SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.22 número1Reprodutibilidade e validade de um questionário de avaliação do nível de atividade física e comportamento sedentário de escolares de 10 a 13 anos de idade, Distrito Federal, Brasil, 2012Cobertura vacinal infantil em um serviço filantrópico de atenção primária à saúde do município de São Paulo, estado de São Paulo, Brasil, em 2010 índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

  • No hay articulos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.22 n.1 Brasília mar. 2013

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000100013 

ARTIGO ORIGINAL

 

Teste do etilômetro e opinião sobre a Operação Lei Seca em amostra de motoristas abordados na cidade do Rio de Janeiro-RJ, 2010 - estudo transversal*

 

Breathalyzer test and opinions about Operation Dry Law in a sample of drivers stopped in Rio de Janeiro/RJ, 2010 - a cross-sectional study

 

 

Rafael Tavares JomarI; Ângela Maria Mendes AbreuII; Mariana Marcovistz LausII

IInstituto Nacional de Câncer, Ministério da Saúde, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
IIUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro-RJ, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever a frequência do uso de bebida alcoólica entre condutores de veículos automotores abordados pela Operação Lei Seca na cidade do Rio de Janeiro-RJ, Brasil, e conhecer a opinião deles sobre a operação.
MÉTODOS: estudo transversal, realizado entre julho e agosto de 2010, com amostra não probabilística de 362 condutores que responderam a um questionário com informações sociodemográficas sobre uso de bebida alcoólica e opinião sobre a Operação Lei Seca, além de submeterem-se ao teste do etilômetro.
RESULTADOS: 90% dos condutores da amostra ficaram satisfeitos com a abordagem, afirmando acreditar que a Operação Lei Seca contribui para a Segurança Pública; 3,1% daqueles submetidos ao teste do etilômetro apresentaram resultado positivo, todos do sexo masculino.
CONCLUSÃO: a frequência de consumo de bebida alcoólica antes da condução de veículos automotores foi baixa e as ações de fiscalização da Operação Lei Seca podem ter contribuído para isso.

Palavras-chave: Condução de Veículo; Consumo de Bebidas Alcoólicas; Prevenção de Acidentes; Acidentes de Trânsito; Estudos Transversais.


ABSTRACT

OBJETIVE: to describe the frequency of alcohol use among motor vehicle drivers stopped by Operation Dry Law in Rio de Janeiro, Brazil, and to learn their opinions about it.
METHODS: cross-sectional study conducted between July and August 2010 with a non-probabilistic sample of362 drivers who answered a socio-demographic questionnaire about alcohol use and opinions about Operation Dry Law, as well as undergoing a breathalyzer test.
RESULTS: 90% of drivers in the sample were satisfied with the law enforcement approach, stating they believed that Operation Dry Law contributes to public safety. 3.1% of those undergoing breathalyzer tested positive, all of whom were males.
CONCLUSION: the frequency of alcohol consumption prior to driving motor vehicles was low. Operation Dry Law enforcement actions may have contributed to this.

Key words: Automobile Driving; Alcohol Drinking; Accident Prevention; Accidents, Traffic; Cross-Sectional Studies.


 

 

Introdução

Os acidentes de trânsito configuram-se como importante problema de Saúde Pública. Estima-se que anualmente, 1,2 milhões de pessoas morram e outras 50 milhões fiquem feridas em decorrência desse tipo de acidente no planeta. Vale ressaltar que mais de 90% dessas mortes ocorrem nos países em desenvolvimento.1-2

Diversos estudos apontam o consumo de bebida alcoólica como um dos principais fatores que contribuem para o acontecimento desses acidentes, pois entre um quarto e metade de suas vítimas fatais apresenta evidências do consumo dessa substância antes da ocorrência do evento.1-5 Sob efeito do álcool, a probabilidade de um indivíduo ser vítima fatal em um acidente é sete vezes maior do que a de uma pessoa sóbria.6-7

