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Epidemiologia e Serviços de Saúde
versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.22 n.1 Brasília mar. 2013
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000100003
ARTIGO ORIGINAL
Fatores associados à chance para a mortalidade hospitalar no Distrito Federal
Factors associated to hospital deaths in the Federal District, Brazil, 2008
Rozania Maria Pereira JunqueiraI; Elisabeth Carmen DuarteII
IHospital Universitário de Brasília, Universidade de Brasília, Brasília-DF, Brasil
IINúcleo de Medicina Tropical, Faculdade de Medicina, Universidade de Brasília, Brasília-DF, Brasil. Consultora da Organização Pan-Americana da Saúde, Brasília-DF, Brasil
RESUMO
OBJETIVO: identificar fatores associados à chance de óbito hospitalar no Distrito Federal, Brasil.
MÉTODOS: avaliação de todas as internações (não obstétricas ou psiquiátricas) registradas nas Autorizações de Internação Hospitalar (AIH) do Sistema de Informações Hospitalares, do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS), em 2008; modelos logísticos foram estimados para identificar características dos pacientes, das internações e dos hospitais, associadas ao óbito hospitalar.
RESULTADOS: nas 133.098 AIH analisadas, a taxa de mortalidade hospitalar (TMH) foi de 4,2%; maiores TMH foram entre homens com 60 anos ou mais de idade, residentes no Entorno do Distrito Federal, admitidos pela urgência, internados principalmente por doenças crônicas; a chance de morte aumenta com o aumento da permanência no hospital e na unidade de terapia intensiva.
CONCLUSÃO: foi possível estudar os fatores associados à chance de óbito hospitalar a partir dos dados disponíveis no SIH/SUS; os achados do estudo podem auxiliar o monitoramento do desempenho da atenção hospitalar no Distrito Federal.
Palavras-chave: Mortalidade Hospitalar; Sistema Único de Saúde; Avaliação de Serviços de Saúde; Estudos de Coortes.
ABSTRACT
OBJECTIVE: to identify risk factors associated with hospital death in the Federal District, Brazil.
METHODS: evaluation of all admissions (non-obstetric or psychiatric admissions) recorded in Hospital Admission Authorization Forms (AIH) and consolidated in Brazil's Unified Health System (SIH/SUS), in 2008; logistic models were estimated to identify characteristics of patients, hospital admissions and hospitals, associated with hospital death.
RESULTS: the overall hospital mortality rate (HMR) was 4.2%, considering 133,098 AIH evaluated; higher HMR were found in male patients, aged 60 years or older, living in satellite cities of the Federal District, admitted by emergency rooms, mainly due to chronic diseases; risk of death increased with longer hospital and intensive car unit stay.
CONCLUSION: it was possible to study factors associated with risk of death based on hospital data available in the SIH/SUS; study findings may improve monitoring of hospital care performances in the Federal District.
Key words: Hospital Mortality; Unified Health System; Health Services Evaluation; Cohort Study.
Introdução
O crescimento dos gastos com atenção médica nos últimos anos contribuiu com a expansão de estudos sobre a qualidade e os custos dessa atenção voltados para a área da Saúde demanda por análises do desempenho dos estabelecimentos de saúde é crescente, sobretudo daqueles que prestam cuidado hospitalar. Vários países, em particular o Brasil, têm avaliado o desempenho de seus hospitais utilizando indicadores de mortalidade hospitalar.1-6
Segundo Travassos e colaboradores,2 a mortalidade hospitalar é um indicador tradicional de desempenho hospitalar. Nas condições em que a morte não é um evento raro, o emprego de taxas de mortalidade hospitalar representa uma ferramenta útil para indicar serviços com eventuais problemas de qualidade.
