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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.21 n.4 Brasília dic. 2012

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742012000400007 

ARTIGO ORIGINAL

 

Indicadores de efetividade do Programa de Tratamento do Tabagismo no Sistema Único de Saúde em Minas Gerais, Brasil, 2008

 

Indicators of effectiveness of the Unified Health System Smoking Cessation Program in Minas Gerais, Brazil, 2008

 

 

Juliana Dias Pereira dos SantosI; Bruce Bartholow DuncanII; Sérgio Antônio SirenaIII; Álvaro VigoII; Mery Natali Silva AbreuIV

ISecretaria de Saúde da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, Belo Horizonte-MG, Brasil
IIPrograma de Pós-graduação em Epidemiologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil
IIICentro de Educação Tecnológica e Pesquisa em Saúde - Escola GHC, Grupo Hospitalar Conceição, Porto Alegre-RS, Brasil
IVDepartamento de Enfermagem Aplicada, Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: analisar indicadores de efetividade do Programa de Tratamento do Tabagismo oferecido pelo Sistema Único de Saúde em 60 municípios do estado de Minas Gerais, Brasil, em 2008.
MÉTODOS: foi realizado estudo ecológico; os indicadores de efetividade foram descritos e o risco relativo (RR; IC95%) foi calculado para analisar a associação entre uso de medicamentos (>60,0% usuários com apoio medicamentoso) e sucesso (>50,0% usuários sem fumar na quarta sessão).
RESULTADOS: o programa, disponível em apenas 7,0% dos municípios mineiros, apresentou grande heterogeneidade em seus indicadores; a taxa média de permanência foi 71,8% (IC95%: 67,1-76,5), de cessação na quarta semana foi 40,5% (IC95%: 34,3-46,5) e de uso de medicamentos foi 57,8% (IC95%: 49,2-66,3); encontrou-se forte relação entre uso de medicamentos e taxa de sucesso (RR 2,29; IC95%: 1,42-3,66, p<0,05).
CONCLUSÃO: o programa parece efetivo, sendo melhor em municípios onde o tratamento medicamentoso é oferecido para mais de 60,0% dos pacientes.

Palavras-chave: Tabagismo; Abandono do Hábito de Fumar; Abandono do Uso de Tabaco; Atenção Primária à Saúde; Estudos Ecológicos.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to evaluate the effectiveness indicators of the Tobacco Addiction Treatment Program of 60 municipalities in the State of Minas Gerais in 2008; offered by the Brazilian Public Health System.
METHODS: An ecologic study was conducted. We described the indicators of effectiveness and calculated the Relative Risk (RR; CI95%) to evaluate the association between the medication intake (>65.0% of users with medication support) and the program success (>50.0% of users not smoking up to the fourth session.
RESULTS: The program is available in only 7.0% of municipalities of Minas Gerais; shows important heterogeneity in its indicators. The average rate of retention was 71.8% (CI95%: 67.1-76.5), of cessation was 40.5% (CI95%: 34.3-46.5) and use of medication was 57.8% (CI95%: 49.2-6613). We found a strong association between medication use and cessation (RR 2.29; CI95%: 1.42-3.66, p<0.05).
CONCLUSION: The program seems to be effective, and shows better performance in municipalities in which drug treatment was offered to more than 60.0% of patients.

Key words: Smoking; Smoking Cessation; Tobacco Use Cessation; Primary Health Care; Ecological Studies.


 

 

Introdução

No século XX, a epidemia tabágica matou 100 milhões de pessoas no mundo. No século XXI, poderá matar um bilhão.1 Uma das estratégias preconizadas pela Organização Mundial da Saúde para o enfrentamento deste problema é o tratamento da dependência do fumo. As estratégias terapêuticas são clinicamente efetivas, e ações de Saúde Pública, altamente custo-efetivas.1,2 No Brasil, o tratamento da dependência do fumo é oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) mediante um programa coordenado pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA), que ampliou seu acesso com a inclusão da oferta do serviço na rede de Atenção Primária a partir de 2004.3,4 São poucas as avaliações da efetividade e do alcance do Programa de Tratamento de Tabagismo no SUS após sua ampliação.5-7