Diante disso, o Brasil promulgou a Lei no 11.705, de 19 de junho de 2008, batizada de Lei Seca,8 que trata da proibição do consumo de bebida alcoólica por condutor de veículo automotor. A identificação de qualquer concentração de álcool por litro no sangue sujeita o condutor do veículo a penalidades como multa, suspensão do direito de dirigir e apreensão do veículo. Essa regulamentação pode classificar a infração como crime, com pena de reclusão quando a alcoolemia for ≥0,6g/l (ou 0,3mg de álcool por litro de ar expelido dos pulmões no teste do etilômetro).8

Condutores de veículo automotor flagrados sob efeito de álcool (com até 0,29mg de álcool por litro de ar expelido dos pulmões) devem ser enquadrados no artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB)9 por cometerem infração gravíssima (perda de sete pontos na Carteira Nacional de Habilitação - CNH), com penalidade de multa (R$957,69) e suspensão do direito de dirigir por 12 meses. Já o condutor que atinge ou ultrapassa o limite de 0,3mg de álcool por litro de ar expelido dos pulmões comete crime de trânsito, pelo artigo 306 do CTB,9 que prevê penas de detenção de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.8-9

Considerando-se que uma dose de bebida alcoólica (uma lata de cerveja, uma taça de vinho ou meio copo de uísque) corresponde a aproximadamente 12g de álcool, um adulto médio (homem de 70kg ou mulher de 62kg, em bom estado de saúde), ao consumir duas doses, atingirá uma alcoolemia em torno de 0,3-0,5g/l Nesta situação, além de sujeitar-se às penalidades previstas no CTB9 e na Lei Seca,8 o risco de envolvimento em um acidente fatal é 2,6 a 4,6 vezes maior que o de um condutor sóbrio.10

Em países vizinhos como Argentina, Venezuela e Uruguai, o limite de álcool no sangue permitido para condutores de veículo automotor fica entre 0,5 e 0,8g/l. Já nos Estados Unidos da América, esse limite é definido de acordo com cada Estado, entre 0,1 e 0,8g/l. Países nórdicos, como Suécia e Noruega, igualam-se à tolerância determinada pelo Brasil. Os que aparecem como menos tolerantes são nações do Leste Europeu, como Romênia e Hungria, onde o limite é zero.1-2

Desde março de 2009, o Governo do Estado do Rio de Janeiro realiza a Operação Lei Seca com o intuito de diminuir a morbimortalidade no trânsito e alertar a população sobre os riscos da combinação de bebida alcoólica com a direção de veículo automotor, abordando, em vias públicas de tráfego intenso, centenas de motoristas na capital do Estado, Região Metropolitana e Baixada Fluminense, principalmente nos finais de semana.11

A abordagem da Operação Lei Seca está estruturada em dois pilares: fiscalização e educação. Com caráter não apenas punitivo mas também educativo, os agentes envolvidos na abordagem, além de serem responsáveis pelos procedimentos de fiscalização do atendimento às normas constantes no CTB9 e na Lei Seca,8 transmitem aos motoristas conhecimentos sobre a Legislação de trânsito enfocados em um comportamento responsável e seguro.11

Este estudo teve como objetivo descrever a frequência do uso de bebida alcoólica revelado pelo teste do etilômetro entre condutores de veículo automotor abordados pela Operação Lei Seca na cidade do Rio de Janeiro-RJ, Brasil, e conhecer a opinião deles sobre essa operação.

 

Métodos

Estudo transversal desenvolvido com uma amostra não probabilística de 362 condutores de veículo automotor abordados pela Operação Lei Seca enquanto trafegavam por vias públicas selecionadas, de tráfego intenso, das zonas sul e oeste da cidade do Rio de Janeiro-RJ, Brasil, entre 22 e 3 horas das noites de sextas-feiras, sábados e domingos, dos meses de julho e agosto de 2010.

A abordagem e atendimento dos condutores pela Operação Lei Seca foi realizada por equipe devidamente equipada e identificada, composta por agentes da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, do Departamento de Trânsito (Detran) do Estado e por voluntários cadeirantes, vítimas de acidentes de trânsito em que o binômio álcool e direção esteve presente.

