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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.21 n.4 Brasília dez. 2012

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742012000400015 

ARTIGO ORIGINAL

 

Perfil socioeconômico e insegurança alimentar e nutricional de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família no município de Viçosa, Estado de Minas Gerais, Brasil, em 2011: um estudo epidemiológico transversal*

 

Socioeconomic profile and insecurity food of families beneficiaries of the Bolsa Familia Program in the city of Viçosa, Minas Gerais, 2011: a cross-sectional study

 

 

Natália Nunes de SouzaI; Mariana de Moura e DiasI; Naiara SperandioII; Sylvia do Carmo Castro FranceschiniIII; Silvia Eloiza PrioreIII

ICurso de Nutrição, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa-MG, Brasil
IIPrograma de Pós-Graduação em Ciências da Nutrição, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa-MG, Brasil
IIIDepartamento de Nutrição e Saúde, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa-MG, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: avaliar a associação entre indicadores socioeconômicos e insegurança alimentar de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF).
MÉTODOS: estudo transversal sobre 243 famílias com crianças de 2 a 6 anos, beneficiadas pelo PBF, residentes na zona urbana de Viçosa-MG, em 2011; utilizou-se questionário estruturado com informações socioeconômicas e demográficas; no diagnóstico de segurança alimentar, utilizou-se a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA).
RESULTADOS: a prevalência de insegurança alimentar foi de 72,8%, sendo 14,8% grave, 10,7% moderada e 47,3% leve; maiores prevalências de insegurança alimentar foram encontradas nos domicílios com quatro ou mais moradores (p=0,010), que tinham água tratada por filtração (p=0,023), mães com escolaridade inferior a dez anos (p<0,001), pertencentes a famílias classificadas no menor nível socioeconômico (p=0,002).
CONCLUSÃO: a prevalência de insegurança alimentar foi alta, maior entre crianças de famílias maiores, com pior nível socioeconômico e cujas mães tinham menor escolaridade.

Palavras-chave: Segurança Alimentar e Nutricional; Fatores Socioeconômicos; Estudos Transversais; Políticas Públicas.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to evaluate the association between socioeconomic indicators and food insecurity of families receiving the Bolsa Família Program (PBF).
METHODS: cross sectional study, conducted in 2011, with 243 families who had children aged 2-6 years old, benefited from the PBF, living in the urban area of Viçosa, MG. For data collection were used a structured questionnaire containing socioeconomic and demographic information and also the Brazilian Food Insecurity Scale (EBIA).
RESULTS: the prevalence of food insecurity was 72.8%, being 14.8% severe, 10.7% moderate and 47.3% mild. Higher prevalence of food insecurity were found in households with four or more residents (p=0.01); in families in which maternal education was less than 10 years (p<0.01) and in those classified as the lowest socioeconomic level (p=0.002).
CONCLUSION: the prevalence of food insecurity was high, concentrated in larger families, with low socioeconomic and maternal education level.

Key words: Food Security; Socioeconomic Factors; Cross-Sectional Studies; Public Policies.


 

 

Introdução

O Brasil, em sua trajetória econômica, social e política, é um país que se destaca pela desigualdade e concentração de renda, bens e serviços públicos distinta entre as diversas esferas da sociedade.1,2

Nessa trajetória, encontram-se fatores socioeconômicos como a acentuada diferença de renda, péssimas condições de saneamento básico e baixa escolaridade, além de determinantes demográficos como cor ou raça, gênero, condição civil e origem espacial-geográfica.2

Na tentativa de reverter o quadro exposto, embasados na Carta Magna de 1988, surgem os programas de assistência social do Governo Federal, de que é exemplo o Programa Bolsa Família (PBF).3

O PBF assiste famílias compostas por crianças na idade de zero a quinze anos ou gestantes em situação de pobreza ou extrema pobreza. Os objetivos básicos do programa, em relação a seus beneficiários, são:

a) promover o acesso à rede de serviços públicos de saúde, educação e assistência social;

b) combater a fome e promover a segurança alimentar e nutricional;

c) estimular a emancipação sustentada das famílias que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza;

d) combater a pobreza; e

e) promover a intersetorialidade, a complementaridade e a sinergia das ações sociais do Poder Público.4

A transferência dos recursos de programas de assistência social como o Bolsa Família é vinculada ao cumprimento de condicionantes, pelas quais se busca garantir a segurança alimentar, as boas condições de saúde e a manutenção das crianças e dos jovens na escola.5