O tratamento do tabagismo foi inserido na rede de Atenção Primária do SUS pelas Portarias Ministeriais GM/MS no 1.035, de maio de 2004, e SAS/MS no 442, de agosto de 2004, aprovando o Plano de Implantação da Abordagem e Tratamento do Tabagismo no SUS e Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas - Dependência à Nicotina. Essas Portarias ampliaram o acesso da abordagem e tratamento do tabagismo, dos serviços de média complexidade para os centros de saúde.4,8

O programa de tratamento sugerido pelo Ministério da Saúde propõe diretrizes para a terapêutica do fumante. A primeira delas é a avaliação inicial, com uso de questionário padronizado sobre história tabágica, presença de comorbidades, grau de dependência de nicotina (teste de Fagerstrom) e estágio motivacional para definição do plano terapêutico. A segunda é a indicação de participação do paciente em grupos de terapia cognitivo-comportamental. Dessas sessões terapêuticas, as quatro primeiras são semanais (primeiro mês de tratamento) e trazem roteiro bastante sistematizado, a partir de um manual padronizado para cada uma delas. O tratamento individual é outra alternativa. A terceira é a indicação de apoio medicamentoso aos pacientes com elevado e muito elevado grau de dependência. As unidades de atendimento cadastradas recebem, gratuitamente, gomas de mascar de 2mg, adesivos de nicotina de 7, 14 e 21mg e bupropiona 150mg, além de manuais destinados aos participantes e coordenadores das sessões e cartazes educativos.9

Durante a existência do programa, o ano de 2007 foi o primeiro em que todos os medicamentos (bupropiona, adesivo e goma) foram distribuídos.5 Naquele ano, entretanto, faltaram os manuais. Em 2008, o Ministério da Saúde forneceu manuais, adesivos para reposição nicotínica e bupropiona com regularidade; o problema, dessa vez, foi o fornecimento de goma de mascar, embora essa alternativa terapêutica seja a menos usada como apoio medicamentoso. Por esses motivos, o ano de 2008 permite boa oportunidade para avaliação do tratamento oferecido pelo programa através da terapia cognitivo-comportamental, estruturada nos manuais, e da distribuição gratuita dos principais medicamentos de apoio.

Esta pesquisa tem o objetivo de analisar indicadores de efetividade deste programa nos municípios cadastrados do estado de Minas Gerais em 2008 e descrever oferta e taxas de permanência, cessação e percentual de uso de medicamentos durante o primeiro mês de tratamento, entre os usuários atendidos.

 

Métodos

Para este estudo ecológico, adotou-se como unidade de análise o município. Foram obtidos dados de todos os 62 municípios cadastrados no Programa de Tratamento do Tabagismo do Ministério da Saúde em Minas Gerais, durante o ano de 2008. Foram incluídos neste estudo todos os municípios com pelo menos um atendimento realizado naquele ano, totalizando 60.

Os dados foram obtidos a partir das planilhas padronizadas pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA) para acompanhamento por município, disponibilizadas pela coordenação estadual do programa. Os municípios atualizam e repassam essas planilhas trimestralmente, via coordenações regionais, para a coordenação estadual, que as envia ao INCA. Foram buscados dados adicionais, junto aos municípios ou regionais, quando as planilhas se encontravam disponíveis na coordenação estadual apenas em sua forma sumarizada.

Os dados fornecidos apontam informações de três momentos de acompanhamento: número de participantes que passaram pela avaliação inicial do fumante; número desses participantes que compareceram à primeira sessão; e número de participantes que compareceram à quarta sessão. Sobre o último momento, também é fornecida a informação de quantos dos usuários estavam sem fumar. Além disso, a planilha informa o número de pacientes que usou algum medicamento e o número de unidades de saúde que atenderam no período.

Para a análise da cobertura, considerou-se o número de fumantes atingidos pelo programa em relação à estimativa do total de fumantes na população, selecionando-se apenas os municípios que atingiram 200 ou mais usuários.

Foram analisados quatro indicadores de processo e resultado sugeridos pelo Ministério de Saúde:

1) número de fumantes atendidos na primeira consulta de avaliação clínica;

2) percentual de abandono, definido como percentual de pacientes que participaram da primeira sessão e não estavam presentes na quarta sessão estruturada;

3) percentual de cessação, definido como a proporção dos fumantes que participaram da primeira sessão estruturada e que estavam sem fumar na quarta sessão estruturada; e

4) percentual de fumantes que fizeram uso de algum tipo de medicamento.5

Para analisar a associação entre maior uso de medicamentos (os municípios com mais de 60,0% de usuários com apoio medicamentoso) e sucesso (mais de 50,0% de usuários sem fumar na quarta sessão), caracterizada pelo risco relativo (RR), foi utilizado o teste qui-quadrado de Pearson com nível de significância de 5%. Demais medidas são apresentadas como médias e percentuais dos dados coletados. A análise de dados foi realizada pelo programa estatístico SPSS versão 15.0.