A escolha do veículo a ser interceptado não foi sistemática, sendo realizada arbitrária e exclusivamente pelos policiais militares. Ao abordar o condutor do veículo, o policial militar informava as alterações ocorridas no CTB9 à luz da Lei Seca8 e solicitava sua documentação (Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo e CNH) para que o agente do Detran pudesse avaliá-la na barraca de atendimento; e, caso fosse necessário, tomar as medidas administrativas previstas para o caso.

Chegando à barraca de atendimento, o condutor, se concordasse, era submetido ao teste do etilômetro (bafômetro) e se o resultado fosse negativo, ou seja, não houvesse registro de qualquer teor de álcool expelido pelos alvéolos pulmonares, o condutor era liberado. Aquele que fosse flagrado sob efeito de álcool era enquadrado pelo CTB9 e pela Lei Seca8 e tinha seu veículo retido até a apresentação de outro condutor habilitado, em condições de dirigi-lo.

Após o atendimento na barraca, um entrevistador, devidamente treinado para a coleta de dados, abordava o condutor informando-o sobre a natureza e os objetivos da pesquisa, sua participação voluntária, além de ler o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Foram abordados 393 condutores, sendo que 362 (92%) aceitaram participar da pesquisa ao assinarem o TCLE, em duas vias, e então responderem a um questionário de perguntas enunciadas pelo entrevistador, o qual, por sua vez, marcava as respostas e o resultado do teste do etilômetro. Os indivíduos foram entrevistados em local reservado da barraca de atendimento, sem a presença de terceiros.

Para coleta dos dados, utilizou-se um formulário contemplando as seguintes variáveis: sexo (masculino e feminino); faixa etária (18-19, 20-39, 40-59, ≥60 anos); situação conjugal (casado, solteiro, divorciado, viúvo); escolaridade (ensino fundamental, médio, superior); renda mensal (1-3, 4-6, 7-10, >10 salários mínimos e sem renda); informações sobre o uso de bebida alcoólica (sim ou não). O formulário ainda incluiu opiniões do entrevistado sobre a Operação Lei Seca: abordagem inicial (muito boa, boa, regular, ruim); atendimento na barraca (muito bom, bom, regular, ruim); e se a Operação Lei Seca contribui para a Segurança Pública (sim ou não).

A concentração alcoólica foi medida utilizando-se etilômetro portátil, modelo ALC SMART-BFD-30. Considerou-se usuário de bebida alcoólica o indivíduo que respondeu consumir essa substância, independentemente da frequência de uso e quantidade habitualmente ingerida.

Na fase analítica dos dados, promoveu-se a revisão e codificação das questões foram realizadas. Em seguida, as informações contidas no instrumento de coleta foram digitadas no software Epi Info versão 3.5.1, pelo qual foram realizadas as análises uni-variadas com distribuição de frequências simples para a descrição da amostra e sua opinião sobre a Operação Lei Seca.

Análises bivariadas também foram realizadas com o objetivo de verificar eventuais associações entre os resultados do teste do etilômetro e as variáveis sexo e faixa etária, respectivamente baseadas no teste do qui-quadrado de Pearson e no teste exato de Fisher, com nível de significância de 0,05.

A condução deste estudo foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery/Hospital Escola São Francisco de Assis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob o Protocolo no 062/2010.

 

Resultados

A amostra teve predominância masculina - quatro homens (80,4%) para cada mulher - e concentração na faixa etária de 20 a 39 anos (65,7%), em sua maioria solteiros (58%), com nível de escolaridade superior (67,4%) e renda mensal superior a dez salários mínimos (22,9%), usuários de bebida alcoólica (61,9%) (Tabela 1).

 

 

Dos 362 condutores de veículo automotor participantes da pesquisa, 358 (98,9%) aceitaram submeter-se ao teste do etilômetro. Destes, 11 (3,1%) apresentaram positividade no teste, todos do sexo masculino (p<0,001). Logo, os homens da amostra foram mais propensos a apresentar resultado positivo no teste do etilômetro que as mulheres (Tabela 2).

 

 

Dos 11 indivíduos que apresentaram positividade no teste do etilômetro, em 4 a concentração alcoólica foi ;0,3mg de álcool por litro (mg/l) de ar expelido dos pulmões. Independentemente da concentração alcoólica evidenciada, maiores proporções foram encontradas nos indivíduos com idade ≥40 anos (Tabela 3).

