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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.22 n.1 Brasília mar. 2013

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000100014 

ARTIGO ORIGINAL

 

Cobertura vacinal infantil em um serviço filantrópico de atenção primária à saúde do município de São Paulo, estado de São Paulo, Brasil, em 2010

 

Child vaccination coverage at a primary health care charity in Sao Paulo City, Sao Paulo State, Brazil, 2010

 

 

Carolina Luisa Alves BarbieriI; Caroline DiasI; Maria Aparecida Noronha dos SantosI; Maria Amélia S. M. VerasII; José Cássio de MoraesII; Marina Emiko Ivamoto PetlikI

IAmbulatório de Pediatria Social, Sociedade Beneficente de Senhoras do Hospital Sírio-Libanês, São Paulo-SP, Brasil
IIDepartamento de Medicina Social, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa, São Paulo-SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: estimar a cobertura vacinal infantil em um serviço filantrópico de atenção primária do município de São Paulo, estado de São Paulo, Brasil, em 2010.
MÉTODOS: estudo descritivo; foram analisadas as cadernetas de vacinação de 475 crianças até seis anos de idade.
RESULTADOS:
a proporção de crianças com esquema vacinal básico completo foi de 95,7%; decaiu para 81,8% na segunda dose da vacina contra sarampo, caxumba e rubéola; seu cumprimento na data correta variou de 34,9 a 88,4% para a primeira dose da vacina contra hepatite B; as coberturas vacinais estão acima das encontradas para doses aplicadas, registradas no Programa Nacional de Imunização, com exceção das vacinas contra tuberculose e contra sarampo, caxumba e rubéola.
CONCLUSÃO: a queda nos reforços e o cumprimento parcial nas datas preconizadas mostram a necessidade de ações específicas para alcançar a vacinação na data recomendada.

Palavras-chave: Cobertura Vacinal; Criança; Programas de Imunização; Serviços de Saúde da Criança; Vacinas.


ABSTRACT

OBJETIVE: to estimate vaccination coverage among children attending a primary health care charity service in Sao Paulo in 2010.
METHODS:
a descriptive study was conducted; the vaccination cards of 475 children aged under six were analyzed.
RESULTS:
95.7% of children completed the basic immunization schedule; this proportion dropped to 81.8% for the second dose of measles-mumps-rubella (MMR) vaccine. Receiving the second dose of hepatitis B vaccine on the expected date ranged from 34.9% to 88.4%. Vaccination coverage is higher than that found in the National Immunization Programme's database, except for tuberculosis and MMR vaccines.
CONCLUSION:
the drop in booster coverage and partial compliance with the recommended vaccination schedule show the need for specific actions to ensure vaccination on the recommended date.

Key words: Immunization Coverage; Child; Immunization Programs; Child Health Services; Vaccines.


 

 

Introdução

A vacinação é uma das medidas mais eficazes e de melhor custo-benefício na prevenção de doenças infecciosas imunopreveníveis.1,2

No Brasil, em 1973, foi instituído o Programa Nacional de Imunização (PNI), institucionalizado pela Lei no 6.259 em 30 de outubro de 1975, com objetivo de coordenar ações sistemáticas de vacinação em esfera nacional, intensificando as atividades de imunização no país.3,4 A política de imunização do Ministério da Saúde tem sido reconhecida nacional e internacionalmente, pelo grande êxito na fabricação de vacinas (produção doméstica de mais de 80,0% das vacinas e exportação de vacinas contra febre amarela e meningite), conferindo autonomia e sustentabilidade ao Programa, fornecimento gratuito e universal de grande quantidade de vacinas à população infanto-juvenil e alcance progressivo de elevadas coberturas vacinais, ainda que de forma heterogênea, conforme o nível socioeconômico da população e a região atendida.5-8

O Ministério da Saúde, seguindo orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS), considera adequada uma cobertura vacinal acima de 95,0% da população-alvo - a ser vacinada contra qualquer doença imunoprevenível - e estipulou, como meta, atingir 100,0% de crianças menores de um ano de idade com todas as vacinas do esquema vacinal básico.9