Com o propósito de estimar o número necessário de pessoas tratadas para que uma obtivesse sucesso no programa, dividiu-se 100 pela diferença entre a média da taxa de cessação obtida no programa e a taxa de cessação na população que não recebe intervenção, conforme referido na literatura.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura de Belo Horizonte: Parecer de Aprovação no 0800.0.410.165.09A.

 

Resultados

Os municípios do estado de Minas Gerais cadastrados no programa até o final de 2008 podem ser localizados no mapa (Figura 1). Observa-se um cadastramento maior de municípios do sul de Minas e da Região Metropolitana de Belo Horizonte-MG, regiões onde o Índice de Desenvolvimento Humano - IDH - é maior no estado. Na região que inclui o chamado Triângulo Mineiro, confirmou-se a oferta do programa apenas em Uberaba-MG e Uberlândia-MG, os municípios de maior porte da região.

 

 

Os dados sobre o acesso, definido como o número de fumantes avaliados pelo programa entre o total de fumantes estimados para a população do município, variaram bastante. Alguns municípios com menos de 10 mil habitantes têm conseguido um bom número de atendimentos, como Piranguinho-MG e Florestal-MG, que atingiram mais de 200 fumantes em 2008 garantindo acesso a mais de 30,0% dos fumantes estimados para esses municípios. Enquanto isso, as três maiores cidades mineiras, com mais de 500 mil habitantes - Belo Horizonte-MG, Uberlândia-MG e Contagem-MG - atenderam menos de 200 pessoas nesse período. O município de Juiz de Fora-MG, que também soma mais de 500 mil habitantes, atendeu mais de 400 pessoas, as quais, entretanto, representam menos de 1,0% dos fumantes estimados para a cidade. Os municípios com mais que 200 atendimentos estão listados na Tabela 1, junto às estimativas do percentual de fumantes abrangido pelo programa.

 

 

Na Tabela 2, apresentam-se os dados globais dos fumantes avaliados: um total de 7.269 participantes, distribuídos em 60 (7,0%) dos 853 municípios mineiros, ingressaram no programa. Dois municípios, já cadastrados para participar no programa em 2008, não realizaram atendimentos no período do estudo. Quanto à regularidade da oferta de atendimento, a maioria dos municípios ficou pelo menos algum dos trimestres analisados sem inclusão de novos fumantes no programa (dados não apresentados). A média total de municípios que mantiveram o programa com atendimento durante cada trimestre variou entre 75 e 86,0%. Menos da metade (44,0%) dos 45 municípios cadastrados desde o início de 2008 realizaram atendimentos durante todo o ano.

 

A Tabela 2 ainda mostra, em sua primeira coluna, um crescimento de 52,0% no atendimento dos usuários do SUS pelo programa em Minas Gerais, entre o primeiro e o quarto trimestres de 2008.

Compareceram à primeira sessão de tratamento 6.304 indivíduos, 87,0% do total de usuários que realizou a avaliação inicial para ingresso no programa. No entanto, apenas 4.617 (73% deles) permaneciam na quarta sessão. Dos presentes, 3.084 (67,0%) estavam sem fumar, ou seja, 49,0% daqueles presentes na primeira sessão.

Os dados gerais apresentados ocultam uma grande heterogeneidade entre os diversos programas municipais (Figura 2). O percentual médio de permanência encontrado entre os municípios foi de 71,8%, com percentuais variando entre 0,0 e 100,0%. Esse indicador impacta diretamente no indicador principal de sucesso do programa, que é a taxa de cessação: 23 municípios (38,0%) tiveram permanência >80,0%; 24 (40,0%), entre 60,0 e 80,0%; e 13 (22,0%), permanência ≤60,0%.

 

 

O uso de medicamentos também foi realizado em frequência variada pelos municípios, com percentual médio de 57,8% dos pacientes recebendo tratamento farmacológico. A variação desse percentual foi de 0,0 a 100,0%.