As condicionalidades do PBF se destinam a (i) estimular as famílias beneficiárias a exercerem seu direito de acesso às políticas públicas de saúde, educação e assistência social, promovendo a melhoria das condições de vida da população, e (ii) identificar as vulnerabilidades sociais que afetam ou impedem o acesso das famílias beneficiárias aos serviços públicos a que têm direito, mediante o monitoramento de seu cumprimento.6

Nesse contexto, o Programa Bolsa Família contribui para a redução da pobreza e das desigualdades sociais. E para o combate à fome entre as famílias de baixo poder aquisitivo.7

Existem outras preocupações além da transferência de renda condicionada3 à adesão aos programas assistencialistas. Uma delas é a (in)segurança alimentar, estudada pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009.8 Nesta pesquisa, identificou-se insegurança alimentar em 30,2% dos domicílios do país, e uma prevalência de insegurança alimentar grave de 5,0%. Dada sua importância e magnitude, a segurança alimentar passou a ser protegida pela Lei no 11.346, de 15 de setembro de 2006, responsável pela criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), assegurando o direito do cidadão à alimentação adequada. A mesma Lei também define o conceito de segurança alimentar:9,10

A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.

(II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Olinda, 2004).10

Na busca pelo melhor entendimento do mapa da insegurança alimentar no Brasil, uma das grandes ferramentas utilizadas pelo IBGE, nas PNAD de 2004 e 2009, foi a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA).9,11-14 Trata-se de uma adaptação ao país da escala desenvolvida pelo United States Departament of Agriculture (USDA) e utilizada nos Estados Unidos da América para análise de inquéritos populacionais.11

Entre os fatores socioeconômicos e demográficos associados à insegurança alimentar, estão a renda, o número de moradores no domicílio, o sexo, a cor ou raça, a escolaridade, residência rural e presença menores de 18 anos de idade no domicílio.9,15,16

Identificar possíveis situações de insegurança alimentar e seus fatores envolvidos - ambientais, socioeconômicos, demográficos, culturais e étnicos - possibilita o norteamento de políticas públicas. São fatores que podem estar associados à ocorrência de insegurança alimentar, determinada principalmente pela pobreza e pela desigualdade social.17

O presente artigo teve como objetivo estabelecer as prevalências de insegurança alimentar em seus diferentes níveis, bem como avaliar a associação entre os indicadores socioeconômicos e demográficos e a insegurança alimentar em famílias da área urbana do município de Viçosa, estado de Minas Gerais, que apresentam ao menos uma criança entre dois e seis anos e que sejam beneficiárias do Programa Bolsa Família.

 

Métodos

Trata-se de estudo epidemiológico transversal, realizado no período de janeiro a junho de 2011, no qual se avaliou famílias que possuíam crianças com idade de 2 a 6 anos, de ambos os sexos, residentes na zona urbana do município de Viçosa-MG, localizado na Zona da Mata Mineira, composto por aproximadamente 72.244 habitantes, dos quais 67.337 (93,2%) residem na zona urbana segundo o Censo 2010.18

Para o cálculo da amostra, considerou-se prevalência de 80,3% de insegurança alimentar em beneficiários do PBF no Sudeste, com base nos resultados da pesquisa 'Repercussões do Programa Bolsa Família na Segurança Alimentar e Nutricional das Famílias Beneficiadas'.19 Estimou-se um erro máximo de ±5%, para um nível de significância de 95% e, com o acréscimo de 20% para possíveis perdas, definiu-se a amostra de 241 famílias. Para o cálculo, utilizou-se a função StatCalc do Epi Info versão 6.04.

Das 1.160 famílias que atendiam aos pré-requisitos para participar da pesquisa, 243 foram selecionadas mediante processo de amostragem probabilística, um sorteio em que todas as famílias tinham a mesma chance de serem escolhidas.

Para obtenção dos indicadores socioeconômicos e demográficos, foram aplicados formulários estruturados junto ao responsável pela criança, abordando as seguintes variáveis: abastecimento de água; coleta de lixo; esgoto; presença de água tratada por filtração; número de moradores; número de cômodos; escolaridade materna e paterna; cor ou raça do titular do benefício (avaliada pelos entrevistadores em três categorias: branca, parda e negra); e classificação socioeconômica de acordo com a proposta da Associação Brasileira de Empresas e Pesquisa (ABEP).20 Os dados foram coletados durante visitas domiciliares realizadas por estudantes, matriculados na Graduação e na Pós-graduação em Nutrição da Universidade Federal de Viçosa, previamente treinados.