O conhecimento da cobertura vacinal da população, em especial da infantil, traz informações relevantes como a avaliação da efetividade e eficiência do PNI, a identificação de indivíduos e grupos susceptíveis e sob situações de vulnerabilidade. Esse conhecimento possibilita priorizar, para esses grupos, ações programáticas de prevenção e vigilância epidemiológica.10 O monitoramento da cobertura vacinal é realizado de forma sistemática e rotineira pelo PNI, por meio dos dados de produção, ou seja, a cobertura é estimada pelo número de doses de vacinas administradas nas salas de vacina sobre o denominador n - tamanho estimado da população-alvo.

Estudos de cobertura vacinal por inquérito domiciliar, que identificam a cobertura avaliando o status vacinal de cada criança - mediante amostra de residentes de diferentes áreas/regiões onde ele foi estipulado e cujo recorte baseia-se em dados populacionais - revelaram, de um modo geral, valores abaixo dos encontrados pelos dados de produção.5,6,10-12 Os inquéritos de cobertura vacinal se destacaram como importantes instrumentos para analisar, com grande precisão, a situação vacinal da população estudada, além de contribuírem para uma maior compreensão dos determinantes socioeconômicos associados à distribuição heterogênea da cobertura vacinal infantil e possibilitarem estimar os indivíduos susceptíveis e os fatores relacionados à equidade de acesso ao PNI. Apesar desses benefícios, essa metodologia é cara, demanda tempo e exige uma grande equipe para sua implementação.10

Em relação aos serviços de saúde, especificamente, a realização de inquéritos domiciliares adequadamente desenhados, que abranjam toda a população acolhida pelos serviços, encontra grande dificuldade. Para avaliação da cobertura vacinal, os serviços de atenção primária podem se utilizar de outras estratégias, além dos dados de doses aplicadas do PNI, que se aproximem aos inquéritos no que se refere à análise do status individual de cada criança. É pouco conhecida no país a cobertura vacinal de crianças assistidas nos serviços de saúde de atenção primária.13,14 Sobressaem na literatura científica estudos relacionando imunização e serviços de saúde, com ênfase na temática de oportunidade perdida de vacinação (OPV).15-17 Visando obter uma adequada cobertura vacinal das crianças assistidas, o Ambulatório de Pediatria Social da Sociedade Beneficente de Senhoras do Hospital Sírio-Libanês (HSL), além das ações já recomendadas pelo PNI, como a introdução do cartão de controle ou ficha-registro (que permite identificar se os esquemas estão completos ou não) e da busca ativa dos faltosos (quinzenalmente, por meio de carta), toma outras medidas para atingir esse objetivo. Uma delas é a solicitação aos responsáveis para que tragam a caderneta de vacinação das crianças para verificação em todas as consultas médicas e de enfermagem, bem como para outros tipos de atendimentos como, por exemplo, retirada de medicação na farmácia, inaloterapia, curativos etc.

Esse estudo tem o objetivo de descrever a cobertura vacinal das crianças com idade abaixo de seis anos, matriculadas no Ambulatório de Pediatria Social do Hospital Sírio-Libanês - HSL - de São Paulo-SP.

 

Métodos

Trata-se de estudo transversal descritivo de uma população constituída por crianças com idade inferior a seis anos, matriculadas no Ambulatório de Pediatria Social do HSL, independentemente do tempo e da regularidade de seu acompanhamento.

O Ambulatório de Pediatria Social do HSL é um serviço de saúde filantrópico criado em 1998, que realiza assistência em atenção primária, prestada por uma equipe multiprofissional às crianças de maior vulnerabilidade social residentes no Bairro da Bela Vista, em São Paulo-SP.

Os requisitos para matrícula de uma criança no Ambulatório de Pediatria Social do HSL incluem: (i) morar na região da Bela Vista, em São Paulo-SP; e (ii) pertencer a uma família com renda menor que três salários mínimos e que não possua contrato com operadora de plano de assistência à saúde ou seguradora especializada em saúde. Atualmente, o Ambulatório, que conta com aproximadamente 3.500 crianças matriculadas, não consegue atender todas as crianças que o procuram e demonstram preencher esses requisitos.