No Brasil, o Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) é alimentado pelos dados contidos nos formulários de Autorização de Internação Hospitalar (AIH) e tem se mostrado uma boa fonte de dados epidemiológicos. Contudo, sendo sua função principal o pagamento de serviços hospitalares, as informações sobre as condições sociodemográficas e epidemiológicas (por exemplo: fatores de risco) dos pacientes nessas bases de dados são, normalmente, escassas. A grande vantagem da utilização desse banco de dados reside em sua ampla representatividade de atendimentos SUS e na redução dos custos das avaliações.3 Alguns autores têm utilizado esse banco de dados, mediante diferentes métodos estatísticos, para avaliar a chance de óbito hospitalar em diversos contextos.3-6
O presente estudo tem por objetivo analisar os fatores associados à chance de óbito hospitalar considerando as características individuais dos pacientes, as características da internação (causas e indicadores de gravidade) e as características do hospital.
Métodos
A pesquisa desenvolvida tem características de um estudo de coorte histórica com o propósito de analisar os fatores associados à chance de morte hospitalar no Distrito Federal (DF). O tempo de acompanhamento do presente estudo foi definido como o período entre a admissão do paciente na internação e sua alta ou óbito hospitalar.
O trabalho foi realizado no DF, utilizando-se de dados notificados no SIH/SUS no ano de 2008, para a identificação das características individuais dos pacientes, das características da internação (causas e indicadores de gravidade) e das características do hospital associadas à chance de morte hospitalar.
A população-fonte deste estudo constituiu-se de todos os pacientes internados (de todas as idades e ambos os sexos) notificados nas AIH lançadas no SIH/SUS, referentes aos serviços hospitalares do DF e ocorridas no ano de 2008.
Os critérios de exclusão de AIH para o estudo foram (i) causas de internação segundo a Classificação Estatística Internacional de Doenças (CID-10), associadas aos atendimentos obstétricos [parto (CID-10: 080-084), outras internações associadas à gravidez e puerpério (capitulo XV exceto 080-084) e outras causas de internações da clínica obstétrica relacionadas a outros itens da CID-10] e (ii) critérios psiquiátricos (capítulo V da CID-10). Assim foram estudadas as AIH referentes a especialidades de clínica médica, cirúrgica, pediátrica, de reabilitação, de doenças crônicas e de pneumologia sanitária.
As variáveis de estudo incluíram:
- Características do paciente, extraídas da AIH - idade; sexo; e local de residência (DF, Municípios do Entorno do DF e demais Municípios do Brasil);7
- Características da internação, extraídas da AIH - diagnóstico principal (segundo capítulos do CID-10); dias de permanência no hospital; caráter da internação (eletiva ou emergência); uso de UTI; especialidades (já descritas aqui); e desfecho (óbito ou alta hospitalar);
- Características do hospital, extraídas do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) - natureza (público, privado sem fins lucrativos e privado com fins lucrativos); porte (pequeno com até 49 leitos, médio com 50 a 149 leitos e grande com 150 ou mais leitos);4 tipo (especializado, geral ou misto); atendimento de urgência pelo SUS (sim ou não); alta complexidade (sim ou não); financiamento (convênio com o SUS, convênio com as Forças Armadas, financiamento privado e serviço social autônomo); e local do hospital [Brasília (a cidade que corresponde ao chamado Plano Piloto, o plano urbanístico original da cidade) ou demais cidades situadas no DF].
Na etapa descritiva, foram calculadas as taxas de mortalidade hospitalar bruta (no de óbitos hospitalares/total de internações) e seus respectivos intervalos de confiança (IC95%). Na etapa analítica, foram estimados modelos de regressão logística - para identificar os fatores associados à chance do óbito hospitalar - ajustados pelas características do paciente, da internação e do hospital, sendo a variável dependente o óbito hospitalar (óbito ou alta hospitalar). Uma vez que nos hospitais de pequeno porte não houve um único óbito, eles foram agregados aos hospitais de médio porte. A qualidade de ajuste dos modelos com a variável 'idade' tratada como contínua linear ou quadrática ou categórica (seis grupos) foi semelhante, permitindo a opção pela forma contínua linear para essa variável.