Para o diagnóstico da insegurança alimentar, utilizou-se a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), composta por 15 perguntas direcionadas aos três últimos meses, com respostas de tipo 'Sim' ou 'Não', sendo que cada resposta afirmativa do questionário correspondia a um ponto.21 Validada no Brasil desde 2004, a partir de estudos liderados pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a EBIA avalia a insuficiência alimentar, permitindo classificar as famílias em quatro categorias: segurança alimentar, quando não há problemas de acesso aos alimentos, em termos qualitativos ou quantitativos, e não há preocupação de que os alimentos venham a faltar no futuro; insegurança alimentar leve, quando há preocupação com a falta de alimentos no futuro próximo, retratando um componente psicológico de insegurança; insegurança alimentar moderada, quando há situação de comprometimento da qualidade da alimentação na busca por manter a quantidade necessária; e insegurança alimentar grave, condição em que há deficiência quantitativa de alimento, levando à situação de fome.12,13

O banco de dados foi organizado com dupla digitação no Microsoft Office Excel 2007. A análise estatística constou de descrição das freqüências das variáveis e associação entre indicadores socioeconômicos e demográficos e insegurança alimentar, sem utilização de fator de ponderação. Para tanto, foram aplicados os testes de qui-quadrado de associação e qui-quadrado de tendência linear, pelo software Epi Info versão 6.04, considerando-se significante o valor de p≤0,05.

A participação da família no estudo foi condicionada à assinatura, por parte do responsável pela criança, de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O Projeto de Pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Viçosa, sob o Protocolo no 0146/2010, de 24 de novembro de 2010. A pesquisa seguiu as orientações fornecidas na Resolução CNS no 196, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde.

 

Resultados

Participaram da pesquisa 243 famílias, das quais 72,8% apresentaram insegurança alimentar: para 14,8% destas famílias, essa insegurança alimentar foi considerada grave; para 10,7%, moderada; e para 47,3%, leve (Tabela 1).

 

 

Em relação às condições de saneamento básico, observou-se que 1,6% dos domicílios não estavam ligados à rede pública de abastecimento de água, 2,9% não tinham o lixo coletado pelo serviço público, 2,1% não estavam ligados à rede pública para destino do esgoto e 8,6% não possuíam água para consumo tratada por filtração.

Entre as famílias estudadas, 72,0% foram classificadas como pertencentes à classe econômica C, de acordo com a classificação da ABEP, e 79,0% dos domicílios possuíam quatro ou mais moradores.

Quanto à cor ou raça do titular do Programa Bolsa Família, 45,3% dos titulares foram classificados como negros e, em relação à escolaridade materna e paterna, 56,0 e 63,3%, respectivamente, tinham completado o Ensino Fundamental.

Maiores prevalências de insegurança alimentar foram encontradas nos domicílios que abrigavam 4 ou mais moradores (73,1%) (p=0,01), naqueles que possuíam água tratada por filtração (74,3%) (p=0,023), nas famílias em que a escolaridade materna era inferior a dez anos (79,1%) (p<0,01) e nas famílias classificadas com nível socioeconômico E (91,0%) (p=0,002), segundo a classificação da ABEP (Tabela 2).

 

 

Em relação às demais variáveis consideradas na amostra estudada (tipo de abastecimento de água, coleta de lixo pelo serviço público, rede pública para o destino do esgoto, escolaridade paterna e raça/ cor do titular do PBF), o teste de qui-quadrado não mostrou associação desses fatores com a percepção de insegurança alimentar (Tabela 2).

 

Discussão

Aproximadamente um quarto das famílias estudadas apresentou-se em situação de insegurança alimentar, e destas, quase a metade foi classificada na categoria de insegurança alimentar leve. A prevalência de insegurança alimentar foi mais elevada nos domicílios com menor nível socioeconômico, maior número de moradores, que possuíam água tratada por filtração e cujas mães tinham baixa escolaridade.

Os achados do presente estudo corroboram aqueles de Panigassi e colaboradores,2 para quem a insegurança alimentar moderada ou grave é mais frequentes em famílias com maior número de membros, menor renda, expostas a condições precárias de saneamento básico e compostas de indivíduos de menor escolaridade.