O número de municípios que usaram apoio medicamentoso em 0,0 a 25,0% dos pacientes, 25,1 a 50,0%, 50,1 a 75,0% e 75,1 a 100,0% dos pacientes atendidos foram de 13 (22,0%), 8 (13,0%), 18 (30,0%) e 21 (35,0%) respectivamente. Observou-se, entre os 13 municípios que fizeram menos uso de medicamentos, que 9 deles não distribuíram qualquer medicação de apoio; 28 (47,0%) municípios usaram apoio medicamentoso para menos de 60,0% dos pacientes.

Na taxa de cessação do tabagismo, resultado principal do programa, também encontramos alta variação, de 0,0 a 100,0%, com média de 40,5% na quarta sessão. Em 22 (37,0%) dos municípios, a taxa de sucesso foi de até 30,0%; em 26 (43,0%), entre 30 e 59,9%; e em 12 (20,0%), de mais de 60,0%. Municípios que ofereceram apoio medicamentoso a 60,0% ou mais usuários, conforme sugestão do INCA, tiveram maior probabilidade de ter pelo menos 50,0% dos usuários sem fumar na quarta sessão (RR 2,29; IC95%: 1,42-3,66; p<0,05).

Considerando-se um cenário com as médias encontradas neste estudo para as taxas de uso de medicação, permanência e cessação, e que a cessação em pessoas sem intervenção seja de 6,0%,10 haveria que tratar três pessoas (número necessário a tratar ou NNT = 100/ (40,5-6,0) = 2,90) para que uma parasse de fumar ao final do primeiro mês de tratamento. Extrapolando as estimativas destes autores, de cessação do programa em Minas Gerais em 2008 para seis meses, a taxa de cessação ficaria em torno de 33,4%. Ou seja, haveria que tratar quatro pessoas (NNT = 100/(33,4-6,0) = 3,65) para que uma passasse a ser não fumante após 6 meses.

 

Discussão

Conforme observamos neste estudo, o alcance do programa em Minas Gerais ainda era baixo em 2008, atingindo apenas 7,0% do total de municípios. Sobre os indicadores verificados, encontramos, entre os programas municipais, uma taxa média de permanência de 71,8% (IC95%: 67,1-76,5); a taxa média de cessação na 4a semana foi de 40,5% (IC95%: 34,3-46,5); e a taxa média de uso de algum medicamento de apoio à terapia cognitivo comportamental de 57,8% (IC95%: 49,2-66,3). Encontramos forte relação entre o uso de medicamento em mais de 60,0% dos usuários e a taxa de sucesso (RR 2,29; IC95%: 1,42-3,66).

Talvez esta dificuldade de distribuição regular de insumos possa afetar a regularidade da oferta do programa. No presente estudo, observou-se irregularidade na frequência dos atendimentos prestados, na grande maioria dos municípios. Apenas 32,0% ofertaram o serviço durante todo o ano. Esses achados sugerem a necessidade de melhor estruturação do programa.

Outros motivos levantados pelo INCA e que parecem prejudicar o programa são mudanças frequentes dos coordenadores municipais, falta de engajamento dos municípios por motivos políticos, falta de pessoal nas equipes municipais e estaduais com dedicação exclusiva, e outras insuficiências da capacidade institucional (recursos financeiros, salários e apoio) para a coordenação.11

Minas Gerais, apesar de ter cadastrado apenas 7,0% de seus municípios, estava na terceira posição em número absoluto de municípios cadastrados para o tratamento, sendo o primeiro o Rio Grande do Sul (27,0%) e o segundo, o Paraná (19,0%).5

Na Tabela 1, também é apresentada a grande variação no acesso, a depender do município. Uma publicação do National Institute for Health and Clinical Excellence - NICE - da Inglaterra, no ano de 2008, apontou que o objetivo dos serviços deveria ser atingir pelo menos 5,0% dos fumantes por cada ano.12

O grande avanço na implantação do programa no Brasil aconteceu em 2008. Até 2001, 50 unidades de saúde estavam cadastradas para oferecer o atendimento e apenas 33 ofereciam-no.13 O primeiro salto do número de municípios cadastrados foi de 2005 (88) para 2006 (259); e o segundo salto, de 298 municípios credenciados em 2007 para 465 em 2008, quantitativo que representa um pouco menos que 10,0% dos municípios brasileiros.5 A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais aderiu ao Programa de Tratamento do Tabagismo em 2005. Até 2007, implantou o programa e cadastrou unidades para atendimento do fumante em 45 municípios. Em 2009, mais 51 novos municípios foram cadastrados e mais unidades básicas de atendimento foram capacitadas nas cidades que já ofereciam o programa, segundo informações da Secretaria.