O modelo final foi construído a partir da analise de blocos de variáveis explicativas (modelo hierárquico adaptado de Victora e colaboradores)8, a saber: 1o nível (características do paciente); 2o nível (características da internação); e 3o nível (características do hospital). Em cada nível foram estimadas as razões de chances (OR: Odds Ratio) bruta e ajustada, seus IC95% e o nível de significância (valor de p). Para cada uma dessas etapas, foram mantidas - para as etapas seguintes - todas as variáveis que apresentaram significância estatística em seu nível hierárquico. Dessa forma, no modelo final, foram analisadas as variáveis dos três níveis de análise significativas estatisticamente (p<0,05) foram analisadas. A análise foi conduzida com o auxílio do programa estatístico SPSS 16.0.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (CEP-FM/UnB 001-2010).
Resultados
No ano de 2008, segundo o SIH/SUS, foram realizadas 188.106 internações pelo SUS no DF. Após as exclusões (55.008) previstas na metodologia adotada pelo estudo, o total de internações analisadas foi de 133.098. Destas, 127.549 (95,8%) foram de pacientes que tiveram alta hospitalar e 5.549 de pacientes cuja internação teve como desfecho o óbito hospitalar, o que corresponde a uma taxa de mortalidade hospitalar geral (TMH) de 4,2%.
A maioria dos pacientes internados contava 30 ou mais anos de idade (55,9%), era do sexo masculino (52,7%) e residente no DF (80,1%) (Tabela 1). Como esperado, a TMH apresentou menores valores nos grupos com idade de 1 a 4 anos e de 5 a 14 anos, com incrementos gradativos para as idades extremas: pacientes do sexo masculino apresentaram maior TMH (4,4%) do que pacientes do sexo feminino (3,9%).
O DF é o local de residência da maioria dos pacientes internados, 80,1%, dos quais 5.549, ou 4,0%, evoluíram para óbito. TMH ligeiramente superior foi observada nos pacientes residentes do Entorno do DF, que totalizaram 18.962 internações, das quais 5,2% evoluíram para óbito. Pacientes hospitalizados no DF e originários das demais localidades do Brasil foram responsáveis por 5,7% do total de internações no DF em 2008, sendo sua TMH de 3,6% (Tabela 1).
Respectivamente, 28,6 e 27,9% dos pacientes permaneceram hospitalizados por 2-3 dias e 8 ou mais dias. A TMH foi mais elevada em pacientes que ficaram internados por 8 ou mais dias e 4-7 dias, comparativamente aos demais com menos de 4 dias de internação. Pacientes que tiveram uma média de permanência de até um dia no hospital apresentaram baixa TMH (2,0%).
Com relação à forma de entrada no hospital, o maior número de internações foi de urgência, que apresentou chance de óbito (4,8%) maior do que as internações eletivas (2,5%). Um percentual de 4,2% utilizou unidade de terapia intensiva (UTI). Como esperado, esses pacientes tiveram uma TMH sete vezes maior do que os que não utilizaram UTI: 23,0 e 3,3%, respectivamente. Além disso, pacientes que ficaram na UTI por quatro ou mais dias tiveram um chance quase oito vezes maior de óbito em relação aos que não utilizaram UTI.
O maior número de internações ocorreu nas especialidades de clínica médica (40,1%), clínica cirúrgica (36,3%) e clínica pediátrica (20,6%) (Tabela 1). As TMH nessas especialidades foram de 7,6, 2,0 e 1,1%, respectivamente. Pequeno número de internações foi de pacientes de doenças crônicas e de pneumologia sanitária, embora com altas TMH: 24,8 e 5,1%, respectivamente. As doenças do aparelho respiratório foram responsáveis pelo maior número de internações (13,5%), seguidas das doenças do aparelho digestivo, circulatório e causas externas. Maiores TMH foram observadas para pacientes internados em decorrência de doenças do aparelho circulatório (8,8%), neoplasias (6,8%) e doenças infecciosas e parasitárias (6,6%). A menor TMH foi identificada entre os pacientes internados com doenças do aparelho geniturinário (2,2%) e algumas afecções originadas no período perinatal (2,4%). Vale destacar que 2,8% das internações foram classificadas com causas mal definidas (sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório não classificados em outra parte), e entre elas, a TMH foi de 3,9%.