 

 

Quanto às opiniões dos condutores de veículo automotor participantes desta pesquisa sobre a Operação Lei Seca, 46,9% deles consideraram muito boa a abordagem inicial feita pelos policiais militares, 46,7% consideraram bom o atendimento na barraca feito pelos agentes do Detran e 92,3% afirmaram acreditar que a operação contribui para a Segurança Pública (Tabela 4).

 

 

 

Discussão

O presente estudo indica que quase todos os condutores de veículo automotor da amostra abordados pela Operação Lei Seca na cidade do Rio de Janeiro-RJ ficaram satisfeitos com a abordagem e atendimento, afirmando acreditar que ela contribui para a Segurança Pública; e 3,1% daqueles submetidos ao teste do etilômetro apresentaram resultado positivo, sendo todos do sexo masculino. Os homens de nossa amostra foram mais propensos que as mulheres, para apresentar positividade.

No que tange ao comportamento de dirigir veículo motorizado após o consumo de bebida alcoólica, evidenciado pelo teste do etilômetro, os resultados do presente estudo corroboram aqueles encontrados pelo Vigitel Brasil 2011 na cidade do Rio de Janeiro-RJ: 3,1%, igualmente - e independentemente da quantidade de bebida consumida e da frequência de ocorrência dessa prática. Vale ressaltar que entre os indivíduos de sexo masculino entrevistados pelo Vigitel Brasil 2011 na cidade, 5,8% afirmaram já ter conduzido veículo automotor sob efeito do álcool.12

Em Vitória, Espírito Santo, Brasil, encontrou-se elevada frequência (24,4%) de alcoolemia positiva entre condutores de veículo automotor que trafegavam durante as horas noturnas, nas principais vias de tráfego intenso da cidade. A maioria desses motoristas era do sexo masculino (82%) e quase metade (43,7%) era de adultos jovens.13 Vale ressaltar que tal estudo foi realizado entre os anos de 2005 e 2006, antes da promulgação da Lei Seca.8

O perfil de condutores de veículo automotor desta pesquisa que apresentaram positividade no teste do etilômetro é semelhante ao perfil de vítimas fatais de acidentes de trânsito com alcoolemia positiva:4,7 adultos jovens do sexo masculino. A mortalidade por acidentes de trânsito é evitável. Portanto, ao combinarem-se aspectos de educação e cidadania na elaboração de estratégias para toda a população, que visem desde mudança de comportamento de motoristas (especialmente os jovens do sexo masculino) e pedestres até aquelas voltadas às questões de infraestrutura das vias públicas, será possível colaborar com a redução do número de vítimas fatais no trânsito.

Estudo comparativo da conduta de beber e dirigir na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, no período de 2005 a 2009, ao avaliar o impacto da Lei Seca,8 observou, passados poucos meses após a promulgação da referida Lei, uma queda de pouco menos de 50%, em média, no comportamento de dirigir sob efeito de álcool. A prevalência desse comportamento reduziu-se de 37,5% em 2007 para 19,4% em 2008.14

Em 2009, com a repetição da pesquisa, verificou-se que houve manutenção e até mesmo um aprofundamento da mudança de comportamento de beber e dirigir (16,6%) em Belo Horizonte-MG. A significativa queda na frequência dessa conduta permitiu a avaliação dos autores do estudo de que o impacto da Lei Seca8 foi bastante expressivo no sentido de modificar tal comportamento, especialmente quando se percebe que a queda do índice foi ainda maior depois de transcorridos 12 meses de sua promulgação.14

Estudo que comparou o risco de morte por acidentes de trânsito antes e depois da promulgação da Lei Seca8 permitiu identificar uma redução significativa - de 7,4% - na taxa padronizada de mortalidade por acidentes de trânsito no Brasil, que passou de 18,7 por 100 mil habitantes para 17,3/100 mil hab. Essa redução também foi estatisticamente significativa no Estado do Rio de Janeiro (32,5%). Considerando-se apenas os óbitos na população masculina, as reduções estatisticamente significativas no risco de morte por acidentes de trânsito foram identificadas no Estado do Rio de Janeiro (33,2%), com destaque para a cidade do Rio de Janeiro-RJ (58,1%) e a população masculina residente nela (64,4%).15