Em maio de 2004, o serviço foi registrado no Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES) do Ministério da Saúde, fazendo parte, desde então, das unidades do PNI a oferecer as vacinas recomendadas pelo Programa, participando das campanhas de vacinação contra poliomielite 1, 2 e 3 (atenuada) (VOP) e enviando relatório mensal ao Centro de Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo - CVE/SES-SP.

Os critérios de inclusão das crianças no estudo foram: (i) crianças matriculadas no Ambulatório, (ii) nas idades entre zero e 5 anos, 11 meses e 29 dias de vida, (iii) cujos responsáveis aceitaram participar do estudo. O critério de exclusão das crianças foi não apresentarem ou não portarem a caderneta de vacinação no momento do estudo.

Todas as famílias foram informadas do estudo e receberam convite, por telefone e carta (mala-direta), para participarem do estudo. A população estudada foi constituída pelo universo das crianças que preencheram os critérios de inclusão.

A coleta de dados foi obtida a partir de cópias das cadernetas de vacinação das crianças realizada no período entre 23 de fevereiro e 28 de julho de 2010. Os dados coletados foram organizados em planilhas pelo programa Microsoft Excel e analisados pelo software estatístico SPSS versão 17.

O esquema vacinal foi analisado de acordo com o Calendário Básico de Vacinação da Criança recomendado pelo Ministério da Saúde.18 Não fez parte da análise as VOP oferecidas nas campanhas. Na ocasião da coleta dos dados, as vacinas pneumocócica 10-valente (conjugada) e meningocócica C (conjugada) não faziam parte do Calendário Básico do PNI e por isso não foram incluídas na análise. Também não foram analisadas as vacinas de campanhas e as que estavam fora do Calendário Básico do PNI.

Foram adotadas as seguintes definições:19

a) Doses aplicadas

Doses de cada uma das vacinas registradas na caderneta de vacinação, sem levar em conta a data ou o intervalo entre as doses.

b) Doses corretas

Doses que se encontram no intervalo entre 7 dias para mais ou para menos da idade da criança (em dias) preconizada pelo PNI para cada uma das vacinas. Para esse indicador, foram excluídas as faixas etárias entre quatro e seis anos, porque a época de administrar os segundos reforços vacinais preconizados pelo Ministério da Saúde envolve todo esse período - e não uma determinada data, conforme a idade da criança, a exemplo das demais vacinas -; caso contrário, apenas seria possível usar o conceito de dose correta para crianças acima de seis anos, faixa etária não contemplada neste estudo.

c) Esquema vacinal básico

Doses de cada uma das vacinas com aplicação prevista para o primeiro ano de vida.

d) Esquema básico completo

Doses de cada uma das vacinas com aplicação prevista para o primeiro ano de vida, acrescentada a vacina contra sarampo, caxumba e rubéola (SCR). Ressalta-se que antes de março de 2006, o esquema básico do PNI não incluia a vacina rotavírus humano G1P1[8] (atenuada) descrita aqui como VORH, e passa a lazer parte a partir dessa data.

e) Taxa de abandono estimada

Taxa para as vacinas de múltiplas doses no esquema básico, que, convencionalmente, analisa a porcentagem de perda entre a primeira e a última dose em uma mesma coorte. Como este estudo é transversal e as cadernetas de vacinação são avaliadas em um único momento, não é possível avaliar aqui a taxa de abandono de cada criança. Porém, usa-se uma estimativa da taxa de abandono, analisando-se o diferencial entre as porcentagens da primeira e da última dose encontradas no estudo.

No esquema básico, a análise da cobertura de cada vacina para aquelas vacinas de doses múltiplas [VOP; VORH; hepatite B (recombinante) - Hep B -; e a vacina adsorvida difteria, tétano e pertussis e Haemophilus influenzae B (conjugada) - Tetravalente] é obtida pela taxa na última dose.