Também foi analisada a distribuição dos pacientes internados pelo SUS quanto às características do hospital (Tabela 2). Em sua grande maioria, os hospitais no DF são do sistema público de saúde, unidades de grande porte, do tipo geral, que prestam atendimento de urgência pelo SUS e contam com atendimento de alta complexidade conveniado com o Sistema Único de Saúde. Além disso, 46,4% dos hospitais analisados estavam situados em Brasília. A maior TMH foi observada entre os pacientes SUS de hospitais privados com fins lucrativos (27,6%), em contraste com a TMH de 4,1% em pacientes SUS de hospitais públicos. A chance de óbito nos hospitais de médio porte foi duas vezes maior (8,0%) que nos hospitais de grande porte (3,8%). Nos hospitais de pequeno porte, foram internados 1.715 pacientes e nenhum óbito foi notificado. Pacientes internados em hospitais do tipo geral apresentaram maior TMH (4,3%) que pacientes internados em hospitais especializados (2,9%). Em hospitais que não contam com atendimento de urgência pelo SUS, a taxa de mortalidade hospitalar foi ligeiramente maior (5,4%) quando comparada à TMH de hospitais que têm atendimento de emergência pelo SUS (4,1%).
Não houve diferença relevante entre a TMH de hospitais que têm atendimento de alta complexidade (4,1%) e hospitais que não dispõem esse serviço (3,8%). Quanto ao tipo de financiamento, a TMH foi quatro vezes maior nos hospitais privados (16,8%) quando comparada com a TMH dos conveniados com o SUS (4,1%). Hospitais de serviço social autônomo registraram menor TMH (0,4%). A chance de óbito foi quase duas vezes maior nos hospitais situados em Brasília-Plano Piloto (5,5%), quando comparada à TMH dos demais hospitais do DF (3,0%).
As estimativas de chance de morte hospitalar ajustadas foram realizadas por modelos de regressão logística e descritas na Tabela 3. No modelo multivariado final, pacientes do sexo masculino tiveram uma chance de morte hospitalar 1,14 maior que pacientes do sexo feminino, ainda que controladas as demais variáveis analisadas. Como esperado, o aumento da idade também esteve associado com morte hospitalar: para cada incremento de um ano na idade do paciente, observa-se um aumento em torno de 3,0% na chance de morte hospitalar.
Pacientes residentes nos municípios do Entorno do DF e nos demais municípios do Brasil apresentaram maior chance de morte hospitalar que os residentes no DF: 1,45 e 1,3 vezes, respectivamente.
Pessoas internadas na clínica destinada à hospitalização de pacientes crônicos apresentaram chance de óbito hospitalar 108 vezes maior que a chance apresentada pelos pacientes internados na pediatria (referência). Importante notar que, na análise bruta (não ajustada por sexo, idade e demais variáveis do modelo final), esse excesso de chance havia sido subestimado (OR=30,6, dados não apresentados). Pacientes internados na clínica médica (OR=2,6) e na clínica cirúrgica (OR=1,24) também apresentaram excesso de chance de óbito hospitalar (p<0,05) quando comparados aos pacientes da clínica pediátrica. Pacientes internados na clínica de pneumologia sanitária não apresentaram diferença significativa (p=0,534) em relação à chance de óbito hospitalar e aqueles internados na clínica de reabilitação (p=0,005) apresentaram redução de morte hospitalar, quando comparados aos pacientes da clínica pediátrica.
A chance de óbito aumenta em aproximadamente 1,0% para cada dia de permanência do paciente no hospital. Entretanto, se o paciente utiliza UTI, para cada dia a mais internado, observa-se um aumento na chance de óbito hospitalar em torno de 4,0%. Pacientes que tiveram internação em regime de urgência apresentaram uma chance de óbito hospitalar quase duas vezes maior que pacientes de internação de caráter eletivo.