Estudo realizado no Instituto Médico Legal do Rio de Janeiro-RJ, que comparou a mortalidade por acidentes de trânsito nesta cidade antes e após a promulgação da Lei Seca,8 evidenciou uma queda de 12,9% na mortalidade por essa causa.16

Diante dos resultados deste e de outros estudos, parece que a promulgação da Lei Seca,8 bem como suas ações de fiscalização, também representadas pela Operação Lei Seca, têm influenciado positivamente o comportamento de beber e dirigir dos condutores na cidade do Rio de Janeiro-RJ, que já apresenta frequências menores12 e tendência declinante do risco de morte15 e mortalidade16 por acidentes de trânsito, quando comparadas às de outras cidades brasileiras.12,14-15

É importante frisar a existência de uma limitação na interpretação da tendência declinante do risco de morte por acidentes de trânsito encontrada no Rio de Janeiro (Estado e capital), onde vários óbitos por esta causa são codificados como causas externas de intenção indeterminada, enquanto aguardam o esclarecimento da investigação.15 Contudo, as prováveis insuficiências de cobertura e qualidade dos sistemas de informações utilizados pelo estudo não sofreram alterações bruscas nos períodos consultados, que fossem capazes de introduzir viés de comparação na pesquisa.15

Entre os condutores da amostra deste estudo, 92,3% afirmaram acreditar que a Operação Lei Seca contribui para a Segurança Pública. Tal opinião parece corroborar as evidências indicativas de que o rigor na aplicação de penalidades é efetivo para coibir a conduta de beber e dirigir, o que, aliado à certeza da punibilidade, pode representar um efetivo instrumento de transformação dessa realidade, enfatizando a necessidade de fiscalização contínua. Portanto a imposição pela Legislação de trânsito de limites ao teor de álcool permitido no sangue dos motoristas - medida já aplicada em vários países - é eficaz na prevenção da associação entre álcool e direção.14

Entretanto, tal imposição não deve ser a única medida adotada. Segundo a Organização Mundial da Saúde,2 outras medidas devem-se somar a ela: o monitoramento por meio de pesquisa (randomizada e com teste do etilômetro); a contínua fiscalização pelas autoridades de trânsito (principalmente nos horários e locais mais prevalentes); a ágil aplicação das medidas punitivas; restrições maiores para motoristas novatos; e a instalação de sistemas de bloqueio da ignição dos veículos em caso de etilômetro positivo.

Logo, no motorista que se encontra dirigindo sob efeito de álcool, deve crescer o sentimento de que ele pode ser apanhado e que sua punição virá rapidamente, não só no aspecto pecuniário como também penal. Espera-se, com a adoção dessas medidas, o estabelecimento de um sistema eficiente de controle e redução do comportamento de beber e dirigir, favorecendo o surgimento de uma cultura de sobriedade no trânsito.14

Quatro dos 11 condutores da amostra em que o teste do etilômetro foi positivo apresentaram concentração ≥0,3 mg/l de álcool no ar expelido dos pulmões, frequência bastante elevada. O que significa que cometeram crime de trânsito, sendo, então, tomadas as medidas cabíveis para esses casos, pelos agentes da Operação Lei Seca.

Em estudo anterior à promulgação da Lei Seca,8 realizado com jovens que consumiam bebidas alcoólicas em postos de gasolina de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, a prevalência de alcoolemia ≥0,3mg/l de ar expelido dos pulmões foi alta, e quase metade dos homens (46,9%) e mais de 1/3 (32,3%) dos indivíduos com alcoolemia ≥0,3 mg/l pretendia dirigir nas duas horas subsequentes à entrevista.6

É importante ressaltar que a concentração de álcool no sangue (CAS) produz diversas alterações neuromotoras, segundo diferentes concentrações:

 

 

Produz diminuição da atenção, falsa percepção da velocidade, euforia e dificuldade de discernir espacialmente distintas luminosidades;

 

 

Produz aumento do tempo de reação e sonolência; e

 

 