Pela carência de estudos que avaliem a cobertura vacinal em serviços de atenção primária à saúde no Brasil (mesmo porque a possível comparação com eles fica prejudicada pela questão temporal e metodológica),13,14 optou-se por comparar a cobertura vacinal encontrada nesse serviço com a cobertura vacinal-padrão do PNI, a partir de dados administrativos. Nessa comparação, mesmo com metodologias distintas, o diálogo é possível, pois ambas as coberturas vacinais utilizam dados por unidade de serviço, e não por local de residência, como nos inquéritos domiciliares. O cálculo da cobertura vacinal sobre os dados de produção do PNI foi realizado a partir da soma das doses administradas de 2004 a 2010, no Município de São Paulo-SP (segundo os dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde - Datasus) e sobre a média da taxa de nascidos vivos no mesmo local (segundo os dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos - Sinasc), para todas as vacinas do esquema básico; exceto para a VORH (cujos dados foram analisados no período de 2007 a 2010).

Para o cálculo da mediana da diferença entre a data das doses aplicadas e a preconizada pelo Ministério da Saúde, considerou-se a idade de quatro anos (correspondente a 1.461 dias) para os segundos reforços da vacina adsorvida difteria, tétano e pertussis (DPT) e da VOP, além da segunda dose da SCR, apesar de o PNI preconizar o período entre quatro e seis anos de idade.

Foi analisado o local onde foram realizadas as vacinas do Calendário Básico do Programa Nacional de Imunização (por meio do registro nas cadernetas de vacinação), excetuando-se as campanhas e as vacinas recebidas na maternidade, visando avaliar o percurso dos usuários a diferentes serviços de atenção primária. Realizou-se a análise da cobertura vacinal (para cada imunobiológico) e da proporção de crianças com doses corretas comparando as crianças que só receberam as vacinas no Ambulatório de Pediatria Social do HSL e as crianças que receberam as vacinas exclusivamente em salas de vacinação de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). Foi aplicado o teste de qui-quadrado de Mantel-Haenszel e estabelecido o nível de significância de 5%.

De acordo com as recomendações da Resolução CNS n°196/96, do Conselho Nacional de Saúde - Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) -, o presente estudo obteve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês (Protocolo no 2010/13) em 11/03/2010 e foi realizado após leitura, explicação, verificação da compreensão e finalmente, assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos responsáveis das crianças. Ademais, o estudo está isento de conflito de interesse.

 

Resultados

Foram obtidos dados de 475 cadernetas de vacinação, o que corresponde a 38,7% da população estimada assistida por esse serviço, na faixa etária estudada (1.227 crianças). O montante não analisado atribuiu-se (i) ao não comparecimento à instituição dos responsáveis, após contato e convite por telefone e por carta, (ii) à mudança de endereço, já que 145 das cartas voltaram (11,8%), e/ou (iii) ao fato de não terem atendido o critério de inclusão no estudo.

Das 475 cadernetas de vacinação analisadas, 76 (16%) pertenciam a crianças de com até um ano de idade, 236 (49,7%) a crianças entre um ano completo e quatro anos, e 163 a crianças (34,3%) que se encontravam com idade entre quatro e seis anos.

A cobertura vacinal para o esquema básico e para as respectivas vacinas, na amostra do Ambulatório de Pediatria Social do HSL analisada, está descrita na Tabela 1.

 

 

A proporção de crianças com esquema básico completo foi de 95,7%. E destas crianças, 30,3% tinham dois meses ou mais de idade antes de março de 2006, momento em que a vacina contra o rotavírus ainda não fazia parte do Calendário Básico de Vacinação do PNI. Assim, em 65,4% das crianças restantes, o esquema básico incluiu a vacina contra o rotavírus. A cobertura para o esquema básico foi maior ou igual a 99,0%, se excluirmos da análise a segunda dose da vacina contra o rotavírus.

Para as crianças acima de um ano de idade, a proporção das que receberam o primeiro reforço da VOP e da DPT foi de 98,4%; para o segundo reforço da VOP e da DPT, essa proporção foi de, respectivamente, 89,4% e 82,5%; e para a segunda dose da vacina SCR, de 81,8%.