Em relação ao diagnóstico principal, pacientes internados por algumas afecções originadas no período perinatal (OR=6,5), algumas doenças infecciosas e parasitárias (OR=4,4) ou causas mal definidas (sintomas, sinais e achados anormais, cap. XVIII da CID-10 - OR=3,04) apresentaram chances maiores de óbito hospitalar que aqueles internados por doenças do aparelho geniturinário (referência). Os excessos de chances de óbito associados às demais causas de internação variaram entre OR=1,8 e OR=2,7 quando comparados às chances de óbito do grupo de referência. Nas demais causas, não houve diferença estatisticamente significativa.
Em relação à natureza do hospital, observou-se que pacientes internados em hospitais privados sem fins lucrativos e privados com fins lucrativos apresentaram chance de óbito aproximadamente três vezes maior, quando comparada à chance de óbito dos internados em hospitais públicos (referência).
Pacientes internados em hospitais localizados em Brasília apresentaram chance de óbito hospitalar menor quando comparados com os pacientes internados no demais hospitais do DF (OR=0,4). Da mesma forma, os internados em hospitais que não têm serviço de alta complexidade apresentaram menor chance de óbito quando comparados com os pacientes internados em hospitais que mantêm serviço de alta complexidade (OR=0,6).
Quanto ao porte do hospital, definido pelo número de leitos existentes, a chance de óbito hospitalar foi duas vezes maior para as internações ocorridas nos hospitais de médio e de pequeno porte (estes considerados de forma agregada) quando comparadas com as chances de óbito nos hospitais de grande porte (referência). Contudo, vale notar que nos hospitais de pequeno porte, nenhuma notificação de óbito foi identificada.
E quanto ao tipo de hospital, a chance de óbito hospitalar aumenta dez vezes nos hospitais de atendimento geral quando comparados com hospitais especializados e mistos.
Discussão
Nesse estudo, foi demonstrado que o desempenho hospitalar pode ser analisado utilizando-se uma metodologia de ajuste de risco pelas características individuais do paciente, características do hospital e características das internações do SIH/SUS. Gomes e colaboradore4 já haviam utilizado tal metodologia para analisar óbitos hospitalares no estado do Rio Grande do Sul, onde observaram que as características das internações podem indicar - de forma indireta - a gravidade do paciente, daí estarem associadas ao óbito hospitalar.
No presente estudo, o sexo masculino, maior idade do paciente e residência em municípios do Entorno do DF foram características individuais associadas ao óbito hospitalar, independentes da causa da internação (grandes grupos da CID-10) e outras variáveis de ajuste. Ademais, internações em regime de urgência, em outras especialidades que não a pediátrica e com maior tempo de permanência no hospital ou na UTI, foram também associadas, de forma independente, com a maior probabilidade de óbito hospitalar. Finalmente, características do hospital associadas a esse desfecho, ainda que ajustadas as variáveis demográficas e característica da internação, foram: hospitais privados com ou sem fins lucrativos, localizados em Brasília (a cidade - Plano Piloto -, como já foi explicitado), com serviços de alta complexidade, de médio ou pequeno porte e do tipo geral.