As prevalências de insegurança alimentar observadas foram consideravelmente maiores do que as encontradas pelo IBGE no ano de 2004, em pesquisa realizada em todo o território nacional.22 Porém, deve-se considerar que o artigo em questão trabalhou com amostra específica, constituída de famílias beneficiadas pelo Programa Bolsa Família com pelo menos uma criança na idade entre dois e seis anos.

A PNAD8 realizada em 2009 identificou insegurança alimentar em 30,2% dos domicílios do país, e uma prevalência de insegurança alimentar grave de 5,0%. Especialmente na região Sudeste, 23,3% das famílias estavam em insegurança alimentar, sendo 2,9% em situação grave, valores inferiores aos encontrados neste trabalho. O mesmo foi observado por um estudo realizado em Campinas-SP, no ano de 2005, em famílias com idosos, encontrando-se uma prevalência de insegurança alimentar de 52,0%, e de insegurança alimentar grave de 7,0%.23

No estudo de Salles-Costa e colaboradores (2011),14 realizado na região metropolitana do Rio de Janeiro-RJ, a prevalência de insegurança alimentar também foi inferior à apresentada neste estudo. Aqueles autores observaram 53,8% de insegurança alimentar, sendo que 31,4% dos domicílios referiram insegurança alimentar leve, 16,1%, moderada e 6,3%, insegurança alimentar grave.

Assim como no estudo de Salles-Costa e colaborades,14 na amostra estudada aqui, as variáveis 'nível socioeconômico' e 'número de pessoas por domicílio' apresentaram associação com insegurança alimentar: quanto maior o nível socioeconômico, menor a prevalência de insegurança alimentar. Já as condições de saneamento não apresentaram associação com a percepção de insegurança alimentar, o que pode estar relacionado à diferença do número de famílias entre as categorias, sendo que a grande maioria dos domicílios apresentou condições favoráveis de saneamento.

Enquanto 65,2% dos domicílios brasileiros estão em segurança alimentar,22 na amostra pesquisada, apenas 27,3% alcançaram tal segurança. Segundo o IBGE, famílias que contam, em sua composição, com indivíduos menores de 18 anos de idade apresentam maior prevalência de insegurança alimentar, e como a amostra pesquisada conta com pelo menos um menor de 18 anos na família, acredita-se que esta seja uma das possíveis explicações para a discrepância encontrada.22

No estudo de Anschau e colaboradores,24 também foi observado que a presença de moradores menores de 18 anos relacionou-se à maior frequência de insegurança alimentar. Nos domicílios apenas com moradores adultos, a condição de segurança alimentar apresentou proporção de 54,2%, duas vezes superior à das famílias com crianças e adolescentes.

Em estudo realizado com crianças menores de 30 meses, em Campos Elíseos/Duque de Caxias-RJ, encontrou-se insegurança alimentar em 72,0% dos domicílios, sendo 12,0% com insegurança alimentar grave,12 valores próximos aos encontrados no trabalho em questão (72,8 e 14,8%, respectivamente).

Outro ponto a ser considerado é o lato de a amostra ser composta exclusivamente por beneficiários do Programa Bolsa Família, o que constitui uma limitação do atual trabalho, ao tornar difícil sua comparação com estudos que utilizaram amostras mais abrangentes. Famílias beneficiárias de programas de transferência de renda já constituem, em si, um grupo com menor renda e sob maior vulnerabilidade a privações alimentares, portanto mais susceptíveis às condições de insegurança alimentar.24

Entre as limitações do trabalho, está também o fato de ser um estudo transversal, que mostra a situação da segurança alimentar somente no momento da coleta de dados, sem contemplar sua evolução desde que as famílias começaram a receber o benefício. Além disso, não foi considerado, nestas análises, o tempo de recebimento do benefício. O fato de a informação sobre cor ou raça não ter sido coletada de forma autodeclarada também representa uma limitação para esta pesquisa, na medida em que, também, dificulta a comparação com outros estudos, nos quais a forma autodeclarada é, comumente, a mais utilizada.