Além do alcance no Estado, buscou-se analisar os indicadores do programa nos municípios. Sobre os valores encontrados para cada indicador, fica evidente na Figura 2 a heterogeneidade entre os municípios em todas as avaliações realizadas. Essa heterogeneidade pode refletir a variedade na estrutura de oferta do programa, uma vez que cada unidade credenciada para o atendimento pode ter coordenadores locais de diferentes categorias profissionais, cenários de atendimento variados (desde hospitais e centros especializados até unidades básicas de saúde) e, na atenção básica, coordenadores locais com ou sem vínculo com a estratégia Saúde da Família. Infelizmente, com os dados disponíveis, não foi possível avaliar se a variabilidade encontrada está associada a esses fatores.

Nos municípios estudados, 78,0% dos serviços mantiveram taxas de permanência maiores que 60,0% entre a primeira e a quarta sessão terapêutica. No Brasil, em 2008, o percentual médio de fumantes que abandonou o tratamento foi de 25,3%.5 Pode ser importante desenvolver e avaliar estratégias de envolvimento de equipes de Saúde da Família e agentes comunitários, a fim de ampliar o engajamento familiar e comunitário no programa. A busca ativa, desenvolvida por esses atores, pode significar uma estratégia interessante no sentido de manter as taxas de abandono menores

A permanência no grupo terapêutico é importante. Ensaios clínicos demonstram que a terapia comportamental apresenta sucesso mesmo em seu uso isolado, além de aumentar o sucesso de tratamento medicamentoso quando usados simultaneamente. Uma meta-análise realizada em 2005 encontrou aumento importante na cessação do tabagismo em pacientes que participaram de programas de grupo versus pacientes sem intervenção (Razão de chances, ou RC=2,17; IC95%: 1,37-3,45) ou quando comparado ao recebimento de material de auto-ajuda sem instruções face-a-face (RC=2,04; IC95%: 1,60-2,60).14

No uso de medicamentos, encontramos resultados inesperados neste estudo, uma vez que apenas 53,3% dos municípios tiveram 60,0% ou mais dos pacientes usando medicamento, parâmetro sugerido pelo INCA.5 No Brasil, em 2008, o percentual de fumantes que usou apoio medicamentoso foi de 71,3%.5

Algumas limitações desse trabalho referem-se ao fato de características de estrutura do programa não terem sido avaliadas. Podem contribuir com baixo acesso ao uso de medicamentos: perfil de usuário atendido (baixo grau de dependência reduzindo a indicação de medicamento); composição da equipe que conduz o programa (no caso de não contar com médico); regularidade no fornecimento de medicação gratuita pelo município. Outra limitação diz respeito ao fato de a cessação do tabagismo ser, na maioria dos casos, confirmada apenas pela informação do usuário, ou seja, basear-se em relato, sem confirmação laboratorial. A avaliação da cessação na quarta semana também não tem uma pergunta padronizada, portanto pode ocorrer registro de sucesso sem clareza do tempo mínimo sem fumar considerado pelos diferentes grupos.

Uma meta-análise de 2008 conclui que o uso de terapias de reposição de nicotina aumenta as taxas de cessação em 50,0 a 70,0% independentemente do cenário de tratamento, da duração do uso ou da intensidade de suporte terapêutico adicional.15 Outra meta-análise de 2008, que avalia as farmacoterapias para parar de fumar, confirma a efetividade dos tratamentos usados no programa do INCA encontrando uma razão de chances - RC - para terapia nicotínica usando adesivos de 2,07 (IC95%: 1,69-2,62), com uso de goma, de RC=1,71 (IC95%: 1,35-2,21), e de bupropiona, RC=2,07 (IC95%: 1,73-2,55).7 O consenso nacional,9 assim como os consensos internacionais,2 propõe o apoio medicamentoso nas abordagens terapêuticas aos fumantes. A forte relação encontrada neste trabalho, entre o uso de medicamento e a taxa de sucesso, está de acordo com as diretrizes terapêuticas atuais.