Como já foi descrito por vários autores, as responsáveis por este estudo também observaram que a idade avançada é um dos principais fatores associados ao óbito hospitalar, ainda que em modelos ajustados.1,2,4,5 Segundo Travassos e colaboradores,2 a idade tem sido utilizada como uma das variáveis de controle da gravidade do paciente, pois existe uma clara associação entre a idade e o risco de morte e a idade pode ter um efeito independente dos outros atributos do paciente no risco de morrer. Aqui, pacientes na idade de 60 anos e mais apresentaram taxa de mortalidade hospitalar de 10,2%, marcadamente superior às TMH de todas as demais categorias, mesmo em relação à categoria imediatamente anterior de idade (30-59 anos, cujo risco foi de 4,1%). Gomes e colaboradores4 também obtiveram resultados semelhantes, ao estudar internações realizadas no estado do Rio Grande do Sul, e relatam o esperado: os idosos apresentam uma condição biológica mais frágil que os indivíduos mais jovens. Além disso, pacientes idosos tendem a apresentar problemas mais crônicos e graves, o que pode aumentar as taxas de mortalidade.5
Com referência à variável sexo, a maior chance de óbito hospitalar foi constatada em homens (0R=1,14) quando comparada à das mulheres, resultado que concorda com aquele obtido por Gomes e colaboradores:4 OR de 1,17, ainda que variáveis de ajuste tenham sido ligeiramente distintas. Souza e colaboradores9 estudaram o risco de mortalidade após fratura proximal de fêmur em um hospital universitário do Rio de Janeiro, entre 1995 e 2000. Nesse estudo, o sexo não demonstrou associação estatisticamente significativa, embora o autor cite que várias pesquisas tenham encontrado maior TMH em homens. Da mesma forma, Amaral e colaboradores,5 ao estudarem internações de pacientes na idade de 60 anos ou mais, em quatro unidades hospitalares do Rio de Janeiro, não observaram diferenças significativas na mortalidade hospitalar segundo sexo. Diferenças metodológicas importantes entre estes últimos estudos e o presente podem explicar os resultados divergentes em relação ao papel da variável 'sexo' associada à chance de óbito hospitalar.
A TMH de pacientes residentes em cidades do Entorno do DF foi superior quando comparada à de pacientes residentes no DF. Provavelmente esses pacientes, além de apresentarem nível socioeconômico inferior, em média, ao do DF, enfrentam a precariedade de acesso à Saúde na região do Entorno, em termos quantitativos e qualitativos (ausência de especialidades), o que pode determinar demoras relevantes para um diagnóstico e tratamento oportunos, aumentando a probabilidade de evolução para óbito. O Entorno do DF é um território com extremas desigualdades sociais, econômicas e sanitárias,10 e embora seja objeto de diversas iniciativas de desenvolvimento da economia, pouco avançou na melhora da estrutura e na gestão de serviços na área da Saúde.11
Quanto ao grupo do diagnóstico principal, maior TMH foi constatada para pacientes internados devido a doenças do aparelho circulatório (8,8%), seguidos de pacientes de neoplasias (6,8%) e de doenças infecciosas e parasitárias (6,6%). Em modelos ajustados por sexo, idade e demais características selecionadas, os grupos que apresentaram maior excesso de mortalidade (em comparação às causas do aparelho geniturinário) foram: algumas afecções originadas no período perinatal (OR=6,49); doenças infecciosas e parasitárias (OR=4,41); e sintomas, sinais e achados anormais (OR=3,04). Gomes e colaboradores,4 enquanto estudaram óbitos hospitalares no Rio Grande do Sul, observaram maior TMH para os sinais e sintomas anormais - causas mal definidas (13,8%). Para esse capítulo da CID-10, o presente trabalho encontrou uma TMH de 3,9%, também inferior àquela observada por Amaral,5 de 16,9%. Melo e colaboradores12 analisaram óbitos por infarto na população de residentes do município do Rio de Janeiro-RJ e concluíram que os óbitos por causas mal definidas apontam para deficiências tanto no acesso aos serviços de saúde como na qualidade da atenção prestada, além de esses serviços, supostamente, produzirem resultados pouco esperados quanto ao objeto do estudo. Porém, na pesquisa em tela, a proporção de óbitos hospitalares por causas mal definidas foi relativamente baixa e pouco poderia interferir nos achados descritos.