A cobertura vacinal para as vacinas Hep B, Tetravalente, VOP e VORH na amostra do Ambulatório de Pediatria Social do HSL analisada foi superior à média encontrada quando se observa os dados de produção do PNI para o município de São Paulo-SP no mesmo período (Tabela 1).

A taxa de abandono estimada ficou abaixo de 1,0% para todas as vacinas de múltiplas doses; exceto para a VORH, que apresentou 1,9% de perda.

A proporção estimada de crianças que, cumprindo recomendação do PNI, receberam as vacinas BCG e Hep B na maternidade foi de 43,8% e 83,1%, respectivamente. Trata-se de um dado estimado, em que foi calculada a taxa das crianças que receberam tais vacinas até 48 horas de vida, uma vez que o estudo não contemplou o tempo de internação na maternidade.

A proporção das datas corretas variou de 34,9% para a segunda dose da Hep B a 88,4% para a primeira dose da Hep B (Figura 1).

 

 

A mediana da diferença entre a data quando foi realizada cada vacina e a data preconizada pelo Ministério da Saúde (expressa em dias) é apresentada na Figura 2. Para o esquema básico, a maior diferença entre a data realizada e a preconizada foi observada para a segunda dose da vacina Hep B.

 

 

Do total de 475 cadernetas de vacinação analisadas, em 88 delas (18,5%), todas as vacinas foram realizadas no Ambulatório de Pediatria Social do HSL; em 169 (35,5%), as vacinas foram feitas exclusivamente em serviços de atenção primária do SUS; em 203 (42,7%), parte das vacinas foi oferecida no Ambulatório e parte em serviços do SUS; e 15 (3,2%) delas só tinham recebido as vacinas da maternidade (crianças com menos de um mês de idade).

Quando comparadas as crianças que realizaram todas as vacinas no Ambulatório de Pediatria Social do HSL com as que receberam vacinas exclusivamente no SUS, não se observou diferença estatisticamente significativa da cobertura vacinal e da proporção de doses corretas (Tabela 2), para todas as vacinas, entre os serviços. Apenas para a segunda dose da VORH foi evidenciada uma tendência de diferença entre os serviços (p=0,07067), porém acima do nível de significância de 5%, considerado neste estudo (Tabela 2).

 

 

Discussão

A cobertura vacinal das crianças com menos de seis anos de idade matriculadas no Ambulatório de Pediatria Social do Hospital Sírio-Libanês, na amostra captada, mostrou-se adequada à recomendação da OMS (acima de 95,0%), tanto para as vacinas do esquema básico quanto para os primeiros reforços das vacinas DPT e VOP. Além disso, foi observada uma baixa taxa de abandono estimada para as vacinas do esquema básico com doses múltiplas. Não obstante a cobertura adequada, o cumprimento das vacinas nas datas preconizadas ficou abaixo de 60,0% para a maioria das vacinas. Isso indica que apesar de um desempenho ativo (busca de faltosos, verificação das cadernetas de vacinação em todas as consultas e trajeto terapêutico etc.), há escapes quanto ao cumprimento das doses corretas.

O estudo não mostrou diferença da cobertura vacinal e das proporções de doses corretas quando comparadas as crianças na amostra analisada que receberam vacinas apenas no Ambulatório de Pediatria Social do HSL ou apenas no SUS. Isso sugere que as ações visando melhorar a efetividade das práticas de imunizações realizadas pelo serviço analisado não se diferenciaram.

O descumprimento da data preconizada pelo PNI pode aumentar a vulnerabilidade das crianças às doenças preveníveis por vacina, conforme a situação epidemiológica dos patógenos. Atualmente, o Brasil e o mundo se deparam com a reemergência da coqueluche20 e a proporção de doses corretas de 43,9% para a terceira dose da Tetravalente (mesmo numa situação de elevada cobertura vacinal) pode pôr em risco a proteção dessas crianças à infecção pela Bordetella pertussis, por exemplo.

A VORH em especial, devido a sua restrição no prazo das doses, apresentou a menor cobertura: 95,7%. Isso reforça que a perda, neste caso, também está associada à defasagem entre a data preconizada e a efetiva vacinação das crianças.