Sobre a taxa de cessação, 65,0% dos municípios mineiros conseguiram ter mais de 50,0% dos fumantes sem fumar na quarta sessão. O percentual médio nacional de fumantes sem fumar na quarta sessão estruturada no mesmo ano foi de 52,0%.5 É importante salientar que o período de quatro semanas é curto para a real percepção de sucesso do programa. Aproximadamente 2/3 de todos os lapsos iniciais acontecem dentro dos primeiros três meses após a cessação.14 As meta-análises do Cochrane consideram para indicador de sucesso terapêutico a abstinência por período de pelo menos seis meses, provavelmente devido à comum ocorrência de recaídas nesse período inicial de tratamento.10 Entretanto, o período do primeiro mês permite avaliar o momento mais intensivo do programa do Ministério da Saúde (constituído de encontros semanais, estruturados com uso de material educativo padronizado, definição do início do uso de medicamentos e sugestão do agendamento do dia para parar de fumar).

O National Institute for Health and Clinical Excellence indica que um objetivo para os serviços de tratamento do tabagismo é uma taxa de sucesso (cessação) de no mínimo 35,0% na quarta semana, com resultado validado por monitoramento pela medida de monóxido de carbono. Recomenda que o serviço considere como denominador do cálculo todos aqueles que iniciaram o tratamento e o sucesso seja definido por aqueles que não estiverem fumando na terceira ou quarta semana após a data marcada para parar de fumar. Isso não implica que o tratamento deva parar nas quatro semanas.12 Tomando por base esse parâmetro, os resultados do programa em Minas Gerais têm sido muito bons. No entanto, é preciso salientar que a forma de aferir a cessação usada na maioria dos estudos nacionais e rotineiramente usada nos serviços de saúde é o auto-relato. Essa condição pode subestimar a prevalência de fumantes.

Na busca de estudos nacionais sobre o Programa de Tratamento do Tabagismo, encontramos um ensaio clínico randomizado, realizado no Rio de Janeiro e cuja proposta terapêutica é semelhante ao modelo INCA, com grupos de intervenção que participaram de um a quatro encontros estruturados de terapia cognitivo-comportamental, recebendo ou não adesivos. Nesse ensaio clínico, a abstinência no primeiro mês de tratamento ficou entre 13,9 e 29,3% nos grupos sem adesivos e entre 59,3 e 65,7% nos grupos que receberam adesivos. Após seis meses, as taxas de cessação ficaram entre 21,6 e 25,3% nos grupos sem adesivos e entre 32,8 e 37,3% nos grupos que receberam adesivos além da terapia comportamental. A medida de desfecho (abstinência) foi obtida via contato telefônico.16

Usando as medidas do presente estudo, estimou-se que aos seis meses, a média das taxas de cessação em Minas Gerais, no ano de 2008, ficaria em torno de 33,4%. Dessa forma, pode-se comparar o achado com os de estudos internacionais que usam o mínimo de seis meses de abstinência para avaliar o sucesso terapêutico de seus programas. Estudos internacionais encontram taxas de cessação entre 6 e 12 meses, de em média 19,7% entre pacientes que usaram bupropiona, 18,9% entre tratados com goma e 13,3% entre tratados com adesivo transdérmico.7 Alguns desses estudos associavam medidas suportivas, como a terapia comportamental, desde que usadas nos grupos tratados e nos grupos-placebo. Os dados encontrados neste estudo demonstram um potencial sucesso superior aos demais estudos avaliados. Esse diferencial, se verdadeiro, pode-se dever à associação de materiais educativos, terapias cognitivas, maior uso de medicamentos, vínculo com os profissionais e até facilidade de acesso (distância reduzida) nos casos dos serviços de atenção primária.

Outro estudo nacional, realizado em Ambulatório de Apoio ao Tabagista, em Hospital de Fortaleza-CE (conduzido por pneumologista e equipe interdisciplinar), também tratou pacientes no modelo INCA e obteve taxa de cessação de 50,8% e taxa de abandono de apenas 11,8%, ao avaliar pacientes no programa há pelo menos 12 meses.6 Este estudo, ademais, demonstrou taxa de cessação acima da média esperada para esse período. Tamanho sucesso pode estar associado à inclusão de pacientes com pneumopatia ou outras co-morbidades, potencialmente mais motivados, e ao alto uso de medicação entre participantes do programa.