Verificou-se que o tempo maior de permanência do paciente no hospital, particularmente na UTI, aumenta o risco de óbito hospitalar. Para cada dia a mais de internação no hospital e na UTI, o modelo final estimou incrementos na chance de morte hospitalar de 1,0 e de 4,0%, respectivamente. Diversos autores, entre eles Noronha e colaboradores,6 Evangelista e colaboradores,13 Gomes e colaboradores4 e Dias e colaboradores,14 também encontraram associação positiva entre TMH e uso de UTI. Trata-se de resultados esperados, uma vez que pacientes mais graves necessitam de tecnologias mais complexas, demandando maior tempo de internação hospitalar e uso mais prolongado de UTI, além do que, por sua condição de base (anterior), possuem maior probabilidade de morte durante o período de internação.4
De maneira semelhante, a taxa de mortalidade hospitalar dos pacientes que tiveram forma de entrada no hospital pela urgência foi, aproximadamente, duas vezes maior que a TMH dos que entraram de modo eletivo. Estes achados corroboram os dados obtidos por Gomes e colaboradores4 e Dias e colaboradores14 Conforme o esperado, pacientes internados em caráter de urgência apresentam, geralmente, maior gravidade do estado de saúde no momento da internação, comparativamente aos pacientes eletivos, o que deve colaborar para sua maior TMH.
Outra variável que merece ser destacada refere-se à especialidade de internação. A chance de óbito hospitalar entre pacientes atendidos na especialidade de doenças crônicas foi 108,2 vezes aquela dos pacientes da pediatria, ainda que ajustada a idade, sexo e demais variáveis incluídas na análise. Entre pacientes atendidos na clínica médica, a chance de óbito hospitalar foi 2,6 vezes a do grupo de comparação (clínica pediátrica). Dias e colaboradores,14 ao estudarem resultados adversos e óbitos referentes a internações de pacientes adultos nas clínicas médica e cirúrgica financiadas pelo SUS, identificaram uma proporção de óbitos na clínica médica maior, comparada à proporção correspondente na clínica cirúrgica, assim como na admissão de urgência e emergência e no perfil etário, com mais idosos.14 Entretanto, mesmo quando ajustados por essas variáveis explicativas, a maior chance de óbito na clínica médica persiste quando comparada à clínica cirúrgica, tanto no presente estudo quanto nos resultados relatados por Dias e colaboradores14 A análise das associações entre as características do hospital e a chance de óbito hospitalar, ajustada pelo perfil do paciente e da internação, auxilia a reflexão sobre fatores externos (tais como a estrutura da instituição) que possam estar associados ao desfecho da internação. Nesse sentido, foi observado que hospitais gerais, de natureza privada, localizados em Brasília, com serviço de alta complexidade, de médio ou pequeno porte, estiveram associados a maior chance de óbito hospitalar, ainda que controladas as demais variáveis de análise selecionadas.
Um fato que chama a atenção neste estudo diz respeito à relação entre chance de óbito hospitalar e natureza do hospital onde ocorreram as internações pelo SUS. Observou-se que o maior percentual de óbitos em pacientes SUS ocorreu nos hospitais privados com fins lucrativos, onde foram poucas as internações (1.530), porém com alta TMH (27,6%). Tal constatação pode ser atribuída tanto a um longo período de espera por decisões judiciais - capazes de afetar, consideravelmente, a gravidade da doença -, como a condições prévias - e já demasiado graves - que impediram a priorização de atendimento nas vagas destinadas ao SUS. Essas observações discordam daquelas obtidas por Gomes e colaboradores,4 que encontraram taxa de mortalidade superior nos hospitais da rede pública (7,19%) quando comparada à TMH em comparação com os hospitais privados (6,04%), em atendimentos SUS no Rio Grande do Sul (OR ajustado=1,6). Da mesma forma, Evangelista e colaboradores,13 ao estudarem óbitos por doenças isquêmicas do coração em Belo Horizonte-MG, encontraram maior chance de evolução para óbito em hospitais públicos (OR=3,82). É possível que essa situação seja inerente às características próprias do Estado em foco, tais como normas de regulação de vagas, agilidade da Justiça em emitir medidas judiciais, ou ainda, características próprias dos hospitais da rede pública como, por exemplo, a existência de maior número de leitos de UTI.
Também é importante considerar, sobre a localização do hospital no âmbito do DF, que o risco de óbito nos hospitais das demais cidades do DF é quase duas vezes o risco de óbito nos hospitais situados no Plano Piloto, como é distinguida a capital. Acredita-se que esse fato pode ter ocorrido em função do direcionamento de pacientes em estado mais grave para Brasília, tendo em vista o maior nível tecnológico e melhor infraestrutura de seus hospitais.