A queda da cobertura vacinal, de 95,7% do esquema básico para 82,0 a 89,0% dos esquemas preconizados para a faixa etária entre quatro e seis anos de idade (os segundos reforços da DPT e da VOP; e a segunda dose da vacina SCR), evidencia a dificuldade em captar as crianças nessa faixa etária, pois frequentam menos os serviços de atenção primária. Vale ressaltar que o estudo foi realizado em crianças abaixo de seis anos de idade e, portanto, os reforços preconizados para crianças de quatro a seis anos ainda estavam em tempo de serem realizados. Por este motivo, essas vacinas não entraram no cálculo das doses corretas exposto aqui anteriormente (Figura 1). Assim, a queda da cobertura não significa, necessariamente, um descumprimento do calendário básico do PNI mas evidencia a proporção de crianças todavia sem a proteção necessária dessas vacinas.

No tocante à comparação dos dados deste estudo com os dados administrativos disponibilizados pelo PNI, as coberturas vacinais pelos dados de produção mostraram taxas acima de 100,0% para a vacina BCG e para a vacina SCR (Tabela 1), sugerindo problemas nesses indicadores - possivelmente relacionados ao denominador - tanto pelo uso de dados secundários dos sistemas de informações quanto pelo processo de coleta.6,11

O presente estudo revelou alta proporção de crianças da amostra captada que percorreram mais de um serviço de atenção primária, e maior porcentagem de usuários d os serviços do SUS (78,2%). Entre estes, quase 42,7% tinham vacinas realizadas tanto no Ambulatório de Pediatria Social do HSL quanto em outras unidades básicas do Sistema; e 35,5% tinham vacinas realizadas exclusivamente no SUS. Esses dados demonstram, por um lado, credibilidade e legitimidade das ações de imunização do PNI para esse segmento populacional, conquistadas pelos serviços de atenção primária à saúde do SUS, tanto no aspecto da prática quanto na qualidade desses serviços; contudo, os mesmos dados também revelam grande mobilidade territorial dos usuários e seus responsáveis, o que dificulta sua adesão e vínculo a esses serviços e ações específicas de imunização, e demais ações disponibilizadas (tanto no SUS quanto no serviço filantrópico complementar).

A elevada proporção de correspondências que voltaram no momento de convocação ao estudo (11,8%) pode sugerir grande mobilidade da população estudada e/ou utilização do endereço de conhecidos por ocasião da matrícula no serviço (já que o local de residência no bairro da Bela Vista é um dos pré-requisitos para a matrícula), corroborando a evidência do alto índice de crianças que percorrem diversos serviços de atenção primária.

Outra limitação do estudo foi o possível viés de baixa captação e, consequentemente, a análise da cobertura vacinal de apenas 38,7% das crianças na faixa etária preconizada, matriculadas no Ambulatório. Provavelmente, o comportamento dos pais/responsáveis que buscam mais o serviço - e que possibilitou maior adesão ao estudo - difere do comportamento daqueles que não aderiram ou não foram à unidade de saúde no período. É de se esperar que os filhos desses pais recebam deles uma atenção e preocupação maior com sua saúde e, por conseguinte, apresentem uma melhor cobertura vacinal do que as crianças que frequentam pouco a unidade. As consequências dessa elevada perda na captação da amostra são, sobretudo, o comprometimento da validação interna e a possível superestimação da cobertura vacinal, ao recrutar-se um grupo mais assíduo ao serviço.

Um fator que poderia minimizar o viés de captação seria uma certa homogeneidade, do ponto de vista socioeconômico, da população a ser atendida, a partir dos critérios exigidos para matrícula no Ambulatório de Pediatria Social do HSL. Pressupõe-se que a amostra analisada se aproxime mais do que representaria o universo de estudo, se comparado com o de outros serviços de atenção primária de porta aberta, que acolhem usuários de distintas condições socioeconômicas e culturais.