Anschau, ao estudar famílias beneficiárias de programas de transferência de renda, residentes no município de Toledo-PR, encontrou prevalência de insegurança alimentar de 74,6%, sendo 44,9% de insegurança alimentar leve,24 valores semelhantes aos encontrados por estes autores. Em relação à classificação econômica, Anschau também encontrou associação entre essa variável e a insegurança alimentar.24

Assim como os dados divulgados pelo IBGE, referentes a todo o território nacional, observou-se associação entre insegurança alimentar e número de residentes por moradia.2,22 Novamente, Anschau e colabs. observaram essa relação em unidades familiares beneficiárias de programas de transferência de renda, ao verificarem, entre famílias que possuíam cinco membros ou mais, chances maiores de vir a passar por insegurança alimentar moderada ou grave, quando comparadas às famílias menores. Essa relação pode ser explicada pelo fato de famílias grandes necessitarem de mais recursos para a compra de alimentos, o que normalmente não acompanha o crescimento familiar.24

A cor ou raça foi um parâmetro para o qual os resultados encontrados não se mostraram de acordo com os divulgados pelo IBGE.22 No estudo que se apresenta, os domicílios nos quais o titular do Programa Bolsa Família foi classificado como negro ou pardo não mostraram maior prevalência de insegurança alimentar.

No estudo de Panigassi e colaboradores,2 assim como na PNAD 2004,25 verificou-se que as famílias com informantes de cor negra ou parda apresentaram prevalências significativamente maiores de insegurança alimentar. No entanto, no estudo de Pimentel, não foi observada associação significante entre cor da pele ou raça e insegurança alimentar.12

Tampouco foi encontrada associação entre condições de saneamento e segurança alimentar, contrariando os dados da PNAD 2004, na qual se observou que a existência de água encanada e a destinação apropriada de esgoto reduzem a probabilidade de insegurança alimentar.9

A ausência de associação entre condições de saneamento básico e segurança alimentar pode estar relacionada ao fato de as condições de abastecimento de água, destino do lixo e destino do esgoto nos domicílios de estudo serem muito similares, não havendo grandes diferenciações quanto a esses parâmetros, entre as famílias estudadas. A grande maioria dos domicílios apresentou padrão sanitário satisfatório, com rede pública para abastecimento de água e destino de esgoto, água de consumo tratada por filtração e coleta de lixo pelo serviço público.

A partir dos dados apresentados, evidenciou-se a dimensão da insegurança alimentar associada ao perfil socioeconômico da população estudada: alta prevalência de insegurança alimentar, relacionada tanto com o nível socioeconômico das famílias investigadas como com o número de moradores por domicílio. Tendo em vista a relação existente entre situação de insegurança alimentar e características socioeconômicas, destaca-se a necessidade de ações de responsabilidade social e políticas públicas, como o próprio Programa Bolsa Família, que visem à garantia da segurança alimentar.

A medida de segurança alimentar e nutricional por meio da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar - EBIA -, da mesma forma que sua relação com indicadores socioeconômicos, pode representar um importante indicador de monitoramento da iniquidade em saúde, auxiliando na identificação dos grupos com vulnerabilidade social e no estabelecimento de intervenções por parte dos órgãos públicos responsáveis.

A questão do acesso inadequado e insuficiente aos alimentos, no caso brasileiro, é causada, principalmente, pelas desigualdades socioeconômicas existentes no país, indicando a necessidade de políticas voltadas à solução desses problemas. Estudos referentes à insegurança alimentar e que incluam famílias cadastradas em programas de transferência de renda devem ser realizados com maior frequência, a fim de melhorar a avaliação desses programas.

 

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq -, pelo apoio financeiro.

 

Contribuição dos autores

Sperandio N, Souza NN e Dias MM contribuíram no delineamento do estudo, análise e interpretação dos dados e redação do manuscrito.

Priore SE e Franceschini SCC contribuíram na revisão crítica do conteúdo do manuscrito e aprovação da versão final, além da concepção e delineamento do estudo.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Avenida P.H. Rolfs S/N,
Campus Universitário,
Universidade Federal de Viçosa,
Viçosa-MG, Brasil.
CEP: 36570-000
E-mail: nataliansouza@gmail.com

Recebido em 03/09/2012
Aprovado em 11/10/2012

 

 

*Artigo oriundo do estudo de pesquisa 'Capacidade preditiva da escala brasileira de insegurança alimentar para identificar riscos de vulnerabilidade social e biológica em crianças beneficiárias do programa Bolsa Família do município de Viçosa-MG', projeto apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq): Processo no 563644/2010-9. O presente manuscrito foi elaborado a partir da dissertação de Mestrado de Naiara Sperandio, no âmbito do Programa de Pós-graduação em Ciências da Nutrição da Universidade Federal de Viçosa, defendida em 2011.