Produz redução da visão periférica, diminuição da luminosidade, pior desempenho da visão e pior desempenho como um todo.17

Nesta amostra, 61,9% dos condutores de veículo automotor informaram fazer uso de bebida alcoólica. Tais resultados são semelhantes aos encontrados no I Levantamento Nacional sobre os Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira,18 que apontou 52% dos brasileiros passíveis de serem classificados como consumidores de bebida alcoólica, praticamente a metade deles (27%) fazendo uso ocasional ou raramente, e a outra metade (25%) fazendo uso de álcool pelo menos uma vez por semana. Por ser socialmente aceito e até mesmo estimulado, o consumo de bebida alcoólica configura-se como um hábito bastante difundido na maioria dos países, seja pela obtenção de efeitos prazerosos, promoção do convívio social ou sensação de liberdade.15

Apontam-se como limitações deste estudo, primeiramente, a amostra ser do tipo não probabilística, o que impede fazer generalizações sobre seus resultados. Uma segunda limitação encontrada residiu na escolha - não sistemática e arbitrária - dos condutores de veículo automotor interceptados, provavelmente influenciada pelo olhar treinado de policiais militares acostumados a abordar "veículos suspeitos", refletida na elevada proporção de participantes do sexo masculino (80,4%). Ademais, a falta de avaliação sobre a sensibilidade e especificidade do etilômetro pode ser apontada como outra limitação encontrada pelos autores do presente estudo.

Acredita-se, também, que a frequência de alcoolemia positiva pudesse ser um pouco maior que a encontrada, se aqueles que se negaram a submeter-se ao teste do etilômetro estivessem sob efeito do álcool. Com as ferramentas disponíveis nas redes sociais e outros meios pelos quais os condutores podem obter informações sobre os locais de realização da Operação Lei Seca, indivíduos que dirigissem após consumir bebida alcoólica poderiam ter mudado seu trajeto, utilizado outro meio de transporte ou até mesmo pedido para uma pessoa sóbria conduzir seu veículo. Isso também pode ter subestimado a frequência de alcoolemia entre os condutores abordados.

Diante dos resultados deste estudo, é importante enfatizar a manutenção e ampliação de medidas de fiscalização, como a Operação Lei Seca, além de campanhas educativas sistemáticas e programas bem elaborados, baseados nas Leis de trânsito, com o objetivo de reforçar o comportamento dos condutores de veículo automotor no sentido de não consumirem bebidas alcoólicas antes de dirigir. Espera-se que essas ações, somadas à aplicação de medidas punitivas, colaborem para uma tendência cada vez mais declinante das estatísticas de risco de morte e mortalidade por acidentes de trânsito na cidade do Rio de Janeiro-RJ, como em todo o Brasil.

Recentemente, em 20 de dezembro de 2012, o Brasil promulgou a Lei 12.760,19 que torna a Lei Seca8 mais rígida com base em três mudanças: imposição de tolerância zero ao motorista que ingeriu bebida alcoólica; aumento do valor da multa; e admissão do uso de vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova da embriaguez. Estes autores acreditam que essas mudanças na Legislação contribuirão para a redução do número de acidentes de trânsito e, consequentemente, do número de mortes e sequelas advindas deles, uma vez que o limite anterior da alcoolemia para direção de veículo automotor no Brasil correspondia ao limite mínimo em que o risco relativo de acidentes fatais se torna significativamente maior, comparado a alcoolemias iguais a zero ou inferiores a 0,2g/l, independentemente da idade do motorista.20

 

Contribuição dos autores

Jomar RT participou da análise e interpretação dos dados e da redação do conteúdo do manuscrito.

Abreu AMM participou da concepção e delineamento do estudo e da revisão crítica do conteúdo intelectual do manuscrito.

Laus MM participou da coleta, análise e interpretação dos dados.

Todos os autores participaram da revisão da versão final do manuscrito.

 

Referências

1. World Health Organization. Global status report on road safety. Time for action. Geneva: World Health Organization; 2009.

2. World Health Organization. Drinking and driving: a road safety manual for decision-makers and practitioners. Geneva: Global Road Safety Partnership; 2007.