Ademais, vale ressaltar a imprecisão do universo dessa população, ou seja, da estimativa do número total de crianças matriculadas (1.227). A alta mobilidade dessa população e a grande proporção de correspondências convocatórias que voltaram sugerem que esse total, provavelmente, seja menor e, dessa forma, possa contribuir para melhorar a validade interna da amostra captada.

Mais um potencial viés de seleção da amostra estaria no fato de o serviço não conseguir matricular todas as crianças que preenchem seus critérios para cadastro, havendo uma demanda reprimida não caracterizada. Outra limitação do estudo seria não contemplar a análise da regularidade ou adequação do seguimento das consultas de pediatria e puericultura. Assim, a real efetividade das ações do serviço visando alcançar elevada cobertura vacinal de seus usuários ficou prejudicada.

Poucos são os estudos na literatura que analisam a cobertura vacinal em serviços de atenção primária à saúde no Brasil, além do que o diálogo com eles fica prejudicado pela distância temporal e diferenças metodológicas.13,14 Tradicionalmente, as avaliações de coberturas vacinais são realizadas em uma determinada população, sobre macro ou microrregiões, mediante inquérito domiciliar, dados de produção ou análise da cobertura vacinal em dias de campanha de vacinação.6,10-12

Apesar da grande importância desses estudos, faltam trabalhos que foquem, especialmente, a população assistida por determinado serviço de saúde. A temática a envolver imunização e serviços de saúde explorada na literatura científica, mais que a análise da cobertura vacinal na população à qual o serviço serve de referência, aborda a oportunidade perdida de vacinação (OPV).15-17

Este estudo evidencia a relevância de se analisar a efetividade das ações de vacinação no âmbito do próprio serviço de saúde, para posterior programação de estratégias visando à melhoria da imunização de seus próprios usuários. A análise por serviço permite a identificação de possíveis falhas locais, peculiaridades e/ou vulnerabilidade de uma determinada população e, assim, possibilita a programação de ações com o objetivo de melhorar o acesso, a adesão e o acolhimento dos usuários.

 

Agradecimentos

Agradecemos à equipe técnica e administrativa do Ambulatório de Pediatria Social do Hospital Sírio-Libanês, em especial, às auxiliares de enfermagem Elide Aparecida Alves e Neuza Lopes Guimarães Silva pelo carinho e dedicação que lidam com os usuários na sala de vacinação. Agradecemos ao Dr. Gonzalo Vecina Neto e ao Dr. Sérgio F. R. Zanetta pelo apoio institucional da Filantropia do Hospital Sírio-Libanês.

 

Contribuição dos autores

Barbieri CLA conduziu o estudo e a redação do artigo.

Dias C e Santos MAN participaram da coleta dos dados.

Veras MASM contribuiu na interpretação dos dados e revisão críticao.

Moraes JC contribuiu na análise e interpretação dos dados.

Petlik MEI contribuiu na orientação da pesquisa e da revisão crítica e final do artigo.

Todos os autores participaram da revisão final do artigo.

 

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19. Portaria n° 3.318, de 28 de outubro de 2010. Institui em todo o território nacional, o calendário básico de vacinação da criança, o calendário do adolescente e o calendário do adulto e idoso. Diário Oficial da União, Brasília, p.105, 29 out. 2011. Seção 1 [acessado em 19 set. 2011]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt3318_28_10_2010.html.

20. Governo do Estado de São Paulo. Secretaria da Saúde. Centro de Vigilância Epidemiológica "Prof. Alexandre Vranjac". Informe técnico. Situação epidemiológica da coqueluche: cenário global. São Paulo: Secretaria de Saúde; 2011 [acessado em 21 mai. 2012]. Disponível em: http://www.cve.saude.sp.gov.br/htm/resp/pdf/IF11_COQUELUCHE.pdf.

 

 

Endereço para correspondência:
Carolina Luisa Alves Barbieri -
Rua Peixoto Gomide, 337, Bela Vista ,
São Paulo-SP, Brasil.
CEP: 01409-001
E-mail:
calubarbieri@gmail.com

Recebido em 26/09/2012
Aprovado em 29/01/2013