A partir da observação da primeira tabela apresentada, deve-se estar atento aos numeradores e denominadores que determinam o indicador da taxa de cessação. A padronização do denominador dessa equação foi recentemente determinada pelo INCA e considera que o universo a ser avaliado é o número de pacientes presentes na primeira sessão. Assim, perdas são consideradas como 'ainda fumantes', de maneira semelhante à da metodologia usada nas meta-análises.15,17 Taxas de cessação apresentadas anteriormente, em notícias regionais sobre o Programa de Tratamento do Tabagismo, tendiam a apresentar taxas de sucesso maiores que os valores aqui apresentados por considerar apenas o universo de usuários presentes na quarta sessão.

O tratamento do tabagismo é altamente custo-efetivo, mesmo quando produz abstinência sustentada para uma minoria dos fumantes tratados. Mesmo o aconselhamento clínico breve apresenta razão de custo-efetividade melhor que a do tratamento da hipertensão, dislipidemia; ou de outras intervenções preventivas, como as mamografias periódicas.2 De fato, o tratamento do tabagismo tem sido referido como o 'padrão-ouro' do custo-efetividade nos cuidados em saúde.2 Sendo assim, o Programa de Tratamento do Tabagismo, oferecido no SUS, merece melhor financiamento e condições para sua ampliação.

A efetividade observada, apoiada pelos dados de múltiplos ensaios clínicos, é um bom motivo para investir na regularidade e ampliação do serviço nos Municípios. As dificuldades dos municípios em oferecer medicação precisam de avaliação, já que esse apoio terapêutico determina uma maior chance de cessação para o paciente.

Limitações deste estudo merecem menção. Utilizar dados secundários aumenta o risco de erros. Por vezes, encontrou-se problemas no preenchimento das planilhas, nem sempre possíveis de resolver a partir de discussão com os coordenadores. Como a cessação foi aferida apenas por relato, é possível que a verdadeira taxa seja mais baixa. Finalmente, a extrapolação dos dados para estimar taxas de sucesso após 6 meses e os NNT são apenas estimativas e, portanto, devem ser interpretados com cautela.

Conclui-se que o programa, com média de taxas de cessação de 40,5% no primeiro mês, parece apresentar boa efetividade. Os resultados são melhores especialmente em municípios com uso de apoio medicamentoso na maioria dos pacientes atendidos. São necessários, entretanto, estudos com dados primários para se chegar a uma conclusão mais firme, especialmente devido aos problemas de preenchimento local das planilhas. Os resultados obtidos neste estudo reforçam a importância de se promover maior investimento na expansão do Programa de Tratamento do Tabagismo no Brasil.

 

Contribuição dos autores

Santos JDP, Duncan BB e Sirena SA desenvolveram a proposta.

Santos JDP coletou os dados.

Santos JDP, Vigo A e Abreu MNS analisaram os dados.

Santos JDP escreveu o artigo.

Todos os autores revisaram e aprovaram a versão final do artigo.

 

Referências

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2. Fiore MC, Jaén CR, Baker TB, Bailey WC, Benowitz N, Curry SJ, et al. Treating tobacco use and dependence: 2008 Update. Rockville: US Department of Health and Human Services. 2008 [acessado em 03 mar. 2003]. Disponível em http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK63952/.

3. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Plano de implantação da abordagem e tratamento do tabagismo na rede SUS: fluxos de informação e instrumentos de avaliação: manual de operação. 2007 [acessado em 13 nov. 2012]. Disponível em http://www1.inca.gov.br/tabagismo/publicacoes/plano_abordagem_sus.pdf.

4. Portaria no 1035/04, de 31 de maio de 2004. Considerando que a Organização Mundial da Saúde-OMS classifica o tabagismo como dependência de nicotina e o inclui no grupo de transtornos mentais. Diário Oficial da União, Brasília, p.24, 1 de junho de 2005. Seção 1.

5. Carvalho CRS. O Instituto Nacional do Câncer e o controle do tabagismo: uma análise da gestão federal do tratamento do tabagismo no SUS. [Dissertação de Mestrado]. Rio de Janeiro (RJ): Fundação Oswaldo Cruz. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2009.

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Recebido em 19/05/2011
Aprovado em 30/11/2012