3. Organización Panamericana de la Salud. Primera semana mundial de las Naciones Unidas sobre la seguridad vial. Manual para la organización de actividades. Washington: Organización Panamericana de la Salud; 2007.

4. Abreu AMM, Lima JMB, Griep RH. Acidentes de trânsito e a frequência dos exames de alcoolemia com vítimas fatais na cidade do Rio de Janeiro. Escola Anna Nery. 2009; 13(1):44-50.

5. Pinsky I, Pavarino Filho RV. A apologia do consumo de bebidas alcoólicas e da velocidade no Brasil: considerações sobre a propaganda de dois problemas de saúde pública. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul. 2007; 29(1):110-18.

6. De Boni R, Benzano D, Leukefeld CF Uso de bebidas alcoólicas em postos de gasolina de Porto Alegre: estudo piloto. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul. 2008; 30(1):65-68.

7. Modelli MES, Pratesi R, Tauil PL. Blood alcohol concentration in fatal traffic accidents in the Federal District, Brazil. Revista de Saúde Pública. 2008; 42(2): 350-352.

8. Brasil. Lei n. 11.705, de 19 de junho de 2008. Dispõe sobre o consumo de bebida alcoólica por condutor de veículo automotor e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, p. 33, 20 jun. 2008. Seção 1.

9. Brasil. Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. Diário Oficial da União, Brasília, p. 21, 24 set. 1997. Seção 1.

10. Heng K, Hargarten S, Layde P, Craven A, Zhu S. Moderate alcohol intake and motor vehicle crashes: the conflict between health advantage and at-risk use. Alcohol and Alcoholism. 2006; 41(4):451-454.

11. Governo do Estado do Rio de Janeiro. Portal da Operação Lei Seca [acessado em 07 nov. 2012]. Disponível em http://www.operacaoleisecarj.rj.gov.br

12. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigitel Brasil 2011: Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.

13. Domingues SC, Mendonça JB, Laranjeira R, Nakamura-Palacios EM. Drinking and driving: a decrease in executive frontal functions in young drivers with high blood alcohol concentration. Alcohol. 2009; 43(8):657-664.

14. Salgado RS, Campos VR, Duailibi S, Laranjeira RR. O impacto da "Lei Seca" sobre o beber e dirigir em Belo Horizonte/MG. Ciência & Saúde Coletiva. 2012; 17(4):971-976.

15. Malta DC, Soares Filho AM, Montenegro MMS, Mascarenhas MDM, Silva MMA, Lima CM et al. Análise da mortalidade por acidentes de transporte terrestre antes e após a Lei Seca - Brasil, 2007-2009. Epidemiologia e Serviços de Saúde. 2010; 19(4):317-328.

16. Abreu AMM, Jomar RT, Thomaz RGF, Guimarães RMG, Lima JMB, Figueiró RFS. Impacto da Lei Seca na mortalidade por acidentes de trânsito. Revista Enfermagem UERJ. 2012; 20(1):21-26.

17. Centers for Statistics and Analysis. Alcohol involvement in fatal crashes 2001. Washington: NHTSA; 2003.

18. Laranjeira R, Pinsky I, Zaleski M, Caetano R, organizadores. I Levantamento nacional sobre os padrões de consumo de álcool na população brasileira. Brasília: SENAD; 2007.

19. Brasil. Lei n. 12.760, de 20 de dezembro de 2012. Altera a Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro. Diário Oficial da União, Brasília, p. 1, 21 dez 2012. Seção 1.

20. Voas RB, Torres P, Romano E, Lacey JH. Alcohol-related risk of driver fatalities: an update using 2007 data. Journal of Studies on Alcohol and Drugs. 2012; 73(3):341-50.

 

 

Endereço para correspondência:
Rafael Tavares Jomar - Instituto Nacional de Câncer,
Praça Cruz Vermelha, 23, Centro,
Rio de Janeiro-RJ. Brasil.
CEP: 20230-130
E-mail: rafaeljomar@yahoo.com.br

Recebido em 20/11/2012
Aprovado em 18/03/2013

 

 

*Manuscrito originado do Trabalho de Conclusão de Curso de Mariana Marcovistz Laus, apresentado ao Curso de Graduação em Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2011.