Quanto ao porte do hospital, os resultados sobre o Distrito Federal descritos aqui diferenciam de alguns achados de Gomes e colaboradores4 sobre o Rio Grande do Sul. No DF, observou-se maior chance de óbitos nos hospitais de médio porte (8,0%), seguidos dos de grande porte (3,8%) e de pequeno porte (0,0%). De maneira semelhante, ainda sobre o estudo de Gomes e colabs.,4 foi nos hospitais de pequeno porte onde se observou menor risco de óbito hospitalar (3,1%). Não obstante, no Rio Grande do Sul, os hospitais de grande porte (7,6%) apresentaram risco de morte maior que os de médio porte (5,5%), resultado oposto ao encontrado aqui, para o DF: 3,8 e 8,0% nos hospitais de grande e médio porte, respectivamente. Diferenças na clientela, nas causas de internação e no perfil das instituições segundo níveis de complexidade podem explicar os resultados distintos encontrados nesses estudos, como também justificar o menor risco de morte hospitalar em pequenos hospitais. São achados a merecer melhor análise futura. Da mesma forma, hospitais não especializados e com atendimento de alta complexidade, provavelmente devido ao perfil de sua clientela e aos encaminhamentos recebidos, apresentaram maiores riscos de morte hospitalar nesta análise cujo objeto foi o DF. Os hospitais que apresentam serviços de alta complexidade possuem vocação para receber encaminhamentos de pacientes de alto risco, provenientes de outros serviços de saúde com menor capacidade tecnológica. Vale ressaltar, todavia, que entre os hospitais especializados sob esta análise, a maioria envolve clientela de baixo risco de morte, como é o caso dos hospitais oftalmológicos e de reabilitação. Estes fatos justificariam, em parte, os achados descritos anteriormente.
As bases de dados do SIH/SUS apresentam algumas imperfeições em relação ao preenchimento das variáveis (ex: escolaridade) e à inexistência de variáveis relevantes, o que limita a capacidade analítica dos estudos. Por exemplo, o índice Charlson,15 da mesma forma que outros índices semelhantes de ajustes de co-morbidades,16 poderia ter auxiliado na melhor discriminação dos fatores associados à chance de óbito hospitalar e melhor ajuste para a gravidade da causa da internação. Além disso, não se pode descartar a possibilidade de erros (intencionais ou não) referentes às causas de internação e às causas básicas dos óbitos. São limitações que merecem ser avaliadas em estudos específicos com esse propósito. Ainda assim, neste estudo em particular, a coerência dos resultados encontrados permite demonstrar a utilidade dos dados disponíveis no SIH/SUS e no CNES para a análise dos fatores associados à chance de óbito hospitalar. Resultados que poderão orientar estudos futuros e intervenções no sentido do aprimoramento do desempenho dos serviços hospitalares no Distrito Federal.
Agradecimentos
Os autores agradecem a colaboração de Alexandre Xavier Ywata de Carvalho, estatístico do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas - IPEA - na formatação, definição de variáveis de análise e análise de consistência do banco de dados.
Contribuição das autoras
Junqueira RMP participou da concepção, delineamento metodológico, análise dos dados e redação do manuscrito.
Duarte EC participou do delineamento metodológico, análise dos dados e revisão do manuscrito.
Ambas as autoras revisaram e aprovaram a redação final do artigo.
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Endereço para correspondência:
SQN 211, Bloco C, apto. 109,
Brasília-DF, Brasil.
CEP:70863-030
E-mail: rozania@unb.br
Recebido em 29/08/2012
Aprovado em 27/11/2012
*Este trabalho apresenta resultados parciais da dissertação de mestrado da primeira autora - Rozania Maria Pereira Junqueira -, defendida no programa de Mestrado em Ciências Médicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), em Brasília-DF, Brasil.