicos e distâncias entre as comunidades e os cartórios, reflete-se em problemas relacionados ao sub-registro dos eventos vitais30 e na subnotificação de óbitos ao SIM.13 As áreas com sistemas de informações que apresentem baixos valores nos indicadores de qualidade merecem, portanto, ações específicas que levem em consideração suas peculiaridades, para que o avanço na qualidade da informação seja evidenciado em todas as regiões do país e dos estados.31

Assim como na maior parte mundo, as taxas de incidência e mortalidade do CCU têm mostrado um declínio nos dados nacionais do Brasil,3,4,10,16,20,32 onde, nos últimos anos, as doenças crônicas não transmissíveis - DCNT - têm sido foco de políticas de prevenção, promoção da saúde, e de trabalhos intersetoriais integrados com a assistência médica.33,34 Desde então, o país vem ampliando a cobertura populacional de oferta de exames citopatológicos e o número de laboratórios com capacidade para realizá-los.23 Salienta-se que essas ações devem continuar a ser aprimoradas para reduzir as mortes por CCU, visto que as taxas de mortalidade por essa doença em países desenvolvidos são inferiores a 2 óbitos por 100 mil mulheres.1

Fatores que contribuem para piores condições sociais das mulheres, principalmente o nível de educação, devem ser combatidos pelo Poder Público, permanentemente, ainda que por ações que produzam resultados a médio e longo prazo, para que haja uma melhora futura nos indicadores do CCU.9 Ações de prevenção da doença e de promoção da saúde devem ser elaboradas pelos gestores de forma a minimizar as taxas de incidência e mortalidade, haja vista o CCU apresentar um dos maiores potenciais de prevenção e cura, quando detectado antes de desenvolver a forma invasiva.

A magnitude da mortalidade corrigida por CCU no estado de Minas Gerais apresentou valores mais expressivos do que a observada sobre dados do SIM sem correção. A análise regionalizada mostrou, ainda, que a correção foi diferenciada segundo as macrorregiões do estado: aquelas macrorregiões de pior desenvolvimento apresentaram as maiores correções. A análise de situação de saúde com dados de mortalidade corrigidos é uma estratégia importante no planejamento de ações para controle dessa moléstia. Estudos com os dados do SIM que revelem suas limitações e adotem metodologias de correção de óbitos devem ser estimulados, para servir de incentivo a todos os profissionais de saúde envolvidos e comprometidos com a melhoria da qualidade do Sistema de Informações sobre Mortalidade.

 

Contribuição dos autores

Teixeira RA e França EB participaram da concepção do estudo, correção dos óbitos, análise dos dados, interpretação dos resultados, elaboração do texto e redação da versão final do manuscrito. Valente JG participou da análise dos dados e contribuiu na discussão e redação final do artigo.

Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
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Santa Efigênia, Belo Horizonte-MG, Brasil.
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Recebido em 08/03/2012
Aprovado em 19/